Tuberculose disseminada em paciente imunocompetente secundária ao uso abusivo
de corticosteroide: É hora de transformar o corticosteroide em medicação controlada?
Philipe Quagliato Bellinati¹; Alexandre Lima Matos²; Carla Cristina Monteiro¹;
Pedro Henrique Lemos Martins²; Zuleica Naomi Tano³
¹Residente de Infectologia no Hospital Universitário de Londrina – Universidade Estadual de Londrina, Londrina/PR
²Residente de Clínica Médica no Hospital Universitário de Londrina – Universidade Estadual de Londrina, Londrina/PR
³Docente da Disciplina de Infectologia da Universidade Estadual de Londrina, Londrina/PR
RESULTADOS
INTRODUÇÃO
Tuberculose constitui um problema de saúde pública no
C.A.M.S., masculino, 35 anos, com quadro de cefaleia
mundo, sendo a segunda causa de morte por doenças
há 8 anos, com piora progressiva e febre há 2 meses. Paciente
contagiosas no mundo¹. No Brasil é uma infecção endêmica.
tratado
Fatores de risco para a doença são infecção pelo HIV,
com
diversos
fármacos,
e
uso
quadro
de
abusivo
de
corticosteroides.
Há
desnutrição, quimioterapia e terapia imunossupressora, como
2
meses
iniciou
febre
diária,
diagnosticado por diversas vezes como infecção do trato
uso de corticosteroides.
urinário e pneumonia. Evoluiu com piora do estado geral, tosse,
OBJETIVOS
expectoração e calafrios, mantinha febre.
Paciente apresentou novos sintomas: letargia, confusão
Relatar caso de tuberculose disseminada em paciente
imunocompetente, porém em uso abusivo de corticosteroide
para tratamento de cefaleia tensional.
mental, flutuação do nível de consciência. Admitido com
leucocitose 13.500/mm³, predomínio de segmentados. Coletado
liquor
MÉTODOS
(Tabela
1),
bacterioscopia
negativa.
Devido
quimiocitológico, foi iniciado ceftriaxone e vancomicina. No dia
seguinte, paciente evolui com rebaixamento do nível de
Relato de caso.
consciência associada a insuficiência respiratória, necessitando
de suporte ventilatório. Introduzido empiricamente anfotericina
deoxicolato e flucitosina por suspeita de neurocriptococose.
Manteve-se febril, com instabilidade hemodinâmica. No
terceiro dia de internação, ampliado esquema antibiótico para
meropenem e mantido vancomicina. Suspenso anfotericina e
flucitosina pois látex para criptococos negativo. Secreção
traqueal com pesquisa de BAAR positiva, associado RHZE
A
B
(rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol).
Evolui
com
midríase
fixa.
Suspenso
sedativos,
constatado coma arresponsivo, arreflexo. Tomografia de crânio
evidenciava pneumoencéfalo, e herniação encefálica (Figura 1).
Novo liquor com presença de BAAR (Tabela 1).
Após 10 dias de internação, paciente evoluiu a óbito.
Realizado necropsia que revelou tuberculose miliar, com focos
em cérebro, rins, adrenais e pulmões (Figura 1).
D
C
Figura 1 – A) Isolamento de Mycobacterium tuberculosis nos pulmões. B e D) Peça de
necropsia (pulmão). C) Tomografia de crânio com edema difuso, e presença de
pneumoencéfalo.
Cultura de secreção traqueal e liquor com presença de
Mycobacterium tuberculosis.
DISCUSSÃO
Tabela 1
A tuberculose é uma doença contagiosa cujo
Liquor 1
Liquor 2
Hemácias
21/mm³
1.700/mm³
diagnóstico definitivo requer a identificação do Mycobacterium
Leucócitos
2.390/mm³
79% neutrófilos
18% linfócitos
213/mm³
73% neutrófilos
26% linfócitos
tuberculosis. Fatores de risco associados são infecção pelo
Glicose
37 mg/dL
79 mg/dL
Proteínas
168 mg/dL
789 mg/dL
HIV, desnutrição grave, uso de quimioterápicos e terapias
imunossupressoras1.
O diagnóstico de meningite tuberculosa consiste da
CONCLUSÃO
análise do liquor, evidenciando células elevadas 0-1.500/mm³
(com predomínio linfomonocitário), proteínas altas, glicose
O uso abusivo de corticoide é fator de risco para
consumida. Em estágios iniciais, até 25% dos casos tem
infecções oportunistas, e seu uso aumenta o risco de
pleocitose polimorfonuclear. A identificação do bacilo no liquor é
tuberculose em até 5 vezes. Apesar de tratamento disponível e
feita em até 33% dos casos e demanda punções repetidas. A
eficaz, a doença pode ter desfechos fatais.
cultura do liquor geralmente é negativa. Porém com o uso do
PCR (polymerase chain reaction) obtém-se de 60-90% de
BIBLIOGRAFIA
positividade em liquor que eventualmente tenham culturas
positivas.
Pneumoencéfalo não-traumático é uma manifestação
rara de meningite tuberculosa, comumente encontrada em
1)
FRIEDEN T.R., ET AL. Tuberculosis. Lancet. 2003;362:887–99.
2)
OH, K. P. ET AL. Intractable progressive pneumocephalus due to tuberculous
meningoencephalitis. Neurology. 2011 Aug 9;77(6):600-1.
3)
meningites bacterianas e neoplasias. Anteriormente descrito2
Corticosteróides. In: Atualização terapêutica: manual prático de diagnóstico e
tratamento. Prado FC, et al. 20ª ed. São Paulo: Artes Médicas, 2001: 1521-1523.
em paciente imunodeprimido.
4)
Os efeitos adversos da corticoterapia são frequentes e
variados, desde sintomas leves e reversíveis até quadros letais.
Dose acima de 20mg/dia de prednisona aumenta o risco de
VALENTE O, ATALLAH AN. Efeitos Metabólicos e Manuseio Clínico dos
JICK, S.S. ET AL. Glucocorticoid Use, Other Associated Factors, and the Risk of
Tuberculosis. Arthritis Rheum. 2006;55:19–26.
5)
FITZGERALD, D. W. ET AL. Mycobaterium tuberculosis. In: MANDELL, G. L.;
BENNETT, J. E.; DOLIN, R. (Ed.). Mandell, Douglas, and Bennett’s principles and
practice of infectious diseases. 8th ed. Churchill Livingstone Elsevier, Philadelphia.
infecções, devido ao efeito na imunidade celular (inibição da
2015. p.3748-85.
migração de granulócitos e monócitos no foco inflamatório), e
aumenta em até 40 vezes o risco de infecções por agentes
atípicos e oportunistas³, podendo gerar infecções disseminadas
graves. Pacientes em uso de glicocorticoides tem risco 5 vezes
maior de desenvolver tuberculose.
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