45 Interbio v.8 n.1 2014 - ISSN 1981-3775 AVALIAÇÃO RÁPIDA DA DIVERSIDADE DE HABITATS EM UM AMBIENTE LÓTICO RAPID ASSESSMENT OF HABITAT DIVERSITY IN A LOTIC ENVIRONMENT CARVALHO, Emerson Machado1; BENTOS, Adriel Barboza2; PEREIRA, Nathaskia Silva3 Resumo As atividades antrópicas causam degradação dos recursos hídricos e com isso propiciam uma ruptura na sinergia ambiental. Assim, o objetivo do trabalho foi avaliar os parâmetros visuais, físicos e químicos no gradiente longitudinal do riacho 2 de Junho (Glória de Dourados-MS) e analisar as alterações de origem antrópica ocasionadas pela agricultura, pecuária e urbanização. Para o levantamento dos dados foi utilizado um protocolo de avaliação rápida da diversidade de habitats (PAR) e equipamentos portáteis para os parâmetros físicos e químicos. A média dos oito trechos analisados apresentou 39 ± 13,1 pontos e significa que o riacho encontra-se “impactado”. A elevada variância observada deve-se a três trechos que apresentaram características de ambiente “alterado” (40-43 pontos) e um trecho “natural” (67 pontos). Os parâmetros físicos e químicos que indicaram degradação foram: condutividade elétrica da água com 84-205 µs nos trechos alterados/impactados e 67µs no trecho natural; luminosidade, onde somente o trecho natural apresentou mata ciliar que filtrou até 95% da incidência luminosa; oxigênio dissolvido que apresentou 4,0-6,4 mg.L-1, ou seja, os valores encontram-se no limite para a sobrevivência da fauna aquática. Os valores de pH e de temperatura da água não indicaram degradação no ambiente. Assim os resultados do PAR e dos parâmetros físicos e químicos constituem uma eficiente ferramenta para avaliar a degradação em ambientes lóticos. Palavras–chave: Avaliação de Impacto Ambiental, gestão de recursos hídricos, indicadores ambientais, parâmetros ambientais. Abstract Human activities cause degradation of water resources and therefore provide a break in the environmental synergy. The objective of this study was to evaluate the visual, physical and chemical parameters in the longitudinal gradient of the 2 de Junho stream (Gloria de Dourados-MS) and analyze the anthropogenic changes caused by agriculture and urbanization. For the data collection protocol for rapid assessment of habitat diversity (PAR) and portable for physical and chemical parameters equipment was used. The means of the eight sites analyzed showed 39 ± 13.1 points and means that the stream is "impacted". The high observed variance is due to three sites that were characteristic of the environment "changed" (40-43 points) and a site "natural" (67 points). The physical and chemical parameters that were indicated degradation: conductivity of the water presented 84205 µs in changed and impacted sites and 67 μs in the natural site. Riparian vegetation was observed only in the natural site that filtered up to 95% of the light incidence. Dissolved oxygen showed 4.0 to 6.4 mg L-1 which means that the values are within the limits for the survival of aquatic fauna. The pH and temperature of the water showed no degradation in the environment. Thus the results of the PAR and the physical and chemical parameters are an efficient tool to evaluate the degradation in lotic environments. Keywords: Environmental Impact Assessment, environmental indicators, environmental parameters, water resources. 1 Docente da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Dourados - MS. Mestrando em Agroecologia e Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos – SP. 3 Mestranda em Biologia Geral/Bioprospecção pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Dourados – MS. 2 CARVALHO, Emerson Machado; BENTOS, Adriel Barboza; PEREIRA, Nathaskia Silva 46 Interbio v.8 n.1 2014 - ISSN 1981-3775 Introdução Desde sua existência, o homem mantém diversas relações de interação com o ambiente à sua volta, modificando-o à sua maneira e transformando-o de acordo com suas necessidades. Atividades como agricultura, pecuária e urbanização são algumas das principais causadoras da problemática ambiental, por necessitarem de imediato o espaço físico e gerarem resíduos que muitas vezes são despejados nos corpos hídricos. Diante do crescimento constante das demandas urbana, agrícola e industrial é possível perceber que o uso descontrolado dos ambientes aquáticos tem provocado a aceleração de processos de degradação dos sistemas lóticos e de sua qualidade ambiental (GORGOSINHO et al., 2004). Os resultados dessas ações são facilmente perceptíveis ao longo de toda a biosfera terrestre. Rios e riachos, também conhecidos como ambientes lóticos são ecossistemas que vêm sofrendo intervenções ambientais e alterações em sua paisagem decorrentes de ações antrópicas, principalmente por causa dos processos de urbanização e atividades agropecuárias. Numa visão mais ampla, a ocupação das bacias hidrográficas e o consequente uso dos recursos hídricos modificam as características físicas, químicas e biológicas dos corpos d’água e das margens ao longo de seus cursos. Os riachos integram tudo o que acontece nas áreas de entorno e isto significa que eles estão intimamente conectados ao ambiente terrestre (CALLISTO et al., 2001), sendo poucos os que mantêm preservadas e íntegras suas condições naturais (ALLAN, 1995). Assim, os múltiplos impactos antrópicos sobre os ecossistemas aquáticos têm sido responsáveis pela deterioração da qualidade ambiental de bacias hidrográficas importantes para o território brasileiro (CALLISTO et al., 2002, MINATTIFERREIRA; BEAUMORD, 2006). Os agentes estressores desses ecossistemas são de natureza e intensidade variada e tem papel relevante na destruição e degradação dos habitats. Esta interferência, que se dá em diversos níveis, age de diferentes maneiras sobre os componentes do meio biótico e abiótico. Assim, torna-se urgente o desenvolvimento de métodos que auxiliem na conservação da biodiversidade aquática, na compreensão de padrões globais que determinam a qualidade desses sistemas e, consequentemente, a busca pela sustentabilidade entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental (RODRIGUES et al., 2010). Há uma grande demanda por métodos de avaliação dos ambientes