ID: 61150394
28-09-2015
Tiragem: 35268
Pág: 12
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 25,70 x 30,12 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 3
“Por favor,
sintam-se
em casa”
Chegaram cansados, mas com sorrisos
que ofuscaram a guerra de que não
querem falar. Mais de 30 estudantes
universitários sírios aterraram este
domingo em Portugal mas é na Síria — e
em reconstruí-la — que pensam
Sírios
ID: 61150394
28-09-2015
Tiragem: 35268
Pág: 13
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 25,70 x 30,12 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 2 de 3
FOTOS:BRUNO LISITA
João Ruela Ribeiro
M
Jorge Sampaio deu as boas
vindas aos estudantes sírios e
pediu uma resposta global para
os ajudar
ustafa acabou de
chegar, mas já diz
que “Portugal deve ser um sonho
para todos os sírios”. A fadiga é
visível, depois de
quase dois dias
sem dormir, entre despedidas
e escalas de avião, mesmo que ele
próprio assegure que o cansaço foi
“esquecido”, enquanto nos devolve
um sorriso aberto. Mustafa é um dos
33 estudantes que chegaram ontem
a Lisboa, ao abrigo da Plataforma
Global de Assistência a Estudantes
Sírios, promovida pelo ex-Presidente
Jorge Sampaio.
Chegaram em duas carrinhas, directamente do aeroporto da Portela
para o hotel onde decorreu a recepção, e podiam perfeitamente passar
por um grupo de estudantes em viagem de estudo — mochilas às costas,
cartões de identificação, malas e telemóveis. O grupo — na verdade são 40
novos bolseiros que chegam para o
início deste ano lectivo, embora sete
tenham chegado alguns dias antes —
é composto na sua maioria por raparigas. Algumas vêm de hijab, outras
de cabelo solto.
O caminho até aqui foi longo e
emotivo. Salam avisa-nos logo que
não dorme há três dias. “Passei o dia
antes da vinda com a minha família e
depois foi toda a viagem”, explica-se.
Sente-se obviamente feliz por estar
em Portugal, onde poderá ingressar
no mestrado em Engenharia Informática na Universidade Lusófona.
Terminou a licenciatura e pretendia
continuar a estudar, mas, à semelhança de todos os que fizeram com
ela a viagem, a guerra civil que assola a Síria desde 2011 mudou-lhe os
planos. A felicidade convive, porém,
com a preocupação com a família, especialmente o irmão mais novo, que
deixou em Salamyiah, uma pequena
cidade no Leste do país. Não desvia
o olhar do telemóvel — “espero estar
sempre em contacto com eles”.
Mas não é da guerra que a jovem
de 24 anos — cujo nome significa
“paz” — quer falar. Esse foi o seu diaa-dia nos últimos quatro anos e, por
agora, a sua vida será outra, mesmo
que não saiba ao certo o que aí vem:
“Espero envolver-me na comunidade estudantil e fazer aquilo que se
faz aqui.”
Apelo global
Minutos antes, Jorge Sampaio deixara precisamente esse conselho no
discurso de recepção: “Conheçam o
país, conheçam as pessoas. Por favor,
sintam-se em casa.” Depois de cumprimentar individualmente cada um
dos estudantes, o grande responsável
pela plataforma reconhecia a modesta ajuda que a integração de umas dezenas de estudantes representa para
amenizar o drama sírio. E, por isso,
deixava um apelo muito claro para
que a comunidade internacional se
mobilize em torno desta questão.
“As universidades e politécnicos
podem ser forças decisivas na mudança”, observou Sampaio, e a Plataforma de Assistência a Estudantes
Sírios representa precisamente esse
espírito. Mas os inúmeros entraves
— com a escassez de fundos a encabeçar a lista — que a iniciativa enfrenta impõem uma mudança mais
global. O ex-Presidente da República
sublinhou várias vezes a necessidade de se “discutir a sério o que pode
ser posto na agenda internacional
humanitária” no que respeita especificamente à questão do ensino
superior. “Se tivéssemos feito este
esforço desde o início da guerra
para cuidar daqueles que tiveram
de interromper os seus estudos, e
são milhares, já havia muito mais
gente, espalhada pelo mundo, para
serem integrados no futuro numa
sociedade que é a deles”, afirmou
Jorge Sampaio.
Com a guerra prestes a entrar no
seu quinto ano, há cada vez mais preocupação em relação àquilo que muitos chamam de “geração perdida”
— as centenas de milhares de crianças e jovens sírios que hoje enchem
campos de refugiados na Turquia ou
na Jordânia. A Politico descrevia-os
recentemente como uma “bombarelógio”, permeáveis aos ensinamentos de fundamentalistas islâmicos e
imbuídos de um sentimento de vingança por tudo aquilo que vivem.
