O ANGOLA DE AMANHA1
Perspectivas para uma PAZ duradoura.
Excelências,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Distintos Convidados,
Agradeço, em primeiro lugar, aos organizadores da presente iniciativa que
certamente contribuirá para um maior estreitamento das relações institucionais,
comerciais e de amizade entre Angola e a Alemanha. Refiro-me em particular a
Friedrich Ebert Stiftung, a Sociedade Alema-Angolana, a Embaixada da Republica de
Angola na Alemanha, bem como a todos quantos tenham contribuído para esta
jornada sobre Angola.
Saúdo em especial todos os participantes a este Painel que, com a sua presença,
demonstram um interesse particular por Angola.
O momento escolhido não poderia ser melhor porquanto Angola vive desde Fevereiro
do corrente ano uma Paz irreversível depois de quase um total de mais de 40 anos
de guerra, primeiro pela Independência Nacional e, mais tarde, continuada entre
irmãos angolanos num misto de envolvimento externo e de vitimizacao pela "guerra
fria".
Esta nova situação cria um quadro que abre as portas de Angola para a reconstrução
e o desenvolvimento e amplas perspectivas para o investimento rentável e seguro,
num Pais em que praticamente tudo terá de ser construído a partir do zero e no qual
existe já uma tradição de participação de cidadãos e empresas alemães que pode
agora ser retomada em condições vantajosas, de rentabilidade e estabilidade política,
económica e social.
I. O actual estado do processo de Paz: oportunidades e riscos.
Depois de inúmeras iniciativas fracassadas no sentido de se fazer cessar o longo
conflito entre angolanos, nomeadamente a assinatura do Acordo de Bicesse
(Portugal) e mais tarde do Protocolo de Lusaka (Zâmbia), a Mesa Redonda de
Bruxelas, a criação e oferta a Jonas Savimbi e a aprovação de um total de 9 leis de
amnistia, apenas a morte de Savimbi, a 22 de Fevereiro do corrente ano, veio abrir
definitivamente aos angolanos a possibilidade de se alcançar a Paz definitiva.
A assinatura, a 4 de Abril do corrente ano, do Memorandum de entendimento militar
entre as Forcas Armadas Angolanas e a Chefia militar da UNITA teve em vista
terminar o desarmamento das forcas da UNITA que permitirao transformar o maior
1
BORNITO DE SOUSA - Advogado, Professor Assistente de Ciencia Politica e Direito Constitucional da
Universidade Agostinho Neto (Luanda), Lider maioritario no Parlamento de Angola, Vice-Presidente da Comissao
Constitucional do Parlamento e ex-Vice-Presidente da Assembleia Parlamentar Paritaria ACP-Uniao Europeia.
1
Partido da oposicao angolana, numa forca politica não militar e avancar-se para a
conclusao das tarefas inacabadas do Protocolo de Lusaka, com a comparticipacao
das Nacoes Unidas e da “Troika” de paises observadores (Os Estados Unidos da
America, a federacao Russa e Portugal).
O facto de, pela primeira vez, o acordo ter sido negociado exclusivamente pelos
proprios angolanos e o empenho serio e responsavel do Governo e da UNITA na
aplicacao do Memorandum, bem como os resultados positivos evidentes e o facto de
ninguem ter sido humilhado, são a garantia de que a Paz tem agora um caracter
definitivo e irreversivel.
Com efeito, de um total de cerca de 55 mil soldados da UNITA e 300 mil civis
previstos, estao neste momento nas areas de acantonamento um total de 78.800
militares (incluindo efectivos das denominadas “Guarda Nacional Republicana”,
“Sentinelas do Povo” e “Quadros militares administrativos” não previstos
inicialmente) e 236.490 civis, enquanto foram entregues cerca de 25 mil armas
ligeiras e 125 pesadas.
Estao igualmente nessas areas, 635 militares estrangeiros, sendo 609 das antigas
forcas militares da Republica do Zaire (actual Republica Democratica do Congo) e 26
do Ruanda.
Entretanto, o Governo de Angola tem estado a suportar quase que exclusivamente
todo o pesado esforco de abstecimento logistico a estes soldados e as populacoes
(em especial mulheres e criancas) que chegam num pessimo estado de saude e
bastante mal-nutridos.
