Comunicação e mudança de atitude:
Caso do cemitério vertical de Santos
BATAN, Marco Antonio
Doutor em Ciências da Comunicação (USP). UNISANTOS-SP
Resumo:
Este estudo de caso aceita a possibilidade da comunicação interferir no receptor de
maneira a conseguir uma mudança de atitude deste e, assim, influenciar o seu
comportamento. No mínimo, o emissor pretende que o alvo concorde com a sua
opinião. A dificuldade na constatação dessas mudanças, via comunicação está em isolar
um objeto de estudo, que seja suficientemente inovador, confinado em tempo e área
geográfica específicos para que seja demonstrável a mudança nos elementos cognitivos,
afetivos e comportamentais e o esforço intencional da mídia e da propaganda com
aquele propósito. A implantação da idéia do cemitério vertical em Santos, realizado
como Necrópole Ecumênica Memorial nos anos 80 e que chegou ao Guiness Book na
década seguinte, fornece os componentes para uma avaliação da utilização da
comunicação na mudança de atitude, conforme propõe este trabalho.
Palavras chave: Propaganda. Persuasão. Opinião pública,
A mudança de atitude no lançamento de projeto inovador
Este estudo aceita a premissa de que toda propaganda é persuasiva, ou seja,
pretende fazer, no mínimo, com que um indivíduo concorde com o ponto de vista de
quem faz a propaganda. E quando há uma idéia inovadora certamente existe um grupo
de indivíduos contrários à inovação movidos pelo conformismo proporcionado pela
idéia antiga que se pretende substituir. Da mesma forma, existe um grupo contrário,
inovador, movido pela individualidade e a atração do novo e exclusivo proporcionado
pela nova idéia. Autores como (Levitt,1990), (Kotler,1986) e (Hirschman,1983) ao
estudarem a difusão de inovações apontam a possibilidade maior de ocorrer o fracasso
do que o sucesso de empreendimento inovador. Qualquer passagem de um indivíduo de
um grupo para o outro pressupõe mudança de atitude. O papel da comunicação
persuasiva nessa mudança de atitude, se é que houve, é o que se pretende apurar no
estudo da implantação do cemitério vertical de Santos.
No caso da necrópole Memorial, como as atitudes ou comportamentos a serem
influenciados aconteceram num período curto de tempo entre 1982 e 1986 e os esforços
persuasivos concentraram-se entre 1982 e 1983, quando ainda não tinha sido construído
o cemitério vertical e, portanto, não existiam lóculos à venda, uma das correntes teóricas
da persuasão da propaganda não deve ser considerada. Aquela que pressupõe que a
propaganda age mais diretamente sobre o comportamento e predispõe à compra do
produto, sem que o indivíduo se dê conta de que está alterando a sua forma habitual de
pensar ou sentir. Neste estudo, torna-se adequado apenas considerar a tentativa de
persuadir para mudar a atitude. Para tanto, serão utilizadas como referencial teórico para
análise, as investigações sobre a propaganda e mudança de atitude do psiquiatra inglês
J.A.C. Brown.
Na versão atitudinal da persuasão, segundo uma simplificação proposta pela
publicitária Vera Aldrighi, a propaganda atua sobre o indivíduo transmitindo e
ensinando formas de pensar, sentir e agir favoráveis ao objeto. Se a comunicação for
bem–sucedida em formar atitudes adequadas estará, automaticamente, promovendo o
comportamento esperado. Isso porque os indivíduos tendem a ajustar o seu
comportamento às suas atitudes (Aldrighi, 1989). Algumas técnicas de persuasão de
propaganda explicitam como princípios os fatos de que todo comportamento é baseado
em crenças, essas crenças programam o comportamento das pessoas e, portanto,
mudanças de comportamento implicam obrigatoriamente em mudanças de crenças.
Os estudos de J.A.C. Brown sobre as mudanças de atitudes a começar pela
necessidade de diferenciar as opiniões, atitudes e traços de caráter são esclarecedores.
Segundo ele, as opiniões são sustentadas brevemente e tendem a refletir o sentimento
público do momento. São prontamente modificadas e podem ser suscetíveis à
propaganda. As atitudes, pelo contrário, tendem a refletir as de um grupo com que o
indivíduo esteja associado. Normalmente têm raízes em traços de caráter que levam o
indivíduo a escolher entre os estímulos que constantemente atuam sobre os seus
sentimentos, aqueles em harmonia com suas próprias crenças profundamente arraigadas.
