VIVÊNCIAS ACADÊMICAS E OS FATORES DA PERMANÊNCIA/EVASÃO
DE ESTUDANTES NO ENSINO SUPERIOR
BASSO, Cláudia - Doutoranda em Psicologia UFSC – [email protected]
Eixo: Trajetórias acadêmicas
Agência Financiadora: CAPES
Resumo: Este trabalho aborda uma pesquisa realizada com 126 estudantes
universitários, entre as fases intermediária e final do curso em Universidades públicas e
privadas do Noroeste do Rio Grande do Sul. O objetivo foi compreender os aspectos
pessoais, contextuais e vocacionais das vivências acadêmicas e a relação com a
evasão/permanência de estudantes em cursos de graduação. Neste estudo foi aplicado o
Questionário de Vivências Acadêmicas versão reduzida (QVA- r) e um questionário
sobre aspectos sóciodemográficos e os fatores de evasão/permanência no curso. Os
principais resultados apontaram que os estudantes mostram-se satisfeitos em relação às
perspectivas de carreira, as competências de preparação do curso para o exercício
profissional, bem como as relações intercolegas mais homogêneas, tornando-os mais
autoconfiantes para o desenvolvimento de suas competências. Apesar de alguns
estudantes estarem sentindo dificuldades para se organizar com os estudos ou
insatisfeitos com seus resultados, não perderam sua autoconfiança e seu otimismo,
buscando lidar emocionalmente com as mudanças ocorridas ao longo do curso. Além
disso, destacaram o apoio parental, a remuneração para se manter no curso, a
identificação e satisfação com a escolha profissional como aspectos significativos para
permanecer no curso. Por outro lado, ressaltaram a insatisfação, a desmotivação, a não
identificação com relação à profissão/curso/instituição, a falta de apoio e de
infraestrutura como fatores de evasão de estudantes. Sendo assim, podemos considerar
que o período de adaptação é decisivo para a permanência/evasão do estudante no curso,
envolvendo um conjunto interativo e inter-relacionado de aspectos internos e externos.
Palavras-chave: Adaptação, vivências acadêmicas, permanência/evasão.
INTRODUÇÃO
Atualmente, há um crescente aumento no número de (diferentes públicos de)
estudantes que ingressam ao ensino superior, por meio de diferentes formas de acesso.
No entanto, mesmo sendo significativos esses números, ainda está longe de atingir o
percentual de 33% de matrículas até 2020, conforme a meta estabelecida no decênio do
Plano Nacional de Educação (PNE 2011-2020). Isso pode ser observado nos dados do
Censo da Educação de 2011, em que cerca de 14,6% dos jovens de 18 a 24 anos estão
no ensino superior (INEP, 2013).
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Além do acesso, outro aspecto relevante e que tem preocupado as IES e o
Ministério da Educação (MEC) é a evasão desses jovens no ensino superior, tanto na
modalidade presencial quanto na semipresencial e à distância. O Censo 2010 divulgado
pelo MEC mostrou que a taxa de conclusão em IES privadas foi em torno de 84,4% e
nas IES púbicas foi de 86,8%, ou seja, a evasão em tal sistema de ensino foi de 15,6% e
13,2%, respectivamente, sendo mais elevado nos cursos da área de exatas (MEC, 2013).
Pesquisas realizadas pelo Instituto Lobo sobre a evasão no ensino superior
apontam uma multiplicidade de fatores, os quais relacionam a decepção com a carreira
escolhida, a falta de condições financeiras ou acadêmicas para acompanhar o curso
entre outras (SILVA FILHO; MOTEJUNAS; HIPÓLITO; LOBO, 2007). Ainda, outros
estudos desenvolvidos no Brasil e em Portugal (SANTOS et al, 2005; ALMEIDA,
SOARES; FERREIRA, 1999; GRANADO, 2004; MERCURI; POLYDORO, 2003)
destacam que a evasão no ensino superior envolve fatores externos ou objetivos como
por exemplo a instituição, os aspectos financeiros, de moradia e transporte, bem como
fatores internos ou subjetivos relacionados a vivência de satisfação, de autoconfiança,
das relações interpessoais na instituição, do sentimento de identificação com a escolha
profissional feita e de boas expectativas em relação à carreira futura.
