Centro de Estudos Sociais Universidade de Coimbra União Europeia e-cadernos ces PROPRIEDADE E EDIÇÃO CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS - LABORATÓRIO ASSOCIADO UNIVERSIDADE DE COIMBRA www.ces.uc.pt COLÉGIO DE S. JERÓNIMO APARTADO 3087 3001-401 COIMBRA PORTUGAL E-MAIL: [email protected] TEL: +351 239 855570 FAX: +351 239 855589 CONSELHO DE REDAÇÂO DOS E-CADERNOS CES MARTA ARAÚJO (Directora) ANA CORDEIRO SANTOS CECÍLIA MACDOWELL SANTOS JOSÉ MANUEL MENDES LAURA CENTEMERI MARIA JOSÉ CANELO MATHIASTHALER SILVIARODRÍGUEZMAESO AUTORES RAQUEL FREIRE, PAULA DUARTE LOPES, PASCOAL SANTOS PEREIRA, CATARINA PIMENTA, LUÍS MIGUEL DA VINHA, FERNANDO CAVALCANTE, MATEUS KOWALSKI, GILBERTO CARVALHO DE OLIVEIRA, CARLOS MARTINS BRANCO, ANTONIO RAMALHO DA ROCHA DESIGN GRÁFICO DOS E-CADERNOS CES DUPLO NETWORK, COIMBRA www.duplonetwork.com PERIODICIDADE TRIMESTRAL VERSÃO ELECTRÓNICA ISSN 1647-0737 © CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS, UNIVERSIDADE COIMBRA, 2009 PEACEKEEPING: PEACEKEEPING: ACTORES, ESTRATÉGIAS E DINÂMICAS ORGANIZAÇÃO Maria Raquel Freire, Paula Duarte Lopes CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS 2009 2009 3 Índice Introdução ................................................................................................................... 4 Maria Raquel Freire e Paula Duarte Lopes - A segurança internacional e a institucionalização da manutenção da paz no âmbito da ONU: riscos e expectativas ........................................................................................................... 6 Pascoal Santos Pereira - Porque participaram tantos países nas missões do Kosovo? ............................................................................................................... 24 Catarina Pimenta - Libéria 1993: o “não” das grandes potências militares do peacekeeping ....................................................................................................... 35 Luís Miguel da Vinha - As Empresas Militares Privadas e o peacekeeping .......... 45 Fernando Cavalcante - Sucesso ou fracasso? Uma avaliação dos resultados da MINUSTAH .......................................................................................................... 56 Mateus Kowalski - A avaliação das missões de paz na Costa do Marfim ............. 67 Gilberto Carvalho de Oliveira - Relações entre civis e militares nas operações de paz ...................................................................................................................... .77 @cetera..................................................................................................................... 85 Carlos Martins Branco - A participação de Portugal em operações de paz. Êxitos, problemas e desafios ............................................................................................ 86 Antonio Jorge Ramalho da Rocha - Política externa e política de defesa no Brasil: Civis e militares, prioridades e a participação em missões de paz ...................... 142 4 Introdução Este número temático centra-se nas missões de peacekeeping da Organização das Nações Unidas. No contexto actual estas missões tornaram-se um elemento central da estratégia das Nações Unidas para a promoção da paz e segurança internacionais. Esta estratégia tem evoluído em termos de mandatos, actores envolvidos e cenários de crise. A amplificação das intervenções envolve um grande número de diferentes actores para além das Nações Unidas, promovendo novas estratégias. Nesta colectânea são analisadas diferentes perspectivas: missões específicas, como por exemplo o Haiti ou o Ruanda e dimensões particulares de operacionalização, como a privatização, a questão de género ou a relação entre civis e militares. São ainda analisadas diferentes dinâmicas que suscitam reflexões teóricas ao nível dos diferentes tipos de missões (peacekeeping e peacebuilding), ao nível do tipo de paz subjacente a estas intervenções (negativa e/ou positiva) e ao nível das motivações associadas à participação (ou não) de diferentes estados membros. A temática em análise resulta de uma reflexão no âmbito do Programa de Doutoramento em Política Internacional e Resolução de Conflitos (edição 2008-2009) desenvolvida pelo grupo de doutorandos/as ao longo dos seminários doutorais. Este Programa reflecte uma preocupação teórica e empírica associada ao trabalho desenvolvido pelo Núcleo de Estudos para a Paz do Centro de Estudos Sociais. No quadro das linhas fundamentais de investigação do Núcleo salientam-se as questões associadas ao modelo de intervencionismo global e às políticas de reconciliação e resistência resultantes de situações de violência. Estas são expressas na discussão desenvolvida neste número. Organização deste número As contribuições do programa doutoral incluem um texto de abertura de Maria Raquel Freire e Paula Duarte Lopes sobre a institucionalização das missões de paz, uma reflexão teórica que serve de pano de fundo aos textos que se seguem. O alinhamento segue uma lógica de aprofundamento, discutindo questões relacionadas com níveis de participação (Pascoal Pereira e Catarina Pimenta), com tipos de missões e dimensões qualitativas das mesmas (Luís da Vinha), bem como com a sua avaliação (Fernando 4 Cavalcante e Mateus Kowalski). Termina com um texto de reflexão teórica sobre as relações civis-militares (Gilberto Oliveira). A secção @-cetera inclui duas contribuições de especialistas convidados, as quais desde já agradecemos, e que debatem a participação e envolvimento de diferentes países em missões de paz, nomeadamente Portugal e Brasil. O primeiro, da autoria do General Carlos Martins Branco, do Exército Português, com uma experiência de terreno reconhecida nacional e internacionalmente, apresenta uma reflexão sobre a participação portuguesa em diferentes cenários e com diferentes meios, traçando um quadro referencial da actuação de Portugal nestes contextos. O segundo, do Doutor António Jorge Ramalho da Rocha, Professor da Universidade de Brasília, apresenta uma reflexão pessoal sobre o papel do Brasil na missão de paz do Haiti fundamentada na sua experiência no terreno. Como organizadoras deste número gostávamos de destacar a relevância deste tipo de iniciativas na divulgação do trabalho que se tem vindo a desenvolver no âmbito do programa de doutoramento, agradecendo o empenho e envolvimento dos autores. Por todas estas razões, consideramos este número temático um contributo importante para os estudos nesta área. Maria Raquel Freire e Paula Duarte Lopes 5 A SEGURANÇA INTERNACIONAL E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA MANUTENÇÃO DA PAZ NO ÂMBITO DA ONU: RISCOS E EXPECTATIVAS MARIA RAQUEL FREIRE E PAULA DUARTE LOPES CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS, UNIVERSIDADE DE COIMBRA Resumo: A segurança tem vindo a assumir novos contornos em que a manutenção da paz se tornou um elemento central. A sua importância crescente enquanto estratégia de intervenção pacífica no quadro das Nações Unidas (ONU) aumenta o seu potencial para contribuir para uma cultura de segurança internacional mais coerente e flexível. O artigo discute a relação entre segurança internacional e manutenção da paz, enquadrando a análise numa reflexão conceptual de paz e violência e as suas diferentes intensidades num continuum. Entende-se que foi criada uma janela de oportunidade devido à institucionalização da manutenção da paz, principalmente através de maior participação e empenho. No entanto existem ainda vários riscos subjacentes a esta dinâmica, os quais estão fortemente inter-relacionados na forma como restringem ou promovem a paz e a segurança internacional. Palavras-chave: manutenção da paz, segurança internacional, Nações Unidas, continuum de pazes e violências. “no nosso mundo actual e no futuro próximo não há lugar para o não envolvimento internacional em conflitos violentos. Em vez disso, há uma escolha entre o envolvimento legítimo e outras formas de intervenção mais funestas.” Kofi A. Annan, 1996: 170 INTRODUÇÃO Num ambiente de pós-pós-Guerra Fria, a segurança ganhou novos contornos em que a manutenção da paz se tornou um elemento central de estabilização. Ainda que no âmbito dos Estudos da Segurança este papel de manutenção da paz seja essencialmente periférico, uma vez que não é uma questão central na agenda da segurança internacional, a sua importância crescente enquanto estratégia de intervenção pacífica no quadro das Nações Unidas (ONU) aumenta o seu potencial para contribuir para uma cultura de segurança internacional mais coerente, flexível e estável. 6 As missões de manutenção da paz evoluíram ao longo do tempo e as dinâmicas mais recentes sugerem uma tendência de institucionalização. Esta tendência é o resultado quer de um número crescente de missões de manutenção da paz das Nações Unidas, o que reflecte uma participação cada vez maior dos Estados individuais, quer de um maior comprometimento destes actores em relação a este tipo de missões. Não existe necessariamente uma relação directa entre esta tendência de institucionalização e a promoção da segurança internacional. Na verdade, o contributo para a segurança internacional varia em função das dinâmicas de participação e de comprometimento dos actores envolvidos nos diferentes níveis de análise (internacional, regional e estatal). O conceito de segurança internacional sofreu alterações substanciais com o final da Guerra Fria, alargando a sua abrangência, incluindo dimensões sectoriais para além da tradicional segurança militar (ambiental, societal, entre outras); e aprofundando a sua incidência, para além do contexto estatal, incluindo outras unidades de análise, como a comunidade ou o indivíduo. Assim, a segurança internacional é aqui entendida como sendo mais do que a simples garantia da integridade física/territorial. Para esse fim, esta deve estar enraizada em culturas de paz, contribuindo para uma paz holística e sustentável e, por sua vez, ser sustentada por essa mesma paz. Esta relação dialéctica é informada pelo continuum de pazes e violências, em oposição à dicotomia simplista entre paz e violência. Em diferentes contextos a segurança ganha contornos diferentes em resultado das intensidades variáveis das pazes e das violências entendidas no âmbito do continuum, uma vez que estas não são auto-excluíveis. A abordagem das Nações Unidas tem sido informada pelos Estudos da Paz no seu comprometimento para a promover, não apenas através da manutenção da paz (paz negativa: ausência de guerra/violência), mas também pela promoção de condições estruturais para a paz (Galtung, 1969) (paz positiva: segurança humana). O potencial de institucionalização para a segurança internacional tem lugar a diferentes níveis (internacional, regional e estatal). Neste artigo argumentamos que a participação e comprometimento dos actores envolvidos nestes diferentes níveis podem melhorar, enfraquecer ou não ter qualquer efeito na estabilidade do sistema internacional. Isto significa que este processo de envolvimento não é linear. Além do mais, varia em função do nível de análise que for considerado. As ligações entre os diferentes níveis de análise são essenciais para perceber melhor as consequências deste processo de institucionalização no sistema internacional. Neste artigo defendemos que a institucionalização constitui, então, uma janela de oportunidade para melhorar a segurança internacional. Neste artigo começamos por discutir a relação entre segurança e manutenção da paz na promoção desta e da segurança internacional, apresentando uma panorâmica geral 7 dos diferentes tipos de missões de manutenção da paz das Nações Unidas. De seguida, enquadramos a análise em termos conceptuais ao definir a paz e a violência e as diferentes combinações das suas intensidades num continuum. Isto permite um distanciamento da dicotomia simplista entre paz e violência enquanto meio para analisar melhor os riscos e expectativas da manutenção da paz. Além disso, sublinhamos a necessidade de a manutenção da paz da ONU estar enraizada em culturas de paz, no sentido de promover a paz e a segurança internacional. Neste artigo argumentamos que foi criada uma janela de oportunidade em resultado da institucionalização da manutenção da paz, principalmente através de maior participação e empenhamento. Esta discussão envolve três níveis diferentes de análise: Nações Unidas, regional e estatal. O nosso argumento vai mais longe e conclui que, apesar de a janela de oportunidade criar as condições para um sistema internacional de manutenção da paz mais coerente, flexível e estável, ainda existem vários riscos subjacentes a estas dinâmicas. Estes riscos e expectativas inerentes à institucionalização da manutenção da paz das Nações Unidas estão fortemente inter-relacionados na forma como restringem ou promovem a paz e a segurança internacional. MANUTENÇÃO DA PAZ E SEGURANÇA INTERNACIONAL O conceito de segurança num período pós-pós-Guerra Fria foi não apenas ampliado, mas também aprofundado para além da mera existência de ameaças a um Estado. A sua ampliação está reflectida na consideração de distintas dimensões de segurança para além da integridade territorial, tais como a segurança económica ou ambiental (HomerDixon, 1994). O conceito de segurança também se aprofundou, no sentido em que, para além do Estado, inclui actores enquanto sujeitos de segurança como o indivíduo (segurança humana) ou a sociedade (Waever et al., 1997; UNDP, 1994). O regime de segurança das Nações Unidas não só se tornou a opção “obrigatória” por excelência para a cooperação de segurança como se tornou também uma fonte de legitimidade para as operações de paz e uma referência aceite para o comportamento regional e estatal no que respeita à segurança (inter)nacional. O artigo 24.º da Carta das Nações Unidas confere “ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade pela manutenção da paz e da segurança internacionais” e as missões de manutenção da paz das Nações Unidas tornaram-se uma estratégia para esse fim. No entanto, a Carta das Nações Unidas não prevê missões de manutenção da paz, apesar de conter elementos e princípios que reflectem o espírito no âmbito do qual estas missões são concebidas. O entendimento em que se acordou para enquadrar as missões de manutenção da paz encontra-se de alguma forma entre o Capítulo VI (resolução pacífica de disputas) e o 8 Capítulo VII (medidas de imposição da paz quando esta é ameaçada ou violada ou quando se verificam actos de agressão), sendo designado por “Capítulo VI e ½”. Verifica-se a existência de uma terminologia diversa e não consensual para caracterizar as missões de manutenção da paz das Nações Unidas. O fim da Guerra Fria tornou-se para muitos um momento definidor que influenciou a natureza da manutenção da paz (Cottey, 2008; O’Neill e Rees, 2005), enquanto outros defendem que, apesar de ter constituído uma mudança fundamental, não implicou uma redefinição estrutural destas missões (Mullenbach, 2005; Bellamy, Williams e Griffin, 2007; Jakobsen, 2002). Na verdade, os últimos identificaram dinâmicas no período pós-Guerra Fria que já estavam presentes antes do fim da rivalidade bipolar; determinados tipos de funções levadas a cabo pela manutenção da paz durante o período da Guerra Fria são também desempenhadas nos dias de hoje; e certas tendências, actualmente identificadas como novas, como a regionalização das intervenções, já se verificavam antes do fim da bipolaridade. A manutenção da paz das Nações Unidas evoluiu de forma a abranger uma ampla variedade de funções, tornando difícil classificá-las de uma forma coerente (para uma boa panorâmica geral, ver Fortna e Howard, 2008). As tipologias existentes reflectem diferentes abordagens às dinâmicas do sistema internacional e ao papel da manutenção da paz relativamente à paz e à segurança. Por conseguinte, alguns autores ainda estão muito apegados a uma visão cronológica traduzida em diferentes gerações, que reflecte a crescente complexidade destas intervenções (Cottey, 2008; Woodhouse e Ramsbotham, 2005; O’Neill e Rees, 2005; Doyle, 1996). Referem-se a missões clássicas ou tradicionais; a missões multidimensionais, integradas, complexas ou multifuncionais; a operações de apoio à paz; alguns identificam ainda uma potencial nova geração, como as intervenções cosmopolitas (Woodhouse e Ramsbotham, 2005). Outros acrescentam ou incluem ainda nesta lista de gerações as intervenções humanitárias (Cottey, 2008) e as missões de imposição da paz (Doyle, 1996). O uso da força é ainda bastante debatido, havendo divergências quanto à sua inclusão (Bellamy, Williams e Griffin, 2007: 5-6) ou não (O’Neill e Rees, 2005: 205; Annabi, 1995: 39) como possibilidade no âmbito das missões de manutenção da paz. Um outro debate ainda em aberto refere-se à relação entre a manutenção da paz e a construção da paz, no que respeita à questão de as tarefas de construção da paz deverem ou não ser incluídas nos mandatos de manutenção da paz e até que ponto. Outros autores propõem uma leitura diferente desta diversidade, rejeitando a utilização do termo “gerações” e adoptando uma terminologia mais flexível, com base em tipos de intervenção, independentemente de um modelo cronológico (Bures, 2007; Bellamy, Williams e Griffin, 2007; Boutros-Ghali, 1992). Por exemplo, An Agenda for 9 Peace (Boutros-Ghali, 1992) propõe quatro tipos de intervenções para as Nações Unidas (diplomacia preventiva, pacificação (peacemaking), manutenção da paz e construção da paz), em que a manutenção da paz é definida como […] o posicionamento de uma presença das Nações Unidas no terreno, até agora com o consentimento de todas as partes, envolvendo normalmente militares e/ou polícias das Nações Unidas e frequentemente civis também. A manutenção da paz é uma técnica que aumenta as possibilidades quer da prevenção de conflitos, quer de fazer a paz. (Boutros-Ghali, 1992: Capítulo II, § 20) E, por conseguinte, abarca um potencial para contribuir positivamente para a paz e a segurança internacional. Bellamy, Williams e Griffin (2007: 5-6) distanciam-se da abordagem geracional, propondo cinco tipos de operações de manutenção da paz: operações tradicionais, de gestão da transição, de manutenção da paz em sentido amplo, de imposição da paz e de apoio à paz. Apesar da proliferação dos tipos de missões de manutenção da paz, existe algum consenso, mesmo que não seja explícito, à volta de três tipos de missões. O primeiro tipo de missões – a tradicional manutenção da paz – tem a seu cargo a observação do cumprimento das condições estabelecidas em acordos de paz e de cessar-fogo, com o consentimento das partes envolvidas, sem o uso da força e com base no princípio da imparcialidade (“santíssima trindade”). O seu objectivo principal é garantir que nenhum dos grupos beligerantes exerça violência física. Destas missões com estes mandatos surgem dois problemas principais. Primeiro, os grupos beligerantes não são facilmente identificados, o que torna mais difícil que a missão verifique quem é que está a cumprir ou a infringir as condições acordadas. Segundo, apesar de se acordar algum tipo de paz antes do envio da missão de manutenção da paz, a violência pode persistir, seja por uma reescalada das tensões anteriores ou sob uma forma mais dissimulada, tornando-se invisível para os soldados, uma vez que se transforma de uma ameaça directa à paz e à segurança internacional numa questão de criminalidade doméstica/transnacional. Em resultado disso, a dicotomia convencional de violência e paz subverte os mandatos destes soldados. Isto pode comprometer o potencial contributo destas missões para a paz e a segurança internacional ao limitar a sua eficácia e credibilidade. Durante a década de 1990, com o alargamento e aprofundamento do conceito de segurança, as Nações Unidas procuraram também alargar e aprofundar os mandatos das suas missões de modo a incluir dimensões sociais, económicas, psicológicas e de segurança – a manutenção multidimensional da paz. Sentiu-se que havia a necessidade de adaptar os mandatos das missões de modo a que estas incluíssem mais do que a 10 observação e a manutenção da paz, nomeadamente, a segurança humana, a consolidação de confiança, acordos de partilha de poder, cooperação eleitoral, reforço do Estado de direito e desenvolvimento social e económico (mais tarde reconhecidos no Relatório Brahimi, 2000). Estas novas missões vão mais longe do que os mandatos iniciais e, para além de soldados e polícias, também incluem pessoal civil. Até então, a tarefa de construir a paz estava normalmente nas mãos de agências oficiais de apoio ao desenvolvimento, quer bilaterais quer multilaterais, e de organizações não- governamentais. Estas agências teriam de aguardar até que a sua ida fosse segura e só então é que a construção da paz teria início. A incorporação destas questões nos mandatos de manutenção da paz reflecte o entendimento de que a construção da paz não pode começar só depois da contenção da violência mas, sim, muito mais cedo do que isso. Esta alteração constitui um passo em frente em direcção a um entendimento sustentável e holístico da paz e da segurança, incluindo sem margem para dúvidas a segurança humana. Apesar de incluírem um número maior de civis, as estruturas de comando e a maioria do pessoal destas missões continuam a ser militares, treinados para a guerra; e, ao mesmo tempo, os mandatos parecem quase impossíveis de cumprir, uma vez que esta multidimensionalidade se torna excessivamente ampla. A ideia é garantir a paz através de meios pacíficos e enquadrar estas missões claramente no âmbito do Capítulo VI da Carta das Nações Unidas, mas o pessoal das missões de manutenção da paz não é treinado com esse objectivo. Além disso, apesar da conformidade com a “santíssima trindade” continuar a ser uma condição central, mantêm-se as questões que dizem respeito ao uso da força. Os graves fracassos das missões de manutenção da paz das Nações Unidas do início dos anos 1990 – Angola, Bósnia, Ruanda e Somália – mostraram a relevância deste problema.1 Em resultado disso, as Nações Unidas não foram capazes de desempenhar o papel positivo de promotoras e garantidoras da paz e da segurança internacional. Desde o início do século XXI, e em resposta às dificuldades que as Nações Unidas enfrentavam, tomou forma um terceiro tipo de missão de manutenção da paz. Esta alteração enquadra-se bem na proposta de Kofi Annan relativamente à necessidade de demonstrar “uma disponibilidade para repensar a forma como as Nações Unidas respondem às crises políticas, humanitárias e de direitos humanos que afectam uma grande parte do mundo” (Annan, 1999). Se, no que respeita ao segundo tipo de missões, a alteração é feita em direcção ao Capítulo VI da Carta, este terceiro tipo move-se para o lado oposto, na direcção do Capítulo VII. Parece haver finalmente uma intenção de dar “dentes e garras” a estas missões e a ênfase reside na segurança humana colectiva e, com esse propósito, em permitir a imposição da paz. Estas missões combinam “uma 1 Para mais informação, consultar Bellamy e Williams, 2004; Doss, 2008; Gowan, 2008. 11 maior robustez militar” com “normas cosmopolitas internacionais” (Ramsbotham, et al., 2005: 147), como a responsabilidade de proteger. Se os dois tipos de missões de manutenção da paz se caracterizam pela necessidade de as partes beligerantes consentirem na intervenção, este terceiro tipo de manutenção da paz tenta resolver esta questão ao concentrar-se na “responsabilidade de proteger” (ICISS, 2001) para legitimar o uso da força. Isto pode ser lido como um contributo para a paz e a segurança internacional, uma vez que capacita o pessoal das missões para o cumprimento dos seus mandatos. No entanto, não se trata de uma relação linear. Por um lado, não garante ou promove necessariamente a paz; por outro lado, levanta a questão da legitimidade das Nações Unidas. Além disso, desde o início do século XXI, tem estado a tomar forma um quarto tipo de missão com base em desenvolvimentos, nomeadamente em Timor-Leste e no Kosovo, que acrescentam à natureza multidimensional e multinível um elemento mais explícito de governação, que se torna operacional nas administrações transitórias. As explicações da corrente dominante para estes diferentes tipos de missões de manutenção da paz partem da dicotomia entre paz e violência. Defendemos aqui que esta abordagem simplista constitui um obstáculo à análise das dinâmicas de manutenção da paz. As missões de manutenção da paz foram criadas para manter a paz, com base no pressuposto de que ou há paz ou violência. Esta posição omite o facto de que em cada situação há uma combinação de diferentes intensidades de paz e violência. Negligenciar esta complexidade limita a compreensão global das possíveis consequências dessas missões para a paz e a segurança internacional. CONCEPTUALIZAR A PAZ E A VIOLÊNCIA A adopção de um continuum de pazes e violências enquanto combinação de diferentes intensidades de paz e violência capta melhor as dinâmicas das situações de conflito. Isto significa que, mesmo em contextos de paz formal, a violência não desaparece; apesar de não estar generalizada, porque existem condições estruturais para lidar com ela de forma pacífica, como a ausência de violência física e psicológica organizada, a satisfação de necessidades humanas básicas e, a nível institucional, estruturas representativas e proporcionais de partilha do poder e a promoção e protecção dos direitos humanos. Mesmo nestes casos, podem encontrar-se bolsas geográficas ou concentrações sociais de violência generalizada, mas estas não são uma característica predominante da sociedade no seu todo. Do mesmo modo, em contextos violentos, a paz não desaparece, apesar de não ser uma característica predominante da sociedade no seu todo. Mesmo nestes casos, os indivíduos ou os grupos podem recorrer a meios pacíficos na sua vida quotidiana. Esta escolha de meios pacíficos ou violentos reflecte as condições estruturais 12 básicas acima mencionadas. Quando estas estão reunidas, há uma tendência maior para recorrer a meios pacíficos para lidar com os conflitos, e a situação oposta também se verifica. O tipo de violência aqui abordado inclui actos regulares e organizados de agressão física e/ou psicológica generalizados na sociedade e a ausência de condições humanas básicas, sejam elas económicas, institucionais, identitárias ou outras. O nosso argumento é que este tipo de violência pode ser evitado se as condições estruturais básicas para a paz estiverem estabelecidas. A paz é aqui entendida como um processo holístico que implica a ausência de violência física e psicológica organizada, a satisfação de necessidades humanas básicas e, a nível institucional, estruturas representativas e proporcionais de partilha de poder e a promoção e protecção dos direitos humanos. Além disso, este conceito de paz está enraizado num quadro normativo – culturas de paz –, em que a paz é o núcleo central que dá corpo à acção. A cultura da paz é definida pelas Nações Unidas como “um conjunto de valores, atitudes, modos de comportamento e formas de viver que rejeitam a violência e [a] evitam ao lidar com as causas que lhe estão na raiz para resolver os problemas através do diálogo e da negociação entre os indivíduos, grupos e nações” (Nações Unidas, 1998a e 1998b). Esta definição abarca os principais elementos que devem estar subjacentes à manutenção da paz. No entanto, o termo “cultura da paz” aponta para uma cultura da paz enquanto “culturas de paz” capta melhor as diferenças em intensidade ao longo do continuum das pazes e das violências. Isto não reflecte uma leitura relativista da realidade, mas antes pretende captar as complexidades e especificidades de contextos diferenciados, tendo em conta a diversidade das intensidades da paz e da violência. Deste modo, o continuum permite captar essas diferenças e, assim, informar melhor as estratégias de manutenção da paz concebidas de modo a serem enraizadas nas culturas de paz. O carácter multidimensional da paz e da violência exige um olhar mais próximo das dinâmicas subjacentes às missões de manutenção da paz, em especial porque a paz e a violência não são auto-excludentes. Se esta complexidade for reconhecida, a análise dos contextos em que a manutenção da paz opera irá reflectir a dialéctica intrínseca entre a paz e a violência. Isto permite uma resposta mais inclusiva para a promoção e consolidação da segurança humana no âmbito de um conceito holístico de paz, contribuindo para a paz e a segurança internacional. Na sua origem, as missões de manutenção da paz são dirigidas à paz. Ainda que todos os tipos de manutenção da paz tenham potencial para melhorar a paz e a segurança internacional por diversos meios, de acordo com o quadro acima discutido, aqueles que incluem mandatos de segurança alargados e aprofundados estão, 13 alegadamente, mais bem preparados para trabalhar para esse objectivo (por exemplo, manutenção da paz multidimensional e sólida). No entanto, nem todos os tipos de manutenção da paz abrangem o comprometimento (incluindo o uso da força) e as funções mais amplas (incluindo a segurança humana) que são necessários, reflectindo muitas vezes um distanciamento das culturas de paz. A manutenção da paz ainda está muito enquadrada numa lógica militar, o que pode enfraquecer os esforços para enraizar as suas acções em culturas de paz. Esta situação pode enfraquecer o objectivo global da paz e da segurança internacional. DINÂMICAS DA INSTITUCIONALIZAÇÃO: TRIANGULAR A PARTICIPAÇÃO E O COMPROMETIMENTO A tendência da institucionalização da manutenção da paz das Nações Unidas é aqui entendida como resultado do número crescente das suas missões, reflectindo também uma participação cada vez maior dos Estados, de actores regionais e de organizações nessas missões. Subjacente a esta participação está um claro comprometimento dos Estados e das organizações internacionais com as missões de manutenção da paz como elemento central, apesar da sua natureza periférica no âmbito dos Estudos da Segurança. Este comprometimento é também visível nos discursos oficiais e nos documentos institucionais respeitantes à manutenção da paz. A combinação de comprometimento e participação varia de acordo com os diferentes níveis de análise. Isto significa que uma crescente participação e comprometimento num nível de análise pode contribuir para a paz e a segurança internacional, ainda que, simultaneamente, possa enfraquecer a contribuição de outro(s) nível(is) para o mesmo objectivo, conforme se irá analisar com mais profundidade. Estas variações nos diferentes níveis de análise têm impacto na legitimidade e credibilidade das missões de manutenção da paz das Nações Unidas, resultando também numa melhoria, ou não, da paz e da segurança internacional. Deste modo, a relação entre a manutenção da paz e a paz e a segurança internacional tem de ser analisada de uma forma triangular, em que as dinâmicas ao nível regional, das Nações Unidas e dos Estados, interagem claramente para a configuração da paz e da segurança internacional. Como responsável primária pela manutenção da paz e da segurança internacional, as Nações Unidas têm permanecido “a peça central do sistema internacional de manutenção da paz, fornecendo 50% de todo o pessoal das missões no terreno” (CIC, 2008: 2) e mantendo, desde 1992, uma média de cerca de 15 missões activas de manutenção da paz por ano, com a procura de pessoal para as mesmas a aumentar (Pelz e Lehmann, 2007: 1). Estas dinâmicas têm sido reflectidas a nível institucional num esforço para planear e organizar melhor o sistema de manutenção da paz das Nações 14 Unidas. Tem sido, no entanto, uma dinâmica reactiva na resposta a alterações e desenvolvimentos no terreno. Os exemplos incluem o Relatório Brahimi (Nações Unidas, 2000), o documento Operações de Paz 2010 (Nações Unidas, 2006) e a “Doutrina Capstone” (Nações Unidas, 2008). O Relatório Brahimi reconhece que não só devia haver missões de manutenção da paz lideradas pelas Nações Unidas, mas também que estas poderiam ser lideradas e/ou coordenadas por um Estado-membro, um grupo de Estados-membros ou por uma organização internacional. Este reconhecimento realça claramente a centralidade dos níveis regional e estatal para um funcionamento coerente e eficaz do sistema internacional de manutenção da paz. O Relatório Brahimi institucionalizou ainda mais a manutenção da paz como actividade central das Nações Unidas, “uma actividade que é única no seu âmbito e amplitude e na qual todos temos um interesse substancial” (Guéhenno, 2006). O comprometimento que existe em todo o mundo para a formação em manutenção da paz contribui ainda mais para a institucionalização destas missões, no sentido em que um número crescente de forças militares e civis terão formação em manutenção da paz. Ainda que esta formação seja um complemento à preparação militar base da maioria do pessoal de manutenção da paz, ela constitui uma preocupação central, em sintonia com as recomendações do Relatório Brahimi. A criação de uma força militar treinada especificamente para a manutenção da paz constitui um sinal claro da tendência de institucionalização já identificada. Esta mudança envolveu outros passos diferentes no processo de institucionalização da manutenção da paz. Em 2006, o Subsecretário-geral para a Manutenção da Paz, Jean-Marie Guéhenno, elaborou um plano quinquenal – Operações de Paz 2010 – em que se estabeleciam objectivos globais para as missões de manutenção da paz das Nações Unidas até 2010. Isto demonstra claramente uma preocupação em fornecer um quadro articulado para a participação, implicando um maior comprometimento dos Estados-membros e das organizações regionais. No ano seguinte, Ban Ki-Moon, recémempossado Secretário-geral, deu-lhe seguimento e reestruturou o Departamento de Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas (DPKO), criando um Departamento de Apoio às Missões como meio de melhorar a relação entre a Sede e as missões no terreno. Para além de assentar no comprometimento dos Estados-membros e das organizações regionais, também contribui para aumentar a legitimidade das Nações Unidas no terreno. Estes desenvolvimentos incluem implicitamente como objectivo a promoção da paz e da segurança internacional. Para consolidar ainda mais esta estratégia, as Nações Unidas apresentaram, em 2008, um manual de princípios e orientações para o envio de missões de manutenção da 15 paz, congregando a natureza multidimensional e multinível da sua implementação. Este manual ficou conhecido por “Doutrina Capstone”, conferindo uma base mais sólida à manutenção da paz e reforçando as dinâmicas da institucionalização. Estes desenvolvimentos forneceram uma base para reforçar a manutenção da paz ao nível regional, das Nações Unidas e dos Estados, melhorando o potencial para a promoção da paz e da segurança internacional. No entanto, não se trata de um processo linear. Por um lado, são documentos políticos sem força legal e, por outro, a relação triangular dos níveis Nações Unidas-regional-Estados nunca é clarificada em relação à articulação no terreno. As missões regionais de manutenção da paz tornaram-se uma alternativa para umas Nações Unidas sobrecarregadas, ao permitirem um aumento dos recursos humanos e materiais para além do limitado quadro orçamental e de pessoal das Nações Unidas. Contudo, não é clara a forma como a ligação entre estes actores regionais, sejam eles um Estado, um grupo de Estados ou coligações ad hoc, se relaciona com as Nações Unidas. Isto pode sugerir que, em vez de agirem de uma forma complementar em relação ao sistema de segurança colectivo das Nações Unidas, se possam tornar “agentes locais de quem detém a hegemonia regional em questão” (Bellamy e Williams, 2004: 194), desviando-se, assim, do próprio objectivo primário da sua existência. No entanto, isto não compromete o nível de sucesso destas missões. Compromete, sim, a forma como estas missões se inter-relacionam com as Nações Unidas, correndo claramente o risco de não desempenharem um papel complementar e de, em vez disso, porem em risco o quadro de segurança internacional das Nações Unidas (para exemplos concretos, ver Bellamy e Williams, 2004: 196). A regionalização não significa necessariamente que as missões sejam direccionadas apenas para determinadas regiões mas, antes, que as missões sejam constituídas a nível regional (sendo também possíveis operações fora da área).2 Este processo veio reforçar a possibilidade de estes actores estabelecerem missões de manutenção da paz exclusivamente com base nos seus próprios contributos, para além de criarem as condições para missões híbridas. Estas últimas referem-se às missões das Nações Unidas em colaboração com outras organizações ou actores regionais (Pugh, 2008: 418). Além disso, a manutenção da paz regional também pode ser conduzida por organizações regionais (p. ex. União Europeia, OTAN, União Africana); por coligações ad hoc; por Estados proeminentes da região que assumam a liderança política e militar das operações das Nações Unidas (p. ex. o Brasil no Haiti); e pelos principais poderes 2 Ver, por exemplo, as operações de manutenção da paz lideradas e constituídas exclusivamente por Estados-membros da União Europeia ou as realizadas em África sob responsabilidade da ECOWAS. 16 regionais que assumam este encargo nas regiões em que se inserem (p. ex. a Austrália no Pacífico Sul) (Cottey, 2008: 440). A manutenção da paz regional “normalmente defende os objectivos e princípios [da] Carta das Nações Unidas” (Ramsbotham et al., 2005: 143). Isto sugere o reconhecimento de um número crescente de actores diferenciados envolvidos na condução das missões, desde as operações tradicionais lideradas pelas Nações Unidas às missões que não são lideradas pelas Nações Unidas, mas sim por Estados individuais, organizações regionais, coligações e mesmo organizações não-governamentais, sendo que algumas destas missões não têm necessidade de autorização prévia do Conselho de Segurança, com a condição de que não se recorra à força. Apesar destes desenvolvimentos positivos, a regionalização também tem o potencial de distorcer os princípios e objectivos das Nações Unidas para os quais a manutenção da paz foi inicialmente criada. A regionalização pode facilmente contribuir para a solidez militar pretendida, mas também pode implicar a instrumentalização das forças de manutenção da paz, enfraquecendo a legitimidade das Nações Unidas. Esta instrumentalização pode abalar a coerência acima mencionada, dando lugar à apropriação regional e/ou nacional da linguagem e da prática da manutenção da paz das Nações Unidas, de modo a prosseguir interesses mais limitados e próprios. Outra questão com potencial para enfraquecer a legitimidade da manutenção da paz das Nações Unidas é o facto de, com frequência, a regionalização das missões de paz estar associada a capacidades existentes em cada região, dando azo a uma distribuição desigual destas missões. Isto pode traduzir-se numa menor atenção em relação a zonas do mundo menos favorecidas. Em simultâneo, também pode significar agir em zonas onde, por variadas razões, as Nações Unidas não o tenham podido fazer. Em termos globais, tal como a nível das Nações Unidas é essencial a boa vontade política dos Estados, também o mesmo se aplica a nível regional (ver Gowan, 2008). A nível dos Estados, a institucionalização da manutenção da paz cria as condições para uma abordagem pró-activa dos países que para ela contribuem, permitindo-lhes decidir atempadamente onde, quando e como participar. Esta pró-actividade pode traduzir-se em missões de manutenção da paz mais coerentes, flexíveis e estáveis. O primeiro destes termos, a coerência, refere-se à existência de regras comuns fornecidas pelas estruturas regionais e pelas Nações Unidas, associadas a uma procura de consolidação normativa das Nações Unidas. No entanto, nem sempre o interesse colectivo prevalece sobre os interesses nacionais e regionais, o que tem por consequência o enfraquecimento do conceito central de segurança colectiva que sustenta o papel das Nações Unidas na promoção da paz e da segurança internacional. 