Se se considera que existem ainda cerca de 4 milhoes de deslocados, 100 mil
mutilados, 50 mil criancas orfas de guerra, um total de 150 mil soldados por
desmobilizar e varias areas por desminar, entao torna-se absolutamente urgente o
recurso ao apoio das Agencias das Nacoes Unidas e dos doadores internacionais
(paises e organizacoes) para evitar um desastre humanitario e a continuacao da
perda de vida de angolanos ja depois da Paz alcancada.
O apoio urgente a estes militares e populacoes em alimentacao, medicamentos,
roupas, tendas e outros bens de primeira necessidade , bem como a sua posterior
formacao e reinsercao profissional e social designadamente no quadro do chamado
Servico de Reconstrucao Nacional, sao o preco que se tem de pagar para se evitar o
risco de algumas perturbacoes sociais no futuro.
O Governo de Angola continuara a utilizar todos os recursos ao seu alcance e
tornara' publico, em breve, um Apelo detalhado aos doadores e a comunidade
internacional para que se juntem urgentemente ao esforco angolano para se fazer
face a esta grave situacao.
De qualquer modo, o dado adquirido e' que o unico real vencedor e' o Povo angolano
e que a Paz, desta vez, e' definitiva e irreversivel. Esta e', por isso, uma oportunidade
que nao pode ser perdida.
2
II. Os elementos essenciais para a fase politica do processo de paz e para
uma transicao ate as proximas eleicoes.
Concluidas as tarefas militares, ou seja, a desmilitarizacao da UNITA, a prioridade
sera para a agenda politica do processo de Paz que ira culminar com a retomada da
completa normalidade constitucional em Angola.
Uma atencao especial sera dada ao debate nacional e a auscultacao de todos os
sectores da sociedade, nomeadamente os Partidos, as Igrejas, as Associacoes socioprofissionais e civicas, as ONG's e outras organizacoes representativas dos cidadaos.
Inserem-se neste particular, o debate nacional relacionado com a elaboracao e
aprovacao da nova Constituicao de Angola, a que se seguira a organizacao da
logistica eleitoral e a aprovacao da correspondente legislacao, bem como a
prepracao das proximas eleicoes legislativas e presidenciais a serem realizadas em
tempo util.
Questoes capitais como a tolerancia e a reconciliacao nacional, o respeito pela
dignidade humana, a igualdade de oportunidades e a redistribuicao mais justa da
riqueza nacional, a boa governacao, a consolidacao da Paz e da democracia e as
grandes opcoes para a reconstrucao e o desenvolvimento economico e social de
Angola, terao particular destaque.
Por seu lado, a Assembleia Nacional, o Parlamento de Angola, ocupara um lugar
central nessa fase.
Simultaneamente, Angola continuara a desempenhar o seu papel construtivo na
pacificacao e estabilizacao politica e economica da regiao da SADC (Angola ocupara
em breve a Presidencia da SADC) e da Africa Central, bem como procurara assumir o
adequado protagonismo internacional candidatando-se para Membro nao
permanente do Conselho de Seguranca das Nacoes Unidas no periodo de 2003 a
2004 e desempenhando papel positivo na nova Uniao Africana que substituira a OUA.
III. O futuro de Angola: Reconciliacao, Democratizacao e
Desenvolvimento.
O Governo de Angola e o Presidente Jose Eduardo dos Santos mantem o seu
empenho na continuacao do aprofundamento das reformas politicas, economicas e
sociais em Angola iniciadas, alias, em pleno periodo de conflito e realizadas com a
persistencia e sacrificio que alguns paises nao foram capazes de realizar mesmo em
condicoes de paz.
Entretanto, continuam a ser apontadas varias criticas relacionadas com uma pretensa
ma gestao, corrupcao, desvio de recursos orcamentais e insensibilidade do Governo
e da lideranca politica pelo sofrimento das populacoes vitimas da guerra.
