O Passeio Aleatório unidimensional Michael Fowler Atira a moeda ao ar, dá um passo O passeio aleatório a uma dimensão constrói-se do seguinte modo: Andas sobre um recta, cada passo com o peso comprimento. Antes de cada passo, atiras uma moeda ao ar. Se for caras, dás um passo em frente. Se for coroas, dás um passo atrás. A moeda não está viciada, portanto a probabilidade de caras ou coroas é a mesma. O problema consiste em calcular a probabilidade de estar numa dada posição ao fim de um certo número de passos e, em particular, calcular a distância média à origem. Mas porque é que este jogo nos interessa? O passeio aleatório é central na Física Estatística. É essencial para prever quão rapidamente um gás se difunde num outro, quão rápido o calor se propaga num sólido, quão grandes são as flutuações de pressão num pequeno recipiente e muitos outros fenómenos estatísticos. Einstein usou o passeio aleatório para calcular o tamanho dos átomos a partir do movimento Browniano. A probabilidade de estar numa dada posição ao fim de n passos Comecemos com um passeio de alguns passos, de comprimento unitário, e procuremos um padrão. Definimos a função probabilidade πππ΅π΅ (ππ) como sendo a probabilidade de que num passeio de N passos unitários, aleatoriamente para trás ou para a frente sobre a recta, começando em 0, acabemos na posição n. Dado que temos de terminar em algum sítio, a soma sobre n destas probabilidades tem de ser igual a 1. Vamos listar apenas probabilidades não nulas. Para um passeio de zero passos, ππ0 (0) = 1. Para um passeio de um passo, ππ1 (β1) = 1/2, ππ1 (1) = 1/2. 1 1 Para um passeio de dois passos, ππ2 (β2) = 4 , ππ2 (0) = 2 , ππ2 (2) = 1/4. Talvez seja útil enumerar a sequência de lançamentos da moeda que originam uma dada posição. Para um passeio de três passos, CCC termina em 3, CCc, CcC e cCC termina em 1, e para os número negativos é só trocar C e c. Há um total de 23 = 8 passeios de 3 passos diferentes, portanto a probabilidade das diferentes posições finais é: ππ3 (β3) = 1/8 (só um passeio), ππ3 (β1) = 3/8 (três 3 passeios possíveis), ππ3 (1) = 8 , ππ3 (3) = 1/8. Para um passeio de quatro passos, cada configuração de Cβs e cβs tem uma probabilidade de (1/2)4 = 1/16. Portanto ππ4 (4) = 1/16 dado que há apenas um passeio compatível β CCCC. ππ4 (2) = 1/4 porque há 4 passeios diferentes que terminam em 2 β CCCc, CCcC, CcCC, cCCC. ππ4 (0) = 3/8, - CCcc, CcCc, CccC, ccCC, cCCc, cCcC. Probabilidades e o Triângulo de Pascal Ignorando o factor (1/2)ππ , há um padrão nestas probabilidades: Isto é o Triângulo de Pascal β cada entrada é a soma das duas diagonalmente acima. Estes número são de facto os coeficientes que aparecem na expansão binomial de (ππ + ππ)ππ . Por exemplo, a linha de 25 ππ5 (ππ) tem os coeficientes binomiais: (ππ + ππ)5 = ππ5 + 5ππ4 ππ + 10ππ3 ππ 2 + 10ππ2 ππ 3 + 5ππππ 4 + ππ 5 Para vermos como é que estes coeficientes binomiais se relacionam com o nosso passeio aleatório, escrevemos: (ππ + ππ)5 = (ππ + ππ) × (ππ + ππ) × (ππ + ππ) × (ππ + ππ) × (ππ + ππ) e pensamos nisto como a soma de todos os produtos que se podem escrever escolhendo um termo de cada parêntisis. Há 25 = 32 termos desses (escolhendo um dos dois de cada dos cinco parêntisis), portanto o coeficiente de ππ3 ππ 2 deve ser o número de termos desses 32 que têm 3 ππβs e 2 ππβs. Mas isso é o mesmo que o número de diferentes sequências que se podem escrever rearranjando CCCcc, logo é claro que as probabilidades do passeio aleatório e os coeficientes binomiais são o mesmo conjunto de números (excepto que as probabilidades têm de ser divididas por 32 para que a sua soma seja um). Calcular as probabilidades