17 O segundo, a flexibilidade, diz respeito à prontidão da resposta, permitindo um contributo mais rápido e adaptado às diferentes situações. Todavia, o interesse e as prioridades dos Estados individuais continuam a implicar uma resposta ad hoc às solicitações, quer de recursos humanos, quer materiais, para a manutenção da paz. Mesmo quando determinados Estados disponibilizam os seus militares, continuam a ter a última palavra na decisão de quais as missões a que esses recursos são atribuídos. Este primado da soberania pode comprometer os esforços regionais e das Nações Unidas para a manutenção da paz. E o terceiro, a estabilidade, deriva da existência de uma força militar pronta a ser enviada, especificamente treinada para a manutenção da paz, acabando por ultrapassar a forma ad hoc como frequentemente as missões de manutenção da paz são estabelecidas. No entanto, o Relatório sobre a Manutenção da Paz de 2008, do Government Accountability Office dos EUA (GAO, 2008), por exemplo, mostra uma discrepância entre o número de efectivos treinados para a manutenção da paz pelos EUA em todo o mundo (39 518) e o número de efectivos posicionados pelos países a que pertencem esses efectivos (21 996). Existem várias explicações possíveis para esta disparidade mas, antes de mais, isto significa que as forças treinadas para a manutenção da paz podem não ser tão flexíveis e estáveis como o previsto; e, em segundo lugar, que isto pode estar ligado às motivações de cada país para enviar o seu pessoal para a formação em manutenção da paz. Esta incongruência entre os efectivos de manutenção da paz treinados e os que são enviados para o terreno, de acordo com alguns autores, só pode ser ultrapassada pela criação de uma força autónoma das Nações Unidas pronta a ser posicionada no terreno (Woodhouse e Ramsbotham, 2005; Franck, 1996; Otunnu, 1996). Isto podia ser feito através do estabelecimento de uma força permanente enquanto órgão das Nações Unidas, uma força de reserva composta por contingentes nacionais, ou de uma força permanente composta integralmente por voluntários dos Estados-membros (Doyle, 1996). Outra opção que tem estado cada vez mais presente é a “privatização” das operações de paz através de acordos contratuais com Fornecedores Privados de Serviços Militares (Brooks, 2002). Esta opção pode ser demonstrativa da falta de vontade política dos Estados para assumirem as suas responsabilidades no que respeita à promoção da paz através das missões de manutenção da paz, constituindo, assim, uma alternativa. De acordo com Bellamy e Williams (2005: 190-193), as principais tarefas destas empresas dizem respeito à prestação de assistência, principalmente em termos de conhecimentos técnicos, mas também a outras formas de apoio (p. ex. em relação à logística) às missões de manutenção da paz e às agências civis; prestação de serviços de segurança ao pessoal das missões e fornecimento de pessoal para actuar ao nível da 18 manutenção da paz, o que é considerado por alguns Estados como tendo um menor custo do que o envio do seu próprio pessoal militar. Se, por um lado, esta alternativa pode implicar flexibilidade e resposta rápida, e atenuar a letargia dos Estados, por outro, pode libertar os Estados das suas responsabilidades, acabando por contribuir para uma menor regulação e um menor escrutínio democrático (Bellamy e Williams, 2005: 193). Mais uma vez, isto pode enfraquecer a legitimidade e a credibilidade da manutenção da paz das Nações Unidas no que respeita à promoção da paz e da segurança internacional, ao passar uma imagem de transmissão da sua responsabilidade a terceiros. CONCLUSÃO As Nações Unidas reorganizaram e reformaram as suas estruturas de manutenção da paz para tentar resolver os problemas com que estas se deparam e melhorar as condições para a sua eficácia. A manutenção da paz tem sido institucionalizada na política externa dos governos, nas organizações regionais e ao nível das Nações Unidas. Esta situação criou uma janela de oportunidade para melhorar a coerência, a flexibilidade e a estabilidade da manutenção da paz das Nações Unidas. Todavia, esta janela de oportunidade não deve ser considerada como garantida, uma vez que várias dinâmicas têm o potencial de distorcer o objectivo das missões de manutenção da paz de promover a paz e a segurança internacional. As principais contratendências identificadas são a possibilidade de instrumentalização, “privatização”, apropriação e distorção das missões de manutenção da paz por parte de Estados e actores regionais. Isto iria enfraquecer a legitimidade das Nações Unidas e teria o potencial de contribuir para um sistema internacional de manutenção da paz menos coerente, menos flexível e menos estável. De forma a ultrapassar os potenciais inconvenientes desta janela de oportunidade, foram identificados três factores principais. Primeiro, a necessidade estrutural de pensar a manutenção da paz não como um complemento da formação militar ou da experiência civil mas, antes, como uma força específica em si mesma, rompendo com a dependência militar em relação aos Estados, que continua a puxar a manutenção da paz para a esfera de domínio militar e para a lógica Westfaliana. Segundo, a necessidade de uma dinâmica regional de manutenção da paz comprometida com um quadro normativo comum das Nações Unidas, de modo a manter e a enraizar o envio regional de efectivos de manutenção da paz dentro do espírito e dos objectivos da Carta das Nações Unidas. Isto poderia incluir algum tipo de selo de garantia de legitimidade das Nações Unidas para cada missão, seja ela de um só país, minilateral ou multilateral (Attinà, 2008). E, terceiro, é necessário que a manutenção da paz seja concebida como peça central na promoção 19 da paz e da segurança internacional. No entanto, a sua eficácia está dependente do seu enraizamento em culturas de paz. Aproveitar a janela de oportunidade de modo a consolidar o quadro de manutenção da paz das Nações Unidas, romper com os mecanismos do passado e evitar a sua potencial instrumentalização não é uma tarefa fácil. Por um lado, a abordagem ad hoc das Nações Unidas à manutenção da paz nos últimos mais de 50 anos “tem tendência a privar[-nos] dos modelos de como proceder para assegurar o sucesso” (Coicaud, 2007); e, por outro, as dinâmicas internacionais actuais são demasiado complexas para permitirem um entendimento claro dos seus contributos. A triangulação das dinâmicas das missões de manutenção da paz ao nível regional, das Nações Unidas e dos Estados reflecte esta complexidade e alerta-nos tanto para os riscos como para as expectativas das missões de manutenção da paz das Nações Unidas na promoção da paz e da segurança internacional. MARIA RAQUEL FREIRE Investigadora do Centro de Estudos Sociais e professora de Relações Internacionais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. É doutorada em Relações Internacionais pela Universidade de Kent, Reino Unido, mestre em Relações Internacionais pela mesma universidade e licenciada em Relações Internacionais pela Universidade do Minho. Os seus interesses de investigação centram-se nos estudos para a paz, teorias de Relações Internacionais, política externa, Rússia e espaço da ex-União Soviética. Contacto: [email protected] PAULA DUARTE LOPES Investigadora do Núcleo de Estudos para a Paz do Centro de Estudos Sociais e professora do Núcleo de Relações Internacionais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Doutorada em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Johns Hopkins nos Estados Unidos da América. Mestre em Políticas da Economia Mundial pela London School of Economics and Political Science na GrãBretanha. Licenciada em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Os seus interesses de investigação incidem actualmente sobre os estudos para a paz, governação ambiental, políticas hídricas internacionais e cooperação internacional para o desenvolvimento. Contacto: [email protected] 20 Referências Bibliográficas Annabi, Hédi (1995), “The Recent Evolution and Future of UN Peacekeeping” in Don M. Snider e, Stuart J. D. Schwartzstein, The United Nations at Fifty: Sovereignty, Peacekeeping, and Human Rights. Washington, D.C.: CSIS e Chicago: The Robert R. McCormick Tribune Foundation, 39-44. Annan, Kofi A. (1999), “Address of the Secretary-General to the UN General Assembly”, 20 de Setembro (GA/9596). Annan, Kofi A. (1996), “Challenges of the New Peacekeeping” in Olara A. Otunnu e Michael W. Doyle, Peacemaking and Peacekeeping for the New Century. Nova Iorque: Rothman & Littlefield Publishers, 169-187. Attinà, Fulvio (2008), “Multilateralism and the Emergence of ‘Minilateralism’ in EU Peace Operations”, Romanian Journal of European Affairs, 8(2): 5-24. Bellamy, Alex e Williams, Paul (2005), “Who’s Keeping the Peace? Regionalization and Contemporary Peace Operations”, International Security, 29(4): 157-195. 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INTRODUÇÃO Juntamente com a detenção de Radovan Karadzic, acusado de crimes de genocídio pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ) em 2008, a declaração da independência do Kosovo em 2007 pode ser considerada como um dos mais importantes acontecimentos recentes resultantes do desmantelamento violento da antiga Jugoslávia, que se iniciou formalmente em 1991. Apesar da progressiva aproximação política de Belgrado à União Europeia (como consequência da sua cooperação com o TPIJ (UE, 2009)) e de ter conseguido alcançar o estatuto de potencial candidato à adesão à UE, o carácter unilateral desta declaração de independência não permite qualquer optimismo quanto a um futuro pacífico na região dos Balcãs Ocidentais. Estando esta declaração em apreciação pelo Tribunal Internacional de Justiça da ONU, não se espera que a Sérvia aceite este facto com facilidade, socorrendo-se por um lado no princípio da inviolabilidade das fronteiras e apoiando-se, por outro lado, no papel que esta região 24 representa na mitologia nacionalista sérvia e onde presentemente ainda se encontra uma significativa presença de forças internacionais. Esta presença no Kosovo deve entender-se num quadro alargado de missões de manutenção de paz nos Balcãs Ocidentais desde há já 17 anos. Não só por serem missões desenvolvidas num determinado contexto histórico, político e geograficamente próximo, como também por se encadearem cronologicamente e se corrigirem sucessivamente os maus passos da missão anterior. Assim, na sequência da intervenção militar da OTAN contra a Jugoslávia em 1999, foi implementada uma força de manutenção de paz na qual desde então já participaram 38 Estados. É este número invulgarmente elevado que suscita algumas questões, nomeadamente acerca das motivações que os levaram a querer participar. O propósito deste trabalho é, antes de mais, o de situar histórica e politicamente esta missão de paz, isto é, os factores que a fizeram despoletar. No seu seguimento, serão levantadas algumas hipóteses sobre os motivos que levaram um número tão invulgarmente elevado de países a participar nesta missão. O nosso propósito não será o de apresentar as motivações individuais de cada um dos Estados, mas antes o de tentar encontrar algumas motivações que sejam comuns a grupos de Estados. Num primeiro momento, serão analisadas as motivações de actores regionais como a União Europeia (UE) e a OTAN, cuja totalidade de Estados membros participou na missão de paz do Kosovo. Serão, de seguida, apresentadas algumas motivações de outros grupos de Estados com interesses comuns na participação na KFOR, os Estados candidatos à adesão à UE e à OTAN e os Estados balcânicos vizinhos. Por fim, procederemos a uma breve análise das motivações individuais de dois Estados, a Alemanha e a Rússia, cujas participações têm motivações mais específicas e um alcance internacional que merecem uma atenção particular. Concluiremos este trabalho com algumas notas breves sobre outras questões suscitadas por este exercício, por um lado o verdadeiro significado de uma presença internacional tão forte no Kosovo no quadro de uma ordem internacional liberal e, por outro lado, a comparação desta presença com a de uma missão de peacekeeping preventiva da ONU na vizinha Macedónia, de 1992 a 1999. A ESCALADA SECESSIONISTA NO KOSOVO E A INTERVENÇÃO DA COMUNIDADE INTERNACIONAL O Kosovo é uma região histórica da Sérvia, considerada o seu berço e o símbolo da sua resistência a todas as adversidades, uma vez que a Sérvia foi derrotada pelo exército otomano em 1389 em Kosovo Polje, no actual Kosovo (e ocupada pelo Império Otomano desde então até ao século XIX. A data é ainda hoje celebrada pelos sérvios como símbolo 25 da resistência nacional à ocupação estrangeira. No entanto, constitui simultaneamente um importante centro do nacionalismo albanês, uma vez que foi precisamente neste território que nasceu esse movimento no final do século XIX (Moncada, 2001: 119). A presença de albaneses nesta região foi reforçada no período da Segunda Guerra Mundial, quando a Itália ocupou a Albânia e anexou o Kosovo. A sua presença foi reconhecida através da atribuição da autonomia política em 1974, mas que seria retirada por Slobodan Milosevic, enquanto Presidente da Sérvia em 1989: a inversão da composição demográfica do Kosovo a favor dos albaneses tornou-se preocupante para os nacionalistas sérvios, sendo que os extremistas falavam em “genocídio demográfico” (O’Neill, 2002: 21). Estes movimentos souberam manipular memórias históricas e criar um discurso alarmista de cerco por parte dos albaneses muçulmanos do Kosovo, cujo peso demográfico aumentava, ameaçando assimreeditar a ocupação turca do século XIV. 1 Do mesmo modo o faziam em relação aos croatas, que tinham perseguido sérvios durante a Segunda Guerra Mundial e que, segundo esse discurso, iriam voltar a fazê-lo na nova Croácia independente e na Bósnia-Herzegovina. No princípio da década de 1990, ao contrário do que aconteceu em grande parte do território da antiga Jugoslávia, o Kosovo não constituiu um foco de tensão significativo. Por um lado, toda a comunidade internacional tinha a sua atenção dirigida para a Croácia e a Bósnia-Herzegovina e a crescente repressão sérvia no Kosovo não era visível; por outro lado, a resistência kosovar-albanesa aos abusos sérvios, liderada pela Liga Democrática do Kosovo (LDK) de Ibrahim Rugova, assentava num modelo de nãoviolência activa ao poder central de Belgrado para obter a sua emancipação política (Mertus, 2009: 466). Os Acordos de Dayton em 1995 revelar-se-iam frustrantes para os kosovares albaneses pois não havia qualquer referência à sua condição política no texto (Webber, 2009: 449). Esta frustração foi alimentada por um outro grupo resistente kosovar-albanês, o Exército de Libertação do Kosovo (UCK), criado em 1993 e que até então agia muito isolada e pontualmente. A partir de 1995, com um apoio popular crescente, iniciou uma estratégia mais agressiva, com ataques mais frequentes e coordenados aos interesses sérvios e que teria uma expansão muito significativa a partir de 1997, quando se instalou o caos civil e político na Albânia, com a falência do sistema de poupanças em pirâmide (Moncada, 2001: 75). Durante esse período de revolta registaram-se assaltos, por parte da população, a quartéis e depósitos de armamentos e munições, que passaram a circular livremente pelo mercado negro, em quantidade e a baixo custo (Moncada, 2001: 75). Pelo carácter poroso da fronteira, que permite não só a passagem fácil de produtos 1 Símbolo de uma “cultura da vitimização” própria dos povos desta região segundo Jason Franks e Oliver Richmond (Franks e Richmond, 2008: 95) 26 como de pessoas (muitos militantes do UCK tinham recebido treino militar na Albânia), muito desse arsenal bélico serviu para armar a resistência kosovar-albanesa e dar-lhe uma maior capacidade de intervenção (Mertus, 2009: 469). Entrou-se então num período de escalada de violência alimentada pelo UCK e de retaliação desproporcionada das forças jugoslavas a civis, que tiveram como efeito a deslocação forçada de milhares de kosovares albaneses, muitos dos quais tiveram de se refugiar em Estados vizinhos. Com a entrada de uma missão de verificação do cumprimento da retirada imediata das forças jugoslavas do Kosovo (segundo as disposições das Resoluções 1160 e 1199 do Conselho de Segurança da ONU, ambas de 1998) e com os relatórios e informação que foi sendo compilada, constatou-se que a violência perpetrada contra os civis albaneses no Kosovo não era isolada, sendo planeada e organizada ao mais alto nível (Moncada, 2001: 62). O fracasso da Conferência de Rambouillet, na qual se tentou negociar o fim da violência no Kosovo e atribuir uma autonomia política muito alargada a este território, conduziu ao início da Operação Força Aliada na Primavera de 1999, por parte da OTAN, que bombardeou a Jugoslávia durante 3 meses, sem mandato do Conselho de Segurança da ONU, até que Belgrado anuísse a retirar as suas forças do Kosovo. O acordo de paz final assinado em Kumanovo na Macedónia entre a força da OTAN no Kosovo e Belgrado e que pôs fim aos bombardeamentos foi seguido da Resolução 1244 do Conselho de Segurança da ONU, que estipulou o envio imediato de uma força internacional civil e militar para o terreno para a administração e reconstrução do Kosovo. Esta operação civil (conduzida pela UNMIK - Missão da ONU para a administração interina do Kosovo e onde a UE participa activamente desde o seu início) e militar (conduzida pela OTAN, através da KFOR) é considerada, no seu conjunto, a mais complexa operação jamais realizada à data (Franks e Richmond, 2008: 81), tanto pelo número de Estados militarmente presentes (num total de 38 Estados,2 50 000 mil soldados provenientes tanto de Estados-membros da OTAN como de Estados terceiros num período inicial), como por ser o primeiro protectorado internacional (não declarado) em décadas.3 ALGUNS FACTORES EXPLICATIVOS PARA UMA PARTICIPAÇÃO TÃO ALARGADA NESTA MISSÃO Em Kosovo – An unfinished Peace, William G. O’ Neill questiona o que terá levado a que fossem afectados tantos recursos ao Kosovo, em comparação com situações 2 Todos os Estados da OTAN e da UE àquela data para além de a Arménia, o Azerbaijão, a Bulgária, os Emirados Árabes Unidos, a Eslováquia, a Eslovénia, a Estónia, a Geórgia, a Letónia, a Lituânia, Marrocos, a Roménia, a Rússia, a Suíça e a Ucrânia (fonte: OTAN). 3 A divisão do Kosovo em 5 sectores pela KFOR não deixa de lembrar a divisão semelhante a que a Alemanha foi sujeita após a Segunda Guerra Mundial. 27 semelhantes, ou ainda piores, em países como Angola, a Serra Leoa e o Congo (2002: 32). Não que seja expectável fazer uma comparação pela quantificação da violência, mas esta questão torna-se mais premente ainda quando, desde o início, a intervenção da comunidade internacional no território jugoslavo foi sempre muito questionada a vários níveis (legitimidade, legalidade, amplitude, oportunidade, proporcionalidade).4 Neste quadro, como entender então um espectro tão alargado de países participantes nas missões de manutenção de paz no Kosovo após a assinatura do acordo de paz? Evolução institucional da União Europeia e novo conceito estratégico da OTAN Juntamente com o muito questionável conceito de “intervenção limitada” à revelia do Conselho de Segurança da ONU (Ortega, 2001: 51) e que sustentou a intervenção da OTAN na Jugoslávia em 1999, assiste-se também a uma crescente regionalização da segurança internacional, sendo que organizações regionais garantem a operacionalização de missões de manutenção de paz que possam vir a ser accionadas. No caso específico do Kosovo, tanto a UE como a OTAN tiveram um papel activo nesta missão, envolvendo a totalidade dos seus Estados-membros. Primeiro que tudo, existia o precedente das guerras na Croácia e na BósniaHerzegovina, em que a UE não tinha conseguido reagir em nome próprio, pois na altura não tinha ainda nem instrumentos militares próprios, nem instrumentos políticos, nem sequer uma convergência de vontades entre Estados-membros que permitisse uma acção internacional antecipada e autónoma (Portugal, 2001: 78-81). A Comunidade Económica Europeia tinha-se transformado em UE em 1992 com o Tratado de Maastricht, no qual se definiu uma Política Externa e de Segurança Comum (PESC) que entra logo em crise, ainda antes de o Tratado entrar em vigor (Leitão, 2003: 66). As posteriores revisões dos Tratados, de certa forma decorrentes do fracasso da UE na Bósnia-Herzegovina (Shepherd, 2009: 513) e o seu assumido e crescente papel como actor em questões de segurança europeia (principalmente após a Cimeira bilateral de Saint-Malo em 1998 entre o Presidente francês e o Primeiro-Ministro britânico) deram um impulso para a necessidade de testar a nova arquitectura de segurança europeia no quadro da Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD), que se queria agora exemplar e autónoma em relação aos EUA. O envolvimento da UE nas questões de segurança é eloquentemente ilustrado pela sua crescente responsabilização no Kosovo, ao substituir gradualmente a UNMIK na sua missão de estabilização e reconstrução (Cottey, 2009: 600). 4 E mais facilmente condicionada pelo interesse próprio de quem intervém do que pelo interesse das vítimas (Freire e Lopes, 2009: 7). 28 Se, por um lado, o envolvimento maciço dos Estados-membros da UE se entende também como uma obrigação moral europeia em conseguir dar resposta a catástrofes humanitárias no seio da Europa (Shepherd, 2009: 513), por outro lado este envolvimento maciço é consentâneo com a pressão cada vez maior exercida pelos EUA para uma maior participação e autonomia dos seus parceiros europeus nas questões de defesa e segurança regional. Os EUA tinham liderado a campanha aérea contra a Jugoslávia e pretendiam ter um papel mais discreto na operacionalização da KFOR e em número de efectivos no terreno (segundo dados da OTAN, em Junho de 2009 (OTAN, 2009), havia 1483 soldados americanos no Kosovo, contra 2350 alemães, 1935 italianos e 1368 franceses).5 Para a OTAN (enquanto organização no seu todo, mas também para cada um dos Estados-membros da organização), também este foi um momento de afirmação muito importante (Moncada, 2001: 56): a organização tinha acabado de admitir três novos membros que tinham feito parte do extinto Pacto de Varsóvia (Polónia, República Checa e Hungria), seu antigo inimigo estratégico, dando uma dimensão mais continental a esta aliança de geografia tradicionalmente mais norte-atlântica. Para além desse alargamento geográfico, na Cimeira de Washington em 1999 o seu conceito estratégico foi revisto de acordo com o novo quadro geopolítico saído do fim da Guerra Fria, deixando de se entender como mera aliança defensiva e passando a entender-se como actor directamente comprometido com a manutenção da paz e da segurança internacionais, admitindo alargar o seu espaço de acção para além do seu espaço geográfico em “intervenções fora de área” (Cottey, 2009: 599). Candidatos à entrada na UE e na OTAN e Estados balcânicos vizinhos Um grupo de países que participou em peso foi o dos então candidatos à entrada na UE e na OTAN (Eslováquia, Eslovénia, Lituânia, Letónia e Estónia) que, assim, podiam provar aos seus novos aliados que eram parceiros de confiança para situações de crise internacional e aumentar o seu prestígio internacional. A sua adesão a estas organizações internacionais dependia também de outros factores (políticos, económicos, geopolíticos), mas a sua entrada posterior não pôde deixar de ser vista como uma recompensa pelo empenho demonstrado na manutenção da paz no continente. A participação de outro grupo de países como a Grécia, a Turquia, a Bulgária e a Roménia remete-nos para uma preocupação com o posicionamento geoestratégico do Kosovo, que é eloquente da fragilidade e dependência da segurança internacional em relação à violência na região, tanto pelo perigo de contágio que representa de forma directa (nas voláteis Albânia e Macedónia), como por poder envolver outros actores 5 Noutra perspectiva, “America does the cooking; Europe does the washing up” (Gowan, 2008: 86). 29 importantes no equilíbrio regional (Grécia e Turquia) (Perkins e Neumeyer, 2008: 900), como ainda pelo fluxo de refugiados que esses países vizinhos receberam como consequência do conflito. Estima-se, aliás, que só na Primavera de 1999, mais de 800 000 kosovares se tenham visto obrigados a refugiar-se na Albânia, Montenegro e Macedónia, o que constitui uma causa directa para o aumento da violência inter-étnica na Macedónia em 2001 (Cottey, 2009: 597). O efeito de contágio a estes Estados não seria do interesse dos EUA, sendo que os Balcãs são cruciais como ponto de passagem e plataforma logística dos EUA em direcção ao Cáucaso, ao Médio Oriente e ao Irão; envolver algum dos seus aliados num conflito regional alargado comprometeria seriamente a sua rede de interesses geoestratégicos na região (Moncada, 2001: 59). Os Balcãs são também um ponto de passagem obrigatório para os gasodutos vindos da zona do Mar Cáspio (tanto pela Rússia como pela Turquia) em direcção à Europa Ocidental, pelo que a estabilidade política desta região é fundamental para o êxito destes projectos. Alemanha e Rússia Sem particularizar demais as motivações de cada Estado na sua participação na KFOR, há alguns actores que convém referirmos, o mais importante dos quais é a Alemanha. A sua presença no Kosovo foi altamente simbólica do seu regresso a uma “normalidade” internacional (Heinemann-Grüder, 2001: 43) que lhe tinha sido vedada desde 1945 (quer por ter estado sob ocupação, quer por ter sido posteriormente dividida em dois Estados, quer por a sua soberania ter sido mitigada durante a Guerra Fria). Durante esse período, o seu estatuto de “anão” em questões de política externa (Miskimmon, 2009: 572-3) não lhe permitia mais que uma “diplomacia do livro de cheque”. A reunificação da Alemanha e a chegada ao poder da primeira geração de políticos nascidos no pós-guerra explicam o seu envolvimento central nesta sua primeira presença militar fora das suas fronteiras desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Podemos também referir o receio do relativo isolamento internacional que a Alemanha poderia sofrer caso persistisse na sua linha de política externa clássica de não utilização de força militar no exterior (Hyde-Price, 2001: 21-2). Esse receio não era de todo infundado, tendo em conta que, em matérias de defesa e segurança europeias, a Alemanha tinha até então um papel meramente reactivo e secundário, como se pôde constatar em iniciativas como a Cimeira bilateral de SaintMalo (Heisbourg, 2000: 2). Sem abandonar radicalmente a sua habitual política externa específica, os governantes alemães conseguiriam conciliar o compromisso político para com o multilateralismo (never alone), com compromissos morais perante catástrofes humanitárias (never again) (Maull, 2000: 11-12) e justificar a sua presença no Kosovo. 30 Outra presença a salientar é a da Rússia, que tinha representado, juntamente com a China, um muro de bloqueio a uma intervenção militar na Jugoslávia, quando esta questão foi levantada no Conselho de Segurança. A sua relação especial com a Sérvia, assente num “mito de irmandade eslava”, justificou a sua defesa à causa jugoslava mas também a sua posterior participação na KFOR (Mendeloff, 2008: 42). A sua presença tanto legitima o projecto de restabelecimento de paz nos Balcãs junto da Sérvia,6 como lhe permite marcar a sua posição como potência com interesses nesta região, o que aliás dá continuidade à presença anterior da Rússia na IFOR/SFOR na Bósnia-Herzegovina (Khotkova, 2002: 18). NOTAS FINAIS Desta breve análise às motivações que levaram tantos Estados a participarem na missão de paz do Kosovo, são-nos suscitadas duas observações. A primeira prende-se com o peso predominante de Estados da região “euro-atlântica” nesta missão. Do conjunto de Estados identificados, apenas Marrocos e os Emirados Árabes Unidos se inserem claramente fora deste espaço geográfico. Ocorreria aqui perguntar “porque houve tão poucos países fora da região euro-atlântica a participar nas missões do Kosovo?”. Podemos avançar como possível motivo uma posição crítica generalizada dos Estados não ocidentais à intervenção da OTAN na Jugoslávia,7 ela mesmo devedora da doutrina de “intervenção humanitária”, culminar de uma ordem internacional liberal surgida no pósGuerra Fria (Cottey, 2009: 602-3). Esta posição crítica reflectir-se-ia também posteriormente no distanciamento destes Estados em relação a todo o processo de peacebuilding no Kosovo, em que todo o programa externo da paz liberal é imposto, sem ter em conta a realidade específica desta sociedade em reconstrução pós-bélica, criando assim novos obstáculos a uma paz autosustentada (Franks e Richmond, 2008: 98-9). A outra observação partiria da constatação da presença de uma força internacional no Kosovo apenas a partir de 1999, enquanto na vizinha Macedónia a primeira missão de peacekeeping preventiva está presente desde 1992 (Björkdahl, 2006: 216). Porquê tanta antecipação na Macedónia? Porquê tanto cuidado preventivo numa região remota da antiga Jugoslávia, logo desde o início do desmantelamento desta, quando, pelo caminho, todas as restantes repúblicas foram sofrendo gradualmente, a um maior ou menor grau, as dores da separação? A verdadeira caixa de Pandora balcânica será a Macedónia 6 O plano inicial da Rússia passaria por ser responsável por um dos sectores em que a KFOR dividiu o Kosovo (a par da França, Alemanha, Reino Unido, Itália e EUA), tanto para ter um estatuto equiparado ao das potências da OTAN, como por considerar que militares russos seriam mais facilmente aceites em zonas habitadas predominantemente por populações sérvias. Este plano acabaria por não ser aceite pela OTAN (Lyoshin, 2006: 188). 7 À excepção de alguns Estados muçulmanos que apoiaram ou, pelo menos, não criticaram essa intervenção, por ela pretender proteger as populações muçulmanas do Kosovo (Cottey, 2009: 605). 31 (Moncada, 2001: 120)? Será o Kosovo apenas um “alerta laranja” para o que pode acontecer na Macedónia e se tentou evitar a todo o custo até agora? Uma eventual intervenção na Macedónia não seria facilitada pela simples presença das forças internacionais no Kosovo? Pode ser mera especulação, mas não deixa de ser curioso ler a História dos Balcãs na passagem do século XIX para o século XX, em que a “Questão macedónica” alimentou as guerras balcânicas que envolveram a Sérvia, a Bulgária, o Montenegro, a Grécia e o Império Otomano. O controlo deste território era absolutamente estratégico, tanto pela questão do controlo dos Estreitos, como por nele se cruzarem duas vias de comunicação terrestres, numa região montanhosa de muito difícil acesso e que ligaria Belgrado a Salónica e o Adriático ao Egeu (Boniface, 2000: 102). Simultaneamente, em termos estratégicos, essas rotas corresponderiam ao cruzamento de dois eixos geopolíticos históricos: Sérvia-Grécia e Albânia-Turquia (Moncada, 2001: 117). A união dos Eslavos do Sul terá sido apenas um parêntesis cujo fim faz ressurgir toda uma série de assuntos não resolvidos ainda antes da Primeira Guerra Mundial (Hobsbawm, 2004: 158)? PASCOAL SANTOS PEREIRA Licenciado em Relações Internacionais pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (2001) e Mestre em Estudos sobre a Europa pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (2006). Doutorando no programa “Política Internacional e Resolução de Conflitos” pelo Centro de Estudos Sociais/Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra desde 2008. Contactos: [email protected], [email protected] Referências bibliográficas Björkdahl, Annika (2006), “Promoting Norms through Peacekeeping UNPREDEP and Conflict Prevention”, International Peacekeeping, 13(2), 214-228. Boniface, Pascal (dir.) (2000), Atlas das Relações Internacionais. Lisboa: Plátano Editora. Cottey, Andrew (2009), “The Kosovo war in perspective”, International Affairs, 85(3), 593-608. 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Pelo recurso ao cruzamento de diferentes níveis de análise (sistémico, transnacional e estatal), tentar-se-á perceber por que motivos os Estados Unidos e o Canadá (e também Reino Unido, Itália e França, ainda que de forma menos central) não contribuíram militarmente para esta missão, marcando presença (juntas ou alternadamente) em todas as outras missões da ONU que, à data, se encontravam no terreno. O argumento essencial defendido é o de que a missão de paz na Libéria, em 1993, foi vítima de um conjunto de circunstâncias adversas, registadas a vários níveis, num momento de profunda desestabilização da vida internacional. Palavras-chave: Libéria, Peacekeeping, UNOMIL, participações militares, Nações Unidas. INTRODUÇÃO∗ O propósito que orienta o presente ensaio é o de analisar os factores que ditaram a ausência das grandes potências geralmente envolvidas em peacekeeping no início dos anos 90 do século XX, na missão das Nações Unidas na Libéria entre 1993 e 1997 (United Nations Observer Mission in Liberia – UNOMIL). No contexto deste ensaio, consideram-se “potências geralmente envolvidas em peacekeeping” os países desenvolvidos que integravam, em 1993, a lista dos que mais contribuíam militarmente para as operações de paz das Nações Unidas,1 a qual, em Dezembro de 1993, incluía o A autora agradece, reconhecida, os comentários de Silvia Rodríguez Maeso, que muito enriqueceram o presente trabalho. As imperfeições serão, naturalmente, da exclusiva responsabilidade da autora. 1 Outro critério possível seria o de seleccionar os países que participavam no maior número de missões, mas pareceu-nos menos indicativo da expressão do comprometimento com o sistema de peacekeeping das Nações Unidas, embora surgissem alguns nomes comuns (Estados Unidos, Reino Unido e França). ∗ 35 Canadá, os Estados Unidos, a França, a Itália e o Reino Unido.2 Nenhum destes países participou, militarmente, na UNOMIL.3 A questão afigura-se-nos pertinente, por duas ordens de razões: uma teórica e outra empírica. Do ponto de vista teórico, a análise dos motivos que explicam o destacamento de missões de peacekeeping tem sido marcada por duas limitações significativas. Em primeiro lugar, pela segmentação e parcimónia analítica, traduzidas na escolha de determinado nível de análise e no descurar de variáveis explicativas complementares, situadas a outros níveis. A título ilustrativo, referem-se os trabalhos de Mullenbach que, embora avaliem uma série de hipóteses pertinentes, relativas às condições que levam um terceiro actor a interferir num conflito intraestatal, colocam a sua atenção exclusivamente em condicionalismos internacionais (Mullenbach, 2005). Outros autores, por seu turno, centram-se no nível meso de análise, focando, por exemplo, a acção dos arranjos regionais de peacekeeping (Howe, 1996-1997; Mortimer, 1996; Adeleke, 1995; Tarr, 1993). Finalmente, o nível micro, nomeadamente através do estudo da natureza e da economia política dos conflitos, é também frequentemente trabalhado (Outram, 1997). No entanto, a selecção de um nível exclusivo de análise que caracteriza a maior parte dos trabalhos produzidos sobre o tema, mostra-se claramente insuficiente para explicar a complexidade que encerra qualquer tópico relacionado com a construção da paz. Em segundo lugar, quer a análise das missões das Nações Unidas, quer a investigação centrada no peacekeeping regional, tem sido insuficientemente desconstruída. Por outras palavras, ainda do ponto de vista teórico, tem-se tratado cada missão como um bloco homogéneo, negligenciando as suas dinâmicas internas, nomeadamente no que concerne ao significado do registo de participações e de ausências. Por seu turno, a pertinência empírica deste ensaio prende-se com o facto de os acontecimentos que tiveram lugar na Libéria entre 1989 e 1997 constituírem um caso muito particular, que persiste em não ilustrar algumas conclusões centrais de trabalhos recentes. Em particular, as hipóteses de que a proximidade relacional (nomeadamente laços de tipo colonial) e de que o respeito por valores democráticos e pelos direitos humanos levam mais facilmente os Estados a intervir nas missões de paz (Perkins e Neumayer, 2008), não se verificaram no caso liberiano. Estas limitações teóricas e empíricas serão ultrapassadas pelo recurso a uma abordagem mais englobante. Assim, a avaliação dos elementos que nos parecem ter 2 Para além do Bangladesh, da Índia, do Paquistão, do Nepal e do Egipto, todos participantes na UNOMIL. Os números deste período são difíceis de obter, na medida em que os dados compilados e oficiais da ONU só estão disponíveis a partir de 1996 (Boulden, 2006). Socorremo-nos, por isso, do material fornecido por Bobrow e Boyer (1997). 3 Os contribuidores militares foram os seguintes: Áustria, Bangladesh, Bélgica, Brasil, China, Congo, República Checa, Egipto, Guiné-Bissau, Hungria, Índia, Jordânia, Quénia, Malásia, Nepal, Holanda, Paquistão, Polónia, Federação Russa, Eslováquia, Suécia e Uruguai. 36 concorrido para a ausência das grandes potências será levada a cabo pelo recurso a três níveis de análise, nomeadamente o sistémico, o transnacional e o estatal. Além disso, o estudo sobre as ausências na UNOMIL permite cruzar essas diferentes escalas de análise, evitando perspectivas redutoras. O argumento essencial defendido é o de que a missão de paz na Libéria, em 1993, foi vítima de um conjunto de circunstâncias adversas, registadas a vários níveis, num momento de profunda desestabilização da vida internacional. A DIVERSIDADE ÉTNICA E O PROCESSO DE VIOLÊNCIA A partir dos anos 20 do século XIX, a American Colonization Society, com o apoio da marinha, enviou para um território costeiro da África Ocidental – baptizado pelos navegadores portugueses do século XVI como Costa da Pimenta – os escravos libertos pelos norte-americanos, com o objectivo de lhes garantir reais condições de liberdade. Num cenário de grande diversificação étnica, os américo-liberianos não constituíam mais do que 5% da população da Libéria, mas rapidamente conquistaram controlo político e social, com expressão nacional. Este domínio intensificou-se depois da independência, em 1847, e os que antes tinham sido vítimas da escravatura norte-americana transformaram-se nos perpetradores da violência contra os “nativos”. Tendo em conta este contexto histórico, o golpe militar de 2 de Abril de 1980, liderado pelo indígena Samuel Doe, marcou o fim do domínio dos américo-liberianos e instituiu um regime tão ou mais violento, acentuando e instrumentalizando as clivagens étnicas (executou publicamente as figuras de referência do ancien régime) e levando o país à ruína económica. Tendo sofrido inúmeras tentativas de usurpação de poder, Doe prestou pouca importância à emergência de uma pequena organização rebelde: a Frente Patriótica Nacional da Libéria (FPNL). Na verdade, no final de 1989, a FPNL, liderada por Charles Taylor,4 iniciou uma luta armada contra o regime autoritário de Samuel Doe. Cerca de nove meses depois, Doe foi capturado e morto pela Frente Patriótica Nacional Independente da Libéria (uma das inúmeras facções que entretanto se separaram da FPNL), no quartel-general do Grupo de Monitorização do Cessar-Fogo (ECOMOG).5 Esta força regional de peacekeeping tinha sido instituída pela Comunidade Económica de Estados da África Ocidental 4 Taylor integrou o governo de Doe, antes de ter sido acusado de fraude financeira e de ter fugido para os Estados Unidos. À semelhança de todos os outros intervenientes, não tinha qualquer programa políticoideológico definido à partida. De facto, na Libéria, as ambições e ganâncias individuais foram a real força motriz da violência. A proliferação de facções armadas e a violência contra as populações civis são duas características marcantes do conflito liberiano e apontam para um cenário de multiplicação e de fortalecimento de “senhores da guerra”, cujas ambições pessoais, livres de constrangimentos de carácter étnico, em muito dificultaram o processo de paz (Alao et al., 1999; Outram, 1997). 5 Decidimos manter o acrónimo inglês, assim como mantemos os das operações da ONU. 37 (ECOWAS),6 perante a inoperância da comunidade internacional e o receio de que o problema liberiano se transformasse em séria instabilidade política regional. Considerando que o ECOMOG servia os interesses geopolíticos da Nigéria, enquanto país que pretendia ver reforçado o seu estatuto de potência regional dominante, Taylor opôs-se à sua intervenção no conflito liberiano, chegando mesmo a cercar o quartelgeneral do Grupo durante dois meses. A resposta das forças regionais foi a intensificação das acções de peace enforcement, o que obrigou a FPNL a sentar-se à mesa das negociações. De facto, em Julho de 1993, na capital política do Benim, as partes beligerantes concordaram com um cessar-fogo e, na tentativa de resolver a questão da ingestão nigeriana, decidiu-se o destacamento de uma missão das Nações Unidas para o terreno. Os acordos de Cotonou reconheceram, portanto, a ineficácia da acção do arranjo regional na transformação do conflito liberiano. Foi assim que, pela primeira vez na sua história, e quase quatro anos após o início do conflito armado, as Nações Unidas aceitaram cooperar com uma força de peacekeeping regional, externa à própria ONU. Estabelecida com o objectivo expresso de auxiliar o ECOMOG a implementar os acordos de Cotonou, a UNOMIL terminou a sua missão depois das eleições de Julho de 1997, nas quais Charles Taylor foi, finalmente, eleito presidente do país e se encerrou, oficialmente, um ciclo de violência.7 O SISTEMA E AS QUESTÕES TRANSNACIONAIS Nos primeiros anos da década de 90 as preocupações transnacionais centravam-se no Golfo, nos Balcãs e na Somália e os critérios para a participação militar das grandes potências reflectia as prioridades de segurança global, num momento em que terminavam os constrangimentos causados pela Guerra Fria. A Libéria não se afigurava um problema de maior (Alao et al., 1999) e, além disso, a ECOWAS tinha actuado regionalmente, evitando até certo ponto a escalada do conflito. Acresce que a principal razão – a União Soviética – pela qual o bloco ocidental se tinha imiscuído nos assuntos africanos nas décadas anteriores deixara de existir no primeiro ano do conflito. Na verdade, parece que a alteração na estrutura e na correlação de forças do sistema internacional condenou África a um maior abandono e a Libéria, em particular, não teria sido deixada entregue a si própria num quadro de Guerra Fria (Alao et al., 1999), num tempo em que o bloco ocidental apoiava financeiramente o governo de Doe (apesar de todas as irregularidades cometidas pelo regime), a troco do estabelecimento 6 Idem. Não cabe no âmbito deste ensaio a análise da recente missão da ONU na Libéria (United Nations Mission in Liberia-UNMIL), estabelecida em Setembro de 2003 e que ainda decorre. 7 38 de bases militares norte-americanas no país e do corte de relações diplomáticas com a Líbia e com a União Soviética (Gershoni, 1997). No entanto, per se este argumento não explica a ausência das principais potências da missão da UNOMIL, estabelecida um mês antes da UNAMIR (United Nations Assistance Mission for Rwanda) comandada pelo canadiano Romeo Dallaire e que assistiu, impotente, ao genocídio, meses mais tarde. Não explica, ainda, os motivos pelos quais, com excepção do Reino Unido, as potências mencionadas estiveram militarmente presentes, a partir de Março de 1993, na UNOSOM II (United Nations Operation in Somalia), da qual algumas acabariam por retirar, no decurso da morte violenta de soldados norte-americanos. Quer isto dizer que, no mesmo ano, os principais contribuidores de pessoal militar estavam em África, mas não na Libéria. A tese de que a existência de recursos naturais condiciona a decisão de intervir, também não parece colher nestes casos concretos, já que o Ruanda não é conhecido pelas suas riquezas naturais. Nem a Somália o era na altura. O que parece estar aqui em causa, particularmente no que se refere ao Canadá, é um imperativo de acção perante situações que se consideravam ser tragédias humanitárias (independentemente da sua origem e natureza). Não se considerou suficientemente grave o que se passava na Libéria, em termos de perdas e de sofrimento humanos, apesar de se contabilizarem oficialmente cerca de 150 000 mortes directas e um número não identificado de mortes associadas ao conflito, por doença ou fome (Outram, 1997). Neste contexto, é possível ainda considerar-se o papel do “factor CNN”, segundo o qual os media negligenciaram a situação liberiana, insistindo na tragédia humana que se verificava, por exemplo, na Somália, criando a sensação de que era urgente agir neste último caso (Delvoie, 2000). Um outro elemento a considerar é a alteração do conceito estratégico da NATO, em 1991, o qual redefiniu as linhas de acção da Organização. Sem Pacto de Varsóvia, a NATO pretendia assumir um novo papel em matéria de peacekeeping (Yost, 1998 e Cottey, 2007 apud Cottey, 2008). As cinco potências estavam, em 1993, comprometidas com o envio de militares para o contingente da NATO, que auxiliou a UNPROFOR (United Nations Protection Force). Era o início, ainda incipiente, de uma tendência que se veio acentuando até à actualidade: a utilização da força armada paralelamente à acção das Nações Unidas, nomeadamente no caso de algumas operações de coligação de membros da NATO, das quais é ilustração a invasão do Iraque, em 2003.8 8 A redefinição estratégica da NATO também poderá explicar parcialmente a não-participação da França, da Itália e do Reino Unido na UNOMIL. Na verdade, o ano de 1993 assiste ao retorno da França às operações de planeamento de peacekeeping da NATO, desde que se retirara da estrutura militar da Organização, em 1966, pelas mãos do General De Gaulle. Além disso, a Itália e o Reino Unido eram as potências europeias mais empenhadas na implementação do novo papel pacificador da NATO, tanto que, em 1995, deixariam de integrar o top ten dos contributos militares para as missões de peacekeeping da ONU, juntamente com a França (Bobrow e Boyer, 1997). 