O ingresso ao ensino superior é caracterizado como um período de transição, o
qual envolve muitas mudanças no âmbito escolar/acadêmico, familiar, social, pessoal e
vocacional (TINTO, 1975; PASCARELLA; TERENZINI, 2005; POLYDORO; PRIMI,
2003; ALMEIDA; SOARES, 2003). Essas mudanças, bem como a formação acadêmica
são vivenciadas de modo singular provocando um impacto no desenvolvimento
psicossocial do estudante, refletindo no ajustamento à instituição, no rendimento
acadêmico e cognitivo e no contexto psicossocial (FERREIRA; ALMEIDA; SOARES,
2001).
A persistência no curso envolve as vivências percebidas caracterizadas como
multifacetadas, compreendendo fatores internos e externos ao estudante e a instituição
(POLYDORO e cols, 2001; ALMEIDA; SOARES; FERREIRA, 1999), os quais dizem
respeito ao compromisso com o curso - dizem respeito à segurança quanto à escolha
profissional e a segurança profissional - exigindo do estudante soluções mais ou menos,
bem-sucedidas para que haja desenvolvimento pessoal, sucesso acadêmico e satisfação
profissional (MERCURI; POLYDORO, 2003; MERCURI; BRIDI, 2001; MERCURI;
GRANDIN, 2002; POLYDORO e cols, 2001).
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O sucesso na adaptação e integração acadêmica envolve o desempenho
acadêmico, o grau de envolvimento, persistência nos objetivos, satisfação e aquisição de
conhecimento (KUH et al, 2008). Também diz respeito às percepções de segurança,
conforto, pertença, autoconfiança em suas capacidades, cooperação, desenvolvimento
cognitivo, físico, social e psicológico, autonomia, identidade, decisão vocacional dos
estudantes vivenciadas no decorrer do percurso universitário, bem como do desejo de
mudanças e das competências para organizar estratégias de ação (ALMEIDA;
SOARES, 2003; POLYDORO; PRIMI, 2003). Esse sucesso decorre das experiências
vivenciadas, principalmente no primeiro ano do curso acadêmico, as quais refletem
substancialmente na permanência ou não do estudante (TINTO, 2012).
MÉTODO DE PESQUISA
A fim de compreender os aspectos pessoais, contextuais e vocacionais das
vivências acadêmicas e a relação com a evasão/permanência de estudantes em cursos de
graduação realizou-se essa pesquisa, com a aplicação do Questionário de Vivências
Acadêmicas versão reduzida (QVA- r), elaborado e validado em Portugal por Almeida,
Soares e Ferreira (1999), e adaptado e validado no Brasil por Granado (2004) e Santos,
Noronha, Amaro e Villar (2005). O QVA-r trata-se de um instrumento de auto-relato
que procura avaliar o modo como os estudantes percebem suas experiências acadêmicas
na instituição de ensino superior que frequentam. Essa versão do QVA-r é composta por
55 itens distribuídos em uma escala Likert com cinco possibilidades de resposta que
variam de 1 (nada a ver comigo) a 5 (tudo a ver comigo) em 5 dimensões: pessoal,
interpessoal, carreira, estudo e institucional.
Na aplicação do QVA-r foi anexado outro questionário dividido em duas partes:
a primeira parte correspondeu ao levantamento sociodemográfico dos estudantes; e a
segunda parte caracterizou-se como um inventário de fatores de permanência e de
abandono do curso, com um total de 21 e 11 itens, respectivamente. Os dados foram
analisados pelo programa SPSS através dos testes de associação Qui-quadrado e testes t
de comparação de médias.
PARTICIPANTES
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Dos questionários aplicados foram validados e analisados 126, respondidos por
estudantes universitários entre as fases intermediária e final dos cursos de graduação –
Agronomia (38,1%) e Engenharia Ambiental (11,1%) da Universidade pública (49,2%)
e Tecnologia em Agronegócio (23,8%) e Administração (27%) da Universidade privada
(50,7%), localizadas na região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Dos
participantes, a maioria (71,4%) foi do sexo masculino, cuja média de idade foi de 23
anos. Em relação a exercer uma atividade remunerada, 57,1% dos estudantes declararam
que trabalham em período integral ou em parte.