usando a função Factorial O modo mais eficiente de calcular estes coeficientes é usar a função factorial. Supõe que temos cinco objectos distintos, A,B,C,D,E. Quantas sequências diferentes podemos formar: ABCDE,ABDCE,BDCAE,etc? Bom, o primeiro elemento da sequência pode ser qualquer um dos cinco. O seguinte é um dos restantes quatro, etc. Portanto, o número total de sequências diferentes é 5 × 4 × 3 × 2 × 1, que é chamado βcinco factorialβ e escreve-se 5!. Mas quantas sequências diferentes podemos fazer com CCCcc? Por outras palavras, se escrevêssemos todas as 5! (120) sequências, quantas delas seriam realmente diferentes? Uma vez que os dois cβs são iguais, não seríamos capazes de distinguir as sequências em que eles aparecessem trocados, por isso baixamos logo de 120 para 60. Mas os três Hβs também são idênticos, e se fossem diferentes haveria 3!=6 maneiras diferentes de os arranjar. Como são iguais, essas 6 maneiras correspondem a uma só, pelo que dividimos 60 por 6, restando apenas 10 sequências diferentes com 3 Cβs e 2 cβs. O mesmo argumento se aplica a qualquer número de Cβs e cβs. O número total de diferentes sequências de m Cβs e n cβs é (ππ + ππ)!/((ππ!)(ππ!)) , onde os factoriais no denominador traduzem o facto de que trocar os Cβs ou os cβs entre si dá a mesma sequência. Também vale a pena mencionar que no passeio de cinco passos que termina em -1, o qual tem probabilidade 10/25 , o quarto passo teve de ser 0 ou -2. Olhando para o Triângulo de Pascal, vemos que a probabilidade de um passeio de quatro passos terminar em 0 é 6/24 e a de terminar em -2 é 4/24 . Em qualquer dos casos, a probabilidade do passo seguinte ser -1 é ½ , logo a probabilidade total de chegar a -1 1 6 4 em cinco passos é 2 × 24 + 1/2 × 24 . Portanto a propriedade do Triângulo de Pascal de que qualquer entrada é a soma das duas diagonalmente acima é consistente com as nossas probabilidades. A Distribuição de Probabilidade Vale a pena visualizar esta distribuição de probabilidade para ganhar intuição sobre o passeio aleatório. Para 5 passos, temos: Consideremos agora uma passeio maior. Após 100 passos, qual é a probabilidade de terminar num inteiro n? Isto acontecerá se o número de passos para a frente exceder em n o número de passos para trás (n pode ser um número negativo). Isto é, de onde ππππππππππππππ = ππππππππππππππ β πππ‘π‘π‘π‘ áπ π = ππ ππππππππππππππ + πππ‘π‘π‘π‘π‘π‘π‘π‘ = 100 1 (100 + ππ), 2 πππ‘π‘π‘π‘ áπ π = 1 (100 β ππ) 2 Repara que, no caso geral, se o número total de passos N for par, ππππππππππππ , πππ‘π‘π‘π‘ áπ π são ambos pares ou ambos ímpares, logo ππ, a diferença entre eles, é par. Analogamente N ímpar implica ππ ímpar. O número total de caminhos que terminam no ponto ππ é, pelo argumento cara/coroa anterior, 100! οΏ½ππππππππππππππ !οΏ½(πππ‘π‘π‘π‘ áπ π !) = 100! 1 1 οΏ½2 (100 + ππ)οΏ½ ! οΏ½ (100 β ππ)οΏ½ ! 2 . Para encontrarmos a probabilidade de terminarmos em ππ após 100 passos, precisamos de saber qual a fracção de caminhos que terminam em ππ. (dado que o lançamento da moeda é puramente aleatório, tomamos as probabilidades de todos os caminhos idênticas). O número total de caminhos com 100 passos possíveis é 2100 β 1.26 × 1030 . Usámos o Excel para representar graficamente esta a razão: (número de caminhos que terminam em ππ)/(número total de caminhos) para caminhos de 100 passos: A probabilidade de terminarmos na origem é cerca de 8%, tal como (aproximadamente) a probabilidade de terminarmos 2 passos para a esquerda ou direita. A probabilidade de terminarmos a menos de 10 passos do início é maior que 70%, e a de estarmos afastados mais do que 20 passos é bem menor que 