39 AS GRANDES POTÊNCIAS MILITARES DO PEACEKEEPING DE FORA: ESTADOS UNIDOS E CANADÁ As explicações sistémicas, quer ao nível da estrutura (fim da bipolaridade), quer ao nível do processo (com a possibilidade de arranjos mais flexíveis), bem como as de natureza transnacional, obedecem à regra da parcimónia, muito útil a um ensaio desta dimensão. Todavia, individualizamos duas situações registadas ao nível estatal: o não-envolvimento na UNOMIL dos Estados Unidos e, sobretudo, do Canadá. De facto, os Estados Unidos tinham sido os criadores da Libéria,9 pelo que a ausência dos seus efectivos militares foi amplamente notada, desde o início do conflito (Howe, 1996-1997), tendo os liberianos acreditado que a administração Bush resolveria o problema rapidamente (Gershoni, 1997; Sesay, 1996). Mas, no imediato pós-Guerra Fria, Washington estava disposta a deixar cair o seu antigo “cliente”, ao mesmo tempo que não manifestava qualquer preferência por nenhum dos que disputavam o acesso ao poder (Howe, 1996-1997; Aboagye e Bah, 2004). Bill Clinton reiteraria as reservas norteamericanas, limitando a intervenção dos Estados Unidos a conflitos que constituíssem genuínas ameaças à paz internacional, salientando a necessidade de se seleccionarem as prioridades (Cleaver e May, 1995 apud Gershoni, 1997), num momento em que se assistia à proliferação de missões da ONU e ao crescente envolvimento da NATO neste tipo de operação. Uma das particularidades do caso liberiano é a não-participação de militares canadianos na UNOMIL. Na verdade, quando a missão é estabelecida, em Setembro de 1993, estavam no terreno nove missões das Nações Unidas,10 nas quais todas ou algumas das cinco potências participavam militarmente. Todas elas estavam representadas nas missões Iraque-Kuwait e Cambodja e o Canadá integrou militarmente as nove missões, incluindo as UNOSOM I (Somália), UNAVEM II (Angola) e UNOMUR (Uganda/Ruanda), nas quais nenhum dos outros quatro países participou. Na verdade, o Canadá, enquanto Estado “inventor” das operações de paz das Nações Unidas, através de Lester Pearson, em 1956, sempre se orgulhou de ter participado virtualmente em todas as missões da ONU (Delvoie, 2000; Baxter, 2001). A Libéria, juntamente com a África do Sul e o Chade, são as excepções da década de 90 do século XX (Baxter, 2001). No entanto, importa referir que a missão na África do Sul (UNOMSA) diz somente respeito ao envio de Observadores da ONU (nem sequer surge listada como peacekeeping no sítio oficial das Nações Unidas)11 e que a missão no Chade (UNASOG) teve a duração de dois meses e se prendeu com a necessidade de se 9 Sobre as relações entre os dois países vd. Falkner (1910). http://www.un.org/Depts/dpko/list/list.pdf. 11 Idem. 10 40 fazer cumprir uma decisão do Tribunal Internacional de Justiça, relativa a um diferendo entre o Chade e a Líbia. Como explicar a ausência do Canadá na UNOMIL? O argumento de que os recursos humanos são limitados, numa época de proliferação de missões de peacekeeping, não é suficientemente forte, uma vez que coloca uma nova questão, relativa aos critérios da alocação dos recursos. Também não parece colher a tese de que, num período de transição entre a bipolaridade e o mundo pós-Guerra Fria, a ausência das outras quatro potências poderia contribuir para o não-envolvimento do Canadá na UNOMIL (nomeadamente devido ao novo conceito estratégico da NATO), uma vez que, como atestámos, o Canadá participou isoladamente nas missões na Somália, Angola e Ruanda/Uganda. O aspecto decisivo parece residir, em vez disso, na subvalorização do problema, o que explicaria igualmente a sua não-participação nas missões na África do Sul e no Chade. De facto, à semelhança destes dois casos, previa-se inicialmente que a UNOMIL tivesse uma duração muito mais curta do que aquilo que se viria a verificar (estava inicialmente agendado para Abril de 1994 o fim da missão, um mês depois da realização prevista de eleições).12 No entanto, ao contrário do que aconteceu nos outros dois casos, a missão na Libéria acabaria por se transformar numa operação de maior duração e complexidade. CONCLUSÕES A avaliação dos motivos que concorreram para a ausência das grandes potências, maiores contribuidoras de pessoal militar, na operação de peacekeeping das Nações Unidas estabelecida na Libéria entre 1993 e 1997 afigura-se um exercício complexo, quer pelo facto de, em abstracto, este ser o tipo de questão para a qual não existem respostas únicas (Mortimer, 1996), quer igualmente pelo caso da Libéria assumir contornos particularmente imbricados e singulares (Outram, 1997). Em primeiro lugar, do ponto de vista sistémico, salienta-se o facto de a guerra civil na Libéria ter ocorrido precisamente num momento de charneira, entre a antiga e a nova estrutura do sistema internacional, em que as consequências da implosão da União Soviética se faziam sentir também em África, destituída do seu papel de palco de disputas inter-blocos. Mas, per se, este argumento não é suficientemente elucidativo, já que, no mesmo período, as potências em questão participaram noutras missões no continente africano, nas condições ilustradas acima. Em segundo lugar, no que se refere a condicionalismos transnacionais, importa lembrar que os esforços internacionais estavam concentrados no Golfo, na antiga 12 Vd. S/RES/866 (1993), de 22 de Setembro. 41 Jugoslávia, na Somália e no Cambodja, locais onde se encontravam missões das Nações Unidas, absorventes de imensos recursos humanos e militares. Na antiga Jugoslávia existiam igualmente forças da NATO, em articulação com a missão da ONU. Além disso, a rápida intervenção da ECOWAS poderá ter maximizado a indiferença da comunidade internacional, gerando um sentimento, num momento de particular instabilidade global, de que seria menos um problema a resolver, já que estava nas mãos de uma força de peacekeeping regional. Em terceiro lugar, à escala estatal, sublinham-se as inesperadas ausências dos Estados Unidos e do Canadá, a dos primeiros pelas profundas relações históricas com a Libéria e a do segundo pelo facto de o país ter participado, nessa década, em todas as missões de paz da ONU, com excepção da UNOMIL e das missões na África do Sul e no Chade (tendo estas duas características próprias, como supra descrito). Em relação aos Estados Unidos, parece ter sido decisivo o facto de o país ter iniciado, neste período, a tendência para reduzir a participação militar e privilegiar a contribuição financeira, no quadro das missões da ONU, atendendo à crescente deslocação de recursos militares para a NATO. No que diz respeito ao Canadá, o factor que mais terá contribuído para a sua ausência terá sido a avaliação demasiado optimista pela qual se orientou e que se traduziu numa clara subvalorização do problema liberiano. Em suma, nenhum destes níveis de análise, por si só, consegue explicar a problemática apresentada. Acresce que a Libéria parece desafiar os principais contributos teóricos, que pretendem interpretar a decisão de intervir. Na verdade, as hipóteses explicativas de natureza sistémica, sistematizadas por Mullenbach, não se verificaram no caso liberiano, nem os factores inter-estatais identificados por Perkins e Neumayer se aplicam com pertinência à “questão liberiana”. No entanto, a complementaridade das pistas sugeridas pelos diferentes níveis de análise permite, pelo menos, afirmar que não estaremos longe da verdade se defendermos que a Libéria, em 1993, foi vítima de um conjunto de circunstâncias adversas, registadas a vários níveis, num momento de profunda desestabilização da vida internacional. CATARINA PIMENTA Catarina Pimenta licenciou-se em Ciência Política e Relações Internacionais, variante de Relações Internacionais, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Frequentou Mestrado em História das Relações Internacionais, no ISCTE. Actualmente é doutoranda do programa em Política Internacional e Resolução de Conflitos, na Faculdade de Economia/Centro de Estudos 42 Sociais da Universidade de Coimbra e Bolseira de Doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Contacto: [email protected] Referências bibliográficas Aboagye, Festus B. e Bah, Alhaji M. S. (2004), Liberia at a Crossroads: A preliminary look at the United Nations Mission in Liberia (UNMIL) and the protection of civilians, Institute for Security Studies paper 95. South Africa: Institute for Security Studies. 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Contudo, as actividades desenvolvidas pelas EMP têm suscitado um debate aceso sobre os benefícios e os riscos inerentes à participação das EMP nas acções de estabilização e consolidação da paz. Palavras-chave: accountability, conflitos, Empresas Militares Privadas, peacekeeping, estabilização e consolidação da paz. INTRODUÇÃO O término da Guerra Fria assistiu à proliferação de diversos actores privados envolvidos em actividades tradicionalmente monopolizadas pelos Estados-nação. A beligerância, nas suas diversas dimensões, passou a ser uma actividade na qual organizações terroristas, grupos mercenários, unidades de guerrilha, milícias e empresas privadas se envolvem cada vez com mais frequência e intensidade. Em consonância com esta nova conjuntura, registou-se o surgimento e consolidação de um leque de actores privados para fazer face aos desafios (Abrahamsen e Williams, 2007). As consequências desta realidade assumem importância acrescida para o peacekeeping internacional. Depois de definhado o ímpeto humanitário inicial dos principais países ocidentais, nomeadamente os Estados Unidos da América (EUA), as operações de paz internacionais enfrentam dificuldades acrescidas na mobilização de recursos humanos e 45 materiais para alcançar os seus desígnios. Este espaço desocupado tem vindo a ser preenchido pelo sector privado. Mais concretamente as Empresas Militares Privadas (EMP) têm-se estabelecido como actores privilegiados nas áreas da segurança e defesa. Historicamente os exércitos não eram entidades públicas. Apenas com o estabelecimento dos exércitos de cidadãos nas guerras napoleónicas o Estado assumiu a legitimidade para monopolizar a violência na protecção dos seus cidadãos e na salvaguarda da sua soberania (Alabarda e Lisowiec, 2007; Lawyer, 2005: 100; Shearer, 1998: 68). Existem inúmeras semelhanças entre as EMP e os mercenários tradicionais, e.g. são exteriores ao conflito, são motivadas por proveitos financeiros e participam directamente nas acções de combate (Shearer, 1998: 68). Todavia, destacam-se algumas distinções contemporâneas particulares (Brayton, 2002: 306): apresentam uma imagem distintamente empresarial; defendem e publicitam abertamente a sua utilidade e profissionalismo; utilizam instrumentos legais e financeiros internacionalmente aceites para assegurar os seus negócios comerciais; e, por enquanto, apoiam apenas governos reconhecidos internacionalmente, evitando regimes não apelativos à comunidade internacional.1 O (RES)SURGIMENTO E CONSOLIDAÇÃO DAS EMP A erosão do monopólio Estatal da violência organizada tem-se acentuado gradualmente desde o fim do período da Guerra Fria. Desde então, tem-se assistido ao falecimento progressivo do que Martin van Creveld designou por “trinitarian warfare” – i.e. a fórmula westphaliana que orientava os conflitos modernos e ditava que na guerra o Governo orientava, o exército combatia e o povo sofria (Creveld, 1993 apud Brayton, 2002: 303). Embora o povo continue a desempenhar o desígnio de Creveld, os governos e os exércitos desempenham cada vez menos as suas funções de forma exclusiva. Contrariamente à realidade verificada nos últimos séculos, os indivíduos e grupos assumem cada vez mais funções marciais, tanto para assegurar a sua protecção, como 1 Thomas Adams (1999) distingue três tipos de entidades militares privadas 1) tipo “tradicional” – grupos e indivíduos com conhecimentos e experiência militar directamente aplicável a acções de combate ou apoio directo ao combate. Podem treinar tropas (fornecidas pelo cliente) ou levá-las para combate. Geralmente, organizam-se de forma ad-hoc, que respondem a solicitações de Estados; 2) empresas comerciais – grandes empresas comerciais que prestam serviços característicos de um Conselho Geral Militar de um país desenvolvido, nomeadamente aconselhamento táctico, operacional e estratégico relativamente à estrutura, preparação, equipamento e utilização das forças armadas. Providos de vários subcontratados, são capazes de prestar a maioria dos serviços necessários para gerir uma força armada – e.g. aconselhamento de planeamento estratégico, desenvolvimento de forças, análise de riscos; preparação do Conselho Geral; treino em operações conjuntas, incluindo guerra de informação e electrónica; 3) grupos altamente especializados em serviços com aplicação militar, mas sem se constituírem formalmente como uma organização que utilize métodos militares ou paramilitares. Embora os membros podem ou não ter experiência militar, dispõem de capacidades e aptidões com aplicação militar ou civil. São geralmente mais pequenas do que as anteriores e desempenham funções diversificadas como, por exemplo, cracking informático, assegurar comunicações e vigilância técnica. 46 para tentar impor a sua vontade política. Este facto é verificável no aumento de conflitos intra-estatais que têm aumentado desde o início da década de 1990. Num estudo sobre os padrões dos conflitos armados contemporâneos, Harbom e Wallensteen (2007) apuraram que entre 1997 e 2006 somente três conflitos ocorreram entre diferentes Estados.2 Os outros 31 conflitos armados registados eram intra-estatais, associados à conquista do poder governamental ou à posse territorial. Naturalmente, os Governos de Estados com estes conflitos demonstram cada vez mais dificuldade, se não mesmo incapacidade, para contrariar a violência interna. Por sua vez, as novas lógicas geopolíticas do pós-Guerra Fria demonstram a falta de vontade ou interesse das potências ocidentais em se envolverem nestes conflitos (Brooks e Laroia, 2005: 121). À falta de um catalisador geoestratégico associa-se um entendimento de que chegou o momento do “peace dividend”, no qual os recursos nacionais das principais potências devem ser direccionados para outras prioridades. Esta nova realidade tem levado a comunidade internacional a revelar-se mais relutante em envolver-se em operações de peacekeeping em meios instáveis e complexos (Brayton, 2002: 303). Consequentemente, o sector privado tem preenchido esta lacuna, nomeadamente prestando serviços militares e de segurança diversos. Frederik Rosén (2008) identifica quatro factores fundamentais para o (re)aparecimento das EMP. O primeiro relaciona-se com as estruturas de oferta e procura no mercado. A redução de efectivos militares no fim da Guerra Fria disponibilizou um conjunto avultado de indivíduos com uma vasta formação marcial. Paralelamente, a retirada das grandes potências de muitas regiões deixou um vazio militar que não era possível ser compensado pelos Estados mais frágeis e dependentes. Estas duas tendências inter-relacionadas criaram uma dinâmica de oferta e procura que activou o crescimento das EMP. A dinâmica de mercado foi acompanhada pela profunda reestruturação do sector de segurança, particularmente nos EUA, o que levou a um aumento do outsourcing dessas mesmas funções.3 O terceiro factor identificado por Rosén está directamente relacionado com a intervenção norte-americana no Iraque. As dificuldades diversas levaram a um aumento da procura das EMP. O último factor deve-se à alteração nos conceitos tradicionais de neutralidade. Neste caso, o sistema internacional transformou-se numa organização vertical de ameaças e respostas variadas, em detrimento de um arranjo espacial de unidades geográficas (idem: 86). Contudo também existe uma transformação mais profunda do paradigma da intervenção que deve ser considerada. Desde a última década do século XX, a concepção 2 Eritreia – Etiópia (1998-2000); Índia – Paquistão (1997-2003); e Iraque contra os EUA e seus aliados (2003 -x). 3 Esta tendência iniciou-se, por todos os países ocidentais, com a crescente privatização do tecido industrial na área da segurança e defesa. Ver Krahhman, 2003. 47 do peacekeeping tem evoluído consideravelmente. Conforme atestam vários autores (Cottey, 2008; Luttwak, 1999; Spearin, 2008), as intervenções da comunidade internacional têm sido cada vez mais numerosas e sob novos desígnios políticos – e.g. humanitarismo e “Responsibility to Protect”.4 Consequentemente, vários Estados ocidentais têm recorrido muitas vezes ao sector privado para cumprir com o seu ímpeto humanitário (Spearin, 2008). A PARTICIPAÇÃO DAS EMP NO PEACEKEEPING O modelo de peacekeeping contemporâneo tem privilegiado soluções diplomáticas para os conflitos violentos. Neste sentido, os conflitos não são resolvidos pela finalização própria da violência, sendo o seu termo resultado de um compromisso negociado. Conforme destaca Edward Luttwak (1999), a intervenção da comunidade internacional cria uma situação artificial que gera um vácuo. Naturalmente, a frequente falta de determinação da comunidade internacional em assumir a função de equilíbrio e garantia da estabilidade abre espaço para a participação das EMP. Os custos inerentes as estas funções não têm sido muitas vezes aceites pelas opiniões públicas domésticas – e.g., custos financeiros, políticos e humanos. Assim, durante a última década do século XX, muitas organizações privadas assumiram actividades que se assemelhavam às operações de peacekeeping, peacemaking e peace enforcement tradicionalmente conduzidas por forças multinacionais sancionadas pela ONU (Brayton, 2002; Brooks e Laroia, 2005). As diversas EMP desenvolvem uma pletora de actividades na área da estabilização e consolidação da paz. Enquanto algumas empresas se limitam a actividades secundárias, nomeadamente de apoio aos peacekeepers, outras desempenham funções mais centrais como a protecção de instalações, equipamentos e pessoal da comunidade internacional. Nalguns casos, as EMP foram utilizadas para apoiar mandatos da ONU, exercendo tarefas de manutenção e operação de infra-estruturas e gestão de redes de logística (Brooks e Laroia, 2005: 122; Bures, 2005: 537-538). A própria ONU tem recorrido às EMP. A empresa Sandline International, entre outras, está registada no Common Supply Database da ONU. Muitos dos serviços de logística, transporte e formação têm sido contratados pela ONU às EMP como, por exemplo, à International Charter Incorporated em múltiplas ocasiões. Contudo, as funções das EMP nem sempre são coincidentes com aquelas que são necessárias às operações de peacekeeping. Embora o sector privado reclame que é capaz de assegurar as missões conceptualizadas pela comunidade internacional, numa 4 Perspectiva que estabelece que a comunidade internacional pode intervir na situação interna de um Estado quando este não consegue garantir a segurança dos seus cidadãos. 48 observação mais atenta é possível distinguirem-se divergências consideráveis. Recorrendo ao ensaio de Oldrich Bures (2005), no Quadro 1 e 2 podem-se constatar as similitudes e discordâncias entre as funções realizadas pelas EMP e pelas operações de peacekeeping contemporâneas. QUADRO 1: FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELAS EMP [DÉCADA DE 1990] APOIO AO COMBATE Operações de combate e liderança LOGÍSTICA, AQUISIÇÃO, TREINO, DIVERSOS Aquisição de material bélico e Protecção de pessoal e serviço de armamento escolta de VIPs Operações de contra-insurgência Desenvolvimento de forças e treino Multiplicadores de forças Planeamento estratégico Operacionalização e manutenção de armamento sofisticado SERVIÇOS DE SEGURANÇA Pesquisa e análise de ameaças Segurança das instalações e pessoal chave Serviços de reconhecimento Segurança de entrega de auxílio humanitário Apoio logístico e manutenção de Aconselhamento de gestão de crise infra-estruturas (e.g. casos de rapto) Apoio de artilharia Eliminação de minas cracking informático Engenharia militar Recolha de taxas Segurança de comunicações Serviços de aviação Treino de segurança de pessoal Intercepção de sinais Análise de risco Auditorias de segurança Informação militar e análise Aconselhamento e planeamento militar FONTE: O. Bures, 2005: 536 49 QUADRO 2: FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELOS PEACEKEEPERS [DÉCADA DE 1990] MILITARES Observação e monitorização de cessarfogos POLITICO/ECONÓMICAS Manutenção da lei e ordem Manutenção de zonas de protecção Auxílio no estabelecimento de governos /Assistência na demarcação de fronteiras viáveis Desarmamento de facções conflituosas Regulação da disposição de forças Prevenção de infiltração Prevenção de guerra civil Ajuda na manutenção de estatuto independente Lidar/negociar com entidades governamentais/administração eleitoral Monitorização da administração de recursos naturais Exercício temporário de autoridade administrativa HUMANITÁRIAS Protecção de colunas e auxílio Protecção de trabalhadores de auxílio Prestação de auxílio humanitário Estabelecer, apoiar e protecção de zonas seguras regionais e outras áreas de protecção Assistência na repatriação de refugiados Monitorização dos fluxos de refugiados Apoio logístico em projectos Verificação de acordos de segurança e Prestação de segurança e auxiliar no humanitários, nomeadamente no retirada de forças estrangeiras restabelecimento da vida económica local transporte, na área da saúde e engenharia Supervisionamento de separação e cantonamento Remoção de minas Gestão e arbítrio de disputas locais Medidas de restabelecimento de confiança/reconciliação Treinamento/reformação de unidades Treinamento e reestruturação das forças militares policiais FONTE: O. Bures, 2005: 537 50 Verificação de acordos sobre direitos humanos Embora Oldrich Bures (2005: 540) admita que as EMP possam desempenhar algumas das actividades intrínsecas ao peacekeeping, o mesmo autor também reconhece que a capacidade para o fazer não implica os resultados desejados. Por conseguinte, é necessário determinar se as EMP podem funcionar dentro de um quadro consistente com os objectivos da ONU. AS IMPLICAÇÕES DO ENVOLVIMENTO DO SECTOR PRIVADO NO PEACEKEEPING A comunidade internacional tem-se revelado inquieta com o fenómeno das empresas militares privadas. De facto, logo em 1994 a ONU designou Enrique Bernales Ballesteros para analisar a situação dos mercenários envolvidos em vários conflitos nacionais e regionais. As conclusões do seu relatório5 agravaram as suspeitas da comunidade internacional, conduzindo a um aumento dos protestos relativamente a estas actividades. Segundo a ONU, as actividades mercenárias são uma violação da soberania, independência e integridade dos Estados. Porém, como os guerreiros privados são usualmente utilizados em conflitos intra-estatais, tem havido pouca actuação efectiva para os regulamentar. Porém, num tempo de contenção orçamental aos mais variados níveis, as EMP argumentam em sua defesa que são uma solução mais racional em termos de custos. As experiências do passado demonstram que em termos financeiros, as EMP conseguem funcionar a custos significativamente inferiores do que as forças nacionais (Brooks e Laroia, 2005: 123; Lawyer, 2005: 105). Igualmente, as EMP atestam que são capazes de se mobilizar de forma mais célere e são menos propícias às baixas dos que as forças nacionais. Contudo, os valores envolvidos nas várias estimativas não incluem outras despesas que possam ser indirectamente associadas às EMP.6 Todavia, alguns autores alertam para o facto de que se as EMP funcionassem na lógica dos mandatos ONU – i.e. imparcialidade, força mínima, procura de cessar-fogo – a sua eficiência e viabilidade económica seriam certamente comprometidas (Brayton, 2002: 324). Contudo, não se pode negar que ao desempenhar funções secundárias nas operações de peacekeeping, as EMP libertam os funcionários da comunidade internacional, permitindo-lhes desempenhar funções mais críticas (Alabarda e Lisowiec, 2007: 99; Brooks e Laroia, 2005: 123). Nesta perspectiva, as EMP podem desempenhar diversas acções de apoio logístico, de protecção de equipamentos e infra-estruturas, de transporte e distribuição de material e equipamentos e de treino e formação de pessoal 5 United Nations Organization, Report of the Special Rapporteur on Mercenaries, E/CN.4/1995/29, 29 Agosto de 1995. Disponível em http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/G94/751/35/PDF/G9475135.pdf?OpenElement. 6 Um exemplo deste tipo de despesas indirectas verificou-se na Serra Leoa, na qual o Governo concessionou a exploração das minas diamantíferas de Koidu à empresa Branch Energy Company, que pertence à Strategic Resources Group que, por sua vez, também detinha a Executive Outcomes. 51 não militar. Igualmente, embora mais problemática, a utilização das EMP pode contribuir para superar a relutância de muitos governos em se envolverem em situações de risco elevado, com pouco apoio doméstico para o envolvimento de tropas. Mas as preocupações com as actividades do sector privado são mais profundas. As críticas ultrapassam as inquietações orçamentais e operacionais. Uma desconfiança consiste no facto de o aumento do uso de forças militares privadas poder contribuir para a criação de uma clientela política na qual a lealdade cívica e política se incline para actores militares sub-estatais com motivos pouco transparentes (Brayton, 2002: 305). O relatório submetido por Enrique Bernales Ballesteros à ONU alertou também para a possibilidade de as forças militares privadas se tornarem instrumentos de opressão, utilizadas para negar o exercício de autodeterminação dos cidadãos. Contudo, embora esta observação seja válida, também não se pode negar que situações de opressão e de sustentação de regimes ilegítimos têm sido perpetuadas por forças armadas endógenas. Muitos críticos da utilização das EMP para funções de peacekeeping salientam o facto de o registo histórico das intervenções privadas não resolverem cabalmente a conflitualidade. Os casos da acção da Executive Outcomes e da Sandline International em Angola e na Serra Leoa são apresentados como exemplos nos quais a conflitualidade intra-estatal não cessou com as intervenções privadas. Contudo, o mesmo argumento podia ser devolvido à comunidade internacional. Todavia, uma das maiores preocupações da comunidade internacional assenta nos motivos das EMP e da sua accountability. Contrariamente às forças armadas nacionais, as EMP encaram o conflito como uma oportunidade empresarial. A atracção pelos proveitos dos recursos dos Estados serve de incentivo às EMP. Se as forças armadas nacionais respondem perante as respectivas instâncias nacionais, as forças privadas respondem, antes de mais, aos seus accionistas (Shearer, 1998: 77). A falta de escrutínio público e particularmente governamental suscita muita apreensão, pois não existem ainda mecanismos regulamentares que direccionem e controlem a sua actuação (Brayton, 2002: 318; Joras e Schuster, 2008: 22). A falta de enquadramento legal aos níveis nacional e internacional é um dos factores que urge resolver (Nevers, 2009; Singer, 2004). As EMP têm sido igualmente criticadas por servirem de interpostos dos governos ocidentais. Neste sentido, representam um instrumento “neocolonial operando sob o estandarte das políticas do mercado liberal”7 (Brayton, 2002: 310; Leander e Munster, 2007). Todavia, mais problemático ainda é o efeito de deslegitimação do próprio Estado provocado pela acção das EMP. As lealdades das populações são postas em causa quando as entidades privadas se substituem- às instituições estatais dos Estados na 7 No original: “neocolonialism operating under the banner of liberal market policies”. 52 protecção e segurança dos seus cidadãos. Ao transformar a segurança num produto comercializável gera-se uma dinâmica e os grupos militares privados “posicionam-se como as fontes de estabilidade social, desafiando o Estado pela lealdade dos seus cidadãos” (Brayton, 2002: 328). A consequente erosão do Estado acaba por agravar a situação preambular do conflito, i.e. a fragilidade do poder estatal (Leander, 2005a; 2005b; Singer, 2007). Mas apesar das muitas críticas e interrogações as EMP têm vindo a assumir um papel cada vez mais activo e determinante nas operações do peacekeeping internacional. De facto, várias organizações internacionais têm reflectido sobre a possibilidade de recorrer ao sector privado. Em estudos realizados pelo Governo Britânico, pela organização Refugees International e pelo Global Security Partnership Project, o contributo de forças privadas é tido como um passo a considerar seriamente (Bures, 2005: 534-535). Igualmente, existem precedentes na utilização de forças privadas por parte da própria ONU (Adams, 1999; Brayton, 2002; Bures, 2005; Krahmann, 2008; Spearin, 2008). O debate à volta do papel das EMP nas operações do peacekeeping ainda está longe de ser concluído. Embora se possa vislumbrar algum papel para o sector privado, designadamente em situações já estabilizadas e em funções operacionais secundárias, o seu contributo não parece capaz de servir mais de que uma paz negativa pontual. A construção de uma paz positiva sustentável não se coaduna com lógicas de promoção comerciais, nem com a desresponsabilização dos Estados e da comunidade internacional. LUÍS MIGUEL DA VINHA Licenciado e Mestre em Geografia pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Actualmente é Doutorando em Política Internacional e Resolução de Conflitos, na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Contacto: [email protected] Referências Bibliográficas Abrahamsen, Rita; Williams, Michael (2007), “Securing the City: Private Security Companies and Non-State Authority in Global Governance”, International Relations, 21 (2): 237-253. Adams, Thomas (1999), “The New Mercenaries and the Privatization of Conflict”, Parameters, (3): 103-109. 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Com base em uma comparação entre a situação inicial no terreno e a situação atual, a Missão é aqui avaliada qualitativamente em três dimensões: segurança e estabilidade, processo político e direitos humanos. Argumentase que, ao passo em que a MINUSTAH obteve sucessos relativos em algumas dimensões estabelecidas em seu mandato, os retrocessos em outras dimensões igualmente importantes impedem a classificação da Missão como um “sucesso”. O segundo objetivo é discutir o próprio método de avaliação aqui utilizado, uma vez que a comparação entre duas situações no terreno é simplesmente reducionista. Palavras-chave: avaliação de operações de paz, Nações Unidas, MINUSTAH, Haiti. Os objetivos deste breve ensaio são (1) avaliar sucintamente a Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti – MINUSTAH e (2) apontar algumas das limitações inerentes ao método de avaliação mais frequentemente utilizado para esse fim. Para tanto, adotase como método de avaliação uma abordagem comparada entre uma situação parcial/final no terreno e os objetivos estabelecidos no mandato inicial de uma determinada operação (vide Diehl, 1993; Durch, 1993). Neste caso, uma operação de paz é considerada um “sucesso” quando atinge completamente aqueles objetivos.1 Argumenta-se que a MINUSTAH não pode, por ora, ser considerada um “sucesso” porque não alcançou os objetivos estabelecidos no seu mandato inicial. Se, por um lado, * Algumas das ideias deste texto foram anteriormente apresentadas no III Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa, realizado em Londrina em Julho de 2009. 1 Para os fins deste texto, utiliza-se a definição de operações de paz das Nações Unidas: “[f]ield operations deployed to prevent, manage, and/or resolve violent conflicts or reduce the risk of their recurrence” (ONU, 2008: 98). 56 os resultados das ações de na área de segurança nos últimos cinco anos parecem ter contribuído para uma redução nos níveis de violência direta no Haiti, por outro lado, os resultados obtidos nas dimensões política e dos direitos humanos não parecem ter atingido as expectativas iniciais da Organização. De fato, a incapacidade de proporcionar um ambiente para o efetivo diálogo político nacional, bem como as constantes denúncias de violações dos direitos humanos cometidas pelos peacekeepers onusianos apresentam-se atualmente como os grandes desafios das Nações Unidas (ONU) no país. Em relação ao método de avaliação das operações de paz da ONU, argumenta-se que o seu foco na simples comparação entre uma situação no terreno e os objetivos estabelecidos pelo mandato de uma operação é reducionista. Por se concentrar especialmente na dimensão securitária, o que é constatado pela ênfase dada à avaliação da contribuição da operação para a cessação das hostilidades ou para o estabelecimento de uma paz negativa, a utilização deste método acaba por invisibilizar as outras dimensões presentes no mandato de uma operação de paz. Ao proporcionar uma avaliação imprecisa da contribuição de uma operação no terreno, as consequências mais imediatas da utilização deste método são ajustes insuficientes na condução da própria operação. No longo prazo, esta abordagem pode contribuir para reproduzir, e não para contornar, as causas do conflito armado que levaram ao próprio estabelecido da operação em análise. Na seção seguinte, e em acordo com a proposta deste texto, é feita uma breve avaliação qualitativa da MINUSTAH nas três áreas definidas pelo seu mandato inicial: segurança e estabilidade, processo político e direitos humanos. As principais fontes documentais utilizadas para a análise dos fatos ocorridos no país são os relatórios oficiais da ONU e os do International Crisis Group, um think tank independente reconhecido internacionalmente pelas suas análises de situações de conflitos armados. A escolha dessas fontes tem por base a periodicidade das análises feitas pelas duas entidades, bem como a sua constante presença no Haiti ao longo dos últimos cinco anos. O período analisado vai do estabelecimento da Missão, em Junho de 2004, até Outubro de 2009, data da última renovação do seu mandato. Na última seção, os argumentos são resgatados e algumas considerações são feitas à guisa de conclusão. AVALIAÇÃO DE OPERAÇÕES DE PAZ NO TERRENO: O CASO DA MINUSTAH Existe um intenso debate acadêmico, com profundas implicações políticas, sobre a melhor forma de se avaliar uma operação de paz. A título de simplificação, é possível apontar, por um lado, abordagens que avaliam se determinada operação atinge ou não os objetivos estabelecidos em seu mandato, normalmente considerando um “sucesso” aquela que obtém a cessação das hostilidades, que limita o conflito armado ou que 57 promove a paz ou mesmo a “resolução” do conflito (Diehl, 1993; Durch, 1993). Por outro lado, há abordagens que avaliam as operações de paz de acordo com a sua contribuição para valores mais amplos, como a paz e a justiça, analisando o número de vidas salvas, a melhoria das condições sócio-econômicas e a defesa e a promoção dos direitos humanos (Bratt, 1996; Johansen, 1994). Ainda em relação aos métodos de avaliação, os defensores de ambas as correntes discordam quanto à utilização de abordagens mais quantitativas/objetivas ou mais qualitativas/subjetivas. As primeiras abordagens são frequentemente criticadas por sua aparente simplicidade, especialmente porque o “sucesso” de uma operação é frequentemente entendido apenas como a “ausência de guerra” – a paz negativa definida por Galtung (1969) – durante o tempo em que as operações permanecem no terreno. Ademais, se os conflitos forem entendidos como inerentes à vida social, a própria ideia de “resolução de conflitos” utilizada nessas análises pode ser questionada (Freire e Lopes, 2008). O segundo tipo de abordagem é também alvo de críticas porque seus defensores não problematizam suficientemente os conceitos de “paz” e “justiça”, simplesmente assumindo-os como universais e aplicáveis a qualquer contexto. Assim, e considerando que as operações de paz frequentemente atuam em cenários cujos valores, costumes, tradições e culturas são diferentes daqueles dos peacekeepers, seria impossível “medir” a paz e a justiça proporcionadas por uma operação de paz. Desta rápida discussão,2 ficam evidentes tanto a inexistência de um único método para a avaliação dessas operações quanto algumas das dificuldades intrínsecas a qualquer exercício desta natureza. Contudo, é esse mesmo exercício de avaliação que orienta a formulação das políticas relacionadas às operações de paz e que fundamenta a reflexão crítica acadêmica. É com base nessas considerações que a MINUSTAH é aqui avaliada com base nas três áreas definidas em seu mandato inicial. Segurança e estabilidade De acordo a Resolução 1542 (2004) do Conselho de Segurança da ONU, que estabeleceu a MINUSTAH, o seu mandato, nesta área, seria apoiar as autoridades haitianas no sentido de garantir um ambiente “seguro e estável” para o processo político e constitucional no país. Mais especificamente, a Missão deveria auxiliar na reestruturação e na reforma da Polícia Nacional Haitiana (PNH); no estabelecimento de um programa de desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR); na restauração e manutenção do estado de direito (rule of law), da segurança e da ordem públicas; além 2 Vide Druckman e Stern (1997) para uma discussão mais aprofundada entre os autores aqui citados. Pushkina (2006) propõe uma metodologia de avaliação que busca captar o “sucesso” das operações de paz tanto a nível político (avaliação dos mandatos) quanto a nível de valores mais amplos (contribuição para a segurança internacional e diminuição do sofrimento humano). 58 de proteger o pessoal, facilidades, instalações e equipamentos da ONU e de garantir a segurança dos civis “sob iminente ameaça de violência física”. Tais ações, dentro das capacidades e áreas de atuação da Missão, estavam e continuam amparadas pelo Capítulo VII da Carta da Organização. Quando as primeiras tropas foram enviadas ao Haiti, o aparato estatal de segurança estava quase falido e a PNH estava em processo de desintegração e elevada politização em torno da figura do ex-Presidente Jean-Bertrand Aristide. Gangues locais e grupos de ex-militares armados controlavam áreas consideráveis das maiores cidades do país e chagavam mesmo a atuar ilegalmente como forças locais de segurança. Em um alarmante contraste, estimava-se que 25 mil pessoas estariam envolvidas com os grupos armados, enquanto a PNH dispunha de um efetivo de apenas 3.500 policiais (CSNU, 2004a). Ademais, as instituições políticas não tinham credibilidade e o Estado não tinha presença ou poder efetivo sobre todo o território nacional (ICG, 2004; CSNU, 2004b). Após cinco anos de atividades, o ambiente no Haiti, em linhas gerais, é considerado por agentes externos como mais seguro e estável que em 2004. Diversas operações foram realizadas pela MINUSTAH em cooperação com a PNH com o objetivo de conter a violência nas grandes cidades: patrulhamento extensivo nas favelas, ações para a detenção de líderes das principais gangues, criação de checkpoints nas entradas e saídas das favelas, ações anti-sequestro e treinamento de novos policiais (CSNU, 2008a; ICG, 2007a). No caso específico do Haiti, tais operações contribuíram para restaurar, ainda que parcialmente, a confiança e o respeito da população na Polícia Nacional, minados devido a denúncias de corrupção e aos abusos aos direitos humanos. De entre as ações com resultados mais visíveis, destacam-se aquelas que garantiram a segurança do processo eleitoral em 2006 – ainda que alguns incidentes tenham sido registrados – e aquelas que, no início de 2007, levaram à ocupação da maior favela de Porto Príncipe, Cité Soleil (Gomide, 2007; ICG, 2007a; CSNU, 2006). Apesar desses avanços relativos, contudo, a dimensão da segurança permanece frágil e a gravidade da situação sócio-econômica, juntamente com os constantes abusos aos direitos humanos, ameaçam a manutenção da estabilidade, como revelaram as demonstrações de Abril de 2008 (ICG, 2009, 2008). Embora a PNH apresente hoje mais de nove mil policiais efetivos – quase o triplo de 2004 (CSNU, 2009a), a segurança no país ainda depende quase que inteiramente da Missão dada a falta de recursos e de quadros nacionais suficientemente preparados para o exercício das funções policiais. A consequência mais direta é provavelmente o elevado número de gangues e grupos armados ilegais no país (ICG, 2008). Em relação ao DDR, a resposta da MINUSTAH foi lenta, tendo estabelecido uma comissão para a questão somente em 2005 – e na altura, sem mandato ou funções claramente definidos (CSNU, 2005). A situação tornou-se ainda 59 mais complexa porque a abordagem de DDR inicialmente adotada pela MINUSTAH era incompatível com a realidade haitiana: não predominava um contexto de pós-conflito, mas de violência em torno de gangues; não havia fações armadas lutando por objetivos políticos e não houve um “acordo de paz” entre elas (ActionAid, 2006; Muggah, 2005; CSNU, 2005). Processo político Devido à natureza da atual crise – desencadeada por um movimento de grupos armados, ex-soldados e ex-policiais que invadiram a capital do país em 2003 clamando pela renúncia do Presidente Jean-Bertrand Aristide –, o restabelecimento do sistema político nacional foi alvo de especial atenção por parte das Nações Unidas. Nesta área, o mandato da Missão seria apoiar o corrente processo político e constitucional no Haiti, fomentando a governança democrática e o desenvolvimento institucional. Para tanto, a MINUSTAH deveria auxiliar as autoridades haitianas no sentido de estabelecer o diálogo nacional e a reconciliação; de organizar, monitorar e conduzir, o mais cedo possível, as eleições no país, incluindo as presidenciais; e de expandir a autoridade estatal, apoiando a boa governança nos níveis locais (CSNU, 2004c). Ainda antes do envio da MINUSTAH, foi formado um governo provisório que deveria buscar o consenso político no país. A fim de permitir a governabilidade do país a partir de então, foi assinado um pacto de entendimento que estabelecia as metas a serem atingidas pelo governo provisório em áreas como segurança, desenvolvimento, combate à corrupção, reforma judiciária e fortalecimento das instituições políticas (CSNU, 2004a). O acordo, contudo, não sepultou a instabilidade política, o que ficou evidente quando o Fanmi Lavalas, partido político de Aristide, denunciou o pacto de entendimento e alegou ser vítima de perseguição por parte dos outros partidos, passando a incitar a violência na população haitiana (ICG, 2004; CSNU, 2004b). Ressalte-se ainda que a debilidade do aparato estatal impedia a governança efetiva em diversas cidades do país, que acabaram caindo sob o controle ilegal de grupos armados e ex-militares (ICG, 2005). Neste contexto, o evento mais significativo da atuação da Missão foi certamente a realização das eleições presidenciais e legislativas em Fevereiro de 2006. O pleito ocorreu em um ambiente de segurança frágil, mas o comparecimento foi relativamente alto e as eleições foram classificadas como “livres e justas” por observadores internacionais (ICG, 2006). O apoio da MINUSTAH foi considerado fundamental nas ações de registro de eleitores e principalmente na assistência técnica prestada à Comissão eleitoral haitiana (ICG, 2006; CSNU, 2006). Ressalte-se, no entanto, que as eleições ocorreram com alguns meses de atraso em relação à previsão inicial. As demais ações da MINUSTAH em relação ao processo político tiveram pouco impacto, 60 especialmente se considerada a contínua fragilidade do aparato estatal haitiano e a sua incapacidade de coordenação e atuação nas áreas mais afastadas da capital (ICG, 2009, 2007a). A simples realização de eleições, contudo, não foi suficiente para garantir a sustentabilidade do processo político haitiano, como vieram a comprovar os quatro meses em que o Haiti ficou sem governo efetivo seguindo a decisão do Senado de censurar o governo do Primeiro-Ministro Jacques-Edouard Alexis (CSNU, 2008b).3 Embora tenham prometido engajamento em um diálogo político nacional, os diversos grupos políticos haitianos ainda apresentam fortes divisões, o parlamento tem sido frequentemente criticado por inabilidade e incompetência, e a justiça permanece profundamente politizada (ICG, 2009; CSNU, 2009a). A população haitiana, por sua vez, frustra-se cada vez mais com a incapacidade do Presidente Préval em cumprir com as suas promessas de reduzir as desigualdades sociais e de criar mais empregos (ICG, 2007a). Direitos humanos A promoção e proteção dos direitos humanos apresentam-se provavelmente como as tarefas mais sensíveis na consecução do mandato da MINUSTAH. Nesta área, o mandato inicial da Missão consistia em apoiar as autoridades e instituições do país nos seus esforços para promover e proteger os direitos humanos, “especialmente de mulheres e crianças”. Ademais, a Missão deveria monitorar e reportar a sua situação no país juntamente com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (CSNU, 2004c). Diversos fatores contribuíam para a precária situação dos direitos humanos no Haiti quando a Missão foi enviada: o clima geral de insegurança; a ausência do aparato estatal em várias regiões do país; a ineficiência da polícia, bem como a sua corrupção e politização em torno da figura de Aristide; e o grande número de armas pequenas e leves espalhadas pelo país (CJG, 2005; Griffin, 2004; CSNU, 2004b).4 No início de 2004, o quadro dos direitos humanos era ainda agravado pelas demonstrações contra Aristide, uma vez que os frequentes confrontos armados entre militares e grupos ilegais deixaram uma grande parte da população haitiana suscetível a inúmeros atos de violência e violações dos direitos humanos (HRW, 2004). Ressalte-se que a maior incidência dessas 3 Semanas após a última renovação de mandato da MINUSTAH, o Senado haitiano viria a afastar a então Primeira-Ministra, Michèle Pierre-Louis, alegando que os resultados do seu governo, então com pouco mais de um ano, haviam sido muito limitados. Vide The Economist (2009). 