E porque em Alepo ou nos subúrbios de Damasco o caos e a destruição não param, o esforço de consciencialização não pode esperar.
Esta semana, Sampaio vai ter uma
série de reuniões em Nova Iorque,
aproveitando também o facto de a
atenção do mundo estar virada para
a Assembleia-Geral das Nações Unidas. Mas o trabalho de lobbying tem
sido “constante”, garante Helena
Barroco, assessora do ex-Presidente, insistindo sempre na criação de
um “mecanismo de resposta rápida
a crises a nível global” no campo do
ensino superior.
Um dos recém-chegados fez questão de dirigir algumas palavras, que
acabaram por ser curtas, culpa da
emoção. Mas mesmo falando pouco,
com a generosidade que uma simples
frase pode conter, o jovem tocou na
urgência que uma actuação deste tipo tem: “Todos os dias há mais estudantes a precisar de bolsas destas.”
Não é, portanto, surpreendente
que a plataforma tenha sido procurada por 2500 pessoas, entre pedidos de informações e candidaturas.
Mesmo com apoios conquistados
recentemente — como os casos do
Banco Santander, da Santa Casa da
Misericórdia de Lisboa, da FLAD, da
Rede Aga Khan para o Desenvolvimento ou do Governo de Andorra —
continua a ser reduzida a ajuda que
a plataforma pode dar. A prioridade
está agora em assegurar a chegada
de um grupo de jovens estudantes
exclusivamente de Medicina, que
vai requerer “uma angariação de
fundos especial”, como explicou
anteriormente Helena Barroco.
Transportes e professores
Ao lado de Sampaio, a dar as boasvindas, estiveram também alguns
dos estudantes que chegaram no
último ano. Um deles conta ao PÚBLICO que lhe vieram pedir logo
informações sobre transportes,
preços e até sobre professores.
Em geral, ninguém quer recordar
a guerra, mas este jovem de 26 anos
não conseguiu deixar de manifestar
a sua opinião sobre o conflito em
curso na Síria — e por temer represálias não quis ser identificado. “A
guerra era evitável, o governo tentou travá-la. [Agora] o meu exército
está a defender o país.”
Até há quase um ano, o estudante
vivia em Damasco — um dos principais focos dos combates entre as
forças leais ao Presidente Bashar
al-Assad e os grupos rebeldes. Da
guerra, lembra-se sobretudo de
carros a explodir e do sangue que
se seguia. Na falta de uma explicação para o eclodir do conflito, tenta
encontrar paralelismos que lhe dêem alguma esperança. “Sinto que
é a nossa vez de sofrer; na Europa
também sofreram com a Segunda
Guerra Mundial.”
Esse quotidiano mudou num dia
semelhante a este, quando também
desembarcou em Lisboa. Estava
“muito feliz” e sentia que “agora o
futuro podia começar”. Daqui a oito ou nove meses deverá defender
a tese de mestrado em Ciências da
Computação, no Instituto Superior
de Engenharia do Porto. Diz estar
“aberto a todas as oportunidades”, no que toca ao futuro, mas
o regresso à Síria é incontornável.
“Acho que é o objectivo de todos
aqui”, afirma.
O novo grupo de bolseiros é composto quase exclusivamente por estudantes de mestrado ou doutoramento, mas Mustafa constitui uma
orgulhosa excepção. Tem apenas
18 anos e veio para estudar Engenharia Informática na Lusófona
(“é boa?”, pergunta de imediato).
Tem um optimismo inabalável e um
raciocínio pragmático. O derradeiro dia antes da partida foi passado
num dilema: o coração estava triste
por deixar a família, mas a cabeça
dizia-lhe que tinha de vir. Prevaleceu a razão: “Não vou encontrar o
meu futuro na Síria.” Mustafa trava
o dramatismo das suas palavras e
apressa-se a regressar ao optimismo. “Coisas más acontecem, mas
o meu país vai voltar à vida”, diz.
E sorri de novo. Para si, Portugal
resumia-se à visão mais clássica de
um miúdo da idade dele de qualquer lado do mundo: Cristiano Ronaldo, futebol, Benfica. E agora é
também um sonho tornado real.
ID: 61150394
28-09-2015
Tiragem: 35268
Pág: 1
País: Portugal
Cores: Preto e Branco
Period.: Diária
Área: 5,41 x 4,74 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 3 de 3
“Sintam-se em
casa”, diz Sampaio a
40 jovens sírios
Um novo grupo de
estudantes universitários
chegou ontem da Síria. Vão
quase todos fazer mestrados
e todos querem voltar p12/13
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Chegaram cansados, mas com sorrisos que ofuscaram a