CONTO SOMBRIO
O ANJO NEGRO DO
DO CEMITÉRIO MUNICIPAL
Escrito por Literapaixão
2013
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SUMÁRIO
PARTE I - O CONVITE SOMBRIO ........................................................................................... 3
PARTE II - DEVANEIOS INQUIETANTES ........................................................................... 4
PARTE III - CONHECENDO O CEMITÉRIO ........................................................................ 5
PARTE IV- IMPRESSÕES ............................................................................................................. 8
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Parte I - O Convite Sombrio
Charlotte recebeu um convite de sua amiga Anne para conhecer o cemitério mais
antigo da cidade.
Elas estudavam juntas e eram amigas desde a infância. Adolescentes agora, com os
sentimentos mais aflorados e desconexos, a curiosidade pelo lado mórbido da vida seduzia
ambas.
-Charlotte! O que acha de conhecermos o cemitério mais antigo da cidade?
-Eu acho a ideia interessante!
-Quando podemos ir?
-Podemos ir na próxima sexta feira, desde que o clima esteja bom.
-Ok. Está marcado então! Só não vale desistir no último momento!
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Parte II - Devaneios Inquietantes
Elas se despediram na saída do colégio. Anne, no caminho de volta para casa não
parava de pensar a respeito do assunto.
Anne era ruiva, tinha a pele pálida, era magra, seus olhos eram azuis, azuis da cor do
mar, profundos e enigmáticos.
Seus cabelos eram compridos e encaracolados. Ela parecia uma sacerdotisa de Avalon.
Influenciada pela literatura de Byron, Edgar Allan Poe, Bocage, Cruz e Sousa, entre tantos
outros, ela sonhava acordada todos os dias. Vivia entre mundos paralelos.
-Não posso acreditar! Pela primeira vez vou conhecer aquele cemitério! O cemitério que
abriga muitos daqueles que fizeram parte da história da construção desta cidade! Quero sentir
a emoção de estar lá, caminhar pelas quadras, observar as estátuas guardiãs daqueles
túmulos...
Charlotte também sonhava, muito mais do que Anne e pensava nas surpresas que
poderiam acontecer dentro do cemitério. Ela também era uma linda adolescente, com
características físicas fortes. Alta, magra, cabelos compridos lisos e negros, negros como a
noite, olhos castanhos, de uma serena calma que transmitia até uma certa paz para quem não a
conhecesse mais intimamente.
O fato é que ela não era exatamente assim como um anjo. Havia dentro dela um
romantismo mórbido e profundo.
Ela também gostava dos mesmos autores que a sua amiga Anne apreciava. Mas era
apaixonada por Álvares de Azevedo e Augusto dos Anjos.
-Pensar naqueles mortos de uma determinada época, me faz refletir no quanto eles eram mais
sensíveis no que diz respeito à morte. Meus heróis, meus poetas, meus amores, todos eles
também tinham uma certa admiração pelo obscuro.
-Quando eu entrar naquele cemitério eu sei que não estarei mais só.
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Parte III - Conhecendo o Cemitério
Na sexta feira, conforme combinaram, Anne e Charlotte se encontraram na estação às
14:00 horas. Embarcaram no trem e viajaram até o outro lado da cidade. O tempo não era um
dos melhores. Estava frio, o céu ranzinza e cinza parecia observá-las. Ventava muito.
Desceram na estação que ficava próxima ao cemitério municipal.
Caminharam umas duas quadras até chegar lá.
-Charlotte! Finalmente chegamos!
-Sim! Estou fascinada com a entrada!
-É realmente incrível! Vamos fazer a passagem pelo túnel do tempo!
A entrada do cemitério era romântica. Uma fonte grande, bancos, jardim, floricultura e
capelas para velório. Nas paredes da entrada do portão principal haviam citações sobre a
morte. Citações de vários poetas, inclusive uma da poetisa Cecília Meireles. Logo também na
entrada havia um mosaico retratando passagens bíblicas.
As adolescentes entraram encantadas e foram caminhando pelas quadras.
O cemitério foi construído no século XIX, tinha 150 anos de existência e abrigava os
mortos da revolução federalista de 1894. Mausoléus, capelas e esculturas em estilo art
nouveau – com estrutura floreada e inspirada na natureza – e art déco – de construção mais
linear e geométrica – se destacavam, assim como as influências greco-romanas ou mesmo
egípcias.
-Charlotte! Você consegue sentir o mesmo que eu estou sentindo?
-Depende! O que você está sentindo Anne?
-Eu tenho a sensação de que não estamos caminhando sós!
-Eu também tive esta impressão! Mas não será apenas coisas fantasiosas das nossas mentes?
-Vamos esperar para ter certeza!
Conhecer todo o cemitério dentro de poucas horas não era possível. O fato é que as
duas amigas decidiram fazer um "tour" mais apressadamente, dando prioridade às figuras
históricas mais ilustres da cidade.
Tais figuras eram os renomados produtores de erva-mate, família Hauer, Trajano Reis,
Barão do Serro Azul, condes, viscondes e importantes políticos e religiosos do estado.
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Entre os inúmeros ilustres enterrados no cemitério municipal, uma figura se destacava por sua
história, Maria Bueno, assassinada em 1893 por um soldado enciumado e considerada santa
por muitos devotos. Quem teve a oportunidade de visitar o cemitério no dia de finados soube
de longe, quão venerada a santa era, seu túmulo era repleto de centenas de placas de graças
recebidas e flores, principalmente rosas vermelhas. Com certeza era o túmulo mais visitado e
intrigante do cemitério, cujo nível da construção estava mais baixo que os demais ao redor
devido a data de sua construção.
Encantadas com a riqueza que foi possível encontrar dentro do cemitério, a variedade
de obras de artes, inúmeras oriundas da Europa, da mistura de estilos artísticos que o
compunham, todos estes detalhes causavam cada vez mais fascínio.
Os grandes mausoléus denunciavam o poder da família e a simplicidade de outros a origem
humilde da família.
O túmulo de Luci, que morreu aos cinco anos de idade, com a estátua de uma menina
que leva flores na barra do vestido reproduz uma cena vivida pela criança duas semanas antes
da sua morte. Ela havia colhido os cravos plantados pela mãe no jardim da casa, carregandoos na roupa, conforme a imagem que adorna seu túmulo. O pai da menina, comerciante que
viajava muito, viu a figura de mármore durante uma das viagens à Alemanha e a trouxe
pessoalmente no navio para colocar no túmulo da filha.
-Charlotte!!! Estou impressionada com este túmulo. O pai desta menina tinha uma
sensibilidade enorme. Que homenagem mais linda poderia ele fazer para a sua amada filha?
-Uma prova de admiração e amor dignas, simplesmente memorável!
Uma outra escultura sob um túmulo caracteriza um rapaz - com a mão esquerda no
bolso da calça, o jovem deixa entrever seu colete, rico em detalhes. Na mão direita, apoiada
sobre a perna semiflexionada, um livro entreaberto, sinal de seu gosto pelos estudos e o desejo
de aprofundá-los. A descrição da estátua de bronze em tamanho natural, 1,88 metro de altura,
feita pelo escultor italiano Alberto Bazzoni.
-Esta escultura é muito significativa Anne!
-Também concordo. É extremamente expressiva!
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A escultura de um anjo segurando uma trombeta, sugerindo estar aguardando o momento para
tocá-la e os mortos levantarem no dia do juizo final é a arte mais forte na opinião de Charlotte
e Anne.
-Este é o meu favorito a partir de agora Charlotte!
-O meu também!
-Observe esses olhos! Observe o quanto ele é melancólico e ao mesmo tempo obscuro!
-Ele parece estar vivo! É o mais lindo deste cemitério!
Para as adolescentes, o local se transformara, a partir daquele momento, um
verdadeiro campo de estudo de costumes, moda, história política, religiosa, surtos de doenças
e outras inúmeras possibilidades.
-Anne!
-O que foi Charlotte?!
-Já são 17:30 horas!
-Precisamos ir! Os portões do cemitério fecham às 18 h!
-Ok! Vamos indo então! Mas voltaremos muitas outras vezes! Este lugar é incrível!
-Sim! Muitas outras vezes!
Anne e Charlotte deixaram o cemitério. Foram caminhando até à estação e
conversando.
-Anne! Você ainda está com aquela mesma sensação?
-Qual? A de que estávamos sendo observadas, como se estivéssemos sendo acompanhadas?
-Sim!
-Essa sensação passou. Talvez fosse só imaginação, deslumbramento...
-Eu estou com a mesma sensação agora. Só que eu tenho a impressão de que fiz novos
amigos...
-Pare com isso Charlotte! Está querendo me assombrar é?
-Não...só estou querendo compartilhar a minha sensação...
-Ora...deixe disso...vamos apressar o passo senão perderemos o trem!
Chegaram na estação e embarcaram no trem. Continuaram conversando e trocando as
impressões que tiveram durante o passeio dentro do cemitério mais antigo da cidade.
Despediram-se quando o trem chegou na estação principal, no coração da cidade. E de lá cada
uma seguiu o seu percurso de volta para casa.
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-Até mais Anne!
-Até mais Charlotte!
-Eu te ligarei, se houver novidades...
Parte IV- Impressões
Quando Charlotte chegou em casa ela conversou muito pouco com a sua mãe, dona
Catherine.
-E então filha? Como foi o passeio?
-Ah mãe...foi incrível! Mas podemos falar sobre isso em outro momento?
-Sim, querida. Mas você precisa comer algo!
-Eu vou para o meu quarto agora escrever!
-Eu te levarei um lanche daqui a pouco!
-Ok mamãe!
Charlotte entrou em seu quarto e ligou o som. Colocou um cd de música clássica para
tocar. Sua música favorita era viciante, de Beethoven, a "Moonlight Sonata". Ela não parava
de pensar na escultura daquele anjo negro. Ela pensava no escultor, quem poderia ter sido, o
que poderia ter sentido quando produziu aquela bela obra de arte. Como foi o momento em
que contrataram o seu serviço, a encomenda, como foi o momento em que o anjo ficou
pronto, em que o levaram até ao cemitério...ela estava perturbada e fascinada pelos
detalhes...queria saber o que não era possível...
Até que sua mãe entrou em seu quarto.
-Filha, preparei o que você mais gosta!
-Obrigada mãe!
-Pelo visto o passeio lhe deixou mais inspirada, não é mesmo?
-Sim, me deixou com a sensibilidade mais aflorada ainda...
-Se precisar de algo me chame!
-Pode deixar, mãe!
Enquanto isso...Anne em sua casa...
-Olá mamãe!
-Olá filha! Gostou do passeio?
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-Adorei mãe! Foi simplesmente incrível!
-Que bom! Imagino que você esteja com fome!
-E estou!
-Preparei aquela lasanha...
-Oba! Mãe, você é um verdadeiro anjo!
Anne e sua mãe jantaram. O pai de Anne era consultor comercial, portanto viajava sempre.
Após o jantar, Anne foi para o seu quarto.
Ela ficou fascinada com o túmulo da garotinha chamada Luci e com toda a história. Com o
túmulo de Maria Bueno ela também teve algumas impressões estranhas.
Mas a escultura do anjo negro era mais fascinante ainda. Ela não conseguia esquecer aqueles
olhos.
Ela tinha a impressão de que o anjo era bom e perverso ao mesmo tempo...
CONTINUA...NA PRÓXIMA EDIÇÃO!
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