4 Muggah (2005) estima que grupos armados não-estatais e a população civil haitiana detenham, em conjunto, pelo menos 180 mil armas pequenas e leves, contra cinco mil da PNH. A maioria dessas armas não está registrada legalmente. 61 violações ocorria nas áreas mais pobres das grandes cidades do país, como os bairros de Cité Soleil e Bel Air (Griffin, 2004). Cinco anos após a chegada da MINUSTAH ao Haiti, contudo, o quadro geral da situação dos direitos humanos parece não ter sofrido alterações profundas, principalmente porque o aparato estatal haitiano ainda não consegue fazer-se presente nas regiões mais afastadas de Porto Príncipe. Ademais, há ainda inúmeros relatos das péssimas condições das penitenciárias nacionais e de execuções sumárias pelas autoridades policiais, além de vários registros de detenções arbitrárias e sem julgamento, de violência sexual por parte da PNH e dos próprios peacekeepers onusianos e, em algumas situações, do uso de crianças-soldado pelos grupos armados (CJG, 2005; vide também os Relatórios do Secretário-Geral da ONU).5 Embora os últimos relatórios do Secretário-Geral da Organização tendam a enfatizar uma “melhoria relativa” no respeito aos direitos humanos (CSNU, 2009b, 2009a), a situação no Haiti não se apresenta, propriamente, como um motivo a ser comemorado. A incidência de crimes e a violência nas grandes cidades haitianas ainda é preocupante (ICG, 2009), especialmente quando tais eventos significam a restrição da liberdade de movimento das pessoas, como ocorreu especialmente até 2007 (EUA, 2009; Freedom House, 2008). Outro motivo de grande preocupação para as Nações Unidas tem sido a persistência das denúncias de abuso de violência e de atos de violência sexual cometidos pelos próprios integrantes da Missão contra haitianos (CSNU, 2009b). Segundo organizações não-governamentais, a Missão tem falhado tanto em investigar as denúncias de ações cometidas pela PNH quanto em proteger as vítimas desses abusos, conforme estabelecido pela Resolução 1542 (CJG, 2005; O Estado de São Paulo, 2005; Griffin, 2004). Mais preocupante: os próprios integrantes da Missão têm sido acusados de atos de violência física e sexual contra haitianos. PARA ALÉM DO MANDATO Apesar das limitações inerentes ao exercício de avaliação de uma operação de paz, buscou-se aqui discutir os resultados obtidos pela MINUSTAH até outubro de 2009, quando o seu mandato foi renovado mais uma vez pelo Conselho de Segurança da ONU. Desta avaliação, ainda que breve – e por isso mesmo certamente incompleta, percebe-se que os resultados da Missão têm sido díspares nas três dimensões estabelecidas pelo seu mandato inicial: segurança, processo político e direitos humanos. Enquanto na primeira é possível verificar contribuições da MINUSTAH para a diminuição dos índices de violência direta no Haiti, as ações nas outras dimensões não lograram proporcionar 5 Para índices recentes de violência, crimes e sequentros no Haiti, vide ICG (2009). 62 um ambiente propício ao amplo diálogo político nacional e nem garantir substancialmente o respeito aos direitos humanos em todo o território haitiano. A partir desta análise, é possível ainda perceber que avaliar uma operação de paz apenas a partir da comparação entre a situação inicial e a situação final encontrada no terreno apresenta inúmeros problemas e possui, frequentemente implícito, o entendimento de que o “sucesso” de uma operação de paz é simplesmente uma “melhoria relativa” das condições iniciais. Ao adotar esta abordagem, conforme pôde ser verificado neste texto, é preciso entender que outras realidades no terreno escapam a este corte – como aspectos ambientais ou sócio-econômicos, por exemplo. Se baseados nessa abordagem reducionista, os ajustes em qualquer operação de paz, bem como na MINUSTAH, correm o risco de não ter a eficácia desejada e, portanto, não proporcionarem o “sucesso” esperado pela ONU. Possivelmente mais grave, contudo, é a possibilidade de que erros na avaliação de operações de paz possam levar à perpetuação das reais causas dos conflitos armados, ao invés de contorná-los, como demonstra o caso de Ruanda, por exemplo (Clapham, 1998). Após cinco anos de ações e ajustes baseados especialmente no método de avaliação adotado neste texto, a situação global no Haiti ainda está longe de ser “estabilizada”. Conforme viriam a comprovar as demonstrações violentas de Abril de 2008, a estabilização no Haiti não passa apenas por essa divisão simplista presente no mandato da MINUSTAH, divisão esta reforçada pelos métodos de avaliação que simplesmente comparam a situação do país em 2004 com a situação atual. De fato, uma série de aspectos relegados a segundo plano pelo mandato da Missão, ou mesmo ausentes, têm também um forte impacto na estabilidade do país. Em um quadro mais alargado, o Haiti continua a apresentar os piores índices de desenvolvimento humano, mortalidade infantil, saúde e educação das Américas (vide PNUD, 2009).6 Os índices macroeconômicos apontam para uma situação de grande debilidade, a taxa de desemprego é crônica e os doadores internacionais e as remessas de haitianos que vivem no exterior continuam a ser grandes fontes da renda do país (ICG, 2007b). Ademais, a infra-estrutura nacional está longe de ser restaurada (ou mesmo construída) e o aparato estatal permanece muito fragilizado, de forma que o Haiti continua extremamente carente de apoio político, financeiro, militar e policial (ICG, 2009; CSNU, 2009a). Ao não perceber a influência desses aspectos para a estabilização no Haiti, a MINUSTAH corre o risco de permanecer afastada de qualquer definição de “sucesso” nos próximos anos. 6 Para relatos e depoimentos de moradores de uma das áreas mais pobres do país, vide o documentário Bon Bagay Haiti – Histórias de Cité Soleil (Agência Brasil, 2007). 63 FERNANDO CAVALCANTE Doutorando em Política Internacional e Resolução de Conflitos pelo CES/FEUC, Universidade de Coimbra, com bolsa concedida pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. É bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, tendo atuado em pesquisas sobre operações de paz e política externa do Brasil. Seus atuais interesses de pesquisa focam questões de peacekeeping e peacebuilding das Nações Unidas, de teorias das Relações Internacionais e de política externa do Brasil. Contato: [email protected] Referências Bibliográficas ActionAid (2006), Minustah: DDR and Police, Judicial and Correctional Reform in Haiti. 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Contudo, com a morte do Presidente Félix Houphouët-Boigny em 1993, a Costa do Marfim emergiu num intenso conflito interno motivado pela luta pelo poder naquele Estado. Perante a consideração de que tal constituía uma ameaça à paz e segurança internacionais na região, intervieram na Costa do Marfim duas missões das Nações Unidas, a Missão das Nações Unidas na Costa do Marfim (MINUCI) e a Operação das Nações Unidas na Costa do Marfim (UNOCI). Neste contexto o presente estudo começa por abordar a controversa questão da avaliação de missões de paz propondo uma grelha de critérios de avaliação, para, depois, avaliar a implementação das missões de paz das Nações Unidas na Costa do Marfim. Finalmente, procura retirar algumas conclusões do estudo de caso que possam contribuir para o debate teórico sobre a avaliação de missões de paz. Palavras-chave: missões de paz, avaliação, Costa do Marfim, MINUCI, UNOCI. 1. INTRODUÇÃO O conflito na Costa do Marfim constitui um estudo de caso intenso e revelador no que respeita à teoria da avaliação da implementação de missões de paz. Até ao início do século, a Costa do Marfim, constituída por cerca de sessenta etnias diferentes, era considerada um dos países com maior estabilidade política e prosperidade socioeconómica do Oeste de África, merecendo mesmo o epíteto de “Milagre Africano” (Langer, 2005). Após a independência da Costa do Marfim em 1960, o país gozou de relativa estabilidade política e prosperidade socioeconómica, sendo um exemplo no Oeste de África. A sua situação atractiva induziu fluxos de imigrantes de países da região, incluindo O autor agradece o apoio que lhe é conferido pela Fundação Calouste Gulbenkian para a realização do programa de Doutoramento. ∗ 67 do Burkina Faso e do Mali. Com a morte em 1993 do Presidente Félix Houphouët-Boigny, herói da independência, a Costa do Marfim imergiu numa intensa luta pelo poder, para a qual não deixaram de contribuir alguns factores de tensão étnica entre os chamados étrangères e os auto-aclamados costa-marfinenses de “sangue-puro” (Kirwin, 2006). A apelidada estratégia de “Ivoirité” implementada pelo então Presidente Henri Konan Bédié contribui grandemente para essa conflitualidade (Touré, 2000; Konate, 2004). Esta luta pelo poder culminou com um golpe de Estado liderado pelo General Robert Gueï, que derrubou o Presidente Bédié. A luta pelo poder alargou-se a outros movimentos e personalidades políticas, incluindo Gbagbo, Bédié, o General Gueï e Ouattara. A Comunidade Económica do Oeste Africano (ECOWAS) tentou solucionar a crise, promovendo o diálogo entre os rebeldes e o Governo e destacando forças para aquele Estado. Por outro lado, forças francesas já estacionadas na Costa do Marfim foram igualmente encarregues de monitorizar o cessar-fogo, não sem algumas críticas (Tete, 2006). Entretanto intervieram na Costa do Marfim duas missões das Nações Unidas: a Missão das Nações Unidas na Costa do Marfim (MINUCI)7 e a Operação das Nações Unidas na Costa do Marfim (UNOCI),8 que, segundo o conceito proposto pela “Doutrina Capstone” (DPKO, 2008a), podem ser classificadas como missões de peacekeeping (doravante “missões de paz”). O estudo não pretende desprezar o papel da missão da ECOWAS na Costa do Marfim (ECOMICI).9 Contudo, no âmbito do tema central da avaliação de missões de paz no terreno, optou-se por analisar e colocar em contraste as duas missões de constituição mais recente e sob os auspícios de uma mesma organização, as Nações Unidas. O presente estudo advoga que a avaliação de missões de paz é um tópico fundamental na temática das missões de paz. A grelha de avaliação das missões de paz no terreno, de que se procurará fazer proposta, poderá constituir uma boa base para a avaliação da acção das missões de paz das Nações Unidas no terreno. É, pois, de crer que a aplicação da grelha de avaliação ao caso da Costa do Marfim revelará resultados diferentes no que respeita ao impacto daquelas duas missões na gestão e transformação do conflito na Costa do Marfim desde 2003. Neste contexto, o presente estudo pretende, primeiro, abordar a controversa questão da avaliação de missões de paz, para, depois, avaliar a implementação das missões de paz das Nações Unidas na Costa do Marfim. Finalmente, procurará retirar algumas conclusões do estudo de caso que possam contribuir para o debate teórico sobre a avaliação de missões de paz. 7 Resolução do Conselho de Segurança 1479 (2003), de 13 de Maio de 2003. Resolução do Conselho de Segurança 1528 (2004), de 27 de Fevereiro de 2004. 9 Para mais sobre a ECOMICI vide Gberie e Addo (2004). 8 68 2. A AVALIAÇÃO DE MISSÕES DE PAZ Surge como pertinente que uma missão seja avaliada (Ortiz, Inomata, 2006). O conceito “avaliação” pode ser definido como a […] apreciação sistemática e objectiva de um projecto, programa ou política, em curso ou terminado, no que respeita à sua concepção, implementação e resultados. O propósito será determinar a relevância e o cumprimento dos objectivos, a eficiência em matéria de desenvolvimento, a eficácia, o impacte e a sustentabilidade. Uma avaliação deve fornecer informações credíveis e úteis permitindo integrar as lições da experiência nos processos de decisão (…)(OECD, 2002: 21-22). No que respeita à teorização da avaliação, no caso concreto das missões de paz, o seu resultado é frequentemente rotulado como “sucesso” ou “insucesso”. Contudo, do ponto de vista do discurso teórico, não poderá deixar de ser referido que esta classificação incorre num maniqueísmo facilmente manipulável. O grande desafio que rodeia a problemática da avaliação está em encontrar uma grelha que permita retirar conclusões o mais sistemáticas e objectivas possível sobre a implementação de uma missão de paz, sem que se limite, pois, apenas a aprová-la ou a reprová-la. Não havendo espaço neste estudo para um debate de tal densidade e abrangência, valerá, contudo, a pena referir que a discussão assenta em diversas dicotomias que são fundamentadas em convicções ontológicas próprias do avaliador. Conceptualmente, os critérios são muito díspares variando entre a mobilização de elementos gerais ou então de factores de enorme especificidade. Igualmente, do ponto de vista metodológico, existem divergências entre a utilização de métodos qualitativos e quantitativos. A título de exemplo, pode-se confrontar a posição de dois autores de referência, Paul Diehl e Betts Fetherson, com perspectivas diametralmente opostas conforme expostas num interessante fórum escrito promovido por Daniel Druckman e Paul Stern (Druckman e Stern, 1997). Paul Diehl defende uma abordagem positivista da avaliação das missões de paz. O sucesso seria medido pela extensão do cumprimento da missão tal como consta do mandato e pela concretização de objectivos específicos, tais como o número de pessoas alimentadas e os cessar-fogos alcançados. O autor defende a utilização de critérios com base não na questão de saber se os objectivos foram atingidos mas no modo como foram atingidos, por exemplo na eficiência logística da operação, na imparcialidade da missão ou na capacidade de não recurso à violência. Os objectivos relacionados com a organização teriam maior relevo do que os relacionados com o 69 conflito em si ou com a população local. O autor utiliza uma abordagem metodológica com base em critérios quantitativos para avaliar a capacidade de prevenir um conflito violento e a capacidade de resolver um conflito existente. Para tal, advoga que a missão de paz deve ser avaliada através de uma série de indicadores que permitam medir o sucesso num continuum e que permitam comparar diferentes operações. Promove, pois, o desenvolvimento de modelos baseados em dados empíricos rigorosos e focados em questões práticas que permitam construir bases de dados com critérios explícitos e sistemáticos para o sucesso de missões de paz. Pelo contrário, Betts Fetherson prefere uma abordagem construtivista da questão. A avaliação não deve ser feita com base numa qualquer wish-list diplomática ou militar, que estará pouco relacionada com as necessidades das pessoas que vivem nas zonas de conflito. Antes dever-se-ia analisar as missões de paz no contexto mais vasto do peacebuilding e da transformação de conflitos, mais ligados aos interesses e necessidades das pessoas que vivem nas zonas de conflito, bem como à necessidade de afastar culturas de violência e estruturas repressivas. A autora recorre a uma abordagem metodológica fundada em critérios qualitativos que devem ser contextualizados e legitimados através de métodos empíricos quantificáveis, designadamente através de entrevistas. De facto, Fetherson, mais preocupada com as questões conceptuais amplas e com a consequência das missões de paz, insiste na necessidade de abrir espaços de reflexão e acção alternativos para fomentar melhores construções relativamente a questões como poder, empowerment, culturas de violência e construção da paz a longo prazo, que não estejam exclusivamente focadas nas elites e no dito “voto democrático”. Posto isto, a grelha de avaliação que será proposta para a avaliação do caso em estudo terá em conta diversas variáveis relevantes, contextualizadas nas missões que o estudo ambiciona analisar e indexadas aos elementos existentes que sejam objectivamente mensuráveis e de acesso credível. A grelha proposta será, assim, constituída por dois níveis de critérios: primários e secundários. Os critérios primários dizem respeito à concretização dos objectivos da missão de paz, tendo por elemento central de análise o mandato. São eles, em primeiro lugar, a implementação do mandato da missão de paz. Em segundo lugar, como critério de controlo, a enunciação no mandato dos objectivos abstractos de qualquer missão de paz e a sua concretização no terreno. Estes objectivos-matriz podem incluir, conforme o caso: limitar o conflito violento no Estado de intervenção; reduzir o sofrimento humano; prevenir o alastrar do conflito para além das fronteiras do Estado; promover a resolução dos conflitos enquanto objectivo das Nações Unidas (Pushkina, 2006). Finalmente, em terceiro lugar, a determinação sobre se ocorreu uma transformação positiva do conflito, considerando as expectativas aquando da criação da missão de paz pelo Conselho de 70 Segurança. Todos estes critérios encontram-se interligados de forma permanente e entrecruzada. Os critérios secundários serão os factores condicionantes do resultado da avaliação da missão de paz. Incluem-se neste nível a adequação do mandato, a disponibilização dos meios necessários, bem como outros factores endógenos ou exógenos relevantes. 3. AVALIAÇÃO DAS MISSÕES DE PAZ DAS NAÇÕES UNIDAS NA COSTA DO MARFIM A MINUCI foi estabelecida com o propósito essencial de facilitar a implementação do Acordo Linas-Marcoussis, que previa a criação de um governo de reconciliação nacional. Relativamente à implementação do mandato, a missão mostrou-se incapaz de cumprir funções essenciais que lhe foram atribuídas, designadamente as suas funções de monitorização e colaboração na desmobilização, desarmamento e reintegração dos grupos armados (UNSG, 2004). A principal razão apontada para a incapacidade de levar a cabo a sua missão foi a escassez de pessoal e a falta de ambição do mandato. O mandato previa um contributo residual da missão para a gigantesca tarefa com que a Costa do Marfim se deparava. Assim, se analisado à luz dos objectivos-matriz das missões de paz, o mandato foi pouco arrojado, não prevendo funções e mecanismos de acção suficientes que garantissem uma paz sustentável. Como consequência, no final do seu mandato, a MINUCI não conseguiu concretizar os objectivos-matriz inerentes às missões de paz. Por tudo isto se pode afirmar que, apesar de alguns progressos observados, não existiu contribuição significativa para a transformação positiva do conflito, considerando as expectativas aquando do estabelecimento da missão de paz pelo Conselho de Segurança. Na sequência, foi decidida, em 2004, a constituição da UNOCI. De facto, tendo determinado que a situação na Costa do Marfim continuava a constituir uma ameaça à paz e à segurança na região, o Conselho de Segurança estabeleceu a UNOCI por um período inicial de 12 meses, com início a 4 de Abril desse ano. A UNOCI passou a assumir a responsabilidade pela missão política da MINUCI conforme estabelecida em 2003 e pelas forças da ECOWAS. O Conselho de Segurança autorizou a UNOCI a usar todos os meios necessários para levar a cabo a seu mandato, no âmbito das suas capacidades e área de implementação.10 O mandato confere amplas competências à UNOCI em diversos domínios, tais como: a monitorização da cessação das hostilidades e movimentos de grupos armados; o desarmamento, a desmobilização, a reintegração, a repatriação e o 10 O mandato da missão foi originalmente estabelecido pela Resolução 1528 (2004), de 27 de Fevereiro de 2004, tendo sido subsequentemente desenvolvido pela Resolução 1609 (2005), de 24 de Junho de 2005 e pela Resolução 1739 (2007), de 10 de Janeiro de 2007. 71 realojamento; o desarmamento e desmantelamento de milícias; operações de identificação da população e recenseamento; a reforma no sector da segurança; a protecção do pessoal das Nações Unidas, de instituições e de civis; a monitorização do embargo de armas; o apoio à assistência humanitária; o apoio ao restabelecimento da administração estadual; a assistência na organização de eleições abertas, livres, justas e transparentes; a assistência no âmbito dos direitos humanos; a informação pública; e a ordem e justiça. A Resolução do Conselho de Segurança 1865 (2009), de 27 de Janeiro de 2009, renovou o mandato da missão conforme estabelecido pela Resolução 1739 (2007), incumbindo especialmente a UNOCI de contribuir para a implementação do Acordo de Ouagadougou, de 2007, designadamente no que respeita à realização do processo eleitoral. Relativamente à implementação do mandato, a UNOCI tem desenvolvido um papel importante apoiando o comando central integrado, prestando assistência às forças da Costa do Marfim, monitorizando o embargo de armas, proporcionando auxílio às vítimas de violações de direitos humanos, com especial atenção à promoção e protecção dos direitos das mulheres e das crianças, ou utilizando a sua estação de rádio, a ONUCI-FM, e rádios locais para dar a conhecer o papel da missão no processo de paz, aproveitando ao mesmo tempo para promover as acções de identificação e recenseamento da população. Especificamente no que concerne ao processo eleitoral, até 31 de Março de 2009 cerca de 5,9 milhões de costa-marfinenses haviam sido identificados e recenseados. As forças da UNOCI têm garantido a segurança e a implementação do processo eleitoral, prestando assistência técnica e logística na organização das eleições (UNSG, 2009). Porém, persistem problemas relacionados com a reunificação, a desmobilização, o desarmamento e a recolocação de combatentes, o restabelecimento da administração estadual em todo o território, os litígios sobre propriedade e o enfraquecimento do tecido social, que permanecem num impasse e que constituem ainda obstáculos à paz sustentada (UNSG, 2008; UNSG, 2009). A não verificação plena dos progressos desejáveis em determinados objectivos decorreu essencialmente de factores exógenos à missão, tais como divergências políticas entre as partes em contenda, dificuldades das instituições locais em implementar o Acordo de Ouagadougou, ou ainda diversos obstáculos de natureza logística, financeira e procedimental. Contudo, o mandato da UNOCI é amplo no seu âmbito e detalhado nos domínios em que deve intervir, conferindo à missão meios adequados. De facto, a missão parece estar a conseguir, gradualmente, atingir os objectivos-matriz das missões de paz. A UNOCI tem contribuído para a limitação do conflito e para a estabilização da segurança no terreno, promovendo e supervisionando acordos de cessar-fogo, bem como a 72 desmobilização e o desarmamento. Por outro lado, tem tido um papel relevante na assistência humanitária e na promoção e protecção dos direitos humanos, em especial das mulheres e crianças. Para além disso, em colaboração com outros actores regionais, tem contribuído para a prevenção do alastramento do conflito para além das fronteiras da Costa do Marfim. Assim, apesar do progresso lento na realização de eleições e de divergências políticas entre as partes, a Costa do Marfim tem mantido um rumo estável em direcção à implementação do processo de paz e à transformação do conflito, principalmente desde a assinatura do Acordo de Ouagadougou. O vagaroso progresso positivo que se tem observado no país indicia a construção de uma paz sustentável, que, diga-se, beneficia claramente da intervenção das Nações Unidas na resolução do conflito. 4. CONCLUSÃO A avaliação de missões de paz é um tópico que deve ocupar um lugar de relevo na temática das missões de paz, sendo uma área de investigação científica fulcral neste âmbito, que deve ser desenvolvida e aprofundada. Assim, do ponto de vista conceptual, constata-se a existência de perspectivas diferentes quanto aos critérios a mobilizar, nomeadamente no que respeita aos objectivos que a missão poderia expectavelmente atingir: se o impacto da missão deve ser medido a curto ou a longo prazo, se os efeitos devem ser medidos na população local ou nos responsáveis governamentais, se devem ser impostos critérios externos de avaliação, ou se devem ser elaborados critérios específicos para uma dada missão em concreto. No plano metodológico, também existem divergências sobre se se deve privilegiar a dimensão qualitativa ou a quantitativa para percepcionar o impacto das missões de paz ou até para se estabelecerem condições de comparação. Diversos autores advogam a necessidade de incluir de forma aprofundada critérios qualitativos e quantitativos mais refinados e a análise da contribuição da missão para a concretização de valores mais amplos tais como a paz mundial, a justiça e a redução do sofrimento humano (Druckman e Stern, 1997; Pushkina, 2006). O trabalho conjunto entre académicos e operacionais no terreno pode contribuir para esta área de investigação, permitindo uma melhor compreensão e produção de conhecimento sobre boas práticas nas missões de paz e sobre a resolução de conflitos em geral (Estrée et al., 2001). No presente estudo foi proposta uma grelha de avaliação das missões de paz no terreno, depois aplicada ao caso da Costa do Marfim, constituída por critérios primários e secundários. Importa aqui referir que, apesar da utilidade de existirem a priori grelhas semi-padronizadas para avaliar as missões de paz, não pode deixar de ser conferido espaço ao avaliador para recorrer a outros critérios de avaliação que, do ponto de vista 73 quer conceptual quer metodológico, lhe pareçam mais adequados em função do caso concreto em análise. Por outro lado, convém ter bem presente que as missões de paz não pretendem ser os únicos intervenientes na gestão e transformação de um conflito. A avaliação de uma missão de paz não pode, pois, ser ditatorial, sendo implacável quando o conflito não evolui, ou sendo exaltada quando se verifica uma transformação positiva do conflito. Da aplicação da grelha foi possível empreender um exercício que permitiu avaliar a relevância e o cumprimento dos objectivos, a eficiência da missão de paz, a sua eficácia, impacto e sustentabilidade, fornecendo informações credíveis e úteis que permitiram integrar as lições da experiência nos processos de decisão das missões em análise, de que a mudança da MINUCI para a UNOCI é um bom exemplo, e, possivelmente, de outras no futuro. A acção das missões de paz das Nações Unidas no terreno teve impactos diferentes na gestão e transformação do conflito na Costa do Marfim desde 2003. A MINUCI não esteve à altura das expectativas, não conseguindo sequer cumprir um mandato que à partida era, já de si, desadequado para a situação. Na sequência, o estabelecimento da UNOCI, em 2004, dotada de um mandato mais desenvolvido e robusto, contando actualmente com o oitavo maior contingente de todas as missões de paz em curso, veio alterar positivamente a capacidade de uma missão de paz de contribuir para a gestão e transformação do conflito na Costa do Marfim (CICNYU, 2009). Principalmente desde a celebração do Acordo de Ouagadougou, a UNOCI tem desempenhado um papel relevante para a manutenção de um ambiente seguro necessário à plena implementação do Acordo, designadamente no que respeita à realização do processo eleitoral (DPKO, 2008b). Será pois possível afirmar que a progressiva gestão e transformação do conflito na Costa do Marfim em direcção a uma, ainda incerta mas expectável, paz sustentável deve-se em grande medida à intervenção das Nações Unidas, e em particular ao estabelecimento e à acção no terreno da UNOCI, que tem contribuído para a reconciliação de um país anteriormente dividido. MATEUS KOWALSKI Consultor jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, no domínio do Direito Internacional Público. Licenciado em Direito, Mestre em Ciências Jurídico-Internacionais e doutorando em Política Internacional e Resolução de Conflitos na Universidade de Coimbra. Contacto: [email protected] 74 Referências bibliográficas CICNYU: Centre on International Cooperation at New York University (2009), Annual Review of Global Peace Operations 2009. New York: Lynne Rienner Publishers. DPKO: United Nations Department of Peacekeeping Operations (2008a), United Nations Peacekeeping Operations – Principles and Guidelines. New York: United Nations. Acedido a 4 de Abril de 2009, http://pbpu.unlb.org/pbps/Library/ Capstone_Doctrine_ENG.pdf DPKO: United Nations Department of Peacekeeping Operations (2008b), “United Nations Peace Operations Years in Review 2008”. 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United Nations Security Council Document S/2009/196 of 13 April 2009. 76 RELAÇÕES ENTRE CIVIS E MILITARES NAS OPERAÇÕES DE PAZ GILBERTO CARVALHO DE OLIVEIRA CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS, FACULDADE DE ECONOMIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA Resumo: No contexto das operações de peacekeeping, militares e civis interagem na execução de um amplo espectro de actividades, o que tem levado à formulação dos modelos de integração genericamente designados pela expressão civil-military cooperation (CIMIC). Neste artigo, defendo que os modelos do tipo CIMIC, embora pretendam ajustar as relações civis-militares ao ambiente complexo das operações de peacekeeping, na verdade continuam presos à lógica estratégica do tradicional modelo «Estado-soldado» de Huntington. Isso acontece porque a integração das relações civis-militares é realizada de forma hierárquica e subordinada ao objectivo político-militar. Em consequência, as interacções passam a ser orientadas por propósitos estratégicos, com profundas implicações no espaço humanitário, na medida que militariza e politiza actividades tradicionalmente guiadas por princípios de independência, neutralidade e imparcialidade. Palavras-chave: relações civis-militares, CIMIC, peacekeeping, acção humanitária. 1. INTRODUÇÃO No âmbito disciplinar da Ciência Política e das Relações Internacionais, o debate teórico sobre as relações entre civis e militares é tradicionalmente marcado pela questão do controle civil das forças armadas. Esse debate – seminal na obra de Clausewitz (1982) e central na obra de Huntington (1957 e 1991) – traduz as relações civis-militares em termos de poder. Dentro dessa perspectiva, o controlo civil das forças armadas é visto como uma forma de assegurar a subordinação do «soldado» ao «Estado» e, desse modo: (a) evitar a usurpação do poder político pelas elites militares; e (b) garantir a instrumentalização da força militar pelo poder político, na defesa dos interesses nacionais. Se, por um lado, este debate é potente na análise dos processos de transição de regimes autoritários para regimes democráticos – preocupação central de Huntington (1991 e 1996) – por outro lado perde o seu vigor na análise das interacções 77 diversificadas e transversais que caracterizam as relações civis-militares contemporâneas, sobretudo a partir do crescente emprego das forças armadas nas operações de peacekeeping.1 Nesses contextos – onde tropas de diversas nacionalidades e actores civis transnacionais, intergovernamentais e não-governamentais operam, lado a lado, em prol de um amplo espectro de actividades de carácter securitário, político e humanitário (Ramsbotham e Woodhouse, 1996: 116-8) − o tradicional modelo «Estado-soldado» perde sua força explicativa e cria um vácuo analítico que a bibliografia sobre o tema tem custado a preencher. Se a reflexão académica pouco se tem envolvido na formulação de alternativas ao modelo huntingtoniano, a prática do peacekeeping, pelo contrário, tem sido arrastada por uma corrente de modelos de integração das relações civis-militares, genericamente designados pela expressão civil-military cooperation (CIMIC). Defendo que os modelos do tipo CIMIC, embora pretendam adaptar as relações civismilitares ao ambiente complexo das operações de peacekeeping, na verdade continuam presos à lógica estratégica do tradicional modelo «Estado-soldado». Isso acontece porque a integração das relações civis-militares é realizada de forma hierárquica e subordinada ao objectivo político-militar. Como consequência, as interacções passam a ser orientadas por propósitos estratégicos, o que resulta numa crescente militarização das actividades de natureza não militar, como é o caso da assistência humanitária. Na defesa do argumento anterior, serão seguidos três passos: a análise do problema da coordenação enquanto uma das grandes fragilidades das relações civis-militares no peacekeeping; a crítica aos modelos de tipo CIMIC, que tentam resolver o problema da coordenação por meio de um modelo estratégico que militariza e politiza as relações civis-militares em geral; e o exame do impacto desse processo no espaço humanitário. 2. O PROBLEMA DA COORDENAÇÃO Desde o fim da Guerra Fria, as operações de peacekeeping têm sido ampliadas para envolver, simultaneamente, o controlo da violência, os esforços de reconstrução e a redução do sofrimento da população, o que implica a execução de um amplo leque de funções de natureza militar, política e humanitária (Franke, 2006: 7; Ramsbotham e Woodhouse, 1996: 116-8). A execução dessas funções coloca, no mesmo espaço, forças armadas e um conjunto de actores civis de órgãos como as Nações Unidas, organizações regionais, instituições financeiras internacionais, agências governamentais 1 Traduz-se peacekeeping por manutenção da paz. Neste artigo, o termo peacekeeping é utilizado de forma abrangente, englobando tanto as operações de manutenção da paz conduzidas pelas Nações Unidas e organizações regionais, quanto as instituídas por Coalisions of the Willing. 78 e não-governamentais de desenvolvimento e de ajuda humanitária e, mais recentemente, empresas privadas de segurança (Paris, 2009: 55-6). Nesse contexto, não tardam a aparecer focos de tensão tipicamente relacionados com problemas de coordenação, tais como sobreposição de papéis, duplicação de esforços, realização de esforços em sentidos contrários, falta de conhecimento das actividades uns dos outros, interferências em actividades alheias, etc. Ainda que tais focos de tensão não sejam uma exclusividade das relações civis-militares – uma vez que se reproduzem, também, no âmbito específico das relações intra-militares e intra-civis − as relações civis-militares são particularmente sujeitas a atritos por envolverem perfis de actuação que, em tese, são diametralmente opostos: a actuação militar tende a sobrevalorizar a segurança, a unidade de comando, a hierarquia, os resultados de curto prazo, os mecanismos de coerção e a dependência rigorosa ao mandato; e a actuação civil tende a voltar-se para as funções ligadas à reconstrução e ao alívio do sofrimento da população, a valorizar os resultados de médio e longo prazo, a reclamar um ambiente pouco coercitivo, descentralizado, horizontal, participativo e organizacionalmente fluído (Franke, 2006: 16). Desse modo, o problema da coordenação eleva-se como uma das principais fragilidades das relações civis-militares e, não por acaso, começa a figurar como tema de destaque na agenda de investigação sobre peacekeeping (Franke, 2006; Guttieri, 2004; Jeong, 2005; Paris, 2009; Pugh, 2000; Rietjens, 2008; Rigby, 2006; Spearin, 2008). 3. OS MODELOS DE COOPERAÇÃO CIVIL-MILITAR: CIMIC No rasto do problema da coordenação das relações civis-militares, segue uma crescente necessidade de integração, cujo principal produto são os modelos de cooperação civilmilitar. Tais modelos, genericamente baptizados pela sigla CIMIC (civil-military cooperation), não resultam, propriamente, da reflexão académica e teórica em torno do problema da coordenação. Na realidade, a CIMIC nasce de soluções pragmáticas, adoptadas pelos estados e organizações internacionais, com o propósito de melhor adaptar suas doutrinas às necessidades de coordenação e cooperação dentro do ambiente multifuncional e multilateral típico das operações de peacekeeping (Boileau, 2005: 3; Franke, 2006: 8). Ainda que se possa identificar uma variedade de modelos CIMIC (Doutrina 3D do governo canadiano, doutrina CMA do exército francês, doutrina CIMIC da NATO), a base de todos eles está na Civil Affairs doctrine das forças armadas norte-americanas, cuja edição em vigor define as relações civis-militares nos seguintes termos: 79 Operações civis-militares são as actividades de um comandante destinadas a estabelecer, manter, influenciar ou explorar as relações entre militares e autoridades civis, governamentais e não governamentais, e entre militares e populações civis, numa área de operações amiga, neutra ou hostil, com o propósito de facilitar as operações militares e consolidar e conquistar os objectivos operacionais dos Estados Unidos (US, 2003: viii).2 Em sentido semelhante, a CIMIC Doctrine AJP-9 da Organização do Tratado do Atlântico Norte define a cooperação civil-militar nos termos a seguir: CIMIC é definida como a coordenação e a cooperação entre o comando da NATO e os actores civis, inclusive a população nacional e as autoridades locais, bem como as organizações e agências internacionais, nacionais e não governamentais, com o propósito de dar suporte à missão (NATO, 2003: 1.1).3 Essa definição é reforçada na abertura do capítulo dois da doutrina, com o enunciado do primeiro princípio da cooperação civil-militar: «A NATO conduz a CIMIC em suporte à missão militar» (NATO, 2003: 2.1). Uma análise predicativa das definições anteriores é extremamente facilitada em função da clareza e objectividade com que os verbos «influenciar» e «explorar» são utilizados para indicar a dinâmica de aproximação do sujeito (o comandante) ao seu objecto (as relações civis-militares). Do mesmo modo, percebe-se com nitidez o carácter instrumental das relações civis-militares a partir dos verbos empregados na enunciação dos propósitos: a CIMIC é conduzida com o propósito de «facilitar», «consolidar» e «suportar» os objectivos militares. Pode-se constatar, portanto, que longe de indicarem a emergência de algum equilíbrio nas relações civis-militares ou de indicarem uma clara definição de papéis e identidades, os modelos CIMIC apontam, na verdade, para a superioridade e a primazia absoluta do objectivo militar da missão. Pugh (2000 e 2001) analisa o processo de institucionalização dos modelos CIMIC no pós-Guerra Fria. Segundo o autor, a implantação dos Centros de Operações CivisMilitares na Somália, em 1992, e na Bósnia, em 1993, são as iniciativas pioneiras desse 2 Tradução livre do autor, a partir do texto em inglês: «Civil-Military Operations (CMO) are the activities of a commander that establish, maintain, influence, or exploit relations between military forces, governmental and nongovernmental civilian organizations and authorities, and the civilian populace in a friendly, neutral, or hostile operational area. The purpose of CMO is to facilitate military operations, and to consolidate and achieve operational US objectives» (US, 2003: viii). 3 Tradução livre do autor, a partir do texto em inglês: «CIMIC is defined as: The co-ordination and cooperation, in support of the mission, between the NATO Commander and civil actors, including national population and local authorities, as well as international, national and non-governmental organizations and agencies» (NATO, 2003: 1.1). 80 processo de institucionalização e foram motivadas pela necessidade de estabelecimento, pelos estados ocidentais e pela NATO, de um relacionamento efectivo com as organizações civis e as populações locais, com a finalidade de salvaguardar os seus próprios objectivos tácticos e operacionais. Por outros termos: forças militares podem depender de autoridades e populações civis locais para obter recursos e liberdade de movimento; do mesmo modo, podem beneficiar do contacto com as organizações civis, a fim de obter informações e facilidades de acesso à população. Nesse sentido, o propósito imediato da CIMIC é fortalecer a eficácia operacional, ou seja, criar condições que ofereçam ao comandante as mais elevadas possibilidades de obter vantagens morais, materiais e tácticas no terreno (2000: 238). Dentro dessa perspectiva, percebe-se que a institucionalização das relações civismilitares por meio das doutrinas CIMIC é dirigida por imperativos militares, o que significa, em termos estratégicos, que tal processo é guiado por objectivos políticos. Assim entendida, essa institucionalização tem profundas implicações no espaço humanitário, na medida que militariza e, em última instância, politiza actividades tradicionalmente guiadas por princípios de independência, neutralidade e imparcialidade. 4. CIMIC E ESPAÇO COMUNITÁRIO Se as operações de peacekeeping na Somália e na Bósnia marcam o nascimento do processo de institucionalização das relações civis-militares com base nas doutrinas CIMIC, as intervenções no Afeganistão e no Iraque constituem o amadurecimento desse processo. Sob a égide da «guerra contra o terrorismo», observa-se uma integração total das relações civis-militares dentro do planeamento e da operacionalização das missões. Dessa perspectiva, as organizações civis são encaradas como «factores de potência e vectores de influência normativa (soft power)» e, por essa razão, são integradas num sistema holístico e complexo, onde as dinâmicas civis e militares se interpenetram na gestão do conflito e da situação pós-conflito. Esse processo de integração, que torna nebulosa a fronteira que sempre distinguiu a acção militar da acção humanitária, cria um ambiente onde reservistas das forças especiais passam a trabalhar em ONGs «supostamente» humanitárias, forças militares à paisana passam a circular no terreno em toyotas pintados de branco, equipas de reconstrução passam a contar com grandes contingentes de ex-militares e empresas privadas de segurança passam a «fornecer» ajuda humanitária (Makki, 2004: 5-6; Spearin, 2008: 367). Nesse contexto, símbolos tradicionalmente associados à ajuda humanitária são confundidos e manipulados em prol das operações de contra-insurgência e da promoção dos hearts and minds programmes (Spearin, 2008: 374). 