Destes estudantes, a grande maioria (98,4%) pretende seguir a graduação e parte
deles (74%) está frequentando um curso de primeira escolha. Quanto à forma de
ingresso, os estudantes informaram: 72% por exame vestibular; 10% por transferência
de outro curso de graduação; 9% pelo sistema de cotas; 6% pelo ProUni - Programa
Universidade para Todos; 3% pelo PEIES - Programa de Admissão Superior de
Educação da Universidade Federal de Santa Maria e 0,8% pelo SiSu - Sistema de
Seleção Unificada.
RESULTADOS
O QVA-r permitiu analisar as vivências acadêmicas dos estudantes
universitários buscando fazer correlações entre as dimensões e realizar comparações
entre sexo e tipo de instituição. Os testes de associação Qui-quadrado não apontaram
associação entre sexo e querer permanecer ou desistir do curso (X2 (1)= .81, p= .37) ou
entre o curso e querer permanecer ou desistir (X2 (3)= 1.43, p= .69). Houve associação
entre o curso e exercer atividade remunerada (X2 (3)= 67.53, p< .001), onde os
estudantes dos cursos de Tecnologia em Agronegócio (N=26) e Administração (N=33)
com maior frequência exercem atividades remuneradas, em comparação aos demais.
Análises de correlação de Pearson apontaram correlações positivas de maior
magnitude entre as dimensões carreira e institucional do QVA-r (r= .44, p= .001), bem
como entre a dimensão carreira e a dimensão interpessoal dos estudantes (r= .29, p=
.001). Houve correlação negativa entre as dimensões estudo e pessoal (r= -.36, p= .001).
Testes t de comparação de médias indicaram que apenas a dimensão Estudo do
QVA-r apresentou diferenças estatisticamente significativas entre homens e mulheres,
sendo que as mulheres apresentaram valores de média mais elevadas (t (124) = -2.08,
p= .039). Quando comparadas instituições de ensino superior pública e privada,
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verificou-se a existência de diferenças significativas na dimensão Estudo (t (124) = 2.94, p= .004), cujos valores de média mais elevados foram dos estudantes que
frequentavam a instituição privada.
Quanto aos fatores de permanência, os estudantes apontaram as expectativas
satisfatórias em relação ao futuro profissional, a auto-motivação para prosseguir em
busca do crescimento pessoal e ascensão profissional, bem como o apoio parental
percebido - no âmbito financeiro e psicológico. Além disso, as condições financeiras
(remuneração própria ou ajuda da família) para se manter no curso, a identificação e
satisfação com a escolha profissional feita e com o curso e o propósito de obter um
diploma de nível ensino superior, também foram significativamente destacados pelos
estudantes. Ainda, em proporção menor, os estudantes destacaram a estrutura física e
curricular adequada e satisfatória da Universidade, o apoio de outras pessoas como
amigos, companheiros, professores, colegas e funcionários, residir próximo à
Universidade, o financiamento dos estudos, auxílio transporte e os auxílios oferecidos
pela Universidade e Prefeitura Municipal.
Em relação aos fatores de evasão, os estudantes destacaram aspectos
relacionados à saúde própria e familiar, as dificuldades financeiras para custear a
manutenção no curso. Além disso, a falta de identificação ou insatisfação com a escolha
profissional e curso, a falta de motivação para os estudos, a pouca expectativa em
relação à carreira profissional e a falta de apoio da família, companheiros, professores e
amigos, poderiam levar os estudantes a desistência do curso. Ainda, em menor
proporção foram apontados fatores relacionados à instituição como uma infraestrutura
inadequada inviabilizando uma formação com qualidade, ao excesso de carga horária, à
dificuldade de conteúdo do curso e a possibilidade de obter um bom emprego e rentável.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Os resultados apresentados nos mostram a multiplicidade de fatores internos e
externos que caracterizam o processo de adaptação e a intenção de permanência ou não
do estudante no curso de graduação. Nesse sentido, a capacidade do estudante para se
adaptar às mudanças (educacionais, sociais, institucionais) no contexto universitário,
bem como a segurança quanto à escolha profissional, o envolvimento e a satisfação com
o desempenho acadêmico, com a instituição/curso e com as perspectivas de futuro na
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carreira profissional são relevantes para o sucesso acadêmico e para a permanência ou a
decisão de abandono do curso.