5%. (Nota: é fácil construíres tu próprio este gráfico no Excel. Escreve -100 em A1, depois =A1+2 em A2, depois =(FACT(100))/(FACT(50-A1/2)*FACT(50+A1/2))*2^-100 em B1, e arrasta uma cópia desta fórmula até à linha 101. Depois selecciona as duas colunas, clica no Assistente de Gráficos, etc.) Também vale a pena fazer um gráfico logarítmico, para obter uma ideia mais clara do modo como as probabilidades diminuem para valores de ππ afastados da origem. Isto parece uma parábola β e é! Bom, para ser preciso, o logaritmo da distribuição de probabilidade tende para uma parábola quando N se torna muito grande, desde que ππ seja muito menor que N, e de facto este é o limite importante em Física Estatística. O logaritmo natural da probabilidade de terminarmos o caminho em ππ tende para ln πΆπΆ β ππ2 /200, onde a constante C é a probabilidade (100!/50! 50!)/2100 de terminarmos exactamente onde começámos. Isto significa que a probabilidade ππ(ππ) é dada por: ππ(ππ) = ππ 2 β 200 πΆπΆππ , πΆπΆ β 0.08 Esta é chamada uma distribuição de probabilidade Gaussiana. O ponto importante a ter em conta é que a probabilidade decai drasticamente quando a distância à origem é superior a 10. Diminuir um espaço vertical é um factor de 100! Derivação do resultado usando a Fórmula de Stirling Para ππ muito grande, a dependência exponencial em ππ2 pode ser derivada matematicamente usando a Fórmula de Stirling ln ππ! β ππ ln ππ β ππ, que resulta de: ππ ln ππ! = ln 1 + ln 2 + ln 3+. . + ln ππ β οΏ½ ln π₯π₯ ππππ = [π₯π₯ ln π₯π₯ β π₯π₯]ππ0 = ππ ln ππ β ππ. 0 Para um passeio de N passos, o número total de caminhos que terminam em ππ é ππ! . 1 1 οΏ½ (ππ+ππ)οΏ½!οΏ½ (ππβππ)οΏ½! 2 2 Para acharmos a probabilidade ππ(ππ) de tomarmos um destes caminhos, dividimos pelo número total de caminhos que é 2ππ . Aplicando a fórmula de Stirling E aproximando (usando ln(1 ± π₯π₯) β ±π₯π₯ β π₯π₯ 2 /2 para π₯π₯ pequeno) o lado direito fica simplesmente β ππ2 /2ππ. Na realidade, podemos até obter o factor multiplicativo para o limite de N elevado (ππ muito menor que N) 1 usando uma versão mais rigorosa da fórmula de Stirling, ln ππ! β ππ ln ππ β ππ + 2 2ππππ. Isto dá-nos ππ(ππ) = 2 β2ππππ ππ 2 ππ β2ππ . Para N=100, vem ππ(0) = 0.08 mais ou menos 1%, tal como vimos com o Excel. A normalização pode ser verificada usando o resultado conhecido para o integral Gaussiano, lembrando que ππ(ππ) só é não nulo se ππ β ππ for par. Então, a que distância esperar acabar? Como os passos para a frente e para trás são equiprováveis em qualquer instante, a posição final média esperada é de volta à origem. A questão interessante é quão longe da origem, em média, esperas acabar, independentemente da direcção. Para nos livrarmos da direcção, calculamos o valor esperado do quadrado da distância final à origem, a βdistância quadrática médiaβ, e de seguida tomamos a raiz quadrada. Esta chama-se a distância rms (βroot mean squareβ). Por exemplo, pegando nas probabilidades para o passeio de cinco passos, e somando +5 com -5 etc, o valor esperado de ππ2 é: 2β 5 10 2 160 1 β 52 + 2 β β 32 + 2 β β1 = = 5. 32 32 32 32 Isto é, a distância rms à origem ao fim de 5 passos é β5. De facto, A distância rms à origem após um passeio aleatório de ππ passos unitários é βππ. Uma boa maneira de provar este resultado para qualquer número de passos é introduzindo a ideia de variável aleatória. Se π₯π₯1 for uma dessas variáveis, então toma o valor +1 ou -1 com igual probabilidade da cada vez que a verificarmos. Por outras palavras, se me perguntares βQual é o valor de π₯π₯1 ?β eu lanço uma moeda ao ar, e respondo β+1β se sair cara ou β-1β se sair coroa. Por outro lado, se me perguntares βQual é o valor de π₯π₯12 ?