81 Neste panorama, o ponto que merece especial relevo é a politização que resulta da subordinação da assistência humanitária aos objectivos estratégicos. Em torno dessa questão, a reflexão académica e boa parte dos agentes envolvidos com a prática da ajuda humanitária têm ressaltado dois aspectos cruciais: (1) a inserção da assistência humanitária dentro de um contexto estratégico faz com que os fracassos na esfera militar coloquem em risco, também, a assistência à população civil (Makki, 2004: 13); e (2) a violação dos princípios de independência, neutralidade e imparcialidade colocam em perigo os programas e os agentes humanitários, na medida em que as populações e os combatentes locais começam a perceber o trabalho assistencial como «braço humanitário» das organizações políticas e militares (Biquet, 2003; Spearin, 2008: 374). Diante desses dilemas, vale a advertência de Guttieri (2004: 82): a mão que entrega ajuda não pode, também, entregar bombas. 5. Conclusão Embora os modelos de cooperação civil-militar (CIMIC) tenham a ambição de integrar todos os actores e esferas de relacionamento e de superar os problemas de coordenação no peacekeeping, eles não avançam em direcção ao estabelecimento de relações civismilitares mais equilibradas. Na verdade, os modelos CIMIC preservam a lógica hierárquica e estratégica do tradicional modelo «Estado-soldado» e acrescentam, como novidade, uma roupagem integracionista. Nessa abordagem integracionista, o grande inconveniente é que os fracassos na esfera militar colocam em cheque, também, os esforços realizados na esfera civil, especialmente os relacionados com a ajuda humanitária. Sobre esse aspecto, os casos da Somália, Sudão, Iraque, Afeganistão, entre outros, oferecem um vasto campo de estudo. Diante destas constatações, resta reconhecer que o debate sobre as relações civismilitares continua aberto a novas formulações e modelos que busquem estabelecer um maior equilíbrio nas interacções. Nesse sentido, o desafio inicial é perceber que o peacekeeping constitui uma rede, onde os actores têm seus objectivos particulares e, ao mesmo tempo, partilham objectivos comuns (Paris, 2009: 61). O desafio seguinte é, a partir dessa aparente contradição, erigir um modelo de relações civis-militares que valorize as diferenças culturais, organizacionais, operacionais e normativas de cada um e, ao mesmo tempo, leve em conta a necessidade de uma actuação cooperativa e sinergética de todos. Em suma: a busca pelo equilíbrio nas relações civis-militares não se deve guiar pela simplificação e pela identidade, mas sim pela complexidade e pela diferença. 82 GILBERTO CARVALHO OLIVEIRA Doutorando em Política Internacional e Resolução de Conflitos na Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra. Obteve o mestrado em Ciências Navais pela Escola de Guerra Naval (Brasil) e a licenciatura em Ciências Navais pela Escola Naval (Brasil). Seus interesses de investigação concentram-se no âmbito disciplinar dos Estudos para a Paz e dos Conflitos, com ênfase nos temas a seguir: peacekeeping, peace-building, transformação de conflito e teoria da securitização. Actualmente, está envolvido na elaboração de seu projecto de tese sobre a pirataria nas costas da Somália. Contacto: [email protected] Referências Bibliográficas Biquet, Jean Marc (2003), «Militaires-Humanitaires: une relation difficile», in Moral Laïque, 139. Boileau, Julie (2005), Who is in charge? The need for a comprehensive model of civil-military cooperation. Acedido a 20 de Abril de 2009 http://www.cda- cdai.ca/symposia/2005/Boileau.pdf. US: United States (2003), Joint Publication 3-57.1: Joint Doctrine for Civil Affairs. Acedido a 20 de Abril de 2009, http://www.dtic.mil/doctrine/jel/new_pubs/jp3_57_1.pdf. Clausewitz, Carl Von (1982), On War. London: Penguin Classics. 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Em vez de forças militares de interposição, as novas missões de paz passaram a envolver uma maior diversidade de actores e a dedicar-se a um leque muito mais alargado de tarefas. Interessa perceber como é que Portugal se adaptou a estas novas dinâmicas, desafio a que este artigo procura responder. Palavras-chave: missões de paz, Portugal, Timor-Leste, Forças Armadas, Forças de Segurança, actores civis. Pretende-se com o presente artigo reflectir sobre o que tem sido a participação portuguesa em missões de paz, no quadro da actuação de diversas organizações internacionais. As operações de paz em que a ONU se envolveu no pós-Guerra Fria eram essencialmente diferentes das que prevaleceram no período histórico precedente. Este artigo teve por base um projecto de investigação com o mesmo título em que participaram 15 investigadores, cujo resultado será publicado em livro (Carlos Branco, Carlos Pereira e Francisco Garcia (coords.) (2010), A Participação de Portugal em Operações de Paz. Êxitos, Problemas e Desafios). Desse projecto foram seleccionados alguns textos, os quais foram sintetizados e organizados segundo os critérios do autor, a saber: “A participação da Marinha em missões internacionais de paz”, de Mara Saramago; “O Exército português e as operações de paz”, de José Loureiro; “A Força Aérea nas missões de paz”, de Luís Durães e António Eugénio; “A Polícia de Segurança Pública e as operações de paz: Evolução da sua participação e perspectivas de futuro”, de Luís Elias; “A participação portuguesa em missões de paz: O contributo da Guarda Nacional Republicana”, de Marco Ferreira; “Entre o céu e o inferno: A importância dos observadores militares”, de Alexandre Carriço; “A participação das Organizações não Governamentais Portuguesas em missões de paz e na gestão de crises humanitárias e de emergência”, de Carla Marcelino Gomes; e “Elementos civis nas missões humanitárias e de paz: O papel dos órgãos e entidades civis nacionais”, de Maria Francisca Saraiva. A todos eles e elas, os meus agradecimentos. Sem os seus textos e o seu trabalho não teria sido possível efectuar esta compilação. Quaisquer erros ou omissões são da exclusiva responsabilidade do autor. ∗ 86 O designado peacekeeping tradicional da ONU deu lugar às operações de paz multidimensionais. A resolução de conflitos intra-Estados tornou-se predominante, em detrimento da resolução de conflitos entre Estados. Se o sucesso de uma operação de peacekeeping tradicional se media pela obtenção de uma solução política, a qual só era possível se as forças militares de interposição não permitissem o recomeço das hostilidades, numa operação de consolidação da paz, o sucesso mede-se, acima de tudo, pelos resultados obtidos pela sua componente civil. Uma vez encontrada uma solução política para o conflito, o core business da operação tende a movimentar-se para assuntos mais relacionados com a reconciliação, o institution building e a reconstrução nacional.1 Em vez de forças militares de interposição, as novas missões de paz passaram a envolver uma maior diversidade de actores e a dedicar-se a um leque muito mais alargado de tarefas. Tratava-se agora de outros tipos de operações de manutenção da paz. Para além da intervenção militar e/ou apoio humanitário típica das emergências complexas, estas novas missões passaram a tratar de assuntos relacionados com os Direitos Humanos, administração civil, eleições, refugiados, monitorização de fronteiras, entre outras. Interessa-nos perceber como é que Portugal se adaptou a estas novas dinâmicas. A participação nacional já mobilizou mais de 30 mil portugueses e portuguesas em cerca de 30 Teatros de Operações, na sua esmagadora maioria militares, tendo-se tornado a participação nestas missões um instrumento determinante da política externa do Estado, o que permite a Portugal reforçar a sua voz e assumir novas responsabilidades no concerto das nações. Para além de uma incontornável componente monográfica, este texto procura, acima de tudo, reflectir sobre as diferentes capacidades nacionais e analisar as suas potencialidades e limitações. Para tal, examinaremos a participação nestas missões das Forças Armadas, das Forças de Segurança e dos diferentes actores civis da sociedade portuguesa. O caso de Timor-Leste (doravante apenas Timor) será objecto de um destaque particular. A MARINHA A Marinha portuguesa iniciou a participação em operações de paz no início da década de 90, no Iraque e no Adriático. No primeiro caso, no conflito que opôs as forças iraquianas a uma coligação internacional liderada pelos Estados Unidos para libertarem o Kuwait, e no segundo, no conflito na antiga Jugoslávia. Desde então, esta participação tem sido ininterrupta, respondendo a uma grande diversidade de missões. As tarefas dadas às forças navais em missões de paz são distintas daquelas que lhe estão tradicionalmente atribuídas. 1 Cf. Branco, 2010. 87 Assim, “para além da presença naval e das outras tarefas genéricas das Marinhas em situações de crise, as operações de apoio à paz podem exigir especificamente: vigilância e fiscalização das áreas sujeitas a restrições; utilização de helicópteros orgânicos para movimentar forças, prestar ajuda humanitária e evacuação de doentes; empenhamento de forças de fuzileiros em operações em terra; capacidade anfíbia para extrair as forças de paz, trabalhadores ou civis ao serviço das organizações internacionais; assistência a refugiados; fornecimento de plataformas neutras para negociação; operações de limpeza de minas marítimas; e cooperação civil-militar (CIMIC)”.2 No caso português, essa participação passa, na maioria das vezes, pelo emprego de um ou vários navios. A utilização dos meios navais nacionais pode fazer-se a nível individual (nacional), ou através da afectação de meios a uma determinada Organização ou força naval internacional. O exemplo mais paradigmático deste último caso é a participação na STANAVFORLANT,3 e as diversas missões de vigilância e patrulhamento na região do Adriático. Após a participação de navios portugueses na missão FREE KUWAIT,4 entre Setembro de 1990 e Abril de 1991, a qual marcou o início da presença da Marinha em missões de paz, seguiram-se várias missões na região do Adriático no âmbito da UEO e da OTAN (Julho 1992 a Abril 1996).5 A Marinha participou igualmente com o navio Bérrio (reabastecedor) numa operação de apoio logístico ao contingente militar português na Bósnia-Herzegovina (doravante apenas Bósnia), entre Dezembro de 1995 e Maio de 1996. O 11 de Setembro de 2001 e a consequente “guerra ao terrorismo” fizeram voltar a Marinha novamente ao Mediterrâneo para uma nova participação “de peso” numa operação no âmbito da OTAN (Novembro de 2001 e Junho de 2008). Mais recentemente, a Marinha participou nas águas da Somália no combate à pirataria (Operação ATALANTA). Embora não se possa considerar esta operação uma operação de paz, referimo-la pela importância de que se revestiu a contribuição da Marinha. Mas a participação da Marinha em missões de paz não se tem cingido apenas ao emprego de navios. Tem também envolvido forças de fuzileiros, o Destacamento de Acções Especiais (DAE) e destacamentos sanitários. Os fuzileiros estiveram presentes na Bósnia (SFOR, de Janeiro a Agosto de 2000). A Marinha tem também estado presente no Chade, na República Centro-Africana e na República Democrática do Congo (RDC), nas chamadas missões PESD da UE. Entre Julho e Dezembro de 2006, militares do DAE 2 Cajarabille, 2002. Standing Naval Force Atlantic, ou Força Naval Permanente da OTAN para o Atlântico, criada em Janeiro de 1968 e predecessora da actual Standing NATO Response Force Maritime Group 1 (SNMG1), criada a 1 de Janeiro de 2005. 4 Missão no âmbito da operação DESERT STORM. 5 Operações navais tuteladas pela UEO e OTAN com o objectivo de impor um embargo à antiga Jugoslávia. 3 88 participaram na EUFOR RDCONGO.6 A Marinha está presente no Afeganistão, no âmbito da ISAF, com oficiais que integram as OMLT.7 Há ainda a referir a participação de destacamentos sanitários em Angola (MONUA,8 de Junho de 1997 a Setembro de 1998), no Afeganistão (ISAF) e no Paquistão. Neste último caso, integrando uma missão de assistência humanitária na sequência do terramoto registado no dia 8 de Outubro de 2005. Esta flexibilidade de actuação esteve patente durante a intervenção internacional em Timor. A Marinha participou com navios na INTERFET,9 a missão de imposição e estabilização da paz sob os auspícios da ONU, e com forças de fuzileiros integradas em batalhões do Exército, permanecendo no território após a independência do país. Apresentamos de uma forma compreensiva no Anexo A, o que foi a participação da Marinha em operações de paz. No que respeita à preparação e ao aprontamento das suas unidades, a Marinha tem actuado de duas formas distintas. Navios, forças de fuzileiros e destacamentos sanitários requerem processos diferentes. Quando a Marinha participa com navios, não existe a priori nenhum tipo de preparação e aprontamento especial; pelo menos, mais nenhum do que aquele que todo o navio tem de ter para estar preparado para navegar. Por isso, quando são destacados para uma missão de paz, não se exige, em princípio, nenhum aprontamento especial. Qualquer meio naval está sujeito a um sistema de avaliação, que se encontra ligado a um conjunto de treinos e exercícios que os certifica e dá como prontos para cumprirem as missões e tarefas que lhes estão atribuídas. Os navios que integram as forças da OTAN frequentam o Operational Sea Training (OST), o qual consiste num programa de treino, com avaliação e certificação do estado de prontidão, não só dos navios mas igualmente das guarnições, realizado no Flag Officer Sea Training (FOST), no Reino Unido. Apesar de este modelo de preparação e aprontamento não ser específico para as missões de apoio à paz, também os prepara para tal. Por outro lado, poder-se-ão ainda realizar exercícios ou treinos para integração e coordenação entre os diversos elementos de uma força constituída. Isto acontece, por exemplo, durante o trânsito para o Teatro de Operações (TO), quando os diversos elementos da força efectuam acções de treino e ensaios de preparação específica para as tarefas a realizar. 6 Operação Militar da UE destacada para apoio à acção da missão da ONU no Congo (MONUC), durante o período eleitoral. 7 Operational Monitoring and Liaison Teams. 8 Missão de Observação das Nações Unidas em Angola. 9 Numa altura em que o governo indonésio se mostrou incapaz de conter a violência no território, foi criada a International Force in East Timor (INTERFET) liderada pela Austrália, para restaurar a paz e segurança em Timor. 89 Ao contrário, quando uma força de fuzileiros é destacada para missões de paz, requer-se uma preparação específica que se poderá fazer em duas situações distintas: missões isoladas, normalmente de cariz nacional ou de interesse público, como as missões na Guiné-Bissau ou em Moçambique, onde a força é constituída a partir de unidades constituídas, requerendo apenas adestramento, coordenação e preparação específica para a missão. Estas missões ocorrem geralmente de forma inopinada, não permitindo um tempo de preparação longo. Requerem forças já com preparação prévia, realizando-se apenas algumas acções rápidas de coordenação e normalmente durante o trânsito para o TO. No caso das missões de paz na Bósnia e em Timor (SFOR e UNTAET/UNMISET, respectivamente), em que forças de fuzileiros foram integradas em unidades do Exército, estas realizaram previamente um treino específico no Ramo, que lhes permitiu integrar melhor os recompletamentos recentes, com exercícios direccionados para as tarefas-tipo a executar durante a missão, que concluem com a realização de um exercício de campo, após o que a força é considerada pronta para destacar para o Exército. Uma vez chegada a este Ramo, é sujeita a um programa de treinos que será de seguida explicado. O EXÉRCITO O Exército também iniciou a sua experiência em operações de paz no início da década de 90, desta feita em África, mais precisamente em Moçambique, tendo já mobilizado nesta empresa mais de 21 mil dos seus efectivos. Este envolvimento baseou-se, na esmagadora maioria dos casos, em Unidades de Escalão Batalhão (UEB) que integraram contingentes multinacionais, na maioria das vezes de constituição ad hoc, sendo sujeitas a alterações mais ou menos profundas que lhes permitam responder às exigências operacionais da missão. Estas forças incluem normalmente elementos de manobra, apoio de fogos, apoio de combate e apoio de serviços. Os elementos de manobra consistem em unidades de Infantaria e Cavalaria. Os elementos de apoio de fogos garantem uma elevada capacidade de dissuasão e de demonstração de força. Os elementos de apoio de combate aparecem, para efeitos orgânicos, na dependência das unidades de apoio de serviços. São elementos de apoio de combate as unidades de Engenharia, Transmissões e Polícia do Exército. A Engenharia tem intervenções em duas áreas distintas e complementares: em proveito da força e no apoio à ajuda humanitária. Em proveito da força, salienta-se a construção e melhoramento de infra-estruturas que garantam a sua protecção; no que respeita à ajuda humanitária, a Engenharia tem utilizado a sua capacidade sobrante para responder às mais diversas solicitações das autoridades locais, contribuindo para a melhoria das condições de vida das populações. 90 As Transmissões actuam em três áreas principais: o apoio à acção de comando e controlo, garantindo que todos os escalões de comando mantenham as comunicações com a respectiva cadeia de comando; a segurança das comunicações, de forma a evitar a sua intercepção, e/ou a partilha das redes da força por agentes não autorizados; e a garantia da interoperabilidade dos meios de comunicações assim como da capacidade de operação dos meios rádio em toda a área de operações. A Polícia do Exército, ainda que pontualmente, também tem dado o seu contributo para as missões de paz. É um tipo de força que se enquadra perfeitamente nesta tipologia de operações. Os elementos de Apoio de Serviços actuam nestas operações em duas frentes distintas e importantes: no apoio ao funcionamento do aquartelamento onde a força está estacionada, satisfazendo todas as suas necessidades logísticas; e fora do aquartelamento, no apoio à actividade operacional que se desenrola diariamente. O CICLO DE UMA FORÇA NACIONAL DESTACADA Após a decisão política de participar numa missão de paz com uma força do Exército, o Estado-Maior do Exército (EME) inicia o processo de geração da força que irá participar nessa operação. O levantamento da força surge como o primeiro passo nesta caminhada rumo ao TO. A montante do seu levantamento, o Exército tem em consideração: o mandato da força de paz, que lhe traça os objectivos político/estratégicos; as ROE que permitem efectuar uma primeira avaliação do grau de ameaça e do risco previsível a que a força vai estar sujeita; e a avaliação do TO tão detalhada quanto possível. Estes dados de planeamento vão ser decisivos para a opção a tomar, relativamente ao grau de protecção a que a Força vai estar sujeita. É então estruturada ao nível do EME a sua organização, através da elaboração de um Quadro Orgânico de Pessoal e outro de Material. Segue-se o aprontamento, provavelmente a fase mais importante para o sucesso da missão. É nesta fase do ciclo de vida da força que se vão criar e desenvolver laços de camaradagem, espírito de corpo e proficiências profissionais indispensáveis ao cumprimento da missão. O aprontamento da força tem uma duração aproximada de seis meses. A fase seguinte, a projecção, consiste nas operações do transporte dos militares e dos materiais para o TO. Na projecção consideram-se dois planeamentos distintos: o do transporte dos militares e o do transporte dos materiais. O transporte dos militares é efectuado por via aérea e por escalões: oficiais de ligação com o escalão superior, militares que vão preparar as infra-estruturas e o apoio logístico inicial, militares para receber o material nos portos de desembarque, e o grosso da força, por esta ordem. O transporte dos materiais, quer sejam equipamentos contentorizados quer sejam viaturas, segue pela via cuja relação custo/eficácia vá ao encontro das necessidades e 91 possibilidades. O transporte dos materiais efectua-se normalmente por via marítima. A projecção da força termina com a chegada à área de operações. Segue-se o cumprimento da missão/sustentação da força. Por fim, a retracção que consiste na condução de um conjunto de tarefas com vista ao seu regresso ao território nacional. Cada célula do Estado-Maior e cada subunidade faz a passagem dos conhecimentos, materiais e demais informação considerada necessária para a força que a vai render, de modo a que tudo decorra sem sobressaltos. Esta fase exige uma calendarização rigorosa por parte dos dois comandantes (o que sai e o que entra), de modo a que as sobreposições tenham a duração suficiente, o efectivo das forças não seja excessivo e não provoque eventuais problemas às estruturas de apoio. Se a força a retrair for a última presença num determinado TO, terá a tarefa adicional de contentorizar os equipamentos que regressam ao território nacional, e de negociar a venda e/ou doação de alguns materiais. A experiência da participação nestas missões permitiu-nos, entre outras, duas conclusões particularmente importantes: em primeiro lugar, a conveniência de se mobilizarem unidades já constituídas. Este facto é relevante quando falamos em espírito de corpo, camaradagem, espírito de unidade, entre outras motivações, que são mais consistentes entre militares que já se conhecem; em segundo, a UEB é a que oferece melhores garantias de representar o país em missões desta natureza, correspondendo ao nível de ambição que melhor se adequa às capacidades nacionais. O EMPENHAMENTO OPERACIONAL O Exército projectou a sua primeira FND em 1993, para Moçambique. Desde então, tem participado em todas as missões de paz em que Portugal tem sido chamado a colaborar. Em Moçambique participou na ONUMOZ10 com um batalhão transmissões, com militares no quartel-general da missão e em diversas comissões de acompanhamento. Em Angola, na UNAVEM III, o Exército colaborou com observadores militares, elementos para o quartel-general da missão, uma companhia de transmissões e uma companhia logística. Na MONUA, a missão sucessora da UNAVEM III, participou com elementos no quartelgeneral, um destacamento sanitário, uma companhia de transmissões, uma companhia logística, observadores militares e polícias militares. Na Bósnia, o Exército esteve envolvido praticamente desde o início do conflito. Antes do Acordo de Dayton, no âmbito da ONU e da então Comunidade Europeia, e, posteriormente, no âmbito da OTAN e da UE, por esta ordem. No Kosovo, o Exército tem vindo a participar com uma UEB, colaboração interrompida apenas durante um curto período de tempo. O Exército teve também unidades em Timor no âmbito da missão da 10 Operação da ONU em Moçambique. 92 ONU naquele território e da cooperação bilateral. No Afeganistão, as unidades do Exército estiveram presentes em dois formatos: uma companhia de reacção rápida (alternando Comandos e Pára-quedistas) e duas equipas de ligação e monitorização operacional, mais conhecidas pelo acrónimo americano de OMLTs. No Líbano, Portugal participa com uma força de Engenharia militar na missão de paz da ONU (UNIFIL), desde 2006. O Exército envolveu-se ainda em operações de paz noutros formatos, que não o da FND, os quais estiveram normalmente relacionados com participações individuais não integradas em contingentes nacionais. Referimo-nos, por exemplo, à observação militar e ao apoio à formação e instrução. Neste último capítulo salientamos a cooperação técnicomilitar nos PALOPs e o destacamento de militares para a missão da OTAN no Iraque (NTM-I). O Exército mobilizou ainda elementos para integrarem as Forças de Recolha que apoiaram a extracção de cidadãos nacionais no Zaire e, mais tarde, na RDC e na Guiné-Bissau. Foi transversal às diferentes operações o papel discreto e eficiente assumido pelos militares de Operações Especiais. Outras participações enriqueceram o historial do Exército nos caminhos da paz: nas forças internacionais que na Albânia geriram o fluxo de refugiados provocado pela crise humanitária no Kosovo; na Força Provisória de Assistência da União Europeia, na Operação ARTEMIS, com vista à estabilização das condições de segurança na RDC, em estreita cooperação com a MONUC; e na FYROM, primeiro integrando forças da OTAN e após Março de 2003 uma força da UE (operação CONCORDIA) comandada, a partir de 7 de Outubro de 2002 e até ao seu términos, por um general português. Para uma visão mais detalhada do que tem sido a participação do Exército em operações de paz, consultar o Anexo B, onde se efectua uma descrição compreensiva dessa participação. A FORÇA AÉREA A Força Aérea (FAP) envolveu quase todos os seus meios operacionais nas missões de paz em que Portugal se envolveu. Os meios aéreos de transporte têm sido os mais utilizados, representando cerca de 74,7% dos eventos. Devido à sua versatilidade, o C130 tem sido o meio mais usado. Os meios aéreos com sistemas de armas representam 13,78% dos meios utilizados, e apenas 2,29% os de combate aéreo. Os meios aéreos têm sido empregues em vários formatos: operações independentes, sob comando português; operações conjuntas e combinadas, sob controlo operacional estrangeiro, decorrentes de compromissos do Estado português; integração de militares da FAP em tripulações estrangeiras e multinacionais; e participação de militares da FAP em missões de apoio às operações aéreas. No âmbito das missões de paz, a FAP tem desempenhado as seguintes funções: apoio humanitário de natureza diversa, resgate de 93 cidadãos nacionais inserido ou não em missões humanitárias, apoio logístico às FND e às operações de combate, tanto no âmbito da OTAN como da UE. A esmagadora maioria das missões da FAP foram de apoio humanitário. Em 1987, no apoio ao combate a uma praga de gafanhotos, em Marrocos; em 1990, no Golfo Pérsico, na sequência do êxodo de refugiados do Iraque, transportando material e uma equipa médica, respondendo a uma solicitação da AMI. Ainda no âmbito da Guerra do Golfo, a FAP teve várias outras intervenções. Em 1991, um C-130 voltou à zona do Médio Oriente, desta vez para apoiar os refugiados curdos do Norte do Iraque, integrado na Operação PROVIDE COMFORT. Em 1991, a FAP participa com um C-130 numa missão de ajuda humanitária a Moçambique. Em 1992, a FAP participa na Operação PROVIDE HOPE que tinha por objectivo proporcionar ajuda humanitária às populações necessitadas da antiga União Soviética. No dia 7 de Fevereiro de 1992, uma aeronave da FAP aterra pela primeira vez em território russo, algo absolutamente impensável três anos antes. Mais tarde, nesse mesmo ano, tiveram lugar duas novas missões de ajuda humanitária em Moçambique. Em 1994, a FAP desloca-se à Guiné-Bissau, tendo em vista fornecer apoio ao processo eleitoral, transportando a comissão eleitoral que acompanhará as primeiras eleições livres do país. No dia 2 de Abril de 1995, a FAP participa em mais uma missão humanitária na sequência da erupção do vulcão da Ilha do Fogo, em Cabo Verde. Em 1999, A FAP participa no esforço de assistência internacional a vítimas do sismo em Izmir, na Turquia; em 2000, no âmbito da Operação SAVE, um C-130 permanece em Moçambique, para prestar auxílio às vítimas das cheias que provocaram danos incalculáveis e muitos deslocados. Em 2003, a FAP participa no esforço internacional para ajudar o Irão a fazer face à calamidade causada por um tremor de terra na região de Bam. Em 2004, um C-130 transportou ajuda humanitária, elementos do SNBPC, uma equipa cinotécnica da GNR e uma equipa do INEM para acudirem à população da região portuária de Al Hoceima, em Marrocos, vítima de um sismo. Em Fevereiro de 2006, um C-130 português transportou bens humanitários, a pedido do ACNUR, para a Argélia, na sequência das inundações que assolaram o território. No Verão de 2006, a FAP transportou alimentos a pedido do Programa Alimentar Mundial, no seguimento da incursão militar israelita contra as forças do Hezbollah, no Líbano. A FAP também desempenhou um papel crucial na evacuação de cidadãos nacionais. Em 1991, na RDC, o C-130 desempenhou uma missão de ajuda humanitária, integrado na Operação BLUE BEAM, de comando belga e na Operação BAUMIER, de comando francês. A operação visava resgatar os cidadãos nacionais e outros cidadãos europeus e africanos ameaçados pela situação interna no Zaire, na sequência da revolta de militares do exército zairense. Em 1992, um C-130 participa na evacuação de cidadãos nacionais 94 do Mali, onde se verificavam confrontos (6 a 7 de Abril 1992). Nesse mesmo ano, participa na evacuação de refugiados angolanos e no resgate de cidadãos nacionais, resultado do recomeço das hostilidades entre o MPLA e a UNITA. O ano de 1993 é particularmente intenso no que respeita à evacuação de refugiados. No princípio do ano, a FAP é chamada novamente a evacuar cidadãos nacionais e de outras nacionalidades, a partir de Brazzaville. A FAP participa ainda numa outra operação de ajuda humanitária, desta feita tendo por objectivo Benguela, evacuando pessoas do Huambo, na sequência da ocupação desta cidade por forças da UNITA. Com o alastrar da guerra civil a outros locais, tornou-se necessário evacuar deslocados, desta feita do Kuito-Bié. Em 1998, mais precisamente entre 6 e 28 de Abril, surge novamente a necessidade de evacuar cidadãos nacionais e outros deslocados, a partir do Zaire, em virtude das convulsões políticas e militares naquele país. Na sequência da eclosão de uma guerra civil na Guiné-Bissau (de Junho 1998 a Maio 1999), é formada uma força conjunta nacional para evacuar cidadãos nacionais e de outras nacionalidades. Uma aeronave P3P participa na operação com a missão de apoiar a componente naval e cooperar na missão de controlo do mar. Em 2000, a FAP deslocou para Darwin (Austrália) um C-130 para prestar apoio aos militares portugueses da UNTAET e à população timorense, efectuando voos regulares entre Darwin e Díli. No quadro da UNTAET, é formada a PORAVN11 com a responsabilidade do transporte VIP, transporte táctico, evacuação médica, evacuação aérea em zona de combate, transporte geral, busca e salvamento e observação de fogos.12 Em 1992, na Bósnia, a FAP actuou pela primeira vez num cenário táctico europeu, inserida numa força da OTAN, com um P-3P efectuando missões de patrulhamento marítimo. Esteve envolvida em praticamente todas as operações que se desenrolaram naquele TO. Participou igualmente na operação SHARP FENCE da UEO, com a mesma missão. Ainda no Adriático, entre Dezembro de 1995 e Dezembro de 1996, o P-3P participa na Operação DECISIVE ENHANCEMENT. Para além do P-3P, a participação da FAP neste TO envolveu outros meios: durante os anos de 1992 e 1993, um C-130 cumpriu missões de apoio à população civil; oficiais integraram a missão de UNMOs, no quadro UNPROFOR; e em 1996, uma unidade de controlo aerotáctico (TACP)13 operou em apoio da IFOR. Em 1 de Dezembro de 1997, a FAP participou pela primeira vez na Europa numa operação de combate (DELIBERATE GUARD), a qual tinha por objectivo estabelecer uma zona de exclusão no espaço aéreo da Bósnia, operação esta levada a efeito sob 11 “Portuguese Aviation”, na designação internacional adoptada para o destacamento de helicópteros Alouette III, conhecido na FAP por “PODESTHELIS”. 12 Para o efeito, foram transportados de Portugal para Timor quatro helicópteros Alouette III. 13 Tactical Air Control Party. 95 mandato da ONU. As aeronaves nacionais (F 16A) tinham também atribuída a missão de apoio aéreo próximo. Ainda nos Balcãs, em 1997, na Albânia, a FAP participa na Operação ALBA com um C-130. Esta operação tinha por objectivo prestar auxílio à população vítima da instabilidade político-social vivida naquele país. Entre 13 de Outubro de 1998 e 28 de Junho de 1999, no âmbito da Operação ALLIED FORCE tem lugar o segundo destacamento de F-16 desta vez para participar, entre outras missões, em acções de patrulhamento aéreo inseridas na operação militar da OTAN, no Kosovo. Com o apoio ao destacamento de F-16, durante a Operação ALLIED FORCE e às forças nacionais destacadas na Bósnia e no Kosovo, o C-130 inicia mais um longo período de deslocações aos Balcãs. Em 2004, a FAP participa novamente com um P-3P na operação ACTIVE ENDEAVOUR, no Mediterrâneo. A FAP participou igualmente na ISAF, a missão da OTAN no Afeganistão. Cooperou inicialmente com um C-130 na Operação FINGAL liderada pelos ingleses (7 de Abril a Julho de 2002), transportando carga geral, combustível e passageiros militares de países aliados. Em Maio de 2004, 11 especialistas da FAP na operação de aeronaves em aeródromos, controladores, bombeiros e meteorologistas prestam serviço na ISAF; desde Julho de 2004 a Julho de 2005, um C-130 efectua um destacamento no aeroporto de Cabul. O ano de 2005 é um ano especial para a FAP. De 1 de Agosto a 30 de Novembro, uma equipa de militares da FAP assume o comando do KAIA (Kabul International Airport). Em Julho deste mesmo ano, uma equipa TACP é destacada para a ISAF. O Estado português decidiu manter o esforço de participação nacional, entre Agosto e Dezembro de 2008, através de um C-130. Para além do que já foi referido, cabe ainda destacar a participação da FAP em missões da UE. Em 1994, um C-130 integra a Operação TURQUOISE. Um C-130 apoiou o contingente português da Operação ALTHEA, que substitui a SFOR na verificação do cumprimento dos acordos de Dayton; em 2006, Portugal destacou um C-130 e uma equipa de 25 fuzileiros do DAE para uma operação militar da UE, em apoio da MONUC, durante o processo eleitoral na RDC. Em 2007, no âmbito das operações para a detecção de imigração ilegal, dirigidas pela Agência Europeia Frontex, um P-3P operou a partir de Malta, cumprindo missões na 2.ª fase da Operação NAUTILUS 2007. Em 2008, a FAP actuou no Chade, com a principal missão de apoiar logisticamente a operação militar da UE, através do transporte intra-teatro de pessoal e equipamento. O C-130 português foi o primeiro, e durante algum tempo, o único meio aéreo atribuído à EUFOR. A FAP desempenhou ainda um papel crucial no apoio às forças nacionais destacadas em missões de paz. Para além daquelas já referidas, salienta-se o apoio logístico prestado às unidades do Exército da IFOR e, posteriormente, da SFOR, materializado através de um voo semanal para a região dos Balcãs; e os voos do C-130 realizados de 96 Março a Novembro de 2004 para Talil, em apoio logístico ao subagrupamento Alfa em missão no Iraque. Para uma noção mais detalhada do que foi a participação da FAP em missões de paz, consulte o Anexo C. A POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA O papel das forças de segurança em missões de paz tem vindo a aumentar progressivamente de importância desde o início da década de 90, do século passado, consequência das novas exigências colocadas por aquelas missões no período que se seguiu à Guerra Fria, conforme atrás salientado. Do ponto de vista operacional, a Polícia Civil (CIVPOL) é uma componente autónoma das missões de paz, sob o comando do Police Commissioner, que depende directamente do Representante Especial do Secretário-Geral, complementando a sua actividade conjuntamente com outras componentes: militar, humanitária, eleitoral e administrativa. A componente de CIVPOL de uma missão de paz assume diferentes formatos e configurações, de acordo com o mandato e as características da missão para a qual é criada; tem vindo a ser estruturada de acordo com dois conceitos tipo: missões de natureza executiva e não executiva. Se as missões iniciais da CIVPOL assumiam um mero papel de observação das forças policiais locais, actualmente exercem tarefas de supervisão, aconselhamento e treino, podendo mesmo actuar em sua substituição (missões em que a componente policial tem funções executivas). As missões não executivas (de aconselhamento, de monitorização e/ou de formação) são desempenhadas por polícias desarmados, provenientes dos mais variados países. Nas missões não executivas, os elementos da CIVPOL não têm quaisquer responsabilidades no cumprimento – coercivo ou não – da lei interna do Estado onde decorre a operação, ou impor a ordem e a segurança pública. De facto, o número de tarefas que têm sido atribuídas à Polícia em operações de paz, no âmbito da ONU ou de outras organizações internacionais – OSCE, UEO e mais recentemente a UE –, não tem parado de aumentar: supervisionar as polícias locais, garantindo que as mesmas actuam de acordo com os padrões internacionalmente reconhecidos e que, na sua acção, não violam os Direitos Humanos; apoiar todas as acções/operações de apoio humanitário nas áreas que trabalham agências e organizações de carácter humanitário; supervisionar a implementação de acordos de paz ou de outros acordos estabelecidos entre as partes em conflito, ou entre estas e as organizações internacionais; restaurar a confiança das populações e garantir um ambiente seguro, tendo em vista a resolução das causas dos conflitos e a reconstrução de sociedades desarticuladas pela guerra; promover e proteger os Direitos Humanos; formar as polícias locais, não apenas através do acompanhamento diário e 97 aconselhamento no terreno, mas também através de acções de formação específica, recrutamento e selecção de candidatos; reestruturação ou construção de academias de polícia local. Para além das tarefas já referidas, a Polícia pode ainda executar uma longa lista de tarefas adicionais: assessorar as autoridades responsáveis pela segurança interna e comandos policiais, quer no aspecto operacional e logístico, quer nos aspectos legais de organização das forças e serviços de segurança; formação de unidades ou serviços especiais; utilizar unidades constituídas de polícia com funções executivas; utilizar unidades especializadas em investigação criminal (crimes contra a humanidade e outras violações dos Direitos humanos), em segurança pessoal, em inactivação de engenhos explosivos, em polícia ambiental, em polícia de fronteiras e em ciências forenses, bem como na formação/constituição de capacidades locais nos mesmos âmbitos; controlar armas na posse de populações civis; apoiar a segurança e supervisão de movimentos de deslocados internos e de refugiados; participar na segurança e supervisão de processos eleitorais ou de referendos; monitorizar potenciais violações de Direitos Humanos ou dos acordos estabelecidos e investigação de crimes graves; proteger grupos vulneráveis; aconselhar e monitorizar processos de desarmamento, desmobilização e reintegração de antigos combatentes. Estes vectores de intervenção da componente de Polícia ocupam um lugar central na construção e/ou reestruturação de instituições democráticas, e na reforma dos sectores de segurança e defesa nos Estados fracos, ou nos Estados fragilizados por conflitos internos ou externos. Os polícias que participam em missões de paz são sujeitos a uma rigorosa formação. O mecanismo de selecção e o programa de formação respeita os elevados padrões sancionados pela ONU, tendo sido desenvolvido com a colaboração dos primeiros elementos da Polícia de Segurança Pública (PSP) que participaram nestas missões. Aquele programa de formação é ministrado no Instituto Superior de Ciências Policiais e de Segurança Interna e em unidades especiais; é reconhecido pela ONU, podendo ser visto como um modelo inter alia a nível mundial.14 A PSP participa em missões de paz desde Março de 1992, altura em que o Governo português decidiu integrar a componente de CIVPOL da missão da ONU, na antiga Jugoslávia (UNPROFOR). Envolveram-se em missões de paz, desde 1992 até Janeiro de 2009, 849 elementos da PSP: 105 Oficiais, 430 Chefes e 314 Agentes. É anseio da PSP participar em operações de paz numa vertente mais qualitativa do que quantitativa, através da nomeação de oficiais de Polícia para funções de gestão e planeamento, para key positions e posições de staff na componente policial da ONU, bem como da nomeação de Oficiais, Chefes e Agentes para o desempenho de funções técnico-policiais 14 Lopes, 2005. 98 que abranjam um largo espectro da missão policial.15 Constitui igualmente objectivo da Instituição a preparação de uma Unidade Constituída de Polícia para participar em missões de paz prioritariamente no quadro da ONU e da UE. No Anexo D apresentamos detalhadamente o que foi a participação da PSP em operações de paz. A GUARDA NACIONAL REPUBLICANA A Guarda Nacional Republicana (GNR) iniciou em 1995 a participação em operações de paz, quando um oficial seu desempenhou funções no posto de comando de Calafate, na Roménia, durante a supervisão do embargo da ONU à antiga Jugoslávia. Desde então e até aos dias de hoje, os militares da Guarda já participaram em missões de paz em quatro continentes (Europa, África, Ásia e América) sob o auspício de várias organizações internacionais (UEO, ONU e UE). A participação da GNR em operações de paz segue uma lógica semelhante à da PSP, a qual se insere primordialmente na pósviolência, tendo adoptado dois formatos: monitores de polícia civil e unidades constituídas. Analisemos, então, em que consistem estes dois formatos e o que tem sido a sua participação. OS MONITORES DE POLÍCIA CIVIL DA GNR Os monitores de Polícia Civil da GNR desempenham missões idênticas àquelas já referidas para os monitores oriundos da PSP, tendo os militares da GNR participado nos últimos 14 anos em 14 missões de observação de Polícia Civil, empenhando um efectivo total de 161 militares, entre oficiais e sargentos. Em Angola, a GNR participou em duas missões da ONU (UNAVEM III e MONUA), tendo ambas por objectivo evitar a ocorrência de conflitos entre as partes litigantes, através da fiscalização do cumprimento das normas impostas pelo Protocolo de Lusaka. Em Timor, 11 militares da GNR integraram a estrutura da CIVPOL da UNMISET, como monitores de Polícia Civil. A Guarda continuou envolvida na UNOTIL, missão que em 20 de Maio de 2005 sucedeu à UNMISET, mas desta feita no âmbito do Training Adviser on Security and Rule of Law, do Governo de Díli. Em 2004, a GNR participou na missão da ONU na Costa do Marfim (UNOCI) e no Haiti (MINUSTAH). A estes TOs juntase em 2002 o da FYROM, onde a GNR participa inicialmente numa missão sob os auspícios da OSCE (Spillover Monitor Mission to Skopje), e cerca de dois anos mais tarde (Fevereiro 2005) na operação EUPOL - PROXIMA, sob os auspícios da UE. Na RDC, a GNR participa em duas missões sob os auspícios de duas organizações distintas: 15 Nestas incluem-se, entre outras, ordem pública, operações especiais, segurança pessoal, investigação criminal, informações policiais, inactivação de engenhos explosivos, segurança em subsolo, apoio à vítima, policiamento de proximidade. 