A entrada num novo contexto de ensino, como o ensino superior, requer o
desenvolvimento de competências adaptativas (BAKER; SIRYK, 1989), dado as
múltiplas variáveis e vivências no contexto institucional, as quais exercem um impacto
moderado, incluindo os aspectos pessoais do estudante, sob a adaptação, satisfação,
aprendizagem e persistência no curso (ASTIN, 1993).
Os resultados do QVA-r nos mostram que, de um modo geral, os estudantes
sentem-se satisfeitos com o curso, com a instituição de ensino, com as relações
interpessoais no ambiente acadêmico e com as expectativas pessoais em relação à
carreira profissional. Ainda, apontam para a importância do apoio psicológico,
financeiro e informacional dos contextos familiar, acadêmico e social.
De acordo com Tinto (2003) cinco condições de suporte para a retenção dos
estudantes são fundamentais, as quais dizem respeito às expectativas, ao
aconselhamento, ao apoio, ao envolvimento e ao aprendizado. Os estudantes mais
propensos a persistir e se formar são os que: apresentam altas expectativas sobre o seu
sucesso; estão em ambientes que proporcionam informação clara e consistente sobre os
requisitos institucionais e aconselha eficazmente sobre as escolhas a serem feitas a
respeito dos programas de estudo e os objetivos futuros de carreira; estão em ambientes
que proporcionam apoio acadêmico, social e pessoal; estão em instituições que os
envolvem valorosamente e se preocupam com a frequência e a qualidade do contato
com professores, funcionários e outros estudantes e; estão em ambientes que promovem
e tem estudantes ativamente envolvidos com a aprendizagem.
O fato dos estudantes estarem menos satisfeitos em relação aos estudos, aponta
para um ponto importante que é a organização do tempo, uma vez que muitos exercem
atividades profissionais, e/ou se envolvem em diversas atividades na universidade, não
podendo assim, se dedicar o suficiente para os estudos. Para Carelli e Santos (1998), a
garantia de estratégias adequadas de estudo e de condições pessoais favoráveis é
fundamental para o bom desempenho dos estudantes.
A percepção de apoio (emocional e financeiro), principalmente da família foi
apontado pelos estudantes, como fundamental favorecendo a permanência no curso.
Além disso, a satisfação com a escolha profissional e com as perspectivas de futuro
também são significativas nas vivências de satisfação acadêmica e na decisão de
abandonar ou não o curso. Ainda ficou evidente que a infraestrutura adequada da
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instituição/curso, a relação de proximidade entre os estudantes e professores e os
sentimentos de pertencimento e de integração entre os colegas também são favoráveis
ao sucesso acadêmico.
As relações interpessoais, as expectativas e a preparação pedagógica dos
professores são importantes, pois elas refletem na aprendizagem, no rendimento
acadêmico e na interação dos estudantes com o curso e com a instituição (ALMEIDA;
SOARES, 2003; POLYDORO; PRIMI, 2003).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O contexto acadêmico impacta no desenvolvimento psicossocial, reflete no
ajustamento à instituição, na vivência de satisfação, autoconfiança e identificação com a
escolha profissional, no rendimento acadêmico e cognitivo e no contexto psicossocial.
Assim, à medida que o estudante vivencia satisfatoriamente o percurso acadêmico, com
maior comprometimento e envolvimento com o curso e com a carreira, sente-se seguro
com sua escolha e recebe durante esse período suporte/apoio familiar, social e
institucional, apresenta mais condições para enfrentar os momentos de angústias, crises
e dificuldades, bem como estão mais propensos a persistir no curso.
É importante que a instituição de ensino superior se atente para os múltiplos
aspectos que envolvem a formação do estudante, em todos os momentos (início, meio e
final do curso), os quais são distintos e refletem preocupações, necessidades e demandas
diferenciadas. Tinto (2005) diz que a promoção da aprendizagem e o sucesso do
estudante devem ser prioridade, e não estar à margem da vida institucional. Os
programas de retenção devem abordar as questões mais profundas da persistência do
estudante (TINTO, 1997), bem como desenvolver ações que promovam o envolvimento
social e acadêmico dos estudantes (TINTO, 1997, 2003, ZHAO; KUH, 2004). Nesse
sentido, os programas de intervenção institucional devem ser diferentes em sua
estrutura, objetivos e ajustadas às demandas e seus públicos.
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