UM TECTO QUE TAPA MAS NÃO PROTEGE * Luís Cassiano Neves A Imprensa especializada Alemã dá como certa a introdução de tectos orçamentais na Fórmula 1, depois da falência de algumas equipas e da relutância com que as grandes marcas encaram os avultados investimentos exigidos. Os exemplos de má gestão, em diversas modalidades, trouxeram para a ribalta os problemas financeiros no desporto. Os reguladores sugerem tectos orçamentais/salariais como solução. Contudo, constituem uma séria restrição ao livre investimento das equipas, um grave limite à capacidade de ganho de atletas e uma panaceia que não lida com os problemas fundamentais de gestão deficiente e sentimento de impunidade. As limitações a aprovar pela FIA não deverão restringir salários de condutores e mecânicos, nem o desenvolvimento de motores e campanhas de marketing. Ou seja, a legalidade do tecto FIA nem deverá ser questionada, por não ser demasiadamente restritivo. Por essa razão, será também menos eficaz no combate ao “despesismo”, na criação de uma modalidade mais acessível aos pequenos investidores e no nivelamento das condições competitivas. Nos Estados Unidos, os tectos salariais remontam às tensões laborais dos anos 70, e são invariavelmente negociados entre ligas, clubes e atletas. Em nome da proporcionalidade, os tectos americanos são calculados em função de uma percentagem das receitas globais geradas pela liga. O que nos conduz ao problema fundamental de eventuais tectos salariais na Europa: entre nós, os níveis de partilha de rendimento são negligenciáveis, pelo que não existe igualdade de condições competitivas (i.e. investimento) entre equipas. Assim, eventuais restrições terão o efeito de estrangular a oferta (a riqueza ficará concentrada nas mãos de alguns atletas), aumentando o fosso entre clubes e atletas ricos, e os demais, que terão dificuldade em assegurar contratos ou conformar-se-ão com salários reduzidos. Perante este cenário, eventuais tectos passarão a ser objecto de decisões judiciais (recordemos Bosman). O resultado inevitável será a introdução de excepções aos tectos, as quais desvirtuam os propósitos de boa gestão que fundamentam a restrição. Os tectos salariais são cada vez mais questionados no Estados Unidos, onde nasceram e tiveram um contexto que os sustentou do ponto de vista legal. Na Europa, esse contexto não existe, e os reguladores encontrarão dificuldades na aprovação de tectos rígidos (hard caps), restando a alternativa dos tectos flexíveis (soft caps), muito menos eficazes e nessa medida, muito menos interessantes. * Advogado - Grupo de Prática de Direito do Desporto