112 Ribeiro Jr MAF, Gonçalves A, Saad WA RELATO DE CASO Hipertensão portal decorrente de cisto hepático não-parasitário* Portal hypertension due to a non-parasitic hepatic cyst Marcelo Augusto Fontenelle Ribeiro Junior. 1 , Adriana Gonçalves 2, William Abrão Saad 3 ABSTRACT Several etiological factors account for portal hypertension. Obstruction of the main portal vein in non-cirrhotic patients is mainly due to thrombosis resulting from various causes. There is only one report in the literature about non-parasitic hepatic cysts leading to compression of the portal vein and manifestations of portal hypertension. Keywords: Hypertension, portal/etiology; Cysts/surgery; Cysts/ complications; Liver diseases/surgery; Liver diseases/ complications; Liver neoplasms/surgery; Liver neoplasms/ complications RESUMO A hipertensão portal pode ser decorrente de diversos fatores etiológicos. A obstrução do tronco portal em pacientes nãocirróticos ocorre principalmente em decorrência de trombose ocasionada por diferentes causas. Os cistos hepáticos nãoparasitários levando à compressão da veia porta, assim como a outras manifestações da hipertensão portal, foram relatados em apenas um caso da literatura. Descritores: Hipertensão portal/etiologia; Cistos/cirurgia; Cistos/ complicações; Hepatopatias/cirurgia; Hepatopatias/complicações; Neoplasias hepáticas/cirurgia; Neoplasias hepáticas/complicações INTRODUÇÃO Diversos fatores etiológicos podem levar ao desenvolvimento de hipertensão portal. Entretanto, a presença de cisto hepático benigno não-parasitário resultando em compressão do sistema porta com manifestações de hipertensão portal foi relatada somente em um caso na literatura (1). RELATO DE CASO L.C.L., 58 anos, sexo feminino, submetida a exame ginecológico de rotina, que evidenciou massa em hipocôndrio esquerdo, sendo a paciente assintomática, sem antecedentes patológicos. Exames laboratoriais iniciais mostravam: Amilase: 28 W/L, bilirrubina total: 0,6 mg/dl, gamaglutamil transpeptidase = 78 W/L, transaminase glut. oxaloacética = 27 W/L, transaminase glut. pirúvica = 29 W/L, alfa fetoproteína = 1,14 UI/ml, glicose = 105 mg/dl, leucograma = 10.950 leuc/mm 3; hemoglobina = 13,3 g/dl; hematócrito = 41% e plaquetas = 165 mil/mm 3, sorologias para hepatites B e C negativas. Realizada tomografia computadorizada de abdome e pelve compatível com hepatomegalia associada a sinais de hipertensão portal e cisto hepático de cerca de 15,0 cm no seu maior diâmetro entre os segmentos IV e VIII. A endoscopia digestiva alta somente revelava esofagite distal leve. Realizou-se então uma aangiorressonância magnética do abdome superior, com especial atenção para circulação esplenoportal e mesentérica, que revelava volumoso cisto atípico na intersecção dos lobos hepáticos, com septos internos de sinais sugestivos de hemorragia pregressa, provocando compressão sobre os ramos principais da veia porta levando a sinais de hipertensão portal, com esplenomegalia homogênea. Foi indicado tratamento cirúrgico, realizando-se descompressão portal e destelhamento do cisto, por laparotomia. O conteúdo do cisto foi aspirado durante ato operatório e enviado para análise citológica, com * Estudo realizao no Hospital São Luiz - Itaim - Serviço de Cirurgia do Fígado - São Paulo (SP). 1 Mestre e Doutor pela Unifesp - EPM, Médico colaborador do Serviço de Cirurgia de Fígado e Hipertensão Portal do HC-FMUSP, responsável pelo serviço de Transplante Hepático e cirurgia de fígado do Hospital São Luiz unidade Itaim – SP. 2 Médica cirurgiã da Gastro Care – Hospital São Luiz - SP. 3 Professor Titular de Cirurgia da PUC-Sorocaba e UNISA. Livre-Docente pela FMUSP e Diretor Técnico do Serviço de Cirurgia de Fígado e Hipertensão Portal do HC-FMUSP. Endereço para correspondência: Marcelo Ribeiro Jr. - R. Dr. Sodré, 122 - conj. 17/18 - CEP 04535-110 - São Paulo (SP) - e-mail: [email protected] Recebido em 5 de setembro de 2003 – Aceito em 14 de novembro de 2003 einstein 2003; 1:110-112 Hipertensão portal decorrente de cisto hepático não-parasitário resultado negativo para células neoplásicas. O fígado foi biopsiado no intra-operatório, não demonstrando nenhuma característica de doença hepática sob o ponto de vista anatomopatológico. Durante a internação a paciente evoluiu satisfatoriamente, sem alterações nos