99 inicialmente no quadro da ONU, em que a componente de CIVPOL da MONUC tinha a seu cargo a reestruturação e melhoramento da capacidade operacional da Polícia Nacional do Congo (PLC); e dois anos mais tarde, ao abrigo de uma missão levada a cabo pela UE (EUPOL - KINSHASA). A Guarda participou ainda na missão da UE na faixa de Gaza (EUBAM – RAFAH), a qual tinha por principal atribuição assumir o papel de terceira parte no terminal fronteiriço que estabelece a ligação entre a Faixa de Gaza e o Egipto, na região de Rafah. Ainda na Palestina, em 2007, a GNR integra o EUCOPPS,16 uma missão da UE com o objectivo de auxiliar a Autoridade Palestiniana no processo de reorganização e reforma da polícia local. De regresso aos Balcãs, participa na European Union Police Mission in Bosnia and Herzegovina (EUPM), a qual tinha como objectivo principal monitorizar e inspecionar a actividade da polícia local (Setembro de 2007), e na componente de polícia da EULEX (Pristina), no Kosovo (Abril 2008). A STABILITY POLICE UNIT As Stability Police Unit (SPU) são forças simultaneanente policiais e militares com uma capacidade de intervenção robusta, capazes de usar a força com uma grande amplitude de letalidade, sobretudo durante as operações de reposição da ordem pública. As características híbridas das SPU permitem-lhes preencher um espaço operacional que dificilmente poderá ser preenchido por forças militares ou de polícia. Constituídas por unidades tipo Gendarmerie, as suas potencialidades revelaram-se de tal forma importantes em determinados tipos de missões de paz, que as principais organizações internacionais não abdicam do seu emprego, dando-lhes apenas designações diferentes: a OTAN chama-lhes Multinational Specialized Units (MSU), a ONU designa-as Formed Police Unit (FPU), e a UE Integrated Police Unit (IPU). A participação da GNR em missões de paz conhece novos desenvolvimentos quando em 2000 constitui a primeira Stability Police Unit (SPU). Nos últimos nove anos, a GNR esteve empenhada em quatro missões internacionais no formato de unidades constituídas (FPU, MSU e IPU) do Iraque a Timor e, mais recentemente, na Bósnia, tendo sido destacados um total de 1548 militares. Em Timor, para além de ter integrado a componente de CIVPOL, como atrás referido, a GNR actuou, pela primeira vez, como FPU, constituindo-se como uma das unidades de intervenção da CIVPOL. A FPU tinha por missões principais: o controlo de distúrbios civis; a segurança de áreas sensíveis; a realização de escoltas e segurança a altas entidades; a busca e salvamento e a execução de honras de Estado. A 24 de Junho de 2004, cerca de dois anos depois, a GNR terminou a sua missão em Timor. No rescaldo 16 European Union Co-ordinating Office of Palestinian Police Support. 100 da invasão do Iraque por forças de uma coligação liderada pelos EUA, a GNR foi escolhida para participar na missão IRAQUI FREEDOM, o que aconteceu só após um intenso debate político. A força (num total de 123 militares) chamou-se Subagrupamento Alfa e participou nas designadas operações de estabilização, integrado na Divisão Multinacional Sudeste (MND-SE), sob o Comando da Brigada italiana (IT-JTF). O Subagrupamento Alfa cumpriu inúmeras missões, desde as mais elementares às mais arriscadas, destacando-se as várias operações de manutenção e restabelecimento da ordem pública, segurança de pontos sensíveis, escolta a comboios humanitários, policiamento de áreas sensíveis, execução de check-points, e inactivação de engenhos explosivos improvisados. Em consequência da instabilidade política e social vivida em Timor, o Governo daquele país viu-se forçado a recorrer à ajuda internacional para estabilizar a ordem pública no território. Ao pedido formulado pelas autoridades timorenses acederam a Austrália, Nova Zelândia, Malásia e Portugal, os quais enviaram para o território forças militares e policiais. A ausência de forças de segurança em número compatível com a gravidade da situação levaram a força da Guarda a assumir funções de polícia executiva, em substituição das autoridades policiais locais. Fruto do acordo bilateral entre Portugal e Timor, o contingente da GNR ficou directamente dependente do Presidente da República e do Primeiro-Ministro daquele país. No dia 26 de Agosto de 2006, a maior parte das forças da polícia internacional, incluindo o Subagrupamento Bravo, integra-se na UNMIT. A GNR vem a participar numa missão da UE na Bósnia através da recém-criada Força de Gendarmerie Europeia (EUROGENDFOR).17 A 19 de Julho de 2007, em Noordwijk – Holanda, o Comité Interministerial de Alto Nível (CIMIN) da EUROGENDFOR decidiu-se pela participação desta força na missão militar da UE na Bósnia (Operação ALTHEA), através do envio de uma IPU. Para uma visão mais detalhada do que tem sido a participação da Guarda em operações de paz, consultar o Anexo E. OS OBSERVADORES MILITARES DA ONU A origem das missões de observação remonta ao período de funcionamento da Liga das Nações. Viriam a assumir uma importância redobrada no seio da ONU, tendo esta tentado inicialmente preencher o vácuo de segurança colectiva existente recorrendo a estas missões, as quais consistiam nalgumas centenas de Observadores Militares da ONU (UNMOs) oriundos de países neutrais, como forma de reforçar a noção de imparcialidade. A primeira operação de observação da ONU ocorreu em paralelo com o 17 Para além de Portugal, a EUROGENDFOR integra a França, Itália, Holanda, Espanha e, mais recentemente (17DEC08), a Roménia. 101 processo de independência da Indonésia, com a missão principal de supervisionar a desmobilização e retirada pacífica dos militares holandeses. Após a guerra de 1948, no Médio Oriente, a ONU destacou para Palestina uma missão de observação (UNTSO)18 com o objectivo de observar a trégua e supervisionar as limitações impostas à circulação de tropas, material e equipamento. Com um reduzido número de efectivos (600), limitou-se a receber e a responder às reclamações das partes. O facto de agir sob um mandato vago, aliado a factores como o agravamento das hostilidades entre o Egipto e Israel, levaram à sua fragilização não colocando, no entanto, em causa a sua continuidade até aos dias de hoje. As missões de monitorização de acordos de cessar-fogo e de ligação entre as partes em conflito tornaram os observadores militares “enviados da paz” imparciais. As suas “armas” são o seu elevado profissionalismo e os olhos e ouvidos sempre atentos. Este modus operandis pode nalgumas circunstâncias vulnerabilizá-los, por aumentar a probabilidade de serem sequestrados e das suas viaturas e meios de comunicação rádio serem roubados por elementos das facções em conflito.19 Os observadores militares são oficiais (no mínimo com o posto de Capitão) pertencentes às Forças Armadas de diferentes países que os “emprestam” à ONU para uma determinada missão de paz. Auferem um estatuto de imunidade diplomática similar aos membros da polícia (UNCIVPOL) e pessoal civil ao serviço da ONU, que é diferente do estatuto dos militares que integram os contingentes militares. Das missões geralmente atribuídas às forças de observadores militares, destacam-se as seguintes: supervisionar acordos de cessar-fogo, investigar e relatar sobre acções de violação dos mesmos; supervisionar processos de retirada de forças militares; inspeccionar locais suspeitos de funcionar como depósitos de armas; verificar, registar e controlar detalhadamente os processos de desarmamento; facilitar a resolução de disputas locais, funcionando como elementos de ligação entre as partes; monitorizar a utilização do espaço aéreo sobre a área em conflito, através de patrulhamentos e inspecções a aeroportos; supervisionar processos eleitorais e referendos; supervisionar campos de refugiados; participar em comités conjuntos com objectivos específicos como a troca de prisioneiros e mortos; e informar sobre eventuais violações dos Direitos Humanos. 18 Organização de Supervisão da Trégua da ONU. São inúmeros os exemplos de UNMOs que arriscaram a vida interpondo-se entre as partes em conflito para obterem um cessar-fogo, para salvarem uma criança, que suportaram humilhações em checkpoints quando testavam a liberdade de circulação essencial para a prossecução da sua missão; que se mantiveram em vigilância contínua durante várias noites, mesmo quando os combates se desenrolavam em torno dos seus postos de observação, pondo em causa a sua integridade física para transmitirem informação vital; que apesar da pressão a que eram sujeitos, conseguiam relatar superiormente com clareza situações complexas; e que com a sua presença e credibilidade ajudaram ao reinício de processos negociais entre as partes em conflito. 19 102 As forças de observadores não têm qualquer missão de restabelecimento da ordem ou de defesa do território. A grande diferença entre as forças de peacekeeping e os contingentes de observadores assenta primordialmente no facto de estes não funcionarem como forças de interposição, ainda que possam ser colocados em zonas definidas como neutrais para as partes em conflito. A essência da sua actuação baseiase no estabelecimento de relações de cordialidade e imparcialidade na interacção com as autoridades locais, assentes no código de conduta específico dos oficiais das Forças Armadas. Se o facto de os observadores militares desempenharem a sua missão desarmados poder consubstanciar uma vulnerabilidade, pelo contrário, pode ser uma grande vantagem, especialmente em situações onde o recurso ao emprego de forças militares armadas não é a melhor opção, por poder levar a uma escalada do conflito. Os UNMOs apoiam-se para a sua protecção não apenas na análise das informações e nos sistemas de protecção passiva (capacetes e coletes balísticos), mas também e essencialmente, no desenvolvimento de relações e contactos próximos com as partes em conflito, tentando envolver os dirigentes das forças litigantes (desde o nível operacional ao táctico), mas mantendo sempre a imparcialidade. Os ataques aos observadores têm normalmente repercussões negativas para os atacantes, os quais, independentemente dos interesses que possam ter, encaram geralmente como um revés a retirada de uma força de observadores. Uma outra vantagem do emprego de observadores militares, reside na fiabilidade e precisão da informação que recolhem e disseminam para quem a desejar obter (desde o governo local, às ONGs terminando na comunicação social). A expressão “UNMO CONFIRMED” é um sinónimo de credibilidade, que muitas das vezes envolve um risco elevado para a segurança pessoal dos observadores que a obtiveram. Contudo, nalgumas situações, o desenvolvimento de uma relação de maior proximidade com uma ou várias das partes em conflito pode condicionar a aceitação de observadores que tenham estado anteriormente em missão no “outro lado da batalha”. A colocação de UNMOs sob o comando operacional de uma força militar, mesmo que também ao serviço da ONU, contribui para corroer o seu capital de credibilidade e imparcialidade aos olhos dos litigantes, podendo ser vistos pelas facções como observadores avançados ou como equipas de reconhecimento, com o fim de localizarem, por exemplo, posições de armas e veículos pesados através da exploração do facto de estes gozarem de liberdade de circulação no TO, ou noutras funções que possam ser percebidas como fornecendo vantagem táctica a uma das forças. O Exército tem tido um cuidado muito especial na formação de oficiais para o desempenho de missões de observação, materializado na criação do Centro de Instrução 103 e Treino de Operações de Apoio à Paz (CITOAP). A frequência do Curso de Observador Militar com aproveitamento passou a ser uma das condições exigidas para se ser nomeado para uma missão de observação. A primeira participação de militares portugueses em missões de observação da ONU remonta ao ano de 1958, no Líbano, quando cinco oficiais participaram numa missão de supervisão eleitoral naquele território. A partir de finais dos anos oitenta do século vinte, a participação nacional em missões de observação não parou de crescer, tendo atingido o seu apogeu em 2000 (Ver Anexo F).20 O output estratégico da participação nacional em missões de observação tem sido assinalável, ainda que não devidamente reconhecido internamente. Para além de demonstrar o empenho do país na estabilidade e paz mundial, é uma forma de obter informação privilegiada sobre determinados TOs (política, económica, etc.), e de proporcionar treino (a custo reduzido) e currículo aos quadros que lhes permita mais tarde concorrerem ao ingresso em organizações internacionais com vantagem. AS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS NACIONAIS Procuraremos agora efectuar um ponto de situação sobre a participação das Organizações Não Governamentais (ONGs) nacionais em missões de paz, estando, à partida, cientes de que foi modesta. As ONGs nacionais regem-se pelos princípios vertidos no Código Civil, no Capítulo das Pessoas Colectivas, sobretudo as disposições relativas a associações e fundações. A esmagadora maioria das ONGs que se dedicam à assistência humanitária e de emergência são formalmente constituídas sob a forma de associação, sendo o caso da Assistência Médica Internacional uma excepção, visto tratar-se de uma Fundação. A denominada “Lei das ONGDs” (Lei 66/98, de 14 de Outubro) pretendeu aclarar e regulamentar as especificidades das Organizações Não Governamentais de Cooperação para o Desenvolvimento (ONGDs). Partindo desta diferenciação, trata-se agora de identificar quais as ONGs portuguesas que se dedicam à ajuda humanitária e de emergência. Isto porque o art.º 6.º da supra mencionada lei, sob a epígrafe “objectivos”, designa como estando incluídas naqueles as acções de assistência humanitária e de emergência, desempenhadas pelas ONGDs. Temos aqui uma confluência dos vários conceitos (ajuda humanitária, emergência e desenvolvimento) que representam realidades diferentes, embora na prática a esmagadora maioria das ONGDs portuguesas se dedique, prima facie, a projectos de desenvolvimento, sem prejuízo de, algumas delas, 20 Realça-se o facto de Portugal ter tido sete chefes de missões de observação militar, respectivamente dois na MINURSO, três na UNOTIL e dois na UNMIK, todos oriundos do Exército. Estes dois últimos foram Chief Military Liaison Officers. 104 uma minoria, ter também alguma capacidade de participação em missões de paz, de ajuda humanitária e de emergência. O documento “Uma visão estratégica para a cooperação portuguesa”, publicado em 2006, destaca a existência de uma relação institucional entre o Estado português e as ONGDs caracterizada, de uma forma geral, pela ausência de mecanismos de diálogo e de coordenação, quando não mesmo pela desconfiança activa,” e identifica duas “dimensões específicas de actuação”: uma de âmbito nacional, “a educação para o desenvolvimento”, e outra de âmbito internacional, que inclui a “cooperação para o desenvolvimento” e a “ajuda humanitária e de emergência”. No que respeita à ajuda humanitária, reconhece-se o surgimento de novas áreas de especialização que requerem uma atenção especial, por parte do Estado, nomeadamente, “a prevenção, gestão e resolução de conflitos, a diplomacia preventiva, a reabilitação pós-conflito e os processos de reconciliação, os refugiados e as migrações, entre outras”. Na realidade já existe uma estrutura, ainda que embrionária, de coordenação entre o Estado e as ONGDs. O Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD) é o organismo público responsável pela cooperação e ajuda pública ao desenvolvimento. Compete-lhe dirigir os serviços de apoio à sociedade civil e ajuda de emergência, o que estabelece a ligação entre o Estado Português, através daquele organismo público, e a ajuda humanitária e de emergência. Refira-se, ainda, que “o IPAD visa também a centralização da informação sobre os projectos de cooperação promovidos por entidades privadas, com ou sem patrocínio público,” 21 o que nos remete para uma conexão institucional permanente entre as ONGDs e o Estado português. As ONGDs têm de se registar junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) para serem reconhecidas e poderem beneficiar de algumas importantes benesses.22 Uma vez obtido o estatuto de ONGD, esta passa a dispor da possibilidade de usufruir de cofinanciamentos, através da apresentação de candidaturas a concursos do IPAD ou através da apresentação de projectos seus. Segundo dados do IPAD,23 em 2008, foram financiados 31 projectos de 19 ONGDs, num montante total de 2.775.451,48€, distribuídos sobretudo por Moçambique (26%), Angola (26%), Guiné-Bissau (19%) e Cabo Verde (10%), com incidência nos sectores da Saúde, Luta contra a Pobreza e 21 Segundo o art.º 14.º – 1, al. f), do DL n.º 5/2003, de 13 de Janeiro. Tais como o estatuto especial dos dirigentes de ONGD (art.º 10.º), que lhes permite usufruir de um horário de trabalho flexível, de um regime especial de faltas e de um estatuto semelhante ao de trabalhadorestudante, quando aplicável; a aquisição automática do estatuto de pessoas colectivas de utilidade pública; a aplicação, em determinadas condições, do regime do mecenato cultural, previsto nos Códigos de IRS e IRC, aos donativos em dinheiro e em espécie; a isenção do pagamento de emolumentos notariais, nomeadamente nas escrituras de alteração de estatutos; as isenções fiscais atribuídas às pessoas colectivas de utilidade pública e isenção de pagamento de IVA, nas transmissões de bens e prestações de serviços, tal como previsto para os organismos sem fins lucrativos. 23 In http://www.ipad.mne.gov.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=112&Itemid=143, consultado em Fevereiro de 2009. 22 105 Educação. Ainda de acordo com dados do IPAD, as acções de ajuda humanitária, de maior relevo, empreendidas entre 2004 e 2005, destinaram-se a situações de catástrofes naturais e de calamidade pública, sobretudo nos países considerados prioritários para Portugal, ou seja, os de língua oficial portuguesa. Tem existido um esforço para ultrapassar a inexistência de uma tradição sólida de cooperação, por um lado procurando-se desenvolver a cooperação institucional entre ONGDs portuguesas e entidades civis representantes do Estado, por outro através de iniciativas várias, de cariz procedimental (ex.: reconhecimento do estatuto de ONGD), executivo (ex.: cofinanciamento de projectos) e de coordenação (ex.: relação institucional com a Plataforma Portuguesa de ONGDs), assumindo-se o Estado, frequentemente, como entidade pagadora, aliás um pouco à semelhança do que acontece com a UE através do ECHO. No que respeita ao posicionamento das ONGDs portuguesas face à comunidade internacional verificamos existir uma fraca representatividade de ONGDs portuguesas em fora internacionais, sendo poucas as inscritas em organismos internacionais. Por outro lado, algumas ONGDs portuguesas são uma espécie de delegação nacional de movimentos civis internacionais.24 Neste caso, existe uma articulação entre a ONGD portuguesa e a ONG – mãe. De acordo com a Plataforma, as ONGDs têm como áreas fundamentais de intervenção: a Cooperação para o Desenvolvimento, a Educação para o Desenvolvimento e a Ajuda Humanitária e de Emergência. Ressalte-se a assinatura, a 20 de Fevereiro de 2006, de um Protocolo de Cooperação elaborado e assinado entre a direcção da Plataforma Portuguesa das ONGD e as ONGD suas associadas que se assumem como trabalhando na Ajuda Humanitária e de Emergência, sendo elas, a ADRA, a Associação Saúde em Português, os Médicos do Mundo/Portugal e a OIKOS – Cooperação e Desenvolvimento,25 o qual alerta para a necessidade de formação dos agentes humanitários e para a importância da articulação e coordenação. As partes referidas criaram, através deste Protocolo, o “Grupo de Ajuda Humanitária e de Emergência da Plataforma”, o qual prevê a criação de um Fundo Público para a Ajuda Humanitária e de Emergência e a criação de um Código de Conduta português (cláusula 6.ª). De acordo com dados recolhidos até Fevereiro de 2009 verifica-se: a existência de 112 ONGDs registadas no IPAD, 54 registadas na Plataforma Portuguesa de ONGD, e muitas mais ONGs existem registadas no Registo Nacional de Pessoas Colectivas; que do total de ONGDs inscritas na Plataforma, de acordo com o Guia de ONGD 2005, 18 24 Como, por exemplo, a Caritas, Médicos do Mundo, Cruz Vermelha Portuguesa e a ADRA (Associação Adventista para o Desenvolvimento, Recursos e Assistência). 25 In http://www.plataformaongd.pt/site3/index.php?option=com_content&task=view&id=12&Itemid=31. 106 auto-classificam-se como de ajuda humanitária e de emergência. Destas 18, apenas 4 constituem o “Grupo de Ajuda Humanitária e de Emergência da Plataforma”, ficando de fora ONGDs tradicionalmente associadas à Assistência Humanitária e de Emergência, como é o caso da Assistência Médica Internacional; que a grande parte destas ONGDs, na verdade, se dedica primordialmente ao Desenvolvimento, sendo que algumas delas também se dedicam à Ajuda Humanitária e de Emergência; que a maioria das ONGDs intervém, preferencialmente, no âmbito da CPLP, nas áreas da educação e da saúde. Há ainda a salientar a não existência de uma tradição de relacionamento directo entre ONGDs e forças militares portuguesas presentes no terreno, embora se tenha vindo a desenvolver essa cooperação, designadamente, através do MNE, via IPAD. As missões desempenhadas por ONGDs portuguesas regem-se por normas internas da própria ONGD e pelas linhas de orientação da entidade financiadora, não existindo um Código de Conduta Nacional a aplicar nas missões de ajuda humanitária e de emergência. OS ELEMENTOS CIVIS PORTUGUESES Conforme temos vindo a referir, a complexidade das missões de paz aumentou, passando a incluir nos seus mandatos a reestruturação da administração pública e do sector da justiça, o desarmamento e reintegração de milícias armadas, a desminagem, a recuperação económica, a reconciliação das sociedades afectadas pelos conflitos armados, etc. A execução destas tarefas de natureza não militar requer o contributo de especialistas. A experiência tem mostrado que órgãos e entidades civis nacionais dos países envolvidos nestas operações, como ministérios, institutos ligados ao Estado, parlamentos nacionais e entidades oriundas da sociedade civil têm participado activamente em acções de assistência ou cooperação bilateral com as organizações internacionais que desenvolvem missões no terreno, esforçando-se, cada vez mais, por participar, por diferentes vias, nos seus programas multilaterais. Contrariando esta tendência, a cooperação ministerial portuguesa tem sido esporádica, desempenhando um papel de reduzida dimensão na política externa do Estado português. O caso de Timor representou uma excepção ao que tem sido a norma da participação lusa na componente civil e de desenvolvimento das missões de paz da ONU, requerendo por isso uma análise separada. Ao longo dos anos 90, ministérios e outras entidades públicas, bem como sectores específicos da sociedade civil portuguesa, começam a envolver-se, embora timidamente, em paralelo com as Forças Armadas e de Segurança, em iniciativas de cooperação multilateral, fundamentalmente no quadro da ONU e da CPLP, mas também no âmbito da UE. Vejamos então o que foi esse envolvimento. 107 PORTUGAL NAS CRISES HUMANITÁRIAS E DE EMERGÊNCIA Embora este tema tenha vindo a ser abordado ao longo deste trabalho, no que respeita à participação de outras entidades, justifica-se ainda assim uma apresentação em separado. Sob a coordenação nacional do IPAD, Portugal envolveu-se na assistência humanitária em várias circunstâncias, fundamentalmente no âmbito da ONU e da UE. Salientam-se os seguintes casos: em Abril de 1999 Portugal disponibilizou-se para transportar e alojar no país cerca de 2000 deslocados do Kosovo. O SNPC foi incumbido de organizar e coordenar a recepção e o alojamento temporário destes refugiados no nosso país e posterior repatriamento. As directivas eram recebidas do Alto Comissariado das Nações para os Refugiados (ACNUR) e da Organização Internacional das Migrações (OIM), que lideravam o processo a nível mundial, e do Governo português. Estiveram envolvidos o Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil (SNPC), DGAS, CRSS, Comité Português para os Refugiados (CPR) e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). A Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) distribuiu roupas, kits de higiene e comida e a DGS providenciou os cuidados de saúde. O Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) teve por missão proceder à evacuação de doentes para estabelecimentos hospitalares, sempre que necessário. O SNPC foi incumbido, pela primeira vez, de planear e gerir uma operação de socorro humanitário com o envolvimento de diversos organismos. Portugal participou igualmente, no âmbito da UE, no apoio às vítimas do sismo na Turquia, uma primeira intervenção, ainda de carácter ad hoc; em Moçambique (2000 e 2001) no apoio às populações afectadas pelas cheias. Esta missão foi uma cooperação bilateral executada em articulação com a OCHA. A missão foi acordada com a Embaixada Portuguesa em Maputo e com o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) no comando da operação. De Portugal havia envolvimento do INEM, SNPC, SNB, CVP e RSBL, em colaboração com o Plano Alimentar Mundial (PAM). Também no âmbito da UE Portugal participou no apoio às vítimas do terramoto da Argélia, em Maio de 2003; no Irão (terramoto seguido de Tsunami em 2003/4/5), em Marrocos, em Fevereiro de 2004, tendo sido rapidamente constituído um grupo especial de emergência e resgate (GEER) que integrava o SNBPC, RSB, GNR e PSP para efectuar buscas e salvamentos na província de Alhoceima; e ainda no Sudeste Asiático (Tsunami de Dezembro/Janeiro de 2004/2005). O CASO DE TIMOR-LESTE A participação sistemática de elementos civis nacionais em Timor remonta ao ano de 1999. A coordenação dos órgãos e entidades estatais nacionais envolvidas na ajuda a Timor, durante o período da transição, foi atribuída ao Comissário para o Apoio à 108 Transição de Timor-leste (CATTL). Em Portugal e em Díli, o CATTL apoiou a realização da consulta popular. O Comissário nomeado pelo Governo, o Padre Vítor Melícias, em colaboração com o ICP, foi o elo de ligação entre o Estado português e as ONGs interessadas na causa timorense. O Gabinete do Comissário assumiu-se como o órgão coordenador das actividades do sector público português no território, reunindo com uma Comissão Interministerial composta por representantes de alto nível dos ministérios mais directamente envolvidos na causa timorense (MNE, MDN, MS, MJ e MAI). Estes elementos coordenavam a nível ministerial a resposta institucional dos serviços da administração central do Estado, às solicitações do Comissário. O CATTL aprovou a constituição de uma missão de emergência humanitária para intervir em Timor designada “Missão Humanitária Timor 99”, que integrou efectivos e contribuições de vários serviços públicos (MNE, MAI e MS) e envolveu várias ONGs nacionais. A missão tinha como objectivo a cooperação com as organizações humanitárias internacionais no território, tais como, o ACNUR, o Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV), a OIM, o PAM e ainda com a UNAMET, a missão de paz da ONU no território. Este dispositivo foi coordenado e financiado pelo CATTL, e comandado operacionalmente pelo SNPC. Faziam parte desta missão uma equipa multidisciplinar de voluntários do MS, o ainda Serviço Nacional de Bombeiros, o INEM, a CVP, a GNR, a PSP e ainda alguns voluntários das ONGs portuguesas.26 Articulada com a INTERFET e a UNAMET, a missão durou três meses. Ao longo deste período os portugueses colaboraram na luta contra incêndios, abasteceram de alimentos e água as povoações isoladas e recuperaram infra-estruturas destruídas. Formadores portugueses – bombeiros credenciados pela Escola Nacional de Bombeiros – criaram três corpos de bombeiros timorenses (Díli, Aileu e Baucau). Janeiro de 2000 marca o início de uma nova fase para a presença portuguesa no território. Mantém-se o estatuto de emergência do período de transição, mas inaugura-se a vertente de “reabilitação e desenvolvimento”, uma Missão Humanitária e de Apoio ao Desenvolvimento que envolve a constituição dos órgãos de soberania e a construção do Estado. Neste período, como observa Val-Flores, a cooperação portuguesa já segue objectivos específicos, que resultam das solicitações dos responsáveis timorenses: preparar uma independência auto-sustentável. Portugal decide reforçar a sua cooperação integrando-se, preferencialmente, na cooperação multilateral através do Programa Conjunto de Reconstrução de Timor-Leste liderado pela UNTAET, com o apoio de diversas agências da ONU, do BM e do Banco Asiático de Desenvolvimento (BAD).27 26 Portugal. Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (Junho de 2000), Portugal – Timor-Leste, Reconstrução para o Desenvolvimento 1990/2000. Lisboa: Gabinete do Comissário para o Apoio à Transição em Timor-Leste, p.10. 27 Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (2001) e Val-Flores (2006). 109 Com a independência de Timor, em 17 de Maio de 2002, o CATTL extingue-se e as suas responsabilidades são assumidas pelo IPAD, entidade que, como anteriormente referido, detém presentemente poderes de supervisão, direcção e coordenação da ajuda pública ao desenvolvimento e o enquadramento dos programas de cooperação e da ajuda pública ao desenvolvimento financiados e realizados por outros organismos do Estado e demais entidades públicas. De facto, para além de coordenar o trabalho das ONGDs que também financia,28 compete-lhe articular a acção dos diferentes ministérios, promovendo uma cooperação multidimensional e multidisciplinar. O Programa Indicativo de Cooperação (PIC)29 de Timor para o triénio 2004-2006, assinado entre o Governo português e Governo timorense, identifica três eixos prioritários,30 continuando o eixo da capacitação institucional, em particular, a ter resultados decepcionantes. Neste sentido, alguns ministérios, Assembleia da República (AR)31 e Universidades portuguesas decidem integrar-se nos programas de reforma da administração pública em curso, apoiando a elaboração da lei fundamental de Timor, a redacção do regimento da sua Assembleia e seguem de perto o processo de reforma fiscal, entre muitas outras actividades. O modelo preconizado pelo IPAD é descentralizado e tenta coordenar as acções dos departamentos públicos, autónomos ou não, órgãos de soberania, empresas estatais e algumas entidades privadas bem como ONGDs, autarquias, universidades, instituições científicas e culturais envolvidas no processo. O PIC Portugal - Timor-Leste (2007-2010) redireccionou um pouco a APD portuguesa, acentuando a ideia de investimento nas áreas onde as vantagens comparativas portuguesas são maiores: língua e capacitação, esta última através da educação e formação, inseridas no apoio aos sistemas judiciário e de administração pública timorenses, numa lógica essencialmente multilateral.32 Com um financiamento de 60 milhões de euros, são definidos três eixos prioritários: boa governação, participação e democracia, e capacitação da administração pública, defesa e segurança; desenvolvimento sustentável e luta contra a pobreza; e, finalmente, o cluster da cooperação envolvendo diferentes instituições.33 28 Portugal, Ministério dos Negócios Estrangeiros (Fevereiro de 2006), Uma Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa. Lisboa: Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, p.37. 29 Elaborados de três em três anos. 30 Educação e Apoio à Reintrodução da Língua Portuguesa; Capacitação Institucional e Apoio ao Desenvolvimento Económico e Social. 31 O IPAD não mantém programas de cooperação com a AR, mas é informado anualmente sobre a cooperação desenvolvida. A AR proporciona desde 2001 apoio parlamentar a Timor: apoio técnico e administrativo ao Gabinete do Presidente do PNTL, ao Plenário, às Comissões Especializadas Permanentes, às bancadas Parlamentares, ao Secretariado e à Gráfica Nacional. 32 O documento refere que a distinção conceptual rígida entre cooperação bilateral e multilateral deixou de fazer sentido. 33 IPAD. Ponto de Situação em Timor-Leste, disponível em http://www.ipad.mne.gov.pt/index.php?option= com_content&task=view&id=91&Itemid=122. 110 No que respeita à governação e capacitação institucional no período de transição (1999-2002) e no pós-independência, há a salientar o papel desempenhado pelas universidades e instituições científicas portuguesas no apoio à organização e formação de docentes timorenses de todos os níveis de ensino e na capacitação da restante administração pública. O contributo das universidades em Timor tem produzido resultados assinaláveis graças, em grande medida, ao pioneirismo do Grupo de Estudos de Reconstrução – Timor Lorosae (GERTIL) e à sua capacidade de mobilização no seio da Universidade Técnica de Lisboa (UTL). Com o desaparecimento do CATTL, os protocolos existentes chegam ao fim e é firmado um novo acordo com o IPAD, passando o GERTIL a candidatar-se aos projectos financiados anualmente por aquele Instituto em áreas como o planeamento urbano e territorial, a cartografia e as redes geodésicas. Entre muitas outras actividades, o GERTIL elaborou a Carta Escolar de Timor, procedeu a vários arranjos arquitectónicos e, com o apoio do PNUD, procedeu ao levantamento de informação para o projecto de reconstrução de Díli, depois da destruição provocada pela instabilidade política de 2006. De outra natureza, o Programa de Cooperação CRUP/FUP com Timor surge de um acordo entre o extinto CNRT, Governo português e o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP). Desde 1990 que as Universidades portuguesas se encontram envolvidas, através da Fundação das Universidades Portuguesas (FUP), numa colaboração com o CNRT apoiada pelo MNE. São muitas as iniciativas desenvolvidas por estas entidades. A Universidade Católica Portuguesa (UCP) tem estado também presente em Timor através do Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa. A cooperação teve início logo que as condições políticas pósreferendo o permitiram. Desde 2002 que o Instituto de Investigação Científica e Tropical (IICT) se tem destacado pela diversidade de trabalhos realizados em Timor, ou sobre Timor. Foram também vários os Ministérios que participaram na missão portuguesa em Timor. O Ministério das Finanças, essencialmente através da sua Direcção de Serviços de Cooperação Aduaneira e Documentação, da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC), no âmbito dos impostos e Cooperação Aduaneira;34 o Ministério da Justiça no âmbito da administração da justiça timorense, da capacitação dos quadros timorenses ligados à justiça, e na organização de outras áreas da justiça, como é o caso dos serviços prisionais. Antes da consulta em Timor, foi formada em Portugal a holding HARII, SGPS que tinha por objectivo envolver empresas 34 No quadro dos objectivos ambiciosos traçados pela então UNTAET, o Ministério das Finanças (Alfândegas) e a Administração Interna (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) envolveram-se no controlo das fronteiras. A participação do Ministério das Finanças é mais tarde expandida com o envolvimento dos Funcionários dos Impostos portugueses. 111 portuguesas (EDP, IPE, Gestnave, CTT, BNU, Petrogal, PT, IEFP, ANA) em parcerias com empresas timorenses. A holding acabaria por ter pouco sucesso nas relações comerciais com parceiros timorenses, assumindo, na prática, a direcção de vários serviços, mantendo o exclusivo da sua direcção após a declaração de independência. O consórcio liderado pela ANA/NAV Aeroportos de Portugal/ADA chega ao território na fase da administração transitória deste.35 Um memorando de entendimento entre o governo português e a UNTAET atribuiu aos portugueses a gestão do aeroporto de Díli, tanto ao nível dos serviços aeroportuários, como do tráfego aéreo, manutenção corrente, recrutamento e formação de efectivos locais. À GUISA DE CONCLUSÃO A participação portuguesa em operações de paz representou um desafio e um esforço considerável para o país, em várias áreas – política, diplomática, económica – mas muito em particular na militar. Esse esforço contribuiu, sem quaisquer dúvidas, para que Portugal pudesse fazer ouvir a sua voz nos areópagos internacionais, nomeadamente no seio das principais organizações de que é membro (ONU, OTAN, UE e OSCE). Coube sem dúvida às Forças Armadas e muito em particular ao Exército, o fundamental desse empenhamento (mais de 21.000 militares). As Forças Armadas tornaram-se, assim, num instrumento central da política externa do país – um dado claramente assumido, aliás, pelo poder político, tendo contribuído decisivamente para que o país não se tivesse tornado no pós-Guerra Fria numa entidade irrelevante nas relações internacionais. O balanço da participação portuguesa resulta, portanto, insofismavelmente positivo. Foi nas Forças Armadas e nas Forças de Segurança que o impacto desse empenhamento foi mais visível. A participação de militares e de elementos policiais nacionais em missões de paz produziu efeitos importantes praticamente em todos os domínios da organização e da actividade daquelas instituições (formação, táctico e operacional, equipamentos, logística e doutrina, etc.) e ainda ao nível da sua inserção social. Valerá a pena recordar que a participação em operações de paz terá sido um importante impulsionador do debate que levaria à opção de profissionalizar as Forças Armadas. A integração de forças nacionais em contingentes multinacionais no quadro das operações de paz contribuiu, certamente, para estimular a reflexão nas instâncias militares e políticas sobre a urgência da modernização do equipamento utilizado pelas Forças Armadas. Esta participação contribuiu, sem dúvida, para o aumento da visibilidade pública da Instituição Militar e das Forças de Segurança, e um maior reconhecimento social e político – uma mudança na forma da sociedade ver os militares 35 A missão teve início em Março de 2001 e terminou a 31 de Agosto de 2002. 112 e as forças de segurança, que correspondeu a um aumento paralelo da auto-estima e da sua satisfação profissional. Mas as mudanças mais significativas terão sido de outra ordem. Estamos a falar da mudança de mentalidades, transição essencial para garantir a adaptação das Instituições a novos paradigmas de convivência, de actuação, de vida e modo de encarar o futuro. Neste domínio, as missões de paz implicaram alterações de vária ordem na percepção do papel do militar e do próprio relacionamento hierárquico. O ambiente em que decorrem as missões de paz cultivou a necessidade de uma maior preparação e de uma maior responsabilidade na actuação, já que, por vezes, decisões de extrema relevância táctica, operacional e mesmo estratégica têm, frequentemente, de ser tomadas a um nível hierárquico baixo. O contacto com militares e polícias de outros países, com pessoal das organizações internacionais e das ONGs e outros agentes, e ainda com as realidades políticas, sociais e humanas dos TOs em que têm decorrido as operações de paz representou um factor de maturidade cívica e política para os militares e elementos policiais portugueses. Uma abordagem a esta problemática ficaria incompleta sem se sublinhar o importante papel desempenhado pelos observadores – militares e policiais –, tratados frequentemente com um estatuto de menoridade. A sua importância advém da oportunidade de Portugal formar quadros experientes a custos reduzidos e que, posteriormente, com a experiência adquirida se poderão transformar em activos importantes em futuras candidaturas a cargos em organizações internacionais da mais diversa índole, permitindo inclusivamente um turn around nas suas carreiras. No capítulo das Forças de Segurança salienta-se a imprescindibilidade em apostar no destacamento de peritos policiais nas organizações internacionais (ONU, UE, OSCE, entre outras) e ainda a necessidade de se dispor de uma capacidade de intervenção adicional para fazer face a situações em que as forças militares e de polícia civil estarão menos vocacionadas, e que tendencialmente ocorrem na fase de estabilização dos conflitos, após a violência generalizada. As forças policiais com estatuto militar encontram-se particularmente aptas para executar as missões próprias do designado security gap (para retomar um conceito adoptado pela OTAN). No essencial cabe-nos referir que Portugal não acompanhou as alterações de natureza qualitativa verificadas nas operações de paz, as quais não só evoluíram para processos complexos envolvendo uma larga variedade de actividades e actores – militares, polícias, diplomatas, civis, etc., em que se coloca cada vez mais o acento tónico na componente civil – ou seja, na resolução de problemas estruturais de natureza económica, política e social dessas sociedades, na reconciliação e na reconstrução nacional, como este tipo de operações passou a ser dominante e a ocupar a centralidade 113 dos empenhamentos. Esta realidade veio colocar novos desafios a Portugal para os quais é necessário encontrar respostas. É verdade que, acompanhando a tendência, se verificou um aumento qualitativo e quantitativo da importância atribuída às Forças de Segurança nacionais nas operações de paz; mas no que concerne à participação nacional com actores não militares, não se consegue esconder uma insuficiente atenção a esta problemática, sobretudo se tivermos em conta a possibilidade que estas participações proporcionam aos Estados de pequena dimensão como Portugal de se inserirem no processo da globalização. Exceptuando o caso de Timor-Leste, a participação de actores civis nacionais nestas operações, nomeadamente da comunidade das ONGs, tem sido diminuta. Notam-se ainda algumas lacunas na preparação de quadros nacionais para missões internacionais que exigem, em ordem a concitar uma maior eficácia da acção, uma integração ou, não sendo esta possível, no mínimo uma coordenação dos esforços sectoriais dos vários instrumentos de poder envolvendo elementos responsáveis da área dos Negócios Estrangeiros, da Defesa Nacional, da Administração Interna e da Justiça, entre outros. As instâncias nacionais deveriam dedicar uma maior atenção à comunidade de ONGs que se dedica à ajuda humanitária e de emergência. Estamos em crer tratar-se de um domínio de oportunidades onde existem nichos de especialização em que o Estado português poderia apostar. As ONGs são responsáveis por muito do trabalho efectuado em situações de conflito e pós-conflito, com acesso a informação privilegiada não disponível para a maioria dos actores envolvidos nestes cenários. Por outro lado, não se tem conseguido mobilizar as empresas portuguesas para que participem no esforço da reconstrução, nos Estados em que as forças nacionais – militares e de segurança – têm intervindo. A participação com forças militares e de segurança deve também ser vista como uma antecâmara – necessária – para a intervenção das empresas nacionais. É um domínio onde tem predominado a omissão. É confrangedora a ausência de empresas nacionais registadas na base de dados da UN Business Development, uma condição fundamental para que as empresas possam concorrer aos projectos lançados à escala mundial pelas diferentes Agências, Programas e Fundos da ONU. Os dedos de uma mão são demasiados para contar as empresas nacionais registadas, num universo de aproximadamente 3500.36 A comparação com o número de empresas espanholas é igualmente demolidora. A crescente atenção da ONU e da UE para missões complexas e para os desafios da gestão civil de crises, envolvendo especialistas em protecção civil, magistrados, ciências forenses, etc. tem realçado o papel dos elementos civis nas missões de paz, em particular nas acções humanitárias. Portugal deveria eleger esta área como um domínio 36 http://www.devbusiness.com. 114 prioritário de actuação. As alterações qualitativas registadas na última década nas operações de paz e que foram sendo assinaladas ao longo deste artigo, tornaram evidente a necessidade de se rever a participação nacional nestas operações. CARLOS MARTINS BRANCO Major-General do Exército português. Licenciou-se em Ciências Militares pela Academia Militar e frequentou o curso de Estado-Maior. Frequentou o Master Business Administration na Universidade Católica Portuguesa e prepara uma dissertação de Doutoramento em Conflict Resolution, igualmente no Instituto Universitário Europeu. Foi Observador Militar da ONU durante o conflito da antiga Jugoslávia; analista de Intelligence no Estado-Maior da EUROFOR, em Itália; e desempenhou as funções de Peacekeeping Affairs Officer no Secretariado da ONU, na Divisão Militar do DPKO, em Nova Iorque, tendo sido responsável pelos aspectos militares das missões da ONU, no Médio Oriente; foi o porta-voz do Comandante da operação da OTAN no Afeganistão. É co-coordenador científico da pós-graduação em Comunicação e Gestão de Conflitos, no ISCTE. Contacto: [email protected] Referências Bibliográficas Branco, Carlos (2010), “O que são operações de paz? Conceito e taxinomia”, in A Participação de Portugal em Operações de Paz. Êxitos, Problemas e Desafios, Prefácio, Lisboa, 2010. Branco, Carlos et al. (coords.) (2010), A Participação de Portugal em Operações de Paz. Êxitos, Problemas e Desafios. Prefácio: Lisboa. Cajarabille, Victor Manuel (2002), “Papel das Marinhas no âmbito da Política Externa dos Estados”, in Cadernos Navais, 2. 