Esses traços de caráter são extremamente resistentes a mudanças e são absolutamente
impenetráveis à propaganda. (Brown, 1965, 55)
Segundo pesquisas relatadas por Brown, esforços para mudar atitudes ou
preconceitos sociais experimentalmente pela disseminação de informações ou por
argumentos variaram entre nenhuma mudança, mudanças discretas e mudanças
negativas. As razões apontadas para isso foram que as atitudes arraigadas tendem a
fazer parte de um padrão integrado de crenças, incapazes de serem modificadas uma a
uma; atitudes periféricas só podem ser modificadas alterando-se coletivamente as
atitudes do grupo; procurar alterar atitudes de um indivíduo por meio de instrução direta
é subentender estar ele errado, o que é interpretado como um ataque e não podem ser
ensinadas pessoas que sentem estar sendo atacadas. (Brown, 1965, 66)
Além das mudanças provocadas pelo grupo, outra maneira pela qual podem ser
formadas as atitudes de grupos ou indivíduos é uma resposta à frustração, que leva ao
desejo de tornar a vida menos desagradável, modificando nossas atitudes em face da
situação. Assim, os indivíduos reagem aos reveses fingindo para eles mesmos que as
coisas poderiam ser piores, substituindo o objetivo não atingido por um sucedâneo para
o qual é deslocada a emoção original, reconhecendo nos outros os impulsos que eles não
querem reconhecer em si mesmos, procurando outra meta através de impulso que não
entrou em ação na frustração original, desejando ser o mesmo que a maioria,
identificando-se ou projetando-se em outros ( Brown, 68-72). As constatações de Jack
Trout sobre as dificuldades de tentar contrariar as mentes do público alvo (Trout) são
compartilhadas por Brown quando é categórico ao afirmar: “como outras formas de
propaganda, a publicidade pode acelerar ou retardar tendência, porém não pode invertelas”.(Brown,1965, 179)
A idéia de construir um cemitério vertical particular em Santos, na década de
oitenta, era inovadora no Estado de São Paulo e passível de todo o tipo de pressões e
tentativas de persuasão e manipulação. Da divulgação da idéia à implantação
transcorrem fatos que são um campo de estudo da comunicação conveniente para a
proposta de mudança de atitudes.
A implantação do cemitério vertical em Santos
Em março de 1983, numa área de 18.000 m² no sopé do Morro do Marapé, no
centro urbano de Santos, foi lançada a pedra fundamental do cemitério vertical, que
mais tarde se tornou também um polo turístico para a cidade. A Memorial Necrópole
Ecumênica de Santos é reconhecida como a necrópole mais alta do mundo pelo Livro
Internacional dos Recordes, o Guiness Book, edição de 1990. Com seus dez andares e
18.000 lóculos, que é o nome dado ao espaço onde são encerrados os corpos, o
cemitério vertical não era, nessa época, uma idéia original, pois já existia similar na
cidade de Porto alegre, nos Estados Unidos e Europa, ainda que não tão altos. Assim, o
empreendimento trazia para a região duas idéias inovadoras: a idéia de cemitério
particular, recém introduzida em São Paulo com os cemitérios parque e a de cemitério
vertical. Ambas foram alvos da resistência comum a qualquer projeto inovador.
Apesar do bispo diocesano da época não se opor à construção do cemitério, os
moradores da vizinhança, entre eles alguns fiéis da paróquia católica do bairro, achavam
uma aberração ter como vizinho um prédio onde se enterram mortos. Dessa forma o
projeto, além de resolver o problema da falta de espaços dos cemitérios de Santos, que
era gravíssimo, também precisava desmistificar a imagem que se tem de um cemitério
como coisa macabra e indesejável no centro urbano. Depois de pronto, a estratégia
adotada pelo Memorial para este fim foi promover em seu espaço além de missas,
eventos culturais, como corais, concertos e apresentações de cantores e poetas famosos,
o que acontece até hoje. Além disso, o plano paisagístico deu vida ao local, que possui
lagos com carpas e cachoeiras e um enorme aviário com vegetação e araras, pavões,
garças e outras atraentes aves raras, acrescentando som da natureza e colorido ao local.
Quanto aos cuidados ambientais dos empreendedores, destaca-se o fato dos
corpos sepultados não entrarem em contato com a terra porque a necrópole foi
construída em uma antiga cava de pedreira, o que afasta qualquer tipo de poluição
ambiental. Os lóculos recebem tratamento interno com impermeabilizante e os caixões
são guardados com uma proteção plástica. Foi previsto também um sistema exclusivo
de dutos que conduzem os gases à atmosfera através de exaustores
A pedreira no final da Rua Joaquim Távora, no Marapé, um bairro densamente
povoado, foi desativada pela Companhia Docas de Santos depois de utilizá-la durante
anos para construir o Porto de Santos. O local, que serviu como garagem e depósito de
ônibus antes da construção da necrópole, era conhecido pela presença de um cruzeiro
cercado de histórias e lendas de milagres, assassinatos e até de enforcamentos. A Cruz
de Pedra ou Santa Cruz do Marapé, como é conhecida pelos moradores da redondeza,
servia para orações e despachos. O local também convivia com muita sujeira e um clima
assustador provocado pela fuligem da queima constante de velas e era freqüentado por
drogados e marginais que se aproveitavam da escuridão e abandono a que era relegada a
região pelas autoridades.
