ANÁLISE DA ATIVIDADE ELÉTRICA ATMOSFÉRICA NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO EM 14 DE MARÇO DE 1998 Laura Pacheco Ferreira Augusto José Pereira Filho Oswaldo Massambani Instituto Astronômico e Geofísico – USP Rua do Matão, 1226, Cidade Universitária, São Paulo-SP e-mail: [email protected] ABSTRACT This study focuses on the temporal evolution of lightning density combined with weather radar data from convective systems. Lightning measurements can be of the type CD (cloud-to-cloud) or CG (cloud-to-ground). It was analyzed events that occurred on 14 March 1998. During that day, it was measured lightening densities on a 50 km radius around the IAG building at the University of Sao Paulo. This lightning event was also correlated to hydrometeorologic variables estimated through radar measurements. The results show some lightning detection deficiencies at far ranges from the ESID system, especially for the CD type. It was also possible to evaluate the probability of lightening detection based on the radar measurements. The result indicate a better correlation between the vertically integrated liquid water content (VIL) and lightening density. 1. INTRODUÇÃO O fenômeno de descargas elétricas atmosféricas possui um poder destrutivo bastante elevado, principalmente quando as descargas elétricas ocorrem entre a nuvem e a superfície terrestre. A ocorrência de relâmpagos em ambientes urbanos (e.g., Grande São Paulo) invariavelmente interrompe o fornecimento de energia elétrica, pode danificar dispositivos eletro-eletrônicos, derrubar árvores, e mesmo causar fatalidades. Vários estudos realizados indicam a variabilidade sazonal do fenômeno (Adlerman and Williams 1996), sua estrutura espaço-temporal (López et al., 1997), sua relação com sistemas precipitantes (Robinson and Biggerstaff 1997; Gin et al. 1998) e sua relação com a estrutura e microfísica de tempestades (Carey and Rutlegde 1996; Harris et al. 1997). O radar meteorológico tem sido amplamente utilizado nestes estudos (MacGormam and Filiaggi 1997; Nelson et al. 1997; Zipser and Lutz 1994) conjuntamente com sistema de detecção de descargas elétricas. Este trabalho objetiva analisar a evolução temporal da densidade de descargas do tipo CC e CG associada à sistemas convectivos ocorridos na região Metropolitana de São Paulo no dia 14 de março de 1998. Estes sistemas foram também monitorados pelo radar meteorológico de São Paulo. As variáveis hidrometeorológicas estimadas a partir dos dados de radar foram correlacionadas com as respectivas medições elétricas para avaliar-se a probabilidade de ocorrência de descargas fundamentadas nos dados do radar meteorológico. 2057 2. MATERIAIS E MÉTODOS O sistema de detecção de descargas elétricas, denominado de Eletrical Storm Identification Device - ESID, permite a contagem do número de descargas elétricas da nuvem para superfície ou vice-versa (CG) e na nuvem (CD) com resolução temporal de um minuto. A contagem é realizada num raio de alcance máximo de 50 km. Neste trabalho, utilizou-se dados de descargas elétricas medidas pelo ESID, variáveis hidrometeorológicas tais como taxa de precipitação, chuva acumulada, topo de nuvens e água líquida integrada na vertical estimadas a partir de medições do radar meteorológico de São Paulo, variáveis meteorológicas de superfície da estação automática do IAGUSP e imagens de satélite do canal infravermelho para o dia 14 mês de março de 1998. As variáveis derivadas do radar meteorológico de São Paulo foram obtidas com resolução de 2 km x 2 km a cada 5 minutos. O campo das taxas de precipitação (mm h-1) é obtido num plano de altitude constante (CAPPI). Esse campo indica a localização e a intensidade da chuva numa altitude de 3.0 km. O campo de chuva acumulada - ACCUM (mm) é obtido em intervalos de uma hora. O campo de conteúdo de água líquida integrada verticalmente - VIL (kg m-2). O campo de altitude do topo dos ecos de chuva - ECHOTOP (km) para níveis de refletividade acima de 18 dBZ ou para taxas de precipitação acima de 0,5 mm h-1. As estatísticas das variáveis hidrometeorológicas supra foram obtidas do Analisador de Grade e Sistema de Exibição - GRADS. Utilizou-se neste estudo os valores médios, máximos, e desvio padrão das variáveis num raio de 50 km do sistema ESID a cada hora. Assim, obteve-se a evolução temporal das médias das variáveis estimadas com o radar para comparação com as respectivas densidades de descargas horárias medidas com o sistema ESID. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Uma frente fria se deslocou pelo litoral de São Paulo no dia 14 de março de 1998, gerando instabilidade no norte do estado que se deslocaram para o sudeste (Fig. 1). Observa-se a posição da nebulosidade as 1500 UTC e 2100 UTC no Estado de São Paulo. Figura 1: Imagens do canal infravermelho do satélite GOES-8 do dia 14 de março de 1998. Estão indicados o contorno geográfico, data e horário (UTC). Destaca-se nas imagens uma frente fria no litoral de São Paulo. 2058 Os dados meteorológicos de São Paulo na Fig. 2 evidenciam a passagem da frente fria sobre a Cidade de São Paulo em torno das 2130 UTC (18:30 HL). Observa-se que a direção do vento mudou bruscamente de Noroeste para Sul nesse horário acompanhada da diminuição da temperatura. A mudança de tendência de pressão às 2030 UTC (17:30 HL) indica a passagem do centro de baixa pressão. Observam-se dois pulsos de precipitação em torno das 1830 UTC (15:30 HL) e 2230 UTC (19:30 HL). Figuras 2: Evolução temporal de direção do vento (verde), precipitação (azul), pressão (amarelo), temperatura de ponto de orvalho (rosa) e temperatura do ar (vermelho). Abcissa indica hora local e ordenadas da direta direção do vento e da esquerda temperatura. Pico de precipitação as 19:30 HL corresponde a 16 mm. Mínimo e máximo de pressão de 919.4 e 924.4 hPa, respectivamente. Medidas realizadas pela estação meteorológica do IAG na Cidade de São Paulo em 14 de março de 1998. A Fig. 3 mostra a evolução temporal do número total horário de descargas elétricas do tipo CD e CG. Observase dois picos de descargas elétricas. Os dados de radar meteorológico (Fig. 4) mostram que o primeiro pico estava associado a células convectivas isoladas pré-frontais adentrando a área de abrangência do sistema ESID pelo setor Oeste. O segundo pico estava associado com um sistema precipitante organizado associado com a passagem da frente fria pelo litoral de São Paulo, adentrando a área de abrangência do sistema ESID pelo setor Sul. Neste evento, houve uma maior continuidade temporal das descargas do tipo CG, sugerindo que a probabilidade de detecção das descargas do tipo CD diminui com o aumento da distância ao detetor. D ia 1 4 / 0 3 / 9 8 35 Descargas elétricas 30 25 20 15 10 5 0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 T e m p o C D 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 ( h ) C G Figura 3: Evolução temporal do total horário de descargas elétricas do tipo nuvem-nuvem (CD) e nuvem-solo (CG) num raio de 50 km medidas pelo ESID em 14 de março de 1998. 2059 14:00 15:00 16:00 17:00 18:00 19:00 20:00 21:00 22:00 Figura 4: Campo das taxas de precipitação (mm h-1) estimada com o radar meteorológico de Ponte Nova. Intensidades indicadas na tabela de cores. O círculo na figura corresponde a área de abrangência do sistema ESID . Cor do quadro do horário (HL) indica a ocorrência de descargas (verde) e pico (amarelo). 2060 A evolução temporal das médias horárias das taxas de precipitação, chuva acumulada, topo de nuvens e água líquida integrada na vertical esta mostrada na Fig. 5. Comparando-se estes valores médios com os dos totais de descargas elétricas, nota-se que as variáveis elétricas e hidrometeorológicas são coerentes em fase e amplitude. As alturas de topo de nuvens entre as 2000 e 2300 UTC não estavam disponíveis neste dia, porém observa-se uma evolução similar em relação as demais variáveis. Valores horários do ACCUM (mm) p/ o dia 14/03/98 Valores horários do CAPPI (mm/h) p/ o dia 14/03/98 12 10 9 10 8 A 7 8 C C A C 6 U M 6 P 5 P 4 I 4 3 2 2 1 0 0 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 13 14 15 16 17 Tempo (HL) 21 22 23 1.4 1.2 1.2 E 1 T I 1 0.8 M 0.8 0.6 A P 0.6 M P 20 1.6 1.4 L 19 Valores horários do Echotop (km) p/ o dia 14/03/98 Valores horários do VIL (hg/m*2) p/ o dia 14/03/98 1.6 V 18 Tempo (HL) 0.4 0.4 0.2 0.2 0 0 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 Tempo (HL) Tempo (HL) Figura 5: Evolução temporal das variáveis médias horárias medidas com o radar meteorológico no dia 14 de março de 1998 (Tabela 2). Os acronismos se referem a chuva acumulada (Accum), taxa de precipitação (Cappi), água líquida integrada verticalmente (Vil) e altura do topo da nuvem (Etmap). Unidades indicadas nos gráficos. As médias, desvios padrão e valores máximos da variáveis elétricas e hidrometeorológicas estão mostrados na Tabela 1. Os coeficientes de variação entre as variáveis explicam mais de 88% da variância observada, exceto para a as correlações realizadas com o topo de nuvens por causa da falha de dados. Resultados preliminares da análise de outros eventos ocorridos no mês de março de 1998 indicam um maior correlação entre o VIL e o número de descargas elétricas. Há indícios de que as descargas elétricas apenas ocorreram a partir de um limite de topo de nuvem, talvez indicando o papel da microfísica fria no desenvolvimento da atividade elétrica. 