Se e' verdade que a gestao da coisa publica em Angola nao esta isenta de
3
imperfeicoes e sem prejuizo das averiguacoes que as competentes autoridades
nacionais e internacionais podem realizar, muitas das acusacoes se baseiam em
especulacoes politicas ou em dados nao confirmados, outras omitem o esforco
financeiro que vinha custando ao Governo gerir em condicoes de sucessiva,
deliberada e gratuita destruicao das infra-estruturas economicas e sociais e de
impedimento da circulacao de pessoas e mercadorias pelo Pais.
Do mesmo modo, algumas se baseiam no pressuposto errado de considerar que
todo o petroleo produzido em Angola pertence ao seu Governo, outras apreciam a
eventual corrupcao numa perspectiva estatica e outras ainda, baseiam-se em factos
que ocorreram no passado em operacoes feitas para salvaguardar a soberania do
Estado angolano e a sobrevivencia da propria Democracia contra a subversao
conduzida por "democratas" que, por vezes, alguns dos autores dessas acusacoes
apoiaram, enfraquecendo assim os fundamentos da propria boa governacao.
Nao ha a minima duvida sobre o caracter pernicioso da corrupcao e da ma gestao
que nao podem aqui ser protegidos ou defendidos, mas e' de justica que se registem
sobretudo os passos que tem vindo a ser dados em Angola, com a comparticipacao
das instituicoes financeiras internacionais (O FMI e o Banco Mundial) no sentido de
melhorar progressivamente o desempenho economico e social do Programa do
Governo e a transparencia na gestao publica.
Especialmente desde 1999 foram feitas corajosas reformas economicas no sentido da
transparencia, boa-governacao e responsabilizacao publicas, tais como:
1. A auditoria externa (por uma das "big five") das contas do Banco Nacional de
Angola;
2. O diagnostico do sector petrolifero por uma empresa internacional contratada pelo
Banco Mundial;
3. A auditoria externa as empresas publicas SONANGOL (Petroleos) e ENDIAMA
(Diamantes), bem as suas subsidiarias;
4. A criacao do Tribunal de Contas;
5. A modernizacao da Administracao Publica;
6. A modernizacao das Alfandegas, com contrato de gestao pela empresa britanica
"Crown Agents";
7. O estabelecimento de um Programa de privatizacao de empresas publicas;
8. O inicio da reforma fiscal;
9. A modernizacao do sistema financeiro, nomeadamente com a introducao do
"dinheiro de plastico";
10. O inicio da concessao de creditos bancarios de acordo com as regras de
mercado;
11. Reducao da taxa de inflaccao de tres digitos, aproximando-se dos dois digitos;
12. Estabilizacao relativa da taxa de cambio;
13. Reajustamento dos precos de bens e servicos sob o regime de precos fixados
(combustiveis, agua e electricidade);
14. Alargamento do leque de empresas sujeitas a auditoria externa obrigatoria;
15. Obrigacao das entidades do sector publico realizarem as suas contratacoes ou
aquisicoes atraves de concurso publico ou consulta ao mercado nacional;
16. A celebracao de Contratos-Programa com as pricipais empresas publicas;
17. Aperfeicoamento da legislacao comercial, sobre as sociedades comerciais, sobre
4
as terras e sobre o investimento privado (nacional e estrangeiro);
18. A liquidacao progressiva da divida publica interna;
19. Em 2001, pela primeira vez, a verba orcamentada para o sector social
ultrapassou o valor da verba para a Defesa.
Angola continua os esforcos no sentido de atingir padroes elevados de gestao e de
desempenho da economia nacional, em estreita cooperacao com as instituicoes de
Bretton Woods (FMI e Banco Mundial) e com as organizacoes multilaterais como a
SADC e a Uniao Europeia (no quadro do Acordo ACP-UE de Cotonou).
Entretanto, se fenomenos como a corrupcao sao extremamente preocupantes, nao
deixa de ser grave, em face da situacao excepcional que Angola vive e da reforma
economica em curso, que cerca de 40% do Orcamento do Pais seja absorvido pela
divida externa, sem que as instituicoes financeiras internacionais e os credores
tenham um gesto positivo de cancelamento, reducao ou, no minimo, de
reescalonamento dessa divida.
