O Dia Em Que o Rio Pinheiros Atinge o Ceagesp Mais um e-mail chega em minha caixa de entrada. O título era estranho, mais parecia um spam ou uma assinatura de newsletter a qual eu nunca havia me cadastrado. De qualquer forma, resolvi abrir aquela mensagem. Era de uma amiga minha: Camila Pastorelli. Ela sempre foi muito envolvida em eventos fotográficos, afinal, trabalha para uma produtora de imagem; e também, aficionada pelo meio ambiente e sustentabilidade. Na verdade, conheci Camila no primeiro meu estágio em que procurávamos histórias sobre ecologia pelo Brasil inteiro. O e-mail tinha a cara de Camila: foto e sustentabilidade. Uma tal de expedição midiática pelas margens do Rio Pinheiros, que corta a cidade quase completamente, para registrar de todas a maneiras possíveis uma das linhas fluviais mais poluídas de São Paulo. Na mensagem, Camila se adiantou: eu me inscrevi no Grupo 14. O grupo me interessou bastante, não por Camila ter se associado, mas por ser muito próximo aonde moro: Ceagesp. A intenção desse grupo era historiar a maior feira de São Paulo através de fotos artísticas que seriam coordenadas pelo jovem Gui Mohallem. A Expedição Multimidiática Rio Pinheiros Vivo, nome e sobrenome, foi uma iniciativa da Associação Águas Claras do Rio Pinheiros formada por 8 empresas que se deleitam pelas margens do rio. Utilizando-se de uma jornada cívica, cultural e ecológica, a ideia da Associação é aproximar à realidade da condição do rio como uma opção de lazer. Imagina, num domingo ensolarado, a primeira opção para sair de casa: apreciar as águas fluviais que cortam a cidade. Uma utopia. Mas mesmo assim, a ideia é um tanto consistente se tentar mudar o olhar daquele cidadão que pouco se interessa por uma questão urbana. Ao menos, transformar os olhares ausentes em presentes, já vale uma expedição. O Rio foi dividido em 30 temas que seriam observados por 30 grupos. Cada grupo com seu coordenador especialista em alguma área da comunicação iria orientar seus partidários para registrar aquela região da melhor maneira possível. Teve foto, som, poesia, desenho. Teve de tudo. Demorei três dias para resolver se acompanharia Camila nessa jornada. Eu não sei tanto assim de foto como ela, nem estava a fim de acordar cedo para registrar imagens de frutas e verduras. Num ímpeto, apertei o botão para confirmar presença, e estava feita a inscrição. Agora era esperar pelo grande dia. Afinal, aquilo tudo era uma novidade para mim: saída fotográfica, expedição com coordenador reconhecido, encontro de fotógrafos e por aí vai. Antes da expedição, foi marcado um Workshop: justo numa sexta-feira logo após o expediente. Eu faltei. O bar, lógico. Precisava, antes de tudo, me enturmar com uma equipe que, provavelmente, se conhecia de datas passadas. O Workshop, que aconteceu na sextafeira treze, foi realizado em uma das salas futurísticas e, assim, modernas do prédio imponente do Santander localizado à beira do Rio Pinheiros. Ao chegar, passei pela recepção, um adesivo simpático foi colado em minha roupa, e pediram para que eu sentasse uma das poltronas imperiais da sala de espera. Naquele momento, eu não estava só, minha amiga Camila chegou no mesmo minuto que eu, e todo aquele ritual foi realizado com ela na mesma ordem. Ao liberarem a entrada, subimos dois lances de escadas rolantes para, enfim, adentrarmos na tal sala futurística e, assim, moderna. Eram muitas cadeiras para poucas pessoas. Por enquanto. O trânsito de São Paulo castiga até os mais dotados de altruísmo. Aos poucos, as cadeiras solitárias encontravam companhias. Enquanto isso, o coordenador do grupo, ainda tímido, ajeitava a sua surpresa para o Workshop. Sacou de sua bolsa um papel filtro para envolver a mesa de apresentação. Por fim, estava tudo em seu lugar: as cadeiras estavam acompanhadas, a mesa plastificada, e o coordenador já sorria mais descontraído para todos os presentes. Cada um se apresentava: nome, profissão e objetivo para com a expedição. Tinha de tudo: fotógrafo profissional empolgado com a autorização para tirar fotos no local (muito burocrático, pelo visto); administrador, técnico de informática e estudante vibrando com a oportunidade de conhecer pessoas e técnicas imagéticas; e admiradores do espaço em si, o Ceagesp que periga desaparecer, e gostariam de apreciar com outros olhares. Terminada a apresentação de todos os membros do Grupo 14, o coordenador, Gui Mohallem revela a surpresa. Ele explica que passou o fim de semana inteiro pensando em como retratar o rio através das fotografias de alimentos que estariam longe do fluvial. Pensou, pensou, pensou. Enfim, chegou numa solução lúdica: criação de filtros. Para mostrar a sujeira do rio, ou, até mesmo, criar o efeito de afogar as verduras e frutas, os filtros caseiros iam causar impressões surreais nas fotos. Então, com pedaços de vidro, terra, óleo vegetal de cozinha, temperos, detergente do banheiro do edifício empresarial, e muito papel para correções de exagero, foram criados diversos filtros que imprimiam muitos efeitos interessantes. Agora, era esperar para tirar foto no domingo. No relógio, o galo cantava para anunciar a aurora matinal. Eram seis e meia, e boa parte do Grupo 14 se reunia em frente ao pavilhão de verduras, frutas e flores do Ceagesp, perto do portão três, ao lado da banca de revistas. Estavam todos entusiasmados com o clima: sol estava para aparecer e aquecer, e a chuva não dava prelúdio. Bateram sete horas da manhã, munidos de suas metralhadoras registradoras de ícones imóveis, os fotógrafos, o administrador, o técnico de informática, estudantes e admiradores se embrenham entre os toldos listrados e barraquinhas alimentícias. Era tudo admirável: as cores vibravam através das lentes 200mm; as pessoas sorriam como se fossem o Gato de Cheshire e, ao invés de desaparecerem, eram eternamente registradas pelas lentes 55mm; os pombos, verdadeiros ratos voadores, davam o ar de sua graça através das lentes 85mm. Os contrates nunca foram tão apreciados como naquele domingo. As cebolas brancas e roxas-quase-pretas representavam o balé hollywoodiano, Cisne Negro. Eram muitas referências. O ritual preferido entre o Grupo 14 era tirar fotos em sequência: uma normal, sem efeito, e a próxima, mesma pose, com o filtro em frente à câmera. Naquele dia, o rio atingiu o Ceagesp, não por causa de efeitos pluviais, alfaces, cenouras, a maquete da feira, todos foram afogados pelo efeito do Rio Pinheiros Vivo.