A situação do sepultamento em Santos sofreu transformações desde a década de
setenta. O serviço funerário municipal passou da iniciativa particular para somente duas
irmandades benemerentes, a Santa Casa de Misericórdia e a Beneficência Portuguesa,
mas o descontentamento com os preços cobrados era constantemente enfatizado através
da mídia. Na tabela de preços dos concessionários constava, inclusive, o item
quilometragem, contemplando o valor da distância percorrida pelo cortejo fúnebre do
velório até o cemitério. Em Santos, existiam apenas três cemitérios quase que
totalmente lotados. O Paquetá, destinado aos associados de confrarias e irmandades
católicas e pessoas influentes da sociedade. Nele, até hoje, são enterrados os ricos e
famílias tradicionais de Santos que detém uma sepultura perpépua. Entre outros, estão
no Paquetá os túmulos dos poetas Martins Fontes, Vicente de Carvalho e do governador
Mario Covas. O Saboó ou Cemitério da Filosofia, também era vítima da venda perpétua
de túmulos, que fazia com que algumas famílias detivessem um pedaço de terra
proporcional à sua riqueza e seu ego.
Na década de oitenta só era possível conseguir uma vaga através da influência de
algum político, que se utilizava disso como moeda de troca para as eleições. O humilde
Cemitério da Areia Branca era o que restava para a maior parte da população, mas já
estava próximo da saturação e desagradava a classe média, que tinha vergonha de
enterrar seus mortos ali. O que há em comum aos três é o solo ruim, de mangue, no qual
o lençol freático encontra-se a aproximadamente um metro. Dessa forma, com a maré
alta ou chuva forte as sepulturas eram encharcadas.
A empresa Progresso e Desenvolvimento de Santos responsável pelo
planejamento oficial de Santos, PRODESAN, desenvolvia estudos na época para
aumentar a altura dos muros dos cemitérios e permitir o emparedamento dos sepultados
em gavetas. Portanto, a idéia da verticalização não era estranha para as autoridades e era
até cogitada de forma simplista como possibilidade para a crise de espaço nos
cemitérios. Para que se possa avaliar essa carência de espaço basta lembrar que 99,46%
da população de Santos residem em parte da Ilha de São Vicente que representa apenas
14,6% da área do município e onde se encontram os cemitérios. Nos 85,4% da área
continental mora uma insignificante parcela da população santista. Existe ali muita área
de preservação ambiental mas infelizmente não há acesso entre a parte insular e a
continental, o que só é possível através da passagem por outros municípios vizinhos. Na
parte insular ainda existe o Porto de Santos com seu retro porto que ocupa parcela
significativa da pouca terra disponível.
Das viagens à Europa e Estados Unidos de dois empreendedores do ramo da
hotelaria surgiu a idéia da solução vertical para os sepultamentos, conhecedores que
eram da necessidade santista. Eles também inovaram com o nome Memorial, com
entonação aguda de Memórial e a introdução do termo “lóculo” ao espaço destinado ao
sepultamento, o que até então era chamado de “gaveta” ou “carneira” nos cemitérios
convencionais que utilizavam espaços individuais em seus muros. Isso fazia parte da
estratégia de associar a imagem do novo cemitério com monumento e não com morte.
A disputa para influenciar as atitudes
Às primeiras notícias de que seria construído um cemitério vertical no Marapé, a
população de Santos se dividiu em três grupos. Um apoiava o empreendimento ainda
que com a ressalva de que não perturbasse a sua paisagem urbana, argumentando que
era fundamental fazer alguma coisa para resolver a grave crise dos sepultamentos na
cidade. Neste grupo encontravam-se os inovadores e os que tinham algum interesse no
projeto. Os céticos com a idéia formavam o segundo grupo. Nele estava a maioria da
população de Santos, algumas autoridades, o bispo diocesano e alguns vereadores, mais
afeitos a aguardar o desenvolvimento do projeto. O terceiro grupo era formado pelo
prefeito, alguns vereadores e majoritariamente por moradores do bairro do Marapé que
temiam a desvalorização de seus imóveis, a deterioração da paisagem e, ainda,
conseqüências com a fadiga de material na construção com os anos.
Em todos prevalecia o desconhecimento e disseminaram-se tabus como a crença
de que os mortos seriam sepultados em pé, de que os gases produzidos pela
decomposição dos corpos atrairiam insetos e provocariam mal estar na população das
redondezas. Até o padre da igreja do bairro liderava passeatas dos moradores contra a
implementação do projeto. Dessas crenças eram partícipes até alguns construtores
favoráveis à construção de cemitério-parque nos morros de Santos.
Da mesma forma, a imprensa diária local tomou partido de um ou outro grupo. A
Tribuna de Santos adotou a postura cética anunciando as matérias pagas e divulgando
parcimoniosamente as idéias contrárias. O jornal Cidade de Santos declarou-se
contrário ao empreendimento. A postura do jornal Cidade de Santos derivava da sua
pretensão de dar voz aos que tinham opinião contrária às de A Tribuna, apresentando-se
como imprensa alternativa ao jornal dominante. O jornal Cidade de Santos era da
empresa Folha de São Paulo, foi o primeiro jornal do Brasil a ser impresso totalmente
em offset e sua pretensão era conquistar e manter um segmento popular não atingido
pelo jornal A Tribuna, líder na Baixada.
Da atividade midiática desses órgãos de comunicação deve-se o histórico de
debates prós e contras que se travou principalmente no período de 1982 até 1986, desde
a luta pela licença da construção até o momento em que os primeiros lóculos foram
vendidos e ocupados. Cumpre alertar que a necrópole até hoje, passados 25 anos, ainda
não está concluída- e talvez jamais esteja - passando por anexações e ampliações ao
projeto inicial de acordo com as necessidades, a exemplo de catedrais. Essa polêmica na
mídia marca o período do esforço para a mudança de atitudes do grupo contra e define a
delimitação desse trabalho, quanto ao tempo e objeto a ser pesquisado.
A estratégia de comunicação definida para o Memorial com a ajuda da Clã de
Publicidade baseava-se em duas ações principais. Aos moradores da área mais próxima
do empreendimento foi oferecido, para quem quisesse, uma viagem à cidade de Porto
Alegre, no Rio Grande do Sul, para conhecer o cemitério vertical gaúcho, com todos as
despesas pagas. Desse modo, os moradores mais resistentes à inovação que representava
o Memorial poderiam ter a clara percepção da viabilidade do empreendimento santista.
No pré-plano de comunicação, uma outra estratégia sugeria as seguintes pautas para as
matérias a serem publicadas nos jornais:
Superlotação- A necessidade de recomendação (cartucho) de pessoas influentes
para conseguir vaga, a falta de espaço nos cemitérios existentes e a falta de
novos cemitérios; problema do enterro improvisado em carneira ou campa
emprestada até posterior enterro definitivo em jazigo próprio, recurso
corriqueiro até então. O custo social dos cemitérios- Despesas necessárias ao
enterro, custos de espaço ocupado, tempo de uso, realização do enterro,
conservação do local por crianças e mulheres. As únicas opções: As de opções
de enterro em Santos e crematórios em São Paulo. As lembranças do passado:
Histórico dos cemitérios e condições em que se realizavam os enterros.
Descanse em paz: As condições negativas do sossego dos mortos, a violação
das tumbas por ladrões e falta de segurança nos cemitérios tradicionais, estado
das campas e necessidade de transferência para ossários. Memorial, a solução
que desponta: Informações do Memorial e de empreendimentos similares já
funcionando em outros estados e países. Depoimentos de pessoas influentes
sobre a viabilidade do Memorial. Havia, ainda, a recomendação de que estas
matérias poderiam ser publicadas em ordem seqüencial num período de duas
semanas, ou em cadernos especiais em edições dominicais.
Diante da reação negativa à construção que se esboçava na Câmara Municipal,
pressionada pelos moradores do Marapé, em 26 de setembro de 1982, foi publicado
anúncio de ¾ de página no jornal Cidade de Santos que resume o conflito entre os
contras e os prós:
É UMA VERGONHA: QUEREM PERPETUAR A FALTA DE VAGAS
,EM NOSSOS CEMITÉRIOS!
Tendo em vista as manobras efetuadas a favor da aprovação de um Projeto Lei
que dispõe sobre a proibição da construção de cemitérios particulares de
Santos, tornando assim a construção de cemitérios exclusiva do poder
público, e considerando que:
1. Esse Projeto de Lei não é de iniciativa do Executivo, a quem compete por
definição;
2. O poder público santista não tem condições financeiras para arcar com a
responsabilidade de construir e manter cemitérios...
3. Cemitérios particulares são uma realidade no Brasil, em cidades importantes
como São Paulo, Porto Alegre, Campinas, Taubaté, etc., que mesmo possuindo
melhor situação financeira, optaram pela iniciativa privada;
4. Ser favorável ao monopólio estatal, com a proibição da construção de
cemitérios particulares, “É O MESMO QUE NÃO DESEJAR A
CONSTRUÇÃO DE NOVOS CEMITÉRIOS”, visto que se a prefeitura
tivesse condições financeiras já teria construído o cemitério que tanta falta está
fazendo...
5. Existem empresários da cidade interessados em resolver o problema da
carência de espaço nos cemitérios existentes, através da construção de um
cemitério particular...
6. A construção de cemitérios particulares não acarreta qualquer ônus para o
município...
7. A construção de cemitérios particulares em Santos está perfeitamente de
acordo com a Lei e beneficia toda a comunidade, mas os que estão contra a
construção pretendem “MUDAR A LEI”;
8. Existe um grupo organizado com o intuito de boicotar a iniciativa, com
intenções estranhas ao interesses da cidade, usando como pretexto um número
reduzido de santistas desinformados, em detrimento dos interesses e
9. As pessoas favoráveis aos cemitérios particulares estão sendo rotuladas de
“VENDIDAS”, numa tentativa de sufocar a inteligência e a sensibilidade do
povo santista e obter apoio popular para objetivos não identificados;
10. As pessoas que querem proibir a construção de cemitérios particulares vêm
tentando manipular os santistas, fazendo-se passar por “heróis”;
11. Os que estão apoiando a proibição de construir cemitérios em Santos são
os mesmos que em ocasiões anteriores foram contra o endividamento do
Município com empréstimos para obras-públicas...
12. Todos os representantes do povo de Santos ocupam lugar nos órgãos
públicos para lutar pelos interesses da comunidade, e não para deixar que a
vontade de uns poucos sobrepuje às necessidades e idéias do povo santista; --13. Considerando sobretudo que a construção de um cemitério em Santos é
reivindicação antiga da população, repudiamos todo aquele que apóia as
manobras e atos que visam privar nossa cidade de uma obra fundamental,
frustrando um objetivo justo.
Santos, 26 de setembro de 1982. Waldir Simões e MAIS 3.000 assinaturas,
pela Comissão Popular Pró-Construção de Cemitério em Santos.
Em 30 de setembro de 1982, dia em que ia ser votado o projeto de lei, A Tribuna
anunciava como chamada de 1ª página: “Cresce o movimento pró-construção de novo
cemitério. Aumenta a cada dia o número de participantes do movimento pró-construção
do novo cemitério de Santos, graças ao interesse da população na concretização do
projeto”. Na página 8, em matéria de 1/8 de página com fotografia do grupo em visita
ao jornal e sob o título “Comissão faz a defesa do projeto do cemitério no Marapé”, no
texto o presidente da comissão, que também era sócio do Memorial, e que estava
acompanhado de corretores de imóveis e advogados, esclarecia que o projeto não iria
desmerecer o local já que foram consultadas inúmeras imobiliárias que asseguraram a
não desvalorização do lugar. O grupo afirmava que a situação era justamente o inverso,
pois o projeto valorizaria a área, já que atualmente ela se encontrava sem iluminação,
abandonada, suja e sem policiamento.
No mesmo dia, no jornal Cidade de Santos, foi publicado em espaço de ½
página, reportagem com a visita dos prós: com título dizendo que 3 mil pedem
Cemitério Vertical,
no texto repetiam-se os mesmos argumentos a favor do
empreendimento constantes da declaração do dia 26 de setembro. Era destacada a
jogada política contra o próprio município que os vereadores estavam tramando e a
afirmação de que “O projeto do vereador Oswaldo de Rosis que suprime o artigo 161 do
Código de Posturas do Município, deverá ser votado na sessão noturna da Câmara...
Caso a matéria seja aprovada, poderá receber o veto do prefeito nomeado Paulo Gomes
Barbosa, uma vez que, segundo alguns juristas, seu texto é inconstitucional, pois
bloqueia a participação da iniciativa privada. Os membros da Comissão Pró-Construção
de Cemitério Vertical deverão entregar, hoje, à Câmara, a lista de três mil assinaturas”.
Na mesma edição, em ambos os jornais, um anúncio pago afirmava em letras garrafais:
HOJE É O DIA EM QUE A CÂMARA MUNICIPAL DE SANTOS PODE
ENTERRAR
A
POSSIBILIDADE
DE
RESOLVER
O
PROBLEMA
DOS
CEMITÉRIOS DE SANTOS. Comissão Popular Pró Construção de Cemitério em
Santos.
O artigo Agora, sinais de incompetência, publicado no jornal Cidade de Santos
em 03 de janeiro de 1983 dá conta do que aconteceu naquela votação de setembro:
“A presença maciça dos moradores do Marapé nas galerias da sala Princesa
Isabel foi decisiva para a aprovação do projeto. À exceção de Lemos
Guimarães, nenhum vereador ousou sugerir uma emenda que bloqueasse a
tramitação do projeto. Naquela situação, o efeito seria desastroso em termos
político-eleitorais. Afinal, todos imaginavam que o projeto de De Rosis era
suficiente para impedir a construção da necrópole.” e continua “ está sendo
revogado apenas o artigo 161, que impede a construção de cemitérios
particulares na cidade. Contudo, havia a necessidade de revogação também
dos artigos entre o 162 e 184, caso contrário, a Lei ficará muito engraçada. O
Código proíbe a construção de cemitérios particulares mas, dá todas as
condições para que eles sejam construídos. Em outras palavras: o fato
transformou-se numa aberração política, da qual os moradores contrários ao
cemitério foram os grande prejudicados”.
Ou o De Rosis usou de má fé ou é burrice mesmo, ressaltou Alberto Mangas
ao citar as falhas no projeto do legislativo. Entre os moradores da área foi
fortalecida a tese de que o trabalho aprovado na Câmara teve fins apenas
eleitorais. “A gente acreditou, apoiou e agora estamos vendo os resultados. O
que se pode deduzir é que o interesse realmente era o de conseguir votos...
Nossa confiança foi tanta para assistir a sessão da Câmara que fizemos várias
viagens transportando moradores com nossos próprios carros. Não sabíamos
que era uma palhaçada.”
No dia 06 de janeiro de 1983, com o título CEMITÉRIO: DENOVO,
ALCAIDE PROMETE EM VÃO, o jornal Cidade de Santos publica o seguinte:
Ocorre que a assinatura do projeto que autoriza a construção do cemitério não
é ato do prefeito, como afirmou ontem o secretário dos Assuntos jurídicos,
Luiz Antonio de Oliveira Ribeiro. Assim, o alcaide deu como garantia aos
moradores um procedimento que não lhe compete. Isto graças ao projeto de lei
apresentado pelo vereador Oswaldo Carvalho de Rosis, e aprovado pela
Câmara Municipal, que à primeira vista tinha como proposta impedir a
implantação do cemitério, mas que efetivamente apenas eliminou o artigo 161
do Código de Posturas do Município, que entre outras coisas dispunha que “a
construção do cemitério particular depende de prévia autorização do prefeito e
de prévia aprovação pelo órgão competente da Prefeitura”. Deste modo,
Barbosa sentiu-se livre para praticar um de seus hobby favoritos: prometer,
sabendo de antemão que não irá cumprir.
E assim, em março de 1983, após aprovação pelo executivo, foi iniciada a
construção da Memorial Necrópole Ecumênica Vertical, mas o empreendimento
continuou nas páginas dos jornais. A Tribuna publica em matéria paga na primeira
página: Fim dos problemas com cemitérios: Santos ganha sua primeira necrópole
vertical e convidando para a leitura na página 11 afirmava que um grupo empresarial
estava iniciando as obras de uma necrópole vertical com 18 mil lóculos que seria a mais
moderna do país. Na página 11, um anúncio com ¾ de página descrevia em detalhe o
projeto, os empresários, os serviços, o uso pela comunidade, os responsáveis pelas
vendas e pela construção. Fartamente ilustrado,o anúncio tinha o seguinte título: Santos
ganha “Memorial-Necrópole Ecumênica Vertica!. A primeira do Estado e a terceira do
País. Nascia assim, o cemitério vertical de Santos. Mas ainda estava longe o término da
polêmica na mídia.
Enquanto se desenvolvia a campanha publicitária de venda dos lóculos com a
abordagem Se você resolver este assunto agora, não vai precisar pensar nele nunca
mais, o empreendimento despertava a curiosidade de empresários de outros municípios
que pretendiam aprender como viabilizar um empreendimento similar. Ao findar o ano
de 1983, a construção do Memorial já estava na quarta laje quando, em 20 de dezembro,
a reportagem com título Em Suzano segundo cemitério ecumênico vertical do Estado
noticia a vinda de um grupo de Suzano-SP em visita às obras do cemitério. O motivo
era que os engenheiros e arquitetos da Diretoria de Obras e Planejamento de Suzano,
antes do veto às plantas, manifestaram o desejo de conhecer a obra singular que se
desenvolvia na Baixada.
Passados alguns anos, já se realizavam os primeiros sepultamentos no cemitério
vertical em 1986 e uma nova forma de manter a polêmica foi utilizada pelo jornal
Cidade de Santos. Através da publicação das charges de J.C.Lôbo foram confirmados
preconceitos do grupo contra e ridicularizados políticos e pessoas influentes que de
alguma forma influenciaram pró a implementação da obra. O novo caminho adotado
pela crítica tinha a aprovação direta do editor do jornal. Pela reação de algumas
autoridades às charges de Lôbo, compreende-se o impacto dessa estratégia.
J.C.Lôbo acreditava que os políticos tinham algum interesse pessoal no
cemitério vertical e lançou uma série de charges colocando o presidente do legislativo
como garoto propaganda do que chamou Projeto Turístico de Visitação ao Memorial.
Esses são alguns exemplos: em uma charge, Gilbeto Tayfour aparece empunhando
placa negra com um desenho de caveira e os dizeres turismo no cemitério e, ao lado, o
personagem Zé Povinho alertava que Defuntos não votam. E demonstrando que
qualquer pretexto era bom para introduzir o assunto cemitério, em outra charge, duas
caveiras sentadas em túmulo tradicional conversam animadamente. Uma diz: Quase
não tem vindo turistas nos visitar... A outra responde:–Claro! Com o preço abusivo do
pedágio que o Montoro tá cobrando quem pode viajar? E ainda havia uma chamada:
Breve, mais uma da série Turismo no Cemitério”.
Em outra charge ainda da série Turismo no Cemitério, uma caveira faz passeata
entre os túmulos de cemitério tradicional e diz : Queremos Tayfour! Em uma das placas
que a caveira empunha lê-se: Esse vereadô é de morte! E na outra: Turismo sério é
turismo no Cemitério!. A charge ainda brinca com o secretário de turismo: Bandarra,
não pode esquecer de tocar a marcha fúnebre! O resultado disso é que, segundo J.C.
Lôbo, o proprietário do cemitério vertical ficou revoltado e foi a São Paulo falar com os
diretores do Grupo Folha para pedir a sua cabeça. J.C.Lôbo foi proibido de fazer
charges sobre o assunto. A partir daí o assunto cemitério sai da pauta da imprensa, com
exceção das matérias típicas em relação ao Dia de Finados.
Para facilitar a análise das influências sobre as mudanças ocorridas foi
desenvolvido um modelo prático com o resumo da situação encontrada e as alternativas
possíveis na época, para que quando comparado com o que efetivamente ocorreu possa
destacar os possíveis desvios:
Modelo prático para a possível influência da comunicação
1) O indivíduo tinha predisposições básicas negativas a respeito do cemitério
vertical que podiam ser: crença de que cemitério é coisa para o poder público resolver e
tomar conta; crença de que o natural é depositar o corpo na terra e não em prédio, para
facilitar a decomposição; crença de que a moradia próxima do cemitério ficaria
desvalorizada porque as pessoas tinham medo do desconhecido; crença de que o morto
seria enterrado em pé devido ao seu total desconhecimento sobre o cemitério vertical.
Ainda assim, o indivíduo também reconhecia a necessidade de que em algum
momento ele teria que resolver como sepultar um ente querido ou mesmo que um ente
querido poderia ter que resolver como enterrá-lo. Os sentimentos do indivíduo a
respeito da morte fundiam-se com a religião e davam lugar a idéias preconcebidas sobre
os cuidados objetivos a serem tomados na hora do sepultamento e um deles era a
repulsa ao fato de que alguém iria lucrar, aproveitando a situação.
2) Com a utilização da mídia e de outras formas de comunicação, o indivíduo
receberia então, através do estímulo inicial da propaganda, a promessa de solução de
alguns dos problemas relacionados com a questão: garantia de valorização da região por
avaliadores experientes; certeza de poder contar, quando precisasse, com um espaço em
ambiente respeitoso, limpo, com harmonia e segurança para sepultar os seus entes
queridos; os parentes e visitantes poderiam usufruir de área agradável ao visitar os
mortos. Caso ficasse convencido com a divulgação de argumentos positivos, o
indivíduo estaria propenso a influenciar outras pessoas com sua opinião favorável.
3) A alternativa seria conseguir como resposta da estratégia de comunicação
contrária o seguinte: o indivíduo receberia a confirmação de seus preconceitos e a
certeza de que tudo o que pensara a respeito de cemitério particular e vertical estava
certo. Assim, sua opinião seria reforçada e ele se convenceria que podia fazer com que
outras pessoas com os mesmos interesses se mobilizassem contra a construção.
Como ocorreu a mudança de atitudes após a comunicação.
Passados oito anos do início das atividades do cemitério vertical, no início dos
anos noventa, 99% da população adulta de Santos não só aprovavam o empreendimento
como sentiam orgulho do Memorial. O cemitério vertical de Santos transformou-se em
atração turística obrigatória. E isso aconteceu graças à campanha proselitiva favorável
dos moradores de Santos, que começaram por recomendar a visita aos seus próprios
parentes. Então, a idéia de verticalizar os sepultamentos foi aproveitada para outras
cidades da região. Hoje, as cidades de São Vicente e Guarujá resolveram o seu
problema de falta de vaga em cemitério de forma similar. Mesmo o grupo mais hostil de
moradores vizinhos ao cemitério viu seus imóveis valorizarem e agradeceu aos
construtores, como comprova a placa existente no térreo da necrópole, assinada pelo
pároco, que antes liderava as passeatas contra a construção. Isso comprova que em
todos os grupos houve mudança de opinião, atitude e comportamento.
O grupo anteriormente cético, a grande maioria, hoje é entusiasta da solução
encontrada. A sua atitude mudou porque o seu nível cognitivo mudou com o
conhecimento sobre o Memorial. A comunicação feita no período inicial serviu para
adicionar repertório à sua argumentação sobre o assunto e reforçar sua convicção. A
prática como usuário ou visitante ao cemitério pronto, tirou qualquer dúvida que
houvesse sobre o seu posicionamento, adicionando um componente afetivo ao enterrar
parentes. Para o grupo pró, constituído de interessados direta ou indiretamente no
empreendimento e favoráveis desde o lançamento da idéia, a mudança em seu nível
cognitivo aconteceu graças à freqüência in loco, vendo o desempenho do conceito novo
na prática e não devido à comunicação.
O grupo contra viu que sua mobilização na época da votação do projeto do
Código de Posturas teve como resultado a frustração de ajudar a construção quando
queria impedi-la. A sua comunicação proselitiva contra o empreendimento só foi
reforçada com os argumentos apresentados pelos prós. Ele queria pensar e errar sozinho
e não ser ensinado. Quanto mais era anunciado, mais era reforçada a sua posição
contrária. Após a frustração de ver o empreendimento ser erguido contra a sua vontade,
por diversos processos de reação ao revés, principalmente a racionalização e o
deslocamento, o grupo adotou a postura de que se não pode vencê-los, junte-se a eles.
Neste caso, houve a confirmação de que apenas aquele indivíduo que já
acreditava no cemitério vertical como solução para o sepultamento em Santos aceitou os
novos argumentos favoráveis ao empreendimento oferecidos pela comunicação. Aquele
indivíduo que tinha predisposição contrária ao cemitério não acreditou nos argumentos
favoráveis apresentados e racionalizou após a frustração de seu esforço contrário e
passou a defender o empreendimento, após o início da construção. Isso só confirmou a
incapacidade da propaganda de inverter uma tendência e a capacidade dela para acelerar
uma já favorável. Apesar disso, houve inegavelmente a mudança de atitude
principalmente do grupo contra, confirmando a máxima de Platão de que a necessidade
é a mãe de toda invenção.
Referências
ALDRIGUI, Vera. A eficiência publicitária e pesquisa de comunicação. in RIBEIRO,
Júlio et al. Tudo que você queria saber sobre propaganda e ninguém teve paciência para
explicar. 3ª ed. São Paulo, Atlas, 1989.
BROWN, J. A. C. Técnicas de persuasão. Da propaganda à lavagem cerebral. Rio de
Janeiro, Zahar, 1965.
HADDAD FILHO, Elias Salim. Qualidade de vida e desenvolvimento econômico
sustentável em Santos. Santos, Leopoldianum, 2007.
HIRSCHMAN, Albert O. De consumidor a Cidadão. Atividade privada e participação
na vida pública. São Paulo, Brasiliense, 1983.
KOTLER, Philip. Marketing. São Paulo, Atlas, 1986.
LEVITT, Theodore. A imaginação de marketing. São Paulo, Atlas, 1990.
PINTO, Milton José. Comunicação & discurso. Introdução à análise de discursos. São
Paulo, Hacker, 2002.
SLATER, D. Cultura do consumo & modernidade. São Paulo, Nobel, 2002.
TROUT, Jack. O novo posicionamento. São Paulo, Makron Books, 1996.
Jornal A Tribuna de Santos.
Jornal Cidade de Santos.
Arquivos Clã de Publicidade.
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O cemitério vertical de santos