2061 Dia 14/03/98 Ac (mm) Hora CD C G 13 14 15 8 8 16 2 4 17 4 18 4 19 18 12 20 29 33 1 21 22 23 Ca (mm/h) Vi (kg/m*2) 3 σ 0,02 0,19 3,67 0,03 σ 0,5 Max 0,5 0,002 σ 0,02 25 0,73 2,66 19,6 0,67 5,1 5,1 0,095 0,42 20 0,57 1,77 34,1 0,75 7,89 7,89 M a x Med M a x Med 0,12 Et (km) 0,5 0 σ 0,02 5,1 0,1 0,42 M a x Med 0,45 7,89 0,12 0,45 15 0,23 19,3 0,31 6,2 6,2 0,04 0,3 6,2 0,04 0,3 15 0,62 2,18 18,1 0,64 8,3 8,3 0,098 0,52 8,3 0,1 0,52 40 8,93 9,75 43,6 7,65 16,3 16,3 1,466 2,34 50 9,52 1,75 25 4,17 4,11 24,4 4,55 10,9 10,9 0,667 1,02 16,3 1,47 2,34 15 0,86 2,08 0,39 12,9 1,45 1,75 0,5 0 1,3 Med 8,5 44,6 8,89 12,9 12,9 1,445 15 1,07 4,1 4,1 0,135 0,05 1,08 0,01 0,18 0,81 0,0004 0,01 10,9 0,67 1,02 0,63 0,01 0,25 0,25 0,0003 0,01 4,1 0,14 0,39 Tabela 1: Estatísticas das variáveis médias horárias do radar meteorológico e totais horários de descargas elétricas na área de abrangência do sistema ESID no dia 14 de março de 1998. Estão indicados os horários (HL), valores máximo, médio e desvio padrão para cada variável e respectiva unidades. 4. CONCLUSÕES Examinando a distribuição diurna das descargas elétricas, nota-se que os horários de picos ocorrem na maioria das vezes no fim da tarde e início da noite, refletindo a predominância da convecção típicas de verão na Região Metropolitana de São Paulo. Nos eventos analisados, o sistema ESID não detectou descargas elétricas do tipo CD afastadas do sensor, mas detectou as do tipo CG. Como o sistema usado neste experimento detecta descargas elétricas num raio de 50 km, a análise conjunta com os dados meteorológicos de um único ponto possibilitou apenas uma avaliação qualitativa do comportamento da atmosfera na área de interesse. Ter-se-ia- uma melhor avaliação com uma rede de medição de mesoescala na região de interesse. Em todos os eventos analisados, houve maior correlação entre o número de descargas elétricas e o conteúdo de água líquida integrada verticalmente -VIL. As variáveis médias derivadas dos dados de refletividade do radar tendem a evoluir de forma semelhante às das variáveis elétricas. Em alguns casos, há um pequena diferença de fase entre elas. Os dados do radar meteorológico foram importantes na localização dos sistemas precipitantes e VIL parece ser o mais representativo na probabilidade de ocorrência de descargas elétricas. 5. AGRADECIMENTOS Ao Departamento de Energia Elétrica (DAEE) pelos dados de radar, ao Dr. Ricardo Camargo pelos dados da estação meteorológica do IAGUSP e ao Instituto de Pesquisas Espaciais pelas imagens de satélite GOES-8. O primeiro autor agradece ao CNPq pela bolsa de iniciação científica PBIC recebida para o desenvolvimento da pesquisa. 2062 6 . REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Adlerman, E. J. and E. R. Williams, 1996: Seasonal variation of the global electrical circuit. Jour. Geophys. Res., 101, 29679-29688. Carey, L. D. and S. S. Rutledge, 1996: A multiparameter radar case study of the microphysical and kinematic evolution of a lightning producing storm. Meteorol. Atmos Phys., 59, 33-64. Gin, R. B. B., A. J. Pereira Filho e M. A. F. Silva Dias, 1998: Estudo de descargas elétricas atmosféricas em sistemas convectivos organizados análise preliminar. X Congresso Brasileiro de Meteorologia, Anais (CDROM), Brasília, D.F. Harris, F. I., D. J. Smalley, A. R. Bohne, S-L. Tung and Desrochers, 1997: Lightning occurence as related to storm structure. 28th Conference on Radar Meteorology, Austin, TX, 145-146. López, R. E., R. L. Holle and ª J. Watson, 1997: Spatial and temporal distribution of lightning over Arizona from a power utility perspective. Jour. Appl. Meteor., 36, 825-831. MacGorman, D. and T. Filiaggi, 1997: Lightning ground flash rates relative to radar-inferred storm properties. 28th Conference on Radar Meteorology, Austin, TX, 143-144. Nelson, T. E., W. A. Lyons and C. S. Keen, 1997: Relationship between sprites, elves, cloud-to-ground lightning and radar reflectivity associated with a large bow echo. 28th Conference on Radar Meteorology, Austin, TX, 234-235. Robinson, M. and M. Biggerstaff, 1997: Relationship between reflectivity profiles, cloud-to-ground lightning, and storm system characteristics for convective cells in a coastal zone. 28th Conference on Radar Meteorology, Austin, TX, 153-154. Zipser, E. J. and K. R. Lutz, 1994: The vertical profile of radar reflectivity of convective cells: a strong indicator of storm intensity and lightning probability? Mon. Wea. Rev., 122, 1751-1759. 2063