A reconciliacao nacional e a democratizacao do Pais, nomeadamente com o
consequente fortalecimento da oposicao parlamentar e a maior vigilancia e interresse
por parte dos cidadaos e da imprensa, a par de uma nova geracao mais exigente em
relacao aos valores democraticos e da boa gestao, sao uma garantia de que o afropessimismo nao encontrara campo fertil em Angola.
IV. Angola: um mercado promissor.
Angola e' um mercado promissor, com uma populacao empreendedora e inteligente,
bastantes recursos naturais, diversidade geografica, com petroleo, diamantes, ouro,
etc., mas igualmente com uma significativa rede hidrografica e grandes
potencialidades turisticas. Angola e' um Pais de que se pode dizer que tem um pouco
de tudo.
O que esta a ser programado em termos de reconstrucao e de desenvolvimento
equilibrado do territorio nacional?
Basicamente, tres etapas fundamentais:
1. Um Programa imediato de reabilitacao das principais infra-estruturas economicas e
sociais (Ano 2002);
2. Um Programa de Reconstrucao de medio prazo (Provavelmente para 3 anos: 2003
a 2005); e
3. Um Programa de Desenvolvimento de Longo prazo (Para 10 a 15 anos).
Em resumo, como prioridades para o Estado e areas para potencial investimento,
podem apontar-se, dentre outras:
1. A consolidacao da Paz e da Reconciliacao Nacional;
2. A renovacao da legitimidade das instituicoes democraticas, incluindo agora as do
poder local, a organizacao da Administracao Publica, a elevacao da transparencia
governativa e a defesa e garantia dos direitos humanos;
3. A educacao e a formacao tecnico-profissional;
5
4. A saude, a habitacao e a assistencia social e humanitaria;
5. A reparacao e construcao de novas infra-estruturas para o desenvolvimento, tais
como agua potavel, energia, estradas e pontes, caminhos de ferro, portos e
aeroportos, telecomunicacoes, construcao e materiais de construcao, ordenamento
do territorio, saneamento basico, gestao das terras e desminagem;
6. A agricultura, a silvicultura, a pecuaria e as pescas;
7. A criacao de emprego e a melhoria da qualidade de vida da populacao;
8. A redinamizacao da industria e o lancamento do turismo;
9. A estabilizacao macro-economica, com destaque para as politicas monetaria,
fiscal, de credito e de investimento privado;
10. O reforco das instituicoes da Justica, a manutencao da ordem publica e a
organizacao da Proteccao civil.
V. Angola - Alemanha.
A historia das relacoes entre Angola e a Alemanha tem o seu passado assente pelo
menos na permanencia de cerca de tres geracoes de alemaes em Angola e de uma
incipiente actividade de algumas empresas alemaes no periodo anterior a
Independencia de Angola.
A guerra iniciada nos anos 70 em Angola interrompeu esse relacionamento e
conduziu a perturbacao da posse de algumas terras e patrimonio e ate a tragica
perda de vidas humanas.
Deu, assim, origem a alguns processos pendentes a que se somou a questao da
divida de Angola relacionada com a ex-RDA.
Isso nao impediu a participacao positiva da Alemanha no esforco para aliviar o
sofrimento dos angolanos, nomeadamente atraves da ajuda humanitaria e de
emergencia, de projectos de desminagem, de ajuda aos deslocados e de reabilitacao
fisica de vitimas da guerra, em especial criancas.
O quadro agora existente com a Paz em Angola, nao so pode abrir novas
perspectivas para a resolucao equilibrada das questoes pendentes entre os dois
Governos e os particulares envolvidos, como, e sobretudo, estabelece condicoes
ideais para que as empresas alemaes possam, com a experiencia, o "know-how" e a
tecnologia de que dispoem, investir em Angola numa dimensao estrategica.
O projecto de reabilitacao e construcao da rede ferroviaria , em estudo, e' apenas
um exemplo do muito que pode ser feito em Angola, num quadro bilateral ou no
ambito dos projectos de desenvolvimento regional.
Em Angola ha que fazer tudo a partir do zero e simultaneamente em todo o Pais.
Agradeco a vossa atencao.
(Berlim, 13 de Junho de 2002)
6
Download

O ANGOLA DE AMANHA1 - Bibliothek der Friedrich-Ebert