β eu digo imediatamente β1β sem me dar ao trabalho de lançar a moeda. Usaremos parêntisis <> para denotar valores médios (isto é, valores esperados). Portanto para uma moeda não viciada, < π₯π₯1 >= 0, < π₯π₯12 >= 1. O ponto final de um passeio aleatório de ππ passos pode ser escrito como uma soma de ππ variáveis destas: ππππππππππ ππππππππππ = π₯π₯1 + π₯π₯2 + β― + π₯π₯ππ O valor esperado do quadrado do comprimento do caminho é então: < (π₯π₯1 + π₯π₯2 + π₯π₯3 + β― + π₯π₯ππ )2 > Se quadrarmos o termo lá dentro, ficamos com ππ2 termos. Destes, ππ são do tipo < π₯π₯12 > logo iguais a 1. Todos os outros são do tipo < π₯π₯1 π₯π₯2 >. Mas isto é o produto de dois lançamentos diferentes, e tem valor +1 para CC e cc, e -1 para Cc e cC. Portanto a média é zero, e podemos eliminar todos estes termos. Então < (π₯π₯1 + π₯π₯2 + π₯π₯3 + β― + π₯π₯ππ )2 >= ππ, Isto é, a distância rms é βππ no caso geral. Flutuações de densidade num pequeno volume de gás Supõe que temos uma pequena caixa contendo N moléculas de gás. Assumimos que a interacção entre as moléculas é desprezável, e que elas ressaltam dentro da caixa independentemente. Se num dado instante inserirmos uma divisõria exactamente a meio da caixa, esperamos encontrar em média 50% das moléculas na metade direita da caixa. A questão é: quão perto de 50%? Qual é o desvio que esperamos encontrar? 51% é muito improvável? Uma vez que as N moléculas se estão a mover aleatoriamente dentro da caixa, podemos atribuir uma variável aleatória π¦π¦ππ a cada molécula, onde π¦π¦ππ = 1 se a πππ‘π‘β molécula estiver do lado direito ou igual a zero estiver do lado esquerdo, e os valores 0 e 1 são igualmente prováveis. O número total de moléculas πππ π na metade direita da caixa é então: πππ π = π¦π¦1 + π¦π¦2 + β― + π¦π¦ππ . Esta soma de ππ variáveis aleatórias parece-se muito com o passeio aleatório! De facto, são equivalentes. Define uma variável aleatória π₯π₯ππ por: π¦π¦ππ = 1 (1 + π₯π₯ππ ) 2 Dado que π¦π¦ππ toma valor 0 ou 1 com igual probabilidade, π₯π₯ππ toma os valores -1 e 1 com igual probabilidade β então π₯π₯ππ é idêntica à nossa variável do passo no passeio aleatório. Logo, πππ π = π¦π¦1 + π¦π¦2 + β― + π¦π¦ππ = 1 ππ + π₯π₯1 + π₯π₯2 + β― + π₯π₯ππ 2 É evidente que a soma de um passeio com N passos dá o desvio do número de moléculas em metade do recipiente de N/2. Portanto, da nossa análise do passeio aleatório concluimos que o valor esperado deste desvio é βππ . Por exemplo, se o recipiente contiver 100 moléculas, esperamos um desvio de cerca de 10% em cada medição. Mas qual o desvio esperado num recipiente suficientemente grande que se veja, cheio de moléculas de ar à temperatura ambiente? Tomemos um cubo com 1mm de lado. Contém cerca de 1016 moléculas. Portanto, o número de moléculas do lado direito flutua no tempo por um valor da ordem de β1016 = 108 . Este é um número grande, mas como fracção do número total, é só uma parte em 108 ! A probabilidade de flutuações maiores é incrivelmente pequena. A probabilidade de um desvio de ππ do valor médio ππ/2 é: 2ππ 2 ππ . ππ(ππ) = πΆπΆππ β Portanto a probabilidade de uma flutuação de uma parte em 10000000, que seria 10βππ, é da ordem de ππ β200 , ou cerca de 10β85 . Se verificarmos o gás a cada trilionésimo de segundo durante toda a idade do Universo não nos levaria nem perto de vermos isto acontecer. É por isto que, à escala humana, os gases são tão suaves e contínuos. Os efeitos cinéticos não se manifestam em flutuações de densidade e pressão observáveis β uma das razões pela qual levou tanto tampo à teoria atómica para ser geralmente aceite. Tradução/Adaptação Casa das Ciências 2009