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Lisboa: CEP/UCP. 116 GLOSSÁRIO ACNUR Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados AFOR Albania Force/Força Albânia AMIS African Union Mission in the Sudan Missão da União Africana no Sudão AR Assembleia da República CATTL Comissário para o Apoio à Transição de Timor-Leste CIMIC Civil-Military Cooperation/Cooperação Civil-Militar CIVPOL Civilian Police/Polícia Civil CPLP Comunidade de Países de Língua Portuguesa CTM Cooperação Técnico-Militar DGAIEC Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo DGS Direcção-Geral da Saúde EUBAM European Union Border Assistance Mission Missão Europeia de Assistência na Fronteira EUFOR European Union Force in Bosnia and Herzegovina Força da União Europeia na Bósnia-Herzegovina EUMM European Union Monitoring Mission Missão de Monitorização da União Europeia EUMOZ Missão de Observação da União Europeia em Moçambique EUROFOR European Rapid Reaction Force Força Europeia de Reacção Rápida EUROGENFOR Força de Gendarmerie Europeia FND Força Nacional Destacada FPU Formed Police Unit Unidade de Polícia Constituída FYROM Former Yugoslav Republic of Macedonia Antiga República Jugoslava da Macedónia GEER Grupo Especial de Emergência e Resgate GERTIL Grupo de Estudos de Reconstrução – Timor Lorosae GNR Guarda Nacional Republicana IFOR Implementation Force/Força de Implementação IICT Instituto de Investigação Científica e Tropical INEM Instituto Nacional de Emergência Médica INGC Instituto Nacional de Gestão de Calamidades INTERFET International Force for East Timor Força Internacional em Timor-Leste IPAD Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento 117 IPU Integrated Police Unit/Unidade de Polícia Integrada ISAF International Security Assistance Force Força Internacional de Assistência à Segurança KFOR Kosovo Force/Força no Kosovo MAI Ministério/Ministro da Administração Interna MDN Ministério/Ministro da Defesa Nacional MINURSO Mission des Nations Unies pour l'Organisation d'un Référendum au Sahara Occidental Missão das Nações Unidas para a Organização de um Referendo no Sahara Ocidental MINUSTAH Mission des Nations Unies pour la Stabilisation en Haïti Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti MNE Ministério/Ministro dos Negócios Estrangeiros MONUA Mission d'Observation des Nations Unies à l'Angola Missão de Observação das Nações Unidas em Angola MONUC Mission de l'Organisation des Nations Unies en République Démocratique du Congo Missão da Organização das Nações Unidas na República Democrática do Congo MPLA Movimento para a Libertação de Angola MSU Multinational Specialized Units/Unidade Especializada Multinacional OCHA Office for the Coordination of Humanitarian Affairs Gabinete para a Coordenação da Ajuda Humanitária OIM Organização Internacional das Migrações ONG Organização Não Governamental ONU Organização das Nações Unidas ONUC Opération des Nations Unies au Congo Operação das Nações Unidas no Congo ONUCI Opération des Nations Unies en Cote D’Ivoire Operação das Nações Unidas na Costa do Marfim ONUMOZ Opération des Nations Unies au Mozambique Operação das Nações Unidas em Moçambique OSCE Organização para a Segurança e Cooperação na Europa OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte PAM Plano Alimentar Mundial PESC Política Externa e de Segurança Comum PESD Política Europeia de Segurança e de Defesa PIC Programa Indicativo de Cooperação PLC Polícia Nacional do Congo PSP Polícia de Segurança Pública RDC República Democrática do Congo RDSTP República Democrática de São Tomé e Príncipe RENAMO Resistência Nacional Moçambicana 118 ROE Rules of Engagement/Regras de Empenhamento SFOR Stabilization Force/Força de Estabilização SNBPC Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil SNPC Serviço Nacional de Protecção Civil SPU Stability Police Unit/Unidade de Polícia de Estabilização TO Teatro de Operações UCP Universidade Católica Portuguesa UE União Europeia UEB Unidade de Escalão Batalhão UEO União da Europa Ocidental UNAMET United Nations Mission in East Timor Missão das Nações Unidas em Timor-Leste UNAVEM United Nations Angola Verification Mission Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola UNAVEM III United Nations Angola Verification Mission III Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola III UNIFIL United Nations Interim Force in Lebanon Força Temporária das Nações Unidas no Líbano UNITA União Nacional para a Independência Total de Angola UNMIK United Nations Mission in Kosovo Missão das Nações Unidas no Kosovo UNMISET United Nations Mission of Support in East Timor Missão de Apoio das Nações Unidas em Timor-Leste UNMIT United Nations Integrated Mission in Timor-Leste Missão Integrada das Nações Unidas em Timor-Leste UNMO United Nations Military Observer Observador Militar das Nações Unidas UNOC United Nations Operation in the Congo Operação das Nações Unidas no Congo UNOCI United Nations Operation in Côte d´Ivoire Operação das Nações Unidas na Costa do Marfim UNOTIL United Nations Office In East Timor Gabinete das Nações Unidas em Timor-Leste UNPOL United Nations Police/Polícia das Nações Unidas UNPROFOR United Nations Protection Force Força de Protecção das Nações Unidas UNTAET United Nations Transitional Administration in East Timor Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste UNTSO United Nations Truce Supervision Organization Organização das Nações Unidas de Supervisão do Armistício UPI Unidade de Polícia Integrada UTL Universidade Técnica de Lisboa 119 ANEXO A: A MARINHA EM MISSÕES DE PAZ (Saramago, 2010) OPERAÇÃO DESERT STORM MISSÃO FREE KUWAIT SHARP VIGILANCE APOIO À PAZ MARITIME MONITOR SHARP FENCE SHARP GUARD LOCAL KUWAIT ÂMBITO UNIDADES CTE INÍCIO MISSÃO FINAL MISSÃO DIRECTIVA / INSTROP / DOCUMENTO EFECTIVOS (O-S-P/Tot) 7-Set-1990 31-Out-1990 12-28-126/166 31-Out-1990 11-Dez-1990 12-28-126/166 17-Jan-1991 13-Abr-1991 12-28-126/166 31-Out-1990 29-Dez-1990 05-08-26/39 17-Jan-1991 13-Abr-1991 05-08-26/39 NAVOCFOR MED NRP R. IVENS CMG Santana de Mendonça NAVOCFOR MED NRP SAC. CABRAL CFR Neves de Bettencourt MULTINAT. FORCE NRP S. MIGUEL CFR Rodrigues da Conceição NRP R. IVENS CFR Augusto de Brito 22-Jul-1992 5-Set-1992 Desp. MDN de 05JUL92 12-28-126/166 NRP B. ANDRADE CTEN Carvalho Abreu 31-Ago-1992 7-Out-1992 Resolução CS/713 de 25SET91 10-18-91/119 5-Set-1992 22-Out-1992 Desp. MDN de 09JUL92 Resolução CS/757 de 30MAI91 12-28-126/166 Desp. MDN de 09JUL93 Resolução CS/787 de 16NOV92 12-28-126/166 ADRIÁTICO EXJUGOSLÁVIA UEO APOIO À PAZ ADRIÁTICO EXJUGOSLÁVIA NATO/ SNFL NRP R. IVENS CFR Augusto de Brito APOIO À PAZ ADRIÁTICO EXJUGOSLÁVIA UEO NRP S. CABRAL CFR Serras Simões 20-Fev-1993 6-Abr-1993 NATO/UEO NRP DELFIM CTEN Silva Crespo 17-Out-1993 22-Dez-93 07-15-32/54 NATO/UEO/ SNFL NRP C. REAL CFR Silva da Fonseca 6-Jan-1994 22-Mai-1994 18-39-109/166 NRP V. GAMA CFR Vargas de Matos 3-Fev-1995 29-Jul-1995 NRP A. CABRAL CFR Oliveira Viegas 5-Jul-1995 17-Dez-1995 NATO/UEO NRP BERRIO CFR Jorge Guerra 4-Set-1995 20-Out-1995 09-13-48/70 NATO/UEO/ SNFL NRP C. REAL CFR Melo Gomes 27-Nov-1995 17-Abr-1996 18-39-109/166 APOIO À PAZ ADRIÁTICO EXJUGOSLÁVIA 120 18-39-109/166 Resolução CS/820 de 17ABR93 18-39-109/166 OPERAÇÃO MISSÃO LOCAL ÂMBITO JOINT ENDEAVOUR (IFOR) APOIO LOGÍSTICO AO CONTINGENTE PORTUGUÊS BÓSNIA NATO MONUA COLABORAÇÃO NO ÂMBITO DO APOIO SANITÁRIO ANGOLA ONU - ALLIED FORCE CONTROL SURVEILLANCE ADRIATIC ADRIÁTICO (Kosovo) NATO / SNFL NRP C. REAL SFOR / JOINT FORGE MANUTENÇÃO DA PAZ (Impl. dos Acordos de Dayton) BÓSNIA NATO UNIDADES BÉRRIO CF 21 NRP C. REAL NRP V. GAMA ACTIVE ENDEAVOUR ACTIVE ENDEAVOUR COMBATE AO TERRORISMO COMBATE AO TERRORISMO MEDITERRÂNEO ORIENTAL STROG NATO NATO CTE CFR Jorge Guerra - CFR Saldanha Lopes 1TEN FZ Barroca Constante CFR Monteiro Montenegro CFR Pereira da Cunha INÍCIO MISSÃO FINAL MISSÃO DIRECTIVA / INSTROP / DOCUMENTO Dez-1995 Mai-1996 15-Jun-1997 30-Set-1998 Port. MDN 652/97 de 31JUL97 (para UNMO) Resol. CS/1118, de JUN97 25-Mai-1999 24-Jun-1999 Port. 946/98, 31NOV Port. 392/99, 29MAI Port. 476/99, 29JUN 31-Jan-2000 11-Ago-2000 Res. CS/1088, 12DEZ96 Resol. CS/1031 de DEZ95 Resol. CS/1174 de 15JUN98 Port. 66/97, de 29 JAN Port. 565/99, de 28JUL 28-Nov-2001 15-Jan-2002 15-Abr-2002 8-Jul-2002 Port. 726/2002, de 27JUN Res. CS/1031, 01DEZ95 CFR Pereira da Cunha 1-Abr-2003 8-Jun-2003 Port. 500/2004, de 10MAI NRP A. CABRAL CFR Correia Andrade 13-Abr-2004 8-Jun-2004 Port. 778/2005, de 22JUL NRP C. REAL CFR Mendes Calado 15-Jun-2005 4-Jul-2005 Port. 384/2006 (2ª série), de 2FEV NRP V. GAMA CMG Silvestre Correia 24-Fev-2006 9-Mar-2006 NRP V. GAMA CMG Gouveia e Melo 26-Mai-2008 08-Jun-2008 NRP V. GAMA CFR Pereira da Cunha 10-Mar-2003 17-Mar-2003 121 EFECTIVOS (O-S-P/Tot) Port. 292/2003, de 8ABR TOT: 121 OPERAÇÃO MISSÃO ISAF APOIO SANITÁRIO À POPULAÇÃO OPERAÇÃO PERA MISSÃO HUMANITÁRIA EUFOR RD CONGO SUPPORT UN MISSION FOR ELECTIONS IN RD CONGO MANUTENÇÃO DE PAZ UNIFIL ÂMBITO UNIDADES CTE INÍCIO MISSÃO FINAL MISSÃO AFEGANISTÃO NATO - - 26-Fev-2002 24-Abr-2002 Port. 161/02, 22FEV Res. CS/1386, 20DEZ91 PAQUISTÃO NATO 27-Dez-2005 10-Jan-2006 Portaria nº 1226/2005 (2ª série), de 17NOV 14-Jul-2006 2-Dez-2006 Port. 1078/2006 (2ª Série) de 20 de Junho (D. R. II Série, 128/05JUL) 33 Militares 29-Fev-2008 13-Jun-2008 13-Jun-2008 28-Set-2008 28-Set-2008 5-Dez-2008 Res. CS/425, 19MAR78 Res. CS/426, 19MAR78 Res. CS/1701, 11AGO06 1 Militar no EM do Comando da Maritime Task Force 5-Dez-2008 28-Fev-2009 5-Mai- 2008 Out-2008 Res. CS/1386, 20DEZ01 Res. CS/1833, 22SET08 3 Oficiais e 2 Sargentos CTEN FZ Neves Varela Nov-2008 (em curso) Res. CS/1386, 20DEZ01 Res. CS/1833, 22SET08 3 Oficiais e 2 Sargentos e 1 Praça Jun-2008 (em curso) Port. 740/2008 (DR. II Série, nº155, 12AGO08) 1 Oficial em apoio à missão 27-Jul-2008 (em curso) Port. 229/2008, 05MAR 1 Oficial no QG da Operação em Paris (em curso) Res. CS 1814/2008 Res. CS 1816/2008 Res. CS 1838/2008 Res. CS 1846/2008 Port. 190/2009 (DR. II Série, nº28, 10FEV09) 1 Oficial no Comando da Força embarcado LOCAL R.D. CONGO LÍBANO UE/ONU ONU - 2TEN MN Filipa Albergaria SO TU (DAE / PELREC) CTEN FZ Fernandes Fonseca - 1TEN Silva Barata 1TEN Gama Franco CTEN Costa Cabral CTEN Santos Jorge CTEN FZ Santos Formiga APOIO AO ANA (AFGANISTAN NATIONAL ARMY) AFEGANISTÃO EU-SSR APOIAR A REFORMA NO SECTOR DA SEGURANÇA GUINÉ-BISSAU UE - CMG Fernandes Carvalho EUFOR TCHAD/RCA MISSÃO DE ESTABILIZAÇÃO CHADE/REP. CENTRO AFRICANA EU - 1TEN Vieira Serra ISAF - OMLT EUNAVFOR SOMÁLIA – OPERAÇÃO ATALANTA COMBATE À PIRATARIA SOMÁLIA E GOLFO DE ADEM NATO UE - - 1TEN Sanches Fontes: EMA – DIV. OPERAÇÕES; Henrique Castanheira, Súmula N.º 91, DGPDN, 2005 122 12-Dez-2008 DIRECTIVA / INSTROP / DOCUMENTO EFECTIVOS (O-S-P/Tot) 1 Enfº Mestre + 1 Socorrista 01 Of (Médica) + 01 Enfº A PRESENÇA DA MARINHA EM TIMOR DATA OPERAÇÃO INTERFET UNTAET UNTAET UNMISET UNMISET DOCUMENTO TIPO MISSÃO Port. 908/99, de 14OUT IMPOSIÇÃO DA PAZ Port. 20/2000, de 25JAN ESTABILIZAÇÃO DA PAZ Res. CS/1272, de 25OUT99 Port. 59/2000, de 12FEV Port. 458/2001, de 8MAI MANUTENÇÃO DA PAZ Res. CS/1410, de 17MAI02 MANUTENÇÃO DA PAZ / CONSOLIDAÇÃO DA PAZ CONSOLIDAÇÃO DA PAZ O.I. FORÇA ONU NRP VASCO DA GAMA EFECTIVOS 184 LOCAL ONU PARTIDA CHEGADA Set-99 Mar-00 Jan-00 Jul-00 FORÇA DATA CF 22 150 DÍLI LIQUIÇÁ Fev-00 Ago-00 CF 23 150 LIQUIÇÁ SAME Ago-00 Fev-01 2º BIPara/ BAI Jul-00 CF 21 151 SAME Fev-01 Out-01 2º BI/BLI Nov-00 CF 22 130 SAME LIQUIÇÁ Out-01 Jun-02 1º BI/BLI Mar-01 Mai-01 CF 23 150 LIQUIÇÁ GLENO Jun-02 Jan-03 2º BIPara/ BAI/CTAT Fev-02 CF 21 150 LIQUIÇÁ GLENO BAUCAU Jan-03 Jul-03 1º BIMEC CF 22 150 BAUCAU Jul-03 Jan-04 CF 23 111 BAUCAU Jan-04 Jun-04 ONU DESINTEGRAÇÃO LOCAL DATA LOCAL TIMOR NRP H. CAPELO ONU INTEGRAÇÃO Fonte: EMA – DIV. OPERAÇÕES 123 Set-00 RI 15 (Tomar) AMSJ (Aveiro) Abr-01 AMSJ (Aveiro) RI 14 (Viseu) Out-01 RI 14 (Viseu) Jul-02 QG BLI (Coimbra) AMSJ (Aveiro) Fev-03 AMSJ (Aveiro) Nov-02 STª MARGARI DA Ago-03 STª MARGARI DA AGR F/BLI Abr-03 RI 19 (Chaves) Fev-04 RI 19 (Chaves) AGR H/BLI Out-03 RI 13 (Vila Real) Jun-04 Coimbra ANEXO 2: O EXÉRCITO EM MISSÕES DE PAZ (Loureiro, 2010) Quadro 1: Empenhamento do Exército em Moçambique37 EFECTIVOS MISSÃO ONUMOZ FORÇA O S P TOTAL QG/ONUMOZ 4 0 0 4 BTm 4 25 138 296 459 TOTAL 29 138 296 INÍCIO FIM COMANDANTES 04Abr93 10Out94 04Mai93 29Jul04 TCOR José Castro 30Mai94 22Dec94 TCOR João Leitão 463 Fonte: Secção de Cooperação Militar e Alianças do Gabinete do Chefe de Estado-Maior do Exército (SCMA/GabCEME) Quadro 2: Empenhamento do Exército em Angola3878 EFECTIVOS MISSÃO FORÇAS UNAVEM III O S P TOTAL CTm 5 23 72 96 191 CLog 6 37 77 255 369 QG/UNAVEM III 18 19 0 37 CTm 5 16 58 72 146 CLog 6 23 64 188 275 MONUA DSan 7 QG/MONUA TOTAL 27 34 43 104 8 8 0 16 152 332 654 1138 INÍCIO FIM COMANDANTES 26Mai95 27Dec96 MAJ Joaquim Stone 11Dec96 01Jul97 MAJ Carlos Chambel 28Jul95 08Abr97 MAJ Manuel Prelhaz 08Abr97 30Jun97 MAJ António Leitão 01Abr95 30Jun97 01Jul97 27Nov97 MAJ Carlos Chambel 19Nov97 26Out98 MAJ Ricardo Costa 30Jun97 27Jul98 MAJ António Leitão 31Ago97 20Abr98 TCOR José Ramos 26Abr98 02Ago98 TCOR José Rodrigues 30Jul98 25Set98 TCOR Abílio Gomes 01Jul97 05Jan99 Fonte: SCMA/GabCEME 37 Não estão contabilizados os militares que fizeram parte da COMIVE, que actuou antes da assinatura do Acordo Geral de Paz. Nem os militares que integraram a Comissão de Supervisão e Controlo, criada para garantir a implementação do processo de paz e que tinha na sua dependência as seguintes comissões: Comissão de Cessar-Fogo, Comissão Conjunta para a Formação das Forças Armadas da Defesa de Moçambique e Comissão de Reintegração dos Militares Desmobilizados. 38 Não estão contabilizados os militares que integraram a Missão Temporária de Portugal junto das estruturas do processo de paz em Angola e que participaram nas diversas comissões que dependiam da Comissão Conjunta Político Militar (CCPM). Os efectivos referentes aos QG incluem os militares da Polícia do Exército. Na MONUA, a retirada dos militares da Polícia do Exército ocorreu a 05 de Junho de 2000. 124 Quadro 3: Empenhamento do Exército na Bósnia Herzegovina EFECTIVOS MISSÃO IFOR SFOR FORÇA INÍCIO FIM 678 29Jan96 12Ago96 188 247 16Jan96 20Dec96 109 588 730 12Ago96 20Dec96 TCOR Fernando Saraiva 23 63 224 310 20Dec96 10Fev97 TCOR Fernando Saraiva 1º BIMoto 29 63 244 336 10Fev97 30Jul97 TCOR Carmelindo Mesquita 2º BIMoto 30 63 230 323 30Jul97 14Jan98 TCOR Artur Monteiro 1º BIAT 36 68 245 349 14Jan98 15Jul98 TCOR Joaquim Cuba Agr Alfa 34 67 223 324 15Jul98 12Jan99 TCOR Alberto Nunes 3º BIMoto 32 69 225 326 12Jan99 10Jul99 TCOR António Nunes 2º BIPara 30 65 233 328 10Jul99 31Jan00 TCOR António Martins Agr Conj Alfa 22 47 138 207 31Jan00 29Jul00 TCOR João Moura 2º BIMec 30 68 226 324 29Jul00 28Jan01 TCOR Marco Serronha Agr Echo 30 72 214 316 28Jan01 29Jul01 TCOR António Menezes 1º BIPara 30 62 259 351 29Jul01 29Jan02 TCOR António Martins 2º BIMec 29 58 236 323 29Jan02 30Jul02 TCOR Isidro Pereira 2º BI 29 58 236 323 30Jul02 30Jan03 TCOR Jorge Almeida MNBG 23 9 3 35 05Jan03 02Dec04 1º BIPara 25 57 195 277 30Jan03 30Jul03 TCOR César Fonseca Agr Golf 26 57 192 275 30Jul03 24Jan04 TCOR Luís Fonseca 3º BIPara 26 57 193 276 24Jan04 23Jul04 TCOR Jorge Prazeres 2º BIMec 26 57 192 275 23Jul04 02Dec04 TCOR João Duarte 26 57 192 275 02Dec04 13Jan05 TCOR João Duarte QG e Outros 56 26 4 86 02Dec04 C. PRT (BAI) 16 44 125 185 13Jan05 30Jun05 TCOR Carlos Pereira C. PRT (BrigInt) 22 45 128 195 30Jun05 15Jan06 TCOR Carlos Moreno C. PRT (BrigMec) 23 45 129 197 15Jan06 22Jul06 TCOR Rui Ferreira 1º BI/BrigInt 17 40 115 172 22Jul06 24Mar07 TCOR Joaquim Sabino TOTAL 757 1556 5720 8043 O S P TOTAL 2º BIAT 30 105 543 QG E DAS 24 35 3º BIAT 33 3º BIAT 3979 C. PRT EUFOR (BMI) Fonte: SCMA/GabCEME 39 Componente portuguesa. 125 COMANDANTES TCOR Pedro Ferreira Quadro 4: Empenhamento do Exército no Kosovo EFECTIVOS MISSÃO KFOR FORÇA INÍCIO FIM COMANDANTES O S P TOTAL QG e Outros 55 22 6 83 07Jul99 DOE 8 27 17 52 07Jul99 16Ago01 Agr Bravo 32 75 197 304 09Ago99 11Fev00 TCOR José Calçada Agr Charlie 31 72 193 296 11Fev00 11Ago00 TCOR António Teixeira Agr Delta 32 74 192 298 11Ago00 31Mai01 TCOR José Banazol 2º BI 30 57 212 299 16Fev05 16Set05 TCOR Carlos Beleza BIPara 30 57 212 299 16Set05 16Mar02 TCOR José Sobreira 1º BIMec 36 67 197 300 16Mar06 19Set06 TCOR Eduardo Ferrão 1º BIPara 31 57 212 300 19Set06 22Mar07 TCOR Álvaro Silva 2ºBIMec 29 56 204 289 22Mar07 22Set07 TCOR Paulo Pereira 2BI 29 56 205 290 22Set07 19Mar08 TCOR João Magalhães 1BIPara 29 56 205 290 19Mar08 25Set08 TCOR Paulo Pedro Agr Mike 29 56 205 290 25Set08 TOTAL 401 732 2257 3390 TCOR Jocelino Rodrigues Fonte: SCMA/GabCEME Quadro 5: Empenhamento do Exército em Timor-Leste EFECTIVOS MISSÃO UNTAET UNMISET FORÇA INÍCIO FIM 127 14Fev00 20Mai02 415 553 14Fev00 14Ago00 TCOR José Simões 102 408 551 14Ago00 21Fev01 TCOR João Marquilhas 46 122 529 697 21Fev01 08Out01 TCOR Fernando Figueiredo 1º BI 45 113 553 711 08Out01 08Jun02 TCOR José Sousa QG e Outros 23 8 5 36 20Mai02 20Mai05 2º BIPara 37 84 374 495 08Jun02 23Jan03 TCOR Nuno Silva 1º BIMec 35 82 374 491 23Jan03 23Jul03 TCOR Eugénio Henriques Agr Foxtrot 36 83 373 492 23Jul03 25Jan04 TCOR Artur Brás Agr Hotel 32 78 273 383 24Jan04 11Jun04 TCOR Francisco Sousa TOTAL 402 803 3331 4536 O S P TOTAL QG e Outros 66 34 27 1º BIPara 41 97 2º BIPara 41 2º BI Fonte: SCMA/GabCEME 126 COMANDANTES Quadro 6: Empenhamento do Exército no Afeganistão EFECTIVOS MISSÃO ISAF VIII ISAF IX ISAF X ISAF XI FORÇA INÍCIO FIM COMANDANTES O S P TOTAL QG e Outros 11 6 1 18 27Fev02 CCmds 14 44 99 157 10Ago05 18Fev06 TCOR Luís Moreira CCmds 14 44 99 157 18Fev06 28Ago06 TCOR Pedro Soares 2º BIPara 13 36 100 149 28Ago06 28Fev07 TCOR Paulo Pedro 2CCmds 12 41 97 150 28Fev07 28Ago07 TCOR Paulo Pereira 22ªCAt/2ºBIPara 13 37 100 150 28Ago07 28Fev08 TCOR David Correia 1CCmds 12 41 97 150 28Fev08 13Ago08 TCOR Carlos Bartolomeu TOTAL 89 249 593 931 Fonte: SCMA/GabCEME Quadro 7: Empenhamento do Exército no Líbano EFECTIVOS MISSÃO UNIFIL FORÇA INÍCIO FIM COMANDANTES O S P TOTAL QG e Outros 4 2 - 6 24Nov06 CEng/BrigMec 12 37 92 141 25Nov06 25Mai07 TCOR Firme Gaspar CEng/RE 1 12 37 92 141 25Mai07 27Nov07 TCOR José Santos UnEng 3 12 37 92 141 27Nov07 29Mai08 TCOR Manuel Carvalho UnEng 4 12 36 92 140 29Mai08 29Nov08 TCOR Jorge Caetano UnEng 5 12 36 92 140 29Nov08 TOTAL 64 185 460 709 Fonte: SCMA/GabCEME 127 TCOR António Pereira QUADRO 8: QUADRO RESUMO DE OUTRAS ACTIVIDADES OPERACIONAIS MISSÃO LOCAL ACTIVIDADE EFECTIVO INÍCIO FIM 80 APOIO À FORMAÇÃO E INSTRUÇÃO40 ONUCI Costa do Marfim Ministrar instrução a Quadros 1 19Mar04 17Abr04 ONUB Moçambique Ministrar instrução a Quadros 1 14Jun04 18Jun04 NTM-I Iraque Apoio em treino e assistência técnica 57 26Fev05 AMIS-II Sudão Planeamento e Operações Logísticas 1 27Jul05 ISAF XI Afeganistão Apoio a treino e mentoring 32 05Mai08 4181 30Nov06 OPERAÇÕES DE RECOLHA DE CIDADÃOS NACIONAIS FORREZ Zaire Apoio à recolha de cidadãos 37 06Mai97 30Mai97 FORREC R. D. Congo Apoio à recolha de cidadãos 10 19Ago98 01Set98 FORREG Guiné-Bissau Recolha de cidadãos 66 08Jun98 19Jun98 RI 15 Guiné-Bissau Recolha de cidadãos 19 10Fev99 10Fev99 OUTRAS PARTICIPAÇÕES AFOR Albânia Apoio aos refugiados kosovares 5 12Abr99 03Set99 EUROFOR Albânia Responsável por operações OTAN na Albânia 11 01Nov00 02Abr01 RD Congo Estabilizar as condições de segurança 2 21Jul03 25Set03 TF Harvest Macedónia Colaborar em acções de desarmamento 5 27Ago01 03Out01 TF Fox Macedónia Garantir protecção aos observadores internacionais 18 12Out01 17Dec02 Allied Harmony Macedónia Garantir protecção aos observadores internacionais 6 17Dec02 31Mar03 EUROFOR Macedónia Garantir protecção aos observadores internacionais 20 31Mar03 15Dec03 FPA 4282 TOTAL 291 Fonte: SCMA/GabCEME 40 Não directamente relacionada com os projectos de cooperação. O mentoring designa as actividades desenvolvidas por uma pessoa (o mentor) em proveito de outra (o mentee) de forma a ajudar este a executar o seu trabalho de uma forma mais eficiente ou a progredir na sua carreira. O mentor deverá ser experiente no tipo de situações em que vai influenciar o seu mentee, podendo usar várias ferramentas para o conseguir como sejam o treino, a discussão, o aconselhamento etc. 42 Força Provisória de Assistência. 41 128 ANEXO C: A FORÇA AÉREA PORTUGUESA EM MISSÕES DE PAZ (Durães e Eugénio, 2010) TIPO DESIGNAÇÃO LOCAL TO PERÍODO ANO COMANDO 1984- 1984 - OTAN - 1987 1987 Participação na NAEWF Detecção Aérea Antecipada Geilenkirshen, Alemanha Ponte Aérea Ajuda Humanitária Rep. Dem. S. Tomé e Príncipe (RDSTP) Ajuda a Marrocos Transporte Especial Marrocos 17Nov1987 Apoio a São Tomé e Príncipe Cooperação (Transporte, Busca e Salvamento, Ligação, Evacuação Sanitária) São Tomé Nov1988Fev2008 Ajuda a Cabo Verde Transporte de VIPs Cabo Verde Apoio a São Tomé e Príncipe Cooperação com São Tomé e Príncipe São Tomé Transporte de Refugiados - AERONAVE PESSOAL RESULTADOS E-3A (NATO) 21 Militares Portugal C-130 60 Militares Portugal C-212 Aviocar Tripulação de 4 militares 1988-2008 Portugal C-212 Aviocar 7 Militares 2942 Missões, incluindo 261 evacuações, num total de 1440 doentes. 45834 Passageiros. 18Jan199030Jan1990 1990 Portugal C-130 23 Militares 618 Passageiros e 125.254 kg de carga. Jan90 1990 Portugal C-130 - - Golfo Pérsico 16Fev9023Fev90 1990 Portugal C-130 - - 27Jev9030Jun90 1990 Portugal C-130 - - 22Set199007Out1990 1991 Portugal C-130 104.878 kg CARGA - Apoio a São Tomé e Príncipe Transporte São Tomé e Príncipe Apoio ao Egipto (Operação Desert Shield) Evacuação de Refugiados Egipto e Jordânia Operação Desert Shield Transporte de Refugiados e Material Iraque 21Nov9028Nov90 1990 Portugal C-130 - - Apoio a Angola Cooperação com a República Popular de Angola Angola 03Dez0008Dez90 1990 Portugal C-130 - - Iraque 16Jan9123Fev91 1991 Coligação C-130 - - Operação Desert Storm - 129 14 Militares (duas tripulações, incluindo manutenção) 121 Toneladas e 2794 refugiados Operação Provide Confort Ajuda Humanitária Turquia e Norte do Iraque ABR-JUL 1991 ONU C-130 - Apoio a Angola Transporte Angola 22JUN9126JUN91 1991 Portugal C-130 - Operação Blue Beam Resgate cidadãos europeus Ex-Zaire (actual R.D.Congo) SET-OUT 1991 Coligação C-130 Busca ao Navio Mercante Bolama Busca e Salvamento Cabo-Verde 1991 Portugal P-3P - - Apoio a Angola Transporte de Material Angola 01SET9106SET91 1991 Portugal C-130 - - Apoio a Moçambique Transporte Moçambique 08SET9115SET91 1991 Portugal C-130 - - Apoio a Moçambique Transporte Moçambique 25SET9113OUT91 1991 Portugal C-130 - - Operação Esperança Ajuda Humanitária Moscovo 07FEV9213FEV92 1992 Portugal C-130 - - Resgate de Nacionais Transporte Mali 06ABR9207ABR92 1992 Portugal C-130 - - - Ajuda Humanitária Ex-Jugoslávia - 1992 e 1993 Portugal C-130 - 103.090 kg CARGA, 263 PAXS Apoio a Moçambique Transporte Moçambique 07SET9212SET 92 1992 Portugal C-130 - - Apoio a Moçambique Transporte Moçambique 09OUT9219OUT92 1992 Portugal C-130 - - Operação Resgate Ajuda Humanitária (Apoio e resgate de cidadãos nacionais) Angola 30OUT92 A 16NOV92 1992 Portugal C-130 - Operações Maritime Monitor Controle do Mar ("Enforcement of Sanctions") Adriático 28JUL9222NOV92 1992 OTAN P-3P - - 130 5 elementos do Corpo de Tropas Páraquedistas 41.676 kg CARGA, 96 PAXS 173.400 kg CARGA, 1.680 PAXS 501.875 kg CARGA, 6.212 PAXS - Operação Maritime Guard Controle do Mar ("Enforcement of Embargo") Acordos CFE Roménia Controle de Armamento Europa de Leste Roménia 17-20OUT 1992 OSCE Operação Sharp Guard Controle do Mar ("Enforcement of Sanctions" "Embargo" e "Bloqueio Naval ao Montenegro") Adriático 16JUN93DEZ95 1993, 1994 e 1995 OTAN Apoio Transporte Bósnia 1993, 1994 e 1995 Resgate de Nacionais Transporte Congo 29JAN9303FEV93 UNPROFOR Ex-Jugoslávia Apoio a Angola Transporte Apoio a Angola 23NOV9215JUN93 1992 e 1993 - - Maj PILAV Samuel Cóias, Maj PILAV Carlos Gromicho e Cap PIL José Azevedo - P-3P - - Portugal C-130 - - 1993 Portugal C-130 - - JAN93-JAN94 1993 e 1994 ONU Angola 07ABR9318ABR93 1993 Portugal C-130 - - Transporte Angola 19ABR9321ABR93 1993 Portugal C-130 - - Apoio a França Transporte Bósnia 1993 e 1994 Portugal C-130 - - Apoio a Angola Transporte Angola 23JUN9326JUN93 1993 Portugal C-130 - - Apoio a Angola Transporte Angola 26JUN9305JUL93 1993 Portugal C-130 - - Angola 22OUT9326OUT93 - - Evacuação sanitária Adriático - - 1993 131 OTAN Portugal P-3P - - C-130 1 Militar (Cap TODCI Raúl Manuel Simões Dias) - - 21 Passageiros caboverdianos, 100 portugueses e 2 brasileiros Apoio a Angola Transporte Angola NOV-93 1993 Portugal C-130 - - Apoio à Guiné-Bissau Transporte Guiné-Bissau 01FEV9403FEV94 1994 Portugal C-130 - - Apoio ao Destacamento Português Transporte Moçambique 31MAR9412ABR94 1994 Portugal C-130 - - Apoio a São Tomé e Príncipe Transporte São Tomé 06ABR9412ABR94 1994 Portugal C-130 - - Apoio à Guiné-Bissau Transporte Guiné-Bissau 08JUL9420JUL94 1994 Portugal C-130 - - Operação Turquesa Ajuda Humanitária Ruanda 21JUL-06AGO 1994 França C-130 Apoio à Guiné-Bissau Transporte Guiné-Bissau 06DEZ9407DEZ94 1994 Portugal C-212 Aviocar - - Apoio a Cabo Verde Transporte Cabo Verde 11ABR9512ABR95 1995 Portugal C-130 - - Operação Decisive Enhancement Mostrar Presença Adriático DEZ9501FEV96 1995 e 1996 OTAN P-3P 72 Militares (Tripulação e Manutenção) IFOR Apoio Logístico Bósnia-Herzegovina - 1996 Portugal C-130 - 891.000 KG CARGA, 4.449 PAXS SFOR Apoio Logístico Bósnia-Herzegovina - 1997-2003 Portugal C-130 - 2.908.545 KG CARGA, 12.355 PAXS Operação Joint Endeavour Apoio à IFOR Unidade de Controlo Aerotáctico (TACP) Bósnia-Herzegovina 1996 OTAN UNAVEM III - Angola 1996 ONU Apoio aero-transportado Bósnia-Herzegovina e Croácia 15JAN1996 (4 Meses) 1996 Operação Decisive Endeavour - 08MAR9624DEZ96 - 13 militares 144,5 Toneladas 50 Pessoas salvas - 24 Militares (3x8) 246 Guiamentos diurnos e nocturnos (incluindo 3 Air Presence reais). - 4 Oficiais - OTAN C-212 Aviocar 5 Militares 79 Passageiros e 1100 Kg de carga. 3 Militares Evacuação sanitária Sarajevo JUL-96 1996 Portugal Falcon 50 Apoio a Angola Transporte Angola 04JUL97 1997 Portugal C-130 - - Operação Alba Ajuda Humanitária Albânia 11JUN9706JUL97 1997 Portugal C-130 - - 132 2 Doentes Operação Deliberate Guard Apoio à SFOR, Apoio Aéreo Próximo Bósnia-Herzegovina 01-DEZ-97 1997 OTAN F-16 - - Apoio à Guiné-Bissau Transporte Guiné-Bissau 22-DEZ-97 1997 Portugal C-130 - - Operação FOREZ Evacuação de Cidadãos Nacionais Zaire 06ABR9828ABR98 1998 Portugal C-130 - - Operação Falcão (FORREG) Evacuação de cidadãos nacionais e estrangeiros, Movimento da retaguarda para o TO do Comando e Estado-Maior da Força e da Componente Terrestre, Transporte Logístico, Ajuda Humanitária. Dakar, Cabo Verde e Guiné-Bissau 08JUN199825JUL1998 1998 Portugal C-130 - Operação Falcão (FORREG) Controle do Mar Guiné-Bissau 26JUN9803JUL98 1998 Portugal P-3P - - Operação Falcão (FORREG) Transporte de VIPs Cap Skirring (Senegal) 28JUN9829JUN98 1998 Portugal Falcon 50 - - KFOR Apoio Logístico Kosovo 1999 a 2002 Portugal C-130 - Operação Allied Force Operação "Pré-Tarrafo" Pré-posicionamento 2035 Passageiros; 213 toneladas de carga. 541.273 KG CARGA, 4.074 PAXS Sérvia 13OUT199828JUN1999 1998 a 1999 OTAN F-16 58 Militares (8 pilotos e 50 manutenção) por destacamento - Cabo-Verde 03FEV9914FEV99 1999 Portugal P-3P - - Apoio à KFOR Unidade de Controlo Aerotáctico (TACP) Kosovo 08JUL9931JAN02 1999 a 2002 OTAN Apoio à Turquia Transporte Turquia 20AGO9923AGO99 1999 Portugal 133 - C-130 40 Militares (14x7) - 192 Missões de treino operacional de Apoio Aéreo Próximo, 370 guiamentos diurnos e nocturnos. - UNTAET Apoio à UNTAET/PKF Timor-Leste e Austrália 01FEV200020JUN00 2000 ONU C-130 24 Militares 892 Passageiros e 105 toneladas de carga (até 04ABR2000). UNTAET/UNMISET/PO RAVN Transporte VIP, Transporte Táctico, Evacuação Médica, Evacuação Aérea em Zona de Combate, Transporte Geral, Busca e Salvamento, Observação e Monitorização de Fogos Timor-Leste 7FEV200031JUL2002 (?) 2000, 2001 e 2002 ONU ALIII Equipas de 31 militares 37.800 kg, 11671 passageiros, 19 doentes e ou feridos Operação Save Ajuda Humanitária Moçambique 05MAR0005ABR00 2000 Portugal C-130 Apoio à ISAF Apoio à ISAF Afeganistão 26FEV-23ABR 2002 OTAN Operação FINGAL Apoio à ISAF Afeganistão 07ABR-??JUL 2002 OTAN C-130 Operação "Active Endeavour" Controle do Mar Mar Mediterrâneo 2003 a 2008 2003 a 2008 OTAN P-3P Operação Distante Vimar Cooperação (Vigilância Marítima) Águas de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe 01JUL0308JUL03 2003 Portugal P-3P Apoio ao Irão Ajuda Humanitária Irão DEZ 2003 Portugal C-130 - - 459.565 KG CARGA, 403 PAXS 3 Militares FAP - 16 Militares (7 Tripulantes e 9 de Manutenção) 244.829 KG CARGA, 183 PAXS 24 (15 Tripulação e 9 Manutenção) - - 79.300 kg CARGA, 222 PAXS Apoio às vítimas do sismo em Al Hoceima Ajuda Humanitária Marrocos 25FEV 2004 Portugal C-130 - 33 Elementos do SNBPC e da GNR com cães e seis toneladas de carga diversa Apoio às vítimas do sismo em Al Hoceima Ajuda Humanitária Marrocos 27FEV 2004 Portugal C-130 - 4 Elementos do INEM Apoio Logístico Iraque (Talil) MAR-NOV 2004 Portugal C-130 - 122.883 kg CARGA, 1.722 PAXS Apoio à ISAF Afeganistão 26MAI- 2004 OTAN - Apoio à ISAF 134 10 Militares OPCART, OPSAS e OPMET - Operação Distante Vimar Cooperação (Vigilância Marítima) Águas de Cabo Verde e Guiné-Bissau 26MAI 02JUN 2004 Portugal P-3P 24 (15 Tripulação e 9 Manutenção) ISAF Peace Enforcement (UN Chapter VII) Afeganistão 19JUL-03JUL 2004-2005 OTAN C-130 Tripulação 7 elementos por voo, 5 apoios de manutenção, 2 informações/operações, 1 HQ - ALCC, 1 Cmdt. do destacamento Open Skies Vigilância Rússia 19MAI-31MAI 2005 OSCE C-130 - Open Skies Vigilância Rússia 19MAI-31MAI 2005 OSCE C-130 - ISAF Comando do KAIA (ISAF) Afeganistão 01AGO01DEZ 2005 OTAN Afeganistão JUL 2005/AGO 2008 2005-2008 Coligação Apoio à ISAF Afeganistão 11DEZ-ABR 2005-2006 OTAN Ajuda Humanitária Argélia FEV 2006 ACNUR ISAF Peace Enforcement/KEAPING Apoio à ISAF Apoio à Argélia - 33 Militares FAP - 52 Militares (rotações de 3 a 4 meses de 7 elementos com 2 FACs 2OP. COMs, 2OP sistemas e 1 MEC RADIO) - 8 Militares - 837.040 kg CARGA, 8.593 PAXS Cerca de 1000 controlos tácticos e formação de cerca de 100 elementos pelo TACP português - C-130 - 8.800 kg CARGA 341.230 kg CARGA; 1319 PAXS EUFOR, República Democrática do Congo Peace Enforcement (UN Chapter VII) R.D. Congo 15JUL 30NOV 2006 EUFOR C-130 Tripulação: 7 Apoios de manutenção: 7, informações/ operações: 2, UNITREP no JFACC: 1, NSE: 1 DAE: aprox. 25 fuzileiros World Food Program Ajuda Humanitária e resgate de europeus Líbano JUL - AGO 2006 ONU C-130 1 Tripulação (7 elementos) 92.035 kg, 122 Pax ISAF Apoio à ISAF Afeganistão 16-18 Abril 2007 2007 OTAN Falcon 50 1 Tripulação TPT 1 DOE 135 ISAF Apoio à ISAF Afeganistão 27-29 Agosto 2007 2007 OTAN Falcon 50 Operação "NAUTILUS 2007" Imigração Ilegal Mar Mediterrâneo 17 a 23 SET 2007 EU P-3P 1 tripulação TPT 1 DOE - - Baltic Air Policing Vigilância Lituânia 01Nov-15Dez 2007 OTAN F-16 Cerca de 72 Militares, incluindo todos os pilotos de ambas as Esquadras + 6 controladores de defesa aérea ISAF Apoio à ISAF Afeganistão 25-26 Novembro 2007 2007 OTAN Falcon 50 1 Tripulação TPT 1 militar falecido 377.000 Kg;1024 Pax 60 Acções aéreas no JOA; 282.060; kg 3.127 Pax; 1 DOE EUFOR - Tchad Destacamento e sustentação forças EUFOR Chade 16MAR-18MAI 2008 EUFOR C-130 29 Militares x 2 rotações (8 tripulantes + 8 apoios de manutenção + 2 operações + 2 FP + 3 CIS + 1 PIO + 1 DETCOM + 1 UNIT REP + 1 LOG OF + 2 APOIO MÉDICO ISAF Peace Enforcement Afeganistão AGO-DEZ 2008 OTAN C-130 40 Militares em cada um dos três destacamentos 136 - ANEXO D: A POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA EM MISSÕES DE PAZ (Elias, 2010) ANO 19952002 19921995 19941996 20032006 19972001 19982004 PAÍS ORGANIZAÇÃO POSTO MISSÃO TOTAL OFICIAL CHEFE AGENTE Bósnia ONU UNMIBH / IPTF 19 123 122 264 Bósnia ONU UNPROFOR 8 124 26 158 Bósnia UEO MOSTAR 4 16 2 22 Bósnia U.E. EUPM 3 6 10 19 Albânia UEO MAPE 6 5 11 Croácia OSCE OSCE 1 6 7 1999 Kosovo OSCE OSCE 1 11 1999 Kosovo OSCE VIENA 1 19992006 Kosovo ONU UNMIK 5 2008- Kosovo U.E. EULEX 1 19992004 Kosovo OSCE ACADEMIA 1 1999 Jugoslávia OSCE Macedónia OSCE OSCE Macedónia U.E. EUPOL / PROXIMA 1995 Bósnia OSCE ELEIÇÕES 1995 Bósnia ONU ELEIÇÕES Congo ONU MONUC Congo U.E. Guatemala ONU Haiti 19992003 20032005 20012004 20052008 19982002 20042005 1994 19972002 20062008 19982000 2008 19992009 3 15 1 31 35 71 13 14 2 3 2 2 1 1 1 1 2 4 5 9 2 2 1 5 6 6 5 11 MINUGUA 3 2 5 ONU MINUSTAH 1 Moçambique ONU UNMOZ 8 20 32 60 Sahara Ocidental ONU MINURSO 5 7 6 18 Serra Leoa ONU UNIOSIL 3 1 4 ONU MINURCA 1 1 2 6 2 10 18 16 52 55 123 105 430 314 849 Rep. CentroAfricana Chade / Rep. Centro Africana Timor-Leste ONU ONU UNTAET /UNMISET / UNOTIL/UNMIT 137 1 ANEXO E: A GUARDA NACIONAL REPUBLICANA EM MISSÕES DE PAZ (Cruz, 2010) Observadores de Polícia ORGANIZAÇÃO UEO PAÍS Roménia EFECTIVOS MILITARES OFICIAIS SARGENTOS TOTAL 1995 1 0 1 UNAVEM 1995-1996 31 0 31 MONUA 1997-1999 62 31 93 UNTAET 13 – 29 JAN 2000 2 0 2 UNMISET 2002-2003 3 8 11 UNOTIL 2003-2006 1 0 1 Libéria UNMIL 2004- 2005 2 0 2 Haiti MINUSTAH 2004- 2005 3 1 4 Costa do Marfim UNOCI 2004- 2005 1 1 2 República Democrática do Congo MONUC 2003 0 2 2 Macedónia SKOPJE 2002-2003 2 0 2 República Democrática do Congo KINSHASA 2005-2006 2 0 2 Macedónia PRÓXIMA 2005 1 0 1 Faixa de Gaza (EUBAM) RAFAH 2005- 2007 1 2 3 Bósnia Herzegovina EUPM 2007-2008 2 0 2 Palestina EUCOPPS 2007-2008 1 0 1 Kosovo EULUX 2008- 2009 1 0 1 116 45 161 Timor ONU UE ANO DANÚBIO Angola OSCE OPERAÇÃO Stability Police Unit ORGANIZAÇÃO PAÍS OPERAÇÃO DATA EFECTIVOS MILITARES OF SARG PRAÇ TOTAL ONU Timor-Leste UNTAET MAR00- JUN02 19 35 246 300 COLIGAÇÃO Ad hoc Iraque Antiga Babilónia NOV03-FEV05 21 42 341 404 LAFAEK JUN06 – AGO06 34 82 652 768 UNMIT AGO06 – EM CURSO Missão Althea FEV08 – EM CURSO 10 17 49 76 84 176 1288 1548 ACORDO BILATERAL Timor-Leste ONU União Europeia Bósnia Herzegovinia 138 ANEXO F: O ENVOLVIMENTO DE PORTUGAL EM MISSÕES DE OBSERVAÇÃO (ATÉ NOVEMBRO DE 2008)4383 (Carriço, 2010) DESIGNAÇÃO DA MISSÃO ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL RESPONSÁVEL TIPO DE MISSÃO LOCAL PERMANÊNCIA DE OBSERVADORES (INÍCIO-FIM) EFECTIVOS TOTAIS EMPENHADOS UNOGIL ONU Supervisão de processo eleitoral Líbano 11Jun58-9Dez58 5 UNTAG ONU Supervisão de processo eleitoral Namíbia 22Out89-11Nov89 3 ONUMOZ ONU EUMOZ UE 19Dez90-4Out92 4Abr93-20Out94 11Jun04-20Jun04 9 6 2 4 Apoio ao processo de paz e supervisão de processo eleitoral Moçambique UNAVEM II ONU Observação de cumprimento de Acordos, supervisão de processo eleitoral e estabilização regional Angola 23Set92-26Set92 1Mai95-30Jun97 1Jul97-7Jun99 10Jan97-10Fev99 7Mai02-1Out02 UNOMSA ONU Supervisão de processo eleitoral África do Sul 15Abr94-30Abr94 5 UNMOP ONU Monitorização de desmilitarização Croácia (Prevlaka) 31Mar95-25Set01 15Jul02-16Fev04 5 2 UNPREDEP ONU Missão preventiva de conflitos étnicos Macedónia 3Jan96-17Mar99 3 ONUB ONU Treino de observadores militares Burundi 14Jun04- … 4 UNAVEM III MONUA 43 8 5 4 5 (2 pertencem à FAP) Para um breve enquadramento ao nível do Direito Internacional sobre cada uma destas operações veja-se Estado-Maior do Exército. 2005. O Exército Português nos Caminhos da Paz: 19892005. Lisboa, pp. 98-161. Os organismos oficiais não dispõem de dados referentes ao número de observadores oriundos da FAP. Os dados recolhidos resultaram de pesquisas efectuadas com base no conhecimento pessoal. 44 Só se referem os custos em que os observadores não foram inseridos para efeitos contabilísticos com outras forças nacionais em missão no mesmo teatro de operações. 139 84 CUSTOS44 UNOCI ONU Treino de observadores militares Costa do Marfim 19Mar04-17Abr04 1 UNMIL ONU Treino de observadores militares Libéria 15Out03-15Nov03 1 CE (Comunidade Europeia/União Europeia) Monitorização de Acordo entre as partes ECMM/EUMM CE e ONU ICFY UNPROFOR UNCRO ONU ONU 1Jul91-17Set01 26Set94-4Dez94 Monitorização de Acordo entre as partes Protecção a populações de étnias minoritárias Monitorização de aeroportos Monitorização de Acordo Ex-Jugoslávia 1Jul91-11Ago96 8Jan93-5Jan96 31Mar95-15Jan96 25 1 35 6 (pertencem à FAP) 5 Sahara Ocidental 9Abr96-15Fev01 23 (dos quais 2 Chefes dos Observadores Militares entre 9 de Abril de 1996 e 1de Setembro de 1997) MINURSO ONU Observação do cumprimento de Acordo de cessar-fogo entre as partes, preparação de referendo OSCE (Croácia) OSCE Observação do cumprimento de Acordo entre as partes Croácia 15Jul02-16Fev04 1 OSCE (Georgia) OSCE Observação do cumprimento de Acordo entre as partes Geórgia Mai04-Nov04 1 UNMIK ONU Observação do cumprimento de Acordo entre as partes Kosovo 17Jul05-… 8 45 Ministério da Defesa Nacional; (1997, 1998, 1999, 2000, 2001); Anuário Estatístico da Defesa Nacional; respectivamente pg. 50, 48, 49, 54, e 59. 140 Ano de 199743.415 Ano de 1998 – 53.000 Ano de 1999 – 20.246 Ano de 2000 – 25.657 Ano de 2001 – 4585 18.771 UNMISET Observação do cumprimento de Acordo entre as partes ONU TASK FORCE AMBER FOX ALLIED HARMONY EUSEC Timor-Leste Apoio ao nation-building UNOTIL AMIS II 20Mai02-20Out05 ONU OTAN OTAN UE 12Jun05-… 9 (dos quais 3 Chefes dos Observadores Militares da UNMISET entre 9 de Julho de 2002 e 1 de Maio de 2004, e um da FAP) 6 Observação do cumprimento de Acordo entre as partes Sudão 27Jul05-… 4 Observação do cumprimento de Acordo entre as partes e estabilização regional Macedónia Out01-Out02 6 Observação do cumprimento de Acordo entre as partes e estabilização regional Macedónia Out02-Out03 6 Apoio à organização e supervisão de processo eleitoral República Democrática do Congo 1Ago05-… 4 Fontes: Caixas 1, 3 e 5 do Arquivo da Secção de Cooperação do GABCEME do Estado-Maior do Exército. Comando Operacional de Forças Terrestre 141 POLÍTICA EXTERNA E POLÍTICA DE DEFESA NO BRASIL: CIVIS E MILITARES, PRIORIDADES E A PARTICIPAÇÃO EM MISSÕES DE PAZ ANTONIO JORGE RAMALHO DA ROCHA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Resumo: O artigo discute a participação dos militares na política brasileira, particularmente em decisões de política externa que lhes dizem respeito, como é o caso da participação em operações de paz. O ordenamento constitucional brasileiro provê adequado arcabouço institucional e normativo, mas os processos políticos ainda não produziram o tipo de relação que se espera encontrar entre civis e militares em uma democracia contemporânea. Este artigo examina o assunto e aponta questões relevantes para se decidir sobre a inserção internacional do Brasil, especialmente quando se tenha que deliberar sobre o emprego de tropas em missões de paz. Para este efeito analisa a política externa brasileira que enquadrou a decisão de participar da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti – MINUSTAH. Palavras-chave: operações de paz, Brasil, política externa, relação civil-militar, MINUSTAH Em que medida civis e militares coordenam suas decisões sobre a inserção internacional do Brasil? Que visão de longo prazo tem o Ministério da Defesa (MD) sobre a projeção de influência do Brasil no cenário internacional? Que papel se reserva aos militares neste esforço de projeção de influência? Que tipo de atuação se espera dos militares e que grau de autonomia se lhes deve assegurar para definir possíveis missões? Qual é o grau de articulação entre o MD e o Ministério das Relações Exteriores (MRE) no que concerne, por exemplo, à decisão de participar de missões de paz? Essas questões permeiam o argumento deste texto, que discute a participação dos militares na política brasileira, particularmente em decisões de política externa que lhes dizem respeito, como é o caso da participação em operações de paz. A relevância do assunto é evidente. Ainda há muito a fazer no que diz respeito à afirmação da autoridade civil no MD, que ainda não se estabeleceu como requerem as condições atuais de um 142 país marcado por histórica instabilidade institucional e peculiar participação dos militares na política. O ordenamento constitucional brasileiro provê adequado arcabouço institucional e normativo, mas os processos políticos ainda não produziram o tipo de relação que se espera encontrar entre civis e militares em uma democracia contemporânea. A sociedade brasileira ainda precisa responder à pergunta recentemente formulada pelo atual Ministro da Defesa: “o que quer o Brasil de suas Forças Armadas?” 1 Este artigo examina o assunto e aponta questões relevantes para se decidir sobre a inserção internacional do Brasil, especialmente quando se tenha que deliberar sobre o emprego de tropas em missões de paz. O texto divide-se em três partes. A primeira analisa, em linhas gerais, o contexto em que se dá a participação militar na política contemporânea, do ponto de vista das missões que lhe cabem. A segunda refere-se a aspectos conceituais e históricos da participação dos militares na política nacional e salienta a relevância de os civis compreenderem valores típicos da formação militar, requisito para sua interação eficaz com os militares. Na terceira, expõe-se o argumento da política externa brasileira que enquadrou a decisão de participar da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti – MINUSTAH, de óbvia importância para a atual inserção internacional do Brasil. Objetiva-se, aqui, instar os militares a refletir sobre os princípios que orientam essa ação política. Curiosamente, o discurso oficial, que a justifica e busca dela extrair benefícios, não salienta o aspecto militar, embora do bom desempenho das tropas dependa o sucesso da atuação brasileira no Haiti. DE CIVIS E MILITARES NO CONTEXTO POLÍTICO CONTEMPORÂNEO Há várias histórias de militares na política brasileira. Marcadas por elementos factuais comuns, por assim dizer, pontos de intersecção de relatos do que aconteceu, essas interpretações do fenômeno usualmente diferem entre si. As histórias que contamos, dizia Coleridge, não se fazem propriamente de fatos reais, mas de eventos com respeito aos quais se “suspende a descrença”. A história a seguir argumenta convir à sociedade brasileira que seus civis e militares se conheçam melhor. E, porque carecemos de informações sobre os militares, enfatiza três valores fundamentais da corporação, a que os civis devem prestar permanente atenção: hierarquia, disciplina e sentido de missão. Porque alguns crêem em distintas interpretações da participação dos militares na política nacional, especialmente no passado recente, elas permanecem, mesmo quando amparadas em falhas evidências, em ideologias, em sentimentos e ressentimentos dos que viveram esta relação ou sofreram suas consequências imediatas. Acaso por ser recente, ou por ter a sociedade brasileira evitado avaliar desapaixonadamente o regime 1 Ver Jobim (2008). 143 de 1964, ainda não se produziu versão consensual dessa relação ao longo do período. Necessitamos de uma história que permita à sociedade deixar no passado os erros e acertos do regime militar, registrando-se méritos e deméritos pertinentes, e começar a definir, responsavelmente, o que queremos de nossas Forças Armadas no porvir. Interessam-nos definições claras a esse respeito. Afinal, o mundo transforma-se em ritmo acelerado, produz ameaças e revela vulnerabilidades cujo enfrentamento requer mais que sentido de direção; requer visão de futuro. Quando se trata de Defesa Nacional, essa visão de futuro se torna ainda mais relevante: fenômenos que, no passado, não constituíam ameaças à segurança do Estado, de suas instituições ou de sua população passaram a ser vistos como tal. A securitização2 desses fenômenos e a expansão do conceito de segurança evidenciam esse processo,3 bem como a dificuldade de se atribuírem responsabilidades a agências governamentais quando coincidem os objetos aos quais se referem suas políticas. Não faz muito tempo, era fácil delegar aos militares a defesa nacional (contra ameaças vindas de forças armadas de outros países, em um mundo concebido em termos westfalianos) e às polícias a promoção da ordem pública, isto é, o rechaço a atividades criminosas de cidadãos no interior de um Estado nacional. Uns faziam a guerra ou dissuadiam potenciais inimigos de fazê-la; outros proviam a justiça. Hoje, isso é mais difícil. Em meio a fronteiras porosas e redes virtuais, em que agentes dispersos geograficamente estabelecem contato direto, eventualmente ocorrem crimes transfronteiriços: nesses casos, a que órgão da burocracia atribuir cada função? A dificuldade não é apenas nossa. Após 11 de setembro de 2001, o governo dos Estados Unidos criou um órgão federal para cuidar da segurança interna. Suas políticas orientam-se por conceito de fronteira que a define como o espaço em que ocorre a interação entre um agente ou interesse americano e um estrangeiro. Quando se presta um serviço na internet, onde se materializa esta interação? Este departamento se sobrepõe aos estados e possui responsabilidades que se confundem com as dos departamentos de Defesa e de Estado, e ocasionalmente com o United States Trade Representative (USTR). Sua atuação ilustra a dificuldade atual de se distinguir entre ameaças internas e externas.4 Não admira que líderes militares defendam nova doutrina de preparo para as guerras modernas: 2 Ver Buzan & Weaver (2003). Ver Estratégias de Segurança Nacional dos EUA (a cada 2 anos, desde 2002, disponíveis em www.dod.gov); Conferências Hemisféricas de Ministros de Estado da Defesa (também a cada 2 anos, disponíveis em www.oas.org), e numerosos artigos acadêmicos que discutem o tema da ampliação dos conceitos de defesa e de novas ameaças. (O USTR é o órgão do Estado americano responsável por negociar as regras que servem de base para seu comércio exterior.) 4 Ver Walker (1993). 3 144 [we must] employ some of our most effective nongovernmental elements of national power, such as the universities, businesses, and industries at the heart of our global economic influence. [...] We must also be able to offer the populations of countries affected by war the hope that life will be better for them and their children because of our presence, not in spite of it. In other words, in contrast to the idea that force always wins out in the end, we must understand that not all problems in modern conflict can be solved with the barrel of a rifle.5 Trata-se, pois, de nova visão do papel dos militares no exercício de projeção do poder nacional. Cogitar atuar em missões de paz implica lidar com o tema dos “Estados frágeis”, em cujo território atuam grupos de poder autônomos, contestadores dos Estados nacionais, mas interessados em sua permanência, pelo menos simbólica. Isso lhes permite conduzir atividades ilegais sob a fachada de um Estado soberano, o qual limita possíveis intervenções estrangeiras, mesmo auspiciadas pela ONU. Despreparada para atuar nesse domínio em sua fundação, a ONU cedo interveio em situações de conflito com vistas a promover a paz ou, pelo menos, a impedir genocídios ou violência generalizada que ameaçasse a segurança internacional.6 A Organização aparelhou-se para melhor atuar nesse domínio, como ilustram as operações de paz em curso e a criação dos departamentos de Operações de Manutenção da Paz e de Apoio ao Terreno. Promover a paz em países onde imperam situações de conflito não é fácil. A ONU resumiu sua experiência no documento United Nations Peacekeeping Operations: Principles and Guidelines, texto que amplia a doutrina exposta no Relatório Brahimi7 e registra seu entendimento das competências e limites operacionais no terreno. A chamada “Doutrina Capstone” é também um documento político, complementar à Agenda do Milênio: a ONU utiliza-o em sua busca por prestígio, por voltar ao centro de processos decisórios relevantes, em resposta às políticas dos EUA nos últimos anos.8 5 Chiarelli: “Learning from our Modern Wars: The Imperatives of Preparing for a Dangerous Future”. In Military Review, September-October 2007. 6 Sua primeira atuação nessa seara foi em 1948, pela United Nations Truce Supervision Organization, destinada a supervisionar o cessar-fogo entre os países árabes e Israel por ocasião da invasão do território da Palestina. Em 1956, atuou com estrutura mais eficaz durante a crise de Suez. 7 Em 1993, o Secretário Geral Boutros-Boutros Ghali constituiu comissão presidida pelo embaixador Lakdar Brahimi com vistas a estabelecer um conjunto de normas que servissem a balizar as condições e os limites da atuação da Organização das Nacões Unidas em operações de paz. O relatório da comissão constituiu o primeiro documento oficial a conceituar operações de paz (manutenção, imposição, feitura da paz) e serviu a consolidar a doutrina empregada neste tipo de intervenção internacional. Desde então, essa doutrina evoluiu, consolidando-se na chamada Capstone Doctrine, de 2008, que constitui sua versão mais atualizada. Esta doutrina, que deverá ser revisada no início de 2010, apresenta, ademais, reflexões sobre as lições aprendidas na condução de operações de paz nas últimas seis décadas. O documento que enquadra sua revisão, intitulado New Horizon, está já à disposição dos interessados na página da ONU na Internet. A ênfase de sua discussão recai nas condições ideais para se transferir às autoridades locais a responsabilidade por prover bens públicos fundamentais. 8 Bons artigos examinam o problema da reconstrução de Estados e as melhores práticas institucionais para reduzir os níveis de violência nessas comunidades. Ver, por exemplo, Collier, Chauvet e Hegre (2008), 145 O contexto em que hoje se desenvolvem as missões de paz é complexo. Com frequência, há, no terreno, grupos de poder que exercem atividades ilegais, não raro apoiados por integrantes dos governos,9 e consideram útil manter estrutura estatal débil, incapaz de reprimir com eficácia, mas suficiente para escudar tais atividades nos conceitos de soberania e não-intervenção. No caso do Haiti, não há dois grupos a separar ou um mandato tampão a cumprir. Além disso, observam-se tensões entre as expectativas da população e as possibilidades do Estado, carente de meios e pessoal para atuar. No complexo sistema político haitiano, prevalecem grupos interessados não em tomar o governo e falar em nome do Estado, mas em mantê-lo pouco operacional, incapaz de coibir atividades ilegais. Lidar com isso requer preparar civis e militares capazes de compreender e enfrentar, de forma concertada, temas variados: o papel da ONU e suas limitações; a reorganização das relações internacionais contemporâneas; a emergência de grupos de poder não-estatais; tensões entre objetivos de “segurança nacional” e “segurança humana”; a administração de territórios governados por Estados frágeis; instabilidades regionais; a alocação de recursos para as Forças Armadas... Os temas abundam. O leitor criativo ampliará a lista. Estabelecer políticas externa e de defesa que articulem a participação regular do Brasil nessa missão (e nas que virão) implica ir muito além do que prevê a Diretriz XXIII da Política de Defesa Nacional (PDN). Por isso mesmo, e porque não se controla o meio internacional, é preciso ter clara visão de futuro. Só assim se podem atribuir responsabilidades precisas a diferentes órgãos da burocracia para assegurar a integridade de indivíduos, fronteiras, valores, instituições, enfim, do Estado nacional. A tarefa estende-se ao Legislativo, obviamente. O processo é político: obscuro, volúvel, tecido em redes de interesses e ideias cambiantes, marcado por expectativas contraditórias, por diversas percepções sobre como as coisas são e sobre como devem ser. Política, afinal, é isso mesmo: o ambiente em que interagem os agentes que dizem como as coisas são e os que dizem como elas devem ser. Uns querem mantê-las e reagem; outros querem transformá-las, e ousam. Disso decorre a relevância de instituições e regras duradouras: ao longo da História, não se encontrou melhor maneira de coibir arbitrariedades e de produzir, na formulação utilitarista, virtudes públicas com vícios privados. A transitoriedade, inerente à vida e aos homens, também será o destino das sociedades em que não vinguem sólidas instituições. Delas dependem as regras de jogo para os agentes políticos, a convergência Pureza et al. (2006) e Lund e Cohen (2006). A Própria Doutrina Capstone será revista em 2010. Que opinião terá, então, o MD sobre mandatos, responsabilidades e atribuições cabíveis no texto? Que orientação ele passará ao Itamaraty a esse respeito? 9 O caso mais conhecido no Hemisfério Sul é o das FARC, na Colômbia, por suas proporções e impactos na política regional. A África é também pródiga em exemplos, como testemunharam a situação de Angola até à morte de Savimbi, do “General Morgan” na Somália ou de Charles Taylor na Libéria. 146 de suas expectativas, a concentração de suas energias. Nelas residem os valores de uma sociedade, que engendram um entre muitos futuros possíveis. A sabedoria política está em utilizar os ensinamentos da lida cotidiana com assuntos de Estado e com o interesse alheio para construir instituições que perpetuem modos de vida, populações e valores.10 Mas instituições não se constroem no vácuo. Memórias do passado, identidades corporativas, percepções, processos em curso, tudo condiciona o modo como se constituem e evoluem as instituições políticas. Decidir no presente requer ter em conta o que se espera do futuro. Requer também processar as influências do passado e entender o modo como elas são percebidas pelos agentes políticos. Vejamos aspetos desse fenômeno e sua influência sobre a participação dos militares na política brasileira. ASPETOS CONCEITUAIS E HISTÓRICOS DA PARTICIPAÇÃO DE MILITARES NA POLÍTICA NACIONAL Instituições embutem ideias sobre sociedades mais livres, mais justas ou mais seguras – para mencionarmos apenas valores básicos em qualquer comunidade política. Por diferentes razões, cada sociedade favorece um desses valores em detrimento dos outros e constrói instituições tendentes a concentrar suas energias e riqueza na produção de ambientes mais seguros, mais livres ou mais justos.11 Em cada caso, cabe esclarecer o que se espera dos que ficarão responsáveis pela proteção da sociedade. E os meios de que disporão. A maior parte dos civis não se dá conta de que essa é uma questão de vida e morte. A menos que se tenha combatido, não se tem noção dos sentimentos envolvidos nesse processo: fomenta-se, de um lado, a convicção de se pertencer a algo grandioso, transcendente, convicção que dá sentido à vida pessoal, reduz sofrimentos ordinários e predispõe o indivíduo a aceitar a perspetiva da morte. De outro lado, pode ser necessário aniquilar o inimigo, por ser essa a condição de sobrevivência, a missão dada e, também, o caminho da glória.12 A maioria dos civis não precisa trazer isso à linha de conta, a menos que conviva de perto com militares. Neste caso, eles integram a comunidade estendida, a família militar. 10 Veja-se, a propósito, a excelente coletânea organizada pelo Senado Federal (1998). Maquiavel inaugura a reflexão moderna sobre o fenômeno em seus Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio. 11 Textos de Economia Política em geral examinam porque as sociedades optam por privilegiar um ou outro valor. Olson (1982) e North (1981) são referências importantes. O manual de Strange (1988) expõe o tema com raro didatismo. O belo livro de Baumol (2002) aponta as instituições que permitem ao capitalismo inovar, gerar riqueza e, inevitavelmente, desigualdades. Não cabe aqui discutir conceitos de justiça. Rawls (1971, 2005) produziu a melhor reflexão sobre o assunto no Ocidente contemporâneo. Quanto à segurança, nada é mais eloquente do que o fracasso da União Soviética: instituições aptas a fomentar o progresso científico e tecnológico em áreas sofisticadas não produziram níveis de bem-estar suficientes para manter legítimo o regime. 12 Sobre o primeiro aspecto, ver Lawrence (2005); acerca do segundo, nenhum estudo acadêmico expressa melhor os sentimentos envolvidos do que Tolstoi, em Guerra e Paz. 147 Instituições totais, as Forças Armadas, em certo sentido, absorvem seus integrantes, que, ao definirem suas identidades, adotam o papel que a corporação lhes atribui.13 Civis com responsabilidades políticas devem conhecer as implicações disso para o contexto social em que se inserem essas corporações e para a vida de seus integrantes. Afinal, proteger a comunidade pode custar-lhes esta vida. Do ponto de vista profissional, espera-se que o cadete de hoje a dedique à corporação, em troca de entrar para essa família e de uma profissão digna, estável e permanente. Mas de quantos cadetes um país como o Brasil necessita hoje? De quantos oficiais generais necessitará em 30 anos? Qual é o seu projeto de força neste horizonte? Não se conhecem as ameaças e vulnerabilidades de amanhã, mas é hoje que se decide sobre o preparo dos líderes que as enfrentarão. Ignora-se o futuro; o presente não. E o presente contém em si as ideias de futuro, bem como as memórias do passado. Ao cabo, essa visão de futuro, e a capacidade de utilizá-la para moldar o presente, conduzindo-lhe o curso na direção desejada, é o que distingue estadistas de indivíduos que ocupam cargos nos governos. No campo da Defesa, essa visão de futuro é ainda mais relevante: o sentido de missão e valores tais como hierarquia e disciplina estruturam a formação militar. As sociedades mantêm Forças Armadas porque presumem que, se não houver indivíduos capazes de proteger sua integridade e suas riquezas, a necessidade e a cobiça alheia colocarão em risco seu bem-estar ou sua sobrevivência. Nisso, não há novidade alguma, dirá o leitor, coberto de razão. Mas ter isso presente reduz o risco de gerir incrementalmente a coisa pública e facilita ter consciência da condição a que se almeja. O alerta é relevante porque, no Brasil, mais de uma vez, indefinições com respeito ao que se espera das Forças Armadas abriram espaço a que elas interpretassem como parte de sua missão atuar politicamente, visando, entre outros objetivos, a definir sua missão. Ao assumirem funções que não lhes competiam, interferiram em assuntos de responsabilidade de outros segmentos da sociedade e trouxeram para dentro das corporações disputas corrosivas de princípios que, paradoxalmente, queriam preservar. Nesses casos, ideia equivocada sobre o sentido de sua missão prevaleceu sobre os princípios de hierarquia e disciplina. Imersas em processos políticos, as Forças levaram à caserna processos e contradições da sociedade, outrora negociados no espaço público. 13 Sobre o conceito de instituições totais, ver Goffman (1967, 1971). O processo traz vantagens, mas implica sacrifícios pessoais, estendidos às famílias. O exemplo mais óbvio: é difícil para esposas de militares ter profissões regulares, por causa das constantes mudanças de cidade. No passado, isso não era problema, já que as mulheres eram donas de casa. Mas os tempos são outros. E ainda não se sabe ao certo como lidar com isso. É preciso saber, pois, o desenho de força afeta aos militares que dela participam. 148 E, como se sabe, hierarquia e disciplina não presidem, habitualmente, essas negociações. Por isso mesmo, os líderes primeiros do regime de 1964 queriam-no curto, transitório, “de exceção”. A regra seria deixar a política aos políticos e aprofundar a profissionalização dos militares.14 O excesso de autoconfiança e o temor de que o comunismo ganhasse espaço em uma sociedade desarticulada pelo desastroso governo Goulart, bem como a reação ao que lhes pareceu uma afronta aos princípios de hierarquia e disciplina, fizeram Castello Branco e seu grupo crer que teriam condições de agir apenas pontualmente, “colocando a casa em ordem”, recuperando o papel de “Poder Moderador” a que, no passado, o Exército aspirara.15 Não se compreendeu, então, que intervenções dessa natureza geram fluxos nos dois sentidos, sendo mais fácil observar-se a politização castrense do que a militarização da sociedade. Distanciaram-se civis e militares. Feita de preconceitos, a ignorância mútua serviu a ampliar essa distância e dificulta exame sóbrio da história recente do Brasil. O alerta importa, ainda, porque definir o que a sociedade brasileira espera de suas Forças Armadas requer exame profundo e desapaixonado do passado recente. Sem isso, a relação entre civis e militares evoluirá constantemente ameaçada pelas sombras de 1964.16 É como vem, de resto, evoluindo a relação entre civis e militares desde a redemocratização. Sucessivos governos tentaram, mas decorreu mais de uma década entre a promulgação da Constituição de 1988 e a criação do Ministério da Defesa. O esboço de política de defesa escrito em 1996 só foi atualizado em 2005. Não se criou uma carreira de especialistas em defesa que possam conduzir esta política nem se reestruturou o Ministério de modo a permitir-lhe exercer efetiva ascendência sobre as Forças. Os passos são lentos, as resistências importantes. Mas o processo evolui na direção correta. Aprovou-se, em dezembro de 2008, a Estratégia Nacional de Defesa. O documento avança significativamente na organização 14 Talvez o exemplo mais relevante seja a pouco estudada Lei 4.902, de 16/12/1965, que dispõe sobre a inatividade dos militares da Marinha, da Aeronáutica e do Exército. Esta lei estabeleceu limites para a permanência dos oficiais nos postos de general, visando coibir intenções caudilhistas e forçar a renovação das elites militares, além de indicar parâmetros utilizados para promoções. Hoje, esses períodos são respeitados naturalmente e a substituição das elites militares dá-se de modo tranquilo e previsível. 15 Isso foi também o que pensou então parcela considerável da elite civil brasileira. Mas, assim como as lideranças civis, também os militares estavam divididos, e houve quem percebesse o golpe como uma oportunidade de livrar para sempre o país do comunismo, o que implicaria permanecer no poder indefinidamente. Houve também, como sói acontecer nessas ocasiões, quem buscasse apenas se beneficiar pessoalmente das mudanças em curso. 16 A nota do Comando do Exército que ajuntou a gota d'água faltante para a queda do Ministro José Viegas, as celeumas envolvendo indenizações milionárias, as declarações sobre tortura de familiares de oficiais supostamente envolvidos nesses processos, as ambíguas posições de lideranças políticas sobre a anistia, a delicada questão da abertura dos arquivos militares sobre a repressão, eis alguns dos assuntos dessa época ainda pendentes, que, vez em quando, afetam a agenda política do presente, condicionando, em geral negativamente, definições sobre o futuro. 149 das Forças Armadas e na sua articulação. Não obstante as claras concessões feitas aos projetos tradicionais de cada Força, em vez de estabelecer prioridades mais propriamente de defesa, essas prioridades se combinam de modo relativamente coerente do ponto de vista da inserção internacional do País. O texto trata de assuntos que vão muito além da defesa nacional, em flagrante contradição com seu título: melhor seria intitulá-lo, com efeito, “Estratégia de Segurança Nacional”, não fossem as fortes resistências inspiradas, ainda, por convicções geradas em um tempo que a sociedade não logrou deixar no passado. As diretrizes do documento visam a organizar processos relevantes para o campo da defesa nacional. Ao avançarem no tratamento de aspectos atinentes à segurança nacional, envolvem outros segmentos da sociedade e propõem associar diretamente segurança e desenvolvimento econômico e social. A ênfase nos setores cibernético, nuclear e espacial orienta não apenas os esforços das agências diretamente relacionadas com a área de defesa, mas também políticas educacionais, científicotecnológicas e industriais. Trata-se de proposta ambiciosa, que resulta de consenso entre várias agências burocráticas e corporações, o que explica algumas de suas contradições. É certo que não se materializará integralmente, face à carência de recursos orçamentários. Mas constitui passo importante na direção certa. E sua implementação contribuirá para aproximar civis e militares, no bojo de processos políticos coerentes com o enquadramento democrático vigente no país. Embora avance no sentido de fortalecer o MD, especialmente ao transformar o Estado-Maior de Defesa em Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, a END não prevê reformas institucionais necessárias a concretizar este processo, tais como a subordinação dos Chefes de Estado-Maior das Forças ao Chefe de Estado-Maior Conjunto,17 sequer em tempo de guerra. Tampouco reconhece a necessidade de se estabelecer interlocução de alto nível entre o MD e o MRE. 17 Isso implicaria torná-lo, por assim dizer, a contraparte militar do papel político do Ministro de Estado da Defesa. É de se esperar que esses indivíduos trabalhem juntos, como se fossem as duas faces de uma moeda. Um na interlocução política com o Presidente e outras autoridades; o outro com ascendência efetiva sobre a tropa. A fórmula é sensata e adotada mundo afora, pois os dois contextos são distintos e as duas realidades são complexas demais para que um indivíduo as conheça a fundo e comande autoridade suficiente para bem se desincumbir de suas responsabilidades. Somente indivíduos extraordinários teriam condições de comandar tamanho respeito. Só que as instituições devem ter em vista indivíduos comuns: os melhores entre eles, se a seleção for boa, mas, ainda, indivíduos comuns. O tema é delicado porque semelhante mudança estabeleceria, no caso brasileiro, outro nível hierárquico entre o Ministro e os Comandantes das Forças, que não querem se ver “rebaixados”. Há solução politicamente viável: efetivar-se a mudança em um momento no futuro, preferencialmente não no próximo mandato presidencial. Isso favoreceria avaliação dos ganhos em termos de interoperabilidade e sinergia para o conjunto das Forças, sob o comando de um político capacitado e do militar mais antigo, no cargo de Chefe do Estado-Maior Conjunto, a quem responderiam os Chefes de Estado-Maior das Forças. Com nuanças, essa estrutura é adotada nos países que passaram por recentes experiências de guerra. É eficaz por alinhar o comando político ao militar, colocando-os a serviço do emprego efetivo da força no cumprimento de suas missões precípuas. Reduzemse, ainda, enormemente, os custos operacionais. 150 Não cabe, aqui, esmiuçar a END, examinando-lhe virtudes e deficiências. Cabe retomar o exame das peculiaridades da profissão militar. Quando uma sociedade confia armas a alguns de seus integrantes, corre o risco de eles as utilizarem não para proteger a coletividade de ameaças (externas ou não), mas para submeter outros cidadãos. Isso ocorreu no Brasil, e a experiência traumatizou civis e militares. Leituras autorizadas do regime de 1964 sublinham as dificuldades de se disciplinar o uso da força e a complexidade da relação entre este fenômeno e os processos políticos, que são mais instáveis e difíceis de serem controlados quando prevalecem preconceitos, 18 desconfianças e ódios. É preciso entender o contexto em que se desenvolve essa relação. No Ocidente, a profissão das armas institucionalizou-se em consonância com a concentração, no Estado, do monopólio do emprego legítimo da violência. Distinguiu-se conceitualmente o ambiente interno, hierárquico, do internacional, anárquico. Às polícias, confiou-se manter a lei e a ordem interna; às Forças Armadas, rechaçar ameaças externas.19 Profissionalizaram-se policiais e militares em corporações distintas, embora assemelhadas. Uns são treinados para prender cidadãos, outros para matar inimigos. Por isso mesmo, de resto, não convém empregar Forças Armadas na promoção da segurança pública, exceto em situações extremas. Para a maioria dos seres humanos, não é fácil tirar a vida de outros. Isso deixa traumas, como testemunham tantos massacres perpetrados por veteranos de guerra, em 18 Entre os estudos mais respeitados figuram Soares e D'Araújo (orgs.) (1994); a trilogia de Soares, D'Araújo e Castro (Visões do Golpe, Os Anos de Chumbo e A Volta aos Quartéis); Oliveira (1994), Reis e O'Donnell (orgs.), 1988; os 4 volumes de Gaspari e sintéticas interpretações como a de Fausto (1996). O bom livro de Couto (1998) destaca, ainda, a cizânia nas corporações, particularmente no Exército, resultante da condenação por muitos de seus integrantes de atos de tortura. A contradição entre a ética prevalecente na corporação e o destoante, mas não infrequente, comportamento de alguns de seus oficiais, ilustra a dificuldade de se enquadrar a parcela armada da sociedade. Duas expressões realçaram esse fenômeno: a caracterização da “monstruosidade” dos serviços de informação, cujo controle a “linha dura” tomara da autoridade constituída, pelo próprio General Golbery, e a conhecida oposição do Vice-Presidente Pedro Aleixo ao AI-5, com o argumento de que não se podia confiar “no guarda da esquina”. O tema gerou conflitos nas Forças, particularmente no Exército, e determinou a demissão do general Frota pelo presidente Geisel, fato marcante no caminho em direção à abertura democrática. Talvez seja, ainda hoje, o assunto que mais divide civis e militares no Brasil, como sugerem os debates, sempre emocionais e incompletos, acerca da lei de anistia, de compensações milionárias a vítimas do Regime e da abertura dos arquivos. Defende-se até mesmo o recurso a uma espécie de Comissão de Justiça e Conciliação para tratar do assunto. Qualquer solução de enfrentamento do assunto voltada para a busca da verdade será melhor do que a omissão corrente. 19 Hoje essas responsabilidades se confundem, dada a maior interdependência e a imprecisão dos conceitos de segurança, como ilustra o ambíguo conceito usado na PDN. Missões de paz tornam mais complexa a interação entre civis e militares, além de poderem servir a legitimar intervenções em favor da “segurança humana”. Some-se a isso o fato de que, no Brasil, a participação militar em operações de garantia da lei e da ordem, prevista na Constituição (Art. 142), carece de regulamentação. Assim, o Governo enfrenta o paradoxo de poder empregar os militares em ações de polícia nas missões de paz, respeitando-se as regras de engajamento, mesmo na ausência de legislação pertinente, pois prevalece a ideia de que esse emprego está amparado no mandato da missão. O tema presta-se a controvérsia jurídica, razão pela qual países como França e Canadá produziram leis específicas que expressamente caracterizam essa condição – iniciativa que conviria ao Brasil emular, adaptando-a ao seu ordenamento jurídico. Semelhante emprego no território nacional encerra riscos ainda maiores, por falta de marco legal. A criação da Força Nacional de Segurança Pública poderá reduzir a pressão em favor do emprego das Forças Armadas em ações de polícia, caso seu estatuto seja aperfeiçoado. 151 momentos de descontrole. A profissão militar encerra uma contradição de fundo: quer-se a maior eficácia possível na destruição do inimigo, ao tempo em que se quer evitar o uso dessas mesmas técnicas de administração da violência contra os demais cidadãos. Resolve-se essa contradição identificando-se a corporação à coletividade. É justo e digno matar, então, apenas em nome da pátria e em sua defesa. Ao se desumanizar o outro, tornado em objeto perigoso, reduz-se o drama inerente ao confronto com a necessidade de tirar a vida de outro ser humano. Assim, legitima-se a violência perante a comunidade – donde a noção de Guerra Justa e o corpus jurídico aplicável nos conflitos entre comunidades – e no plano psicológico dos indivíduos que dão vida às guerras. Prepará-los para matar requer, assim, instituírem-se coletividades, cujos mitos fundadores e histórias unem os guerreiros de hoje aos de ontem e aos de amanhã, em geral por meio de suas armas. Há tradições a honrar, heróis a imitar, práticas a manter, valores a perpetuar. Há espaços próprios, templos em que se transmitem ensinamentos, lugares e ritos que guardam memórias. Esses símbolos contribuem para vincular cada indivíduo à coletividade. Cada um deixa sua pequena marca no todo; as efêmeras contribuições individuais somam-se, e diluem-se, na essência do conjunto. Por isso as movimentações constantes, os sacrifícios pela corporação, a solidariedade aos camaradas, o sentido de responsabilidade mesmo em funções modestas: somadas, elas constituem o compromisso de cada um com a instituição militar que integra. E o desta com a coletividade maior, a sociedade a que serve. Desde a primeira formação, no lar e nas escolas corporativas, sua doutrina ensina uma peculiar maneira de pensar, um modo de agir, um jeito de ser.20 A formação militar desenvolve nos indivíduos uma ideia de si atrelada à coletividade, em termos abstratos. A profissão é coletiva; e sua existência se justifica na defesa de outra coletividade, mais ampla: a pátria. Os juízos de valor acerca desse comportamento podem variar, mas cabe compreendê-lo, pois ele é útil à sociedade no processo de disciplinar seus cidadãos armados. Esses valores condicionam a formação dos militares brasileiros e só vicejam em ambiente de disciplina, hierarquia e camaradagem. Sem esta, não se administram as tensões inerentes ao relacionamento hierárquico, não se azeitam as engrenagens da disciplina. Tudo se organiza em função da missão a cumprir. Por isso, governos não podem omitir-se de atribuir esta missão. Pelo menos desde Clausewitz, pouca gente duvida da natureza política da guerra. Na falta de orientação sobre a missão a cumprir, as corporações chamam a si a responsabilidade de nortear seus esforços e sua preparação, já que exércitos não se improvisam. 20 Sobre a formação no âmbito do Exército brasileiro, ver Castro (1990, 2002). 152 A sociedade brasileira hoje parece disposta a aperfeiçoar as condições da Defesa nacional no quadro democrático. O MD promove o intercâmbio entre civis e militares, que “dá ao Estado melhores condições de decisão e à sociedade maior controle.”21 O assunto merece aprofundamento, mas não aqui. Visto o papel dos militares na política nacional, mesmo superficialmente, convém conhecer a política externa que orienta a participação brasileira na MINUSTAH. Isso oferecerá ao leitor elementos para refletir sobre o papel dos militares no atual esforço de inserção internacional do Brasil. DA ATUAL POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA, DA DECISÃO DE PARTICIPAR DA MINUSTAH... E DA PARTICIPAÇÃO DOS MILITARES Como entender a decisão brasileira de participar da MINUSTAH? Sabe-se que ela veio do Palácio do Planalto. Da posse às vésperas do anúncio da participação brasileira na Missão, nem o Presidente, nem o Chanceler, nem o Secretário-Geral, nem mesmo o assessor presidencial para assuntos internacionais, ninguém fez qualquer menção especial ao Haiti. Nada além do tradicional protocolo, raro no caso do Haiti. Entretanto, esta participação tornou-se símbolo da atual política externa e, historicamente, poucos esforços de inserção internacional demandaram cooperação tão intensa entre militares e diplomatas no Brasil. Como a atual política externa brasileira (PEB) enquadrou essa decisão? Parte da resposta começou a ser formulada em meados do século passado, com estudos como o de Roger Bastide, Brasil, terra de contrastes. Desde então, examinam-se as contradições econômicas, políticas e sociais da sociedade brasileira no tempo e no espaço. O país ainda enfrenta os problemas que apartam parcelas de sua sociedade: uns dominam as fronteiras mais avançadas da tecnologia e controlam cadeias produtivas globais; outros vivem como seus antepassados remotos. Houve progresso, decerto, mas os contrastes permanecem. Nesse fundamento repousa a inovação da atual PEB: assertivamente, busca-se aproximar países em desenvolvimento dos avançados. Argumenta-se que os contrastes brasileiros capacitam o país a compreender esses dois mundos, harmonizando a relação entre ricos e pobres. Estabilização econômica e crescente inclusão social teriam ampliado nossa capacidade de harmonizar contrastes, agora colocada a serviço de um ambiente internacional mais estável e mais justo. Capacitam-no, ademais, suas tradições de política externa: amizade com os vizinhos, respeito ao Direito internacional, à solução pacífica de controvérsias, à não-intervenção em assuntos internos e à auto-determinação dos povos. Satisfeito com suas fronteiras, competente e confiável, o país quer um mundo governado por normas, distanciando-se 21 Ver Jobim (2008). 153 da alternativa, donde a importância conferida aos principais foros multilaterais, especialmente ONU e OMC.22 Por isso, acredita que “pode fazer a diferença, junto com outros países latinoamericanos”, por exemplo, no caso da MINUSTAH.23 Ao justificar a ação em termos axiomáticos, o discurso pretende-se coerente, mesmo face a paradoxos tais como o respeito simultâneo aos princípios de não-intervenção e de “não-indiferença”. De fato, a aproximação aos países em desenvolvimento prescinde do pragmatismo econômico utilizado nos anos 70, em favor do compromisso de transformar uma ordem injusta. Denunciar injustiças é, pois, ação política. É também condenar uma ordem predominantemente liberal, que teria ido longe demais. A sociedade internacional teria optado por instituições que privilegiam as liberdades, em detrimento de noções de justiça ou de segurança, e caberia rever esta opção, até por razões de segurança. Para além de questões éticas, desigualdades no plano internacional ensejariam riscos à ordem, por fomentarem sentimentos de revolta. O raciocínio é simples; não necessariamente correto: os fluxos da globalização favorecem o acesso a informações sobre o que ocorre no mundo desenvolvido e sobre as políticas de restrição à imigração. Esses mesmos fluxos provêem instrumentos – internet, conhecimentos sobre armas de destruição em massa, etc. – que podem ser utilizados em ataques terroristas com vistas a reduzir essas desigualdades. Mudar esse estado de coisas implica, então, aprofundar a agenda política internacional, por exemplo, ao se avançar nas metas do milênio. Não basta rever as bases econômicas de uma ordem que, inegavelmente, muito ampliou a riqueza mundial, mesmo nas regiões mais pobres. Trata-se, isto sim, de se questionar os critérios de distribuição dessa riqueza, de se produzir condições de maior equidade. A agenda normativa e as exitosas mudanças nesta direção credenciariam o Brasil a projetar-se no contexto internacional como uma espécie de ponte entre ricos e pobres. Isso legitimaria o protagonismo de um país carente de poder militar e econômico, tanto em contextos formais (CSNU), quanto em foros menos institucionalizados, como o G-8 e o G-20. Trata-se de fomentar “um multilateralismo robusto, que assegure (...) que os benefícios gerados pelo progresso sejam mais amplamente disseminados e que os valores da democracia e da justiça social sejam parte da realidade cotidiana da maioria da população mundial.”24 22 Para não nos estendermos em citações, veja-se Amorim (1993), em que o então Chanceler recupera a tríade de Araújo Castro, substituindo descolonização por democracia, em atenção aos tempos e para enfatizar a histórica vocação da PEB para o desenvolvimento e para o universalismo (nos dois casos ilustrado pelo desarmamento) e Silva (2006, 2008), para versões oficiais. Neste, em particular, o Presidente renova seu “chamamento à solidariedade dos países desenvolvidos com o Haiti” com o argumento de que “A força dos valores deve prevalecer sobre o valor da força”. Para exame da decisão, ver Diniz (2005). 23 Ver Amorim (2007:107). 24 Ver Amorim (2005:14). 154 Eis, pois, resumidamente, o argumento que atribui relevo ao emprego de tropas em missões de paz. Trata-se de projetar poder, de ampliar a capacidade de influência do país no cenário internacional. Esse esforço se estrutura por meios que se reforçam mutuamente: a demonstração de coragem, iniciativa e capacidade material e técnica para solucionar crises reais e a decisão de só atuar em missões auspiciadas pela ONU, anuídas pelos governos receptores e amparadas em valores a que dificilmente alguém se oporia: justiça, equidade e não-indiferença a situações extremas negativas. Já vimos algo sobre o ambiente internacional em que se implementa esta política externa, especialmente ao se discutir a questão dos Estados frágeis e as implicações da participação em missões de paz para a atual formação militar. Não há espaço, aqui, para se aprofundar a discussão sobre o caso da MINUSTAH e as contingências que levaram à decisão brasileira de assumir o comando militar da missão: caberia examinar temas tão diversos quanto a objeção americana a uma liderança chilena, a boa vontade haitiana com relação ao Brasil, as pressões presidenciais, a cobrança ao Brasil pelo persistente hiato entre discurso e ação em sua política externa. É assunto para outro texto. Basta que o leitor conheça o fato de que o argumento em favor da participação na MINUSTAH foi por o Haiti ser o único país miserável no hemisfério,25 fazendo dele um exemplo marcante, e não havendo qualquer referência à participação dos militares no processo de decisão. Sabe-se que tem servido a “mostrar a bandeira”, a testar os sistemas e a expor a tropa a situações reais, a aumentar o orçamento do MD... Mas quais serão as implicações disso para a formação dos militares no porvir? Em quantas outras missões de paz se quer envolver o país? Que tipo de esforço se espera dos militares brasileiros para este fim? Qual é o grau de articulação entre o MD e o MRE no que concerne à decisão de participar dessas missões? O leitor atento terá se dado conta de que voltamos a algumas das questões expostas no início do texto. Isso é proposital. Elas estão em aberto. Convido-o a refletir sobre o assunto e a contribuir com suas opiniões para prover ao Estado brasileiro, qualquer que seja o governo de plantão, de ideias e informações sem as quais não se poderá responder de forma responsável e consequente a essas perguntas. Disso depende criarmos um ambiente saudável e adequado à participação militar, devidamente enquadrada no marco democrático vigente, na política nacional. CONCLUSÕES E COMENTÁRIOS FINAIS Não faltam no Brasil interpretações da participação dos militares na política nacional. Pelo menos desde a Proclamação da República, esse segmento da sociedade desempenhou 25 (Mesmo sem resolver a contradição entre a indicação do entorno estratégico constante na PDN, a saber, a América do Sul e o Atlântico Sul, e a atuação no Caribe.) 155 papel relevante em diversas ocasiões, fosse para auxiliar a promover mudanças, fosse para tentar prevenir sua ocorrência. Entretanto, ainda não se assentou um discurso consensual acerca dessa relação. Mais do que pontificar sobre o que foi ou o que deve ser a participação dos militares na política nacional, este texto oferece ao leitor elementos para refletir sobre esta importante dimensão da sociedade brasileira. As dificuldades para se engendrar processos políticos que aproveitem as instituições e normas que hoje enquadram em moldura democrática as Forças Armadas brasileiras devem servir de estímulo à participação cidadã dos interessados. Embora não exista propriamente uma visão de longo prazo da sociedade brasileira com respeito ao que quer de suas Forças Armadas, a END avançou no assunto e promete envolver, de forma crescente, a sociedade na definição dos assuntos atinentes à defesa nacional. Mas, sem a permanente interação de civis e militares e sua honesta disposição a concertar esforços, não se poderá bem conduzir esta participação. Ilustrou-se, neste texto, a complexidade de um tema específico a reclamar esta atuação concertada: a participação em missões de paz. Viu-se que os militares pouco participaram dessa decisão, embora deles dependa, em parte, o sucesso dessa empreitada. Não defendo que eles devam participar de decisões desse tipo – isso está em aberto –, mas não se lhes pode reclamar eficácia sem dar-lhes condições adequadas de preparo. E essa é uma decisão sobre o futuro. Discutamos, então, os caminhos que a sociedade brasileira pretende percorrer no que diz respeito à relação entre civis e militares. E o que ela quer de suas Forças Armadas. ANTONIO JORGE RAMALHO DA ROCHA Graduado em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (1989), mestre em Ciência Política pelo IUPERJ (1992) e em Relações Internacionais pela Maxwell School of Citizenship and Public Affairs - Syracuse University (1999) e doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (2002). Dirigiu o Departamento de Cooperação/SEC do Ministério da Defesa e a implantação do Centro de Estudos Brasileiros em Porto Príncipe, Haiti. Actualmente, integra a Assessoria de Defesa da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. A sua pesquisa e produção científica concentram-se nas áreas de Teoria das Relações Internacionais, Internacional, Defesa Nacional e Política Externa dos Estados Unidos. Contacto: [email protected] 156 Segurança Referências bibliográficas a Amorim, C. (1993) Discurso de abertura da 48 Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 27 de Novembro. Amorim, C. 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