exames laboratoriais, recebendo alta no 3º pós-operatório. Após 1 mês de seguimento, a paciente manteve-se clinicamente bem e assintomática. O controle tomográfico pós-ressecção de cisto hepático realizado nesta ocasião evidenciou sinais incipientes de hepatopatia crônica, esplenomegalia homogênea, imagem hipodensa na transição dos segmentos IV/VIII com conteúdo líquido, associado a retração capsular hepática, correspondendo à área de manipulação cirúrgica. No momento encontra-se no oitavo mês de pósoperatório e livre de sintomas clínicos. DISCUSSÃO Os cistos hepáticos podem ser congênitos (solitários ou doença policística) ou adquiridos (traumáticos, inflamatórios neoplásicos) (2, 3) . Os cistos solitários ocorrem em cerca de 5% da população (4) , são freqüentemente achados de exame ou laparotomia por outro motivo e não produzem sintomas (80 – 95% permanecem assintomáticos) (5) . Pacientes sintomáticos são freqüentemente mulheres de 40 a 60 anos e os sintomas mais encontrados são dor abdominal crônica, massa abdominal provocando pressão em órgãos adjacentes, náusea e vômitos. Localizados geralmente no lobo hepático direito, resultando de formações císticas Figura 1. Imagem do cisto em TC do fígado. 113 Figura 2. RM demonstra um grande cisto hepático, compriminmdo a veia portal. Figura 3. RM demonstra vascularização do cisto hepático. Figura 4. TC abdominal para controle após resecção. einstein 2003; 1:110-2 114 Ribeiro Jr MAF, Gonçalves A, Saad WA aberrantes na árvore biliar durante a embriogênese. A maioria dos cistos contém líquido não-bilioso e são limitados por epitélio colunar. À ultra-sonografia o cistohepático é unilocular, de paredes finas, com contorno liso e anecóico. À tomografia é homogêneo com densidade da água. Irregularidades, septações e calcificações são sugestivas de infecção, neoplasia ou etiologia traumática. Complicações ocorrem em menos de 5% dos casos(4) e as mais freqüentes são hemorragia intracística, infecção, hipertensão portal, icterícia, torção, degeneração maligna e ruptura espontânea. Tabela 1. Hipertensão portal como complicação de doença hepática sística Número de pacientes 1 Solitário Parasitário6 Cistadenoma3 Associação com fibrose hepática congênita5 Doença policística2,3 1 1 1 1 4 cisto a fim de minimizarmos a chance de uma ruptura de tal cisto. Segundo Sanchez et al (3) a recidiva após aspiração é de 100%. Esse número cai para 38% em caso de excisão parcial do cisto e não há recidiva após excisão total. CONCLUSÃO Pacientes portadores de cisto hepático gigante que venha a comprimir o sistema portal e que necessite de tratamento deve ser ressecado totalmente por cirurgia convencional ou laparoscópica, apresentando bons resultados e baixa morbidade, além de minimizar com isto a chance de futuras complicações relacionadas a hipertensão portal, que podem em última análise ser de grande gravidade quando comparadas ao tratamento do cisto. REFERÊNCIAS 1. Koperna T, Vogl S, Satzinger U, Schulz F. Nonparasitic cysts of the liver: results and options of surgical treatment. World J Surg 1997; 21:850-5. Testes de função hepática são freqüentemente normais. O diagnóstico é feito através de estudos radiológicos, como a ultra-sonografia, que é exame de escolha para diagnóstico inicial, com maior acurácia. A tomografia computadorizada determina a loca-lização e relação espacial entre cisto e vasos, ductos biliares e vísceras ocas, além de fazer o diagnóstico diferencial entre cisto e cistadenoma. A ressonância nuclear magnética é usada para informações adi-cionais. Sorologia para equinococo deve ser realizada em caso de suspeita de etiologia parasitária. O tratamento é cirúrgico e indicado em caso de cisto sintomático, de crescimento rápido ou na ocorrência de complicações. Dentre as técnicas descritas na literatura, as mais encontradas são as aspirações percutânea guiada, escleroterapia, o destelhamento aberto ou laparoscópico, fenestração aberta ou laparoscópica, cistojesunostomia em caso de conteúdo cístico bilioso; ressecção hepática em caso de cistos gigantes ou recorrentes e enucleação. No caso em questão, por tratar-se de paciente com intensa atividade física, optou-se pela ressecção cirúrgica do einstein 2003; 1:110-112 2. Sanfelippo PM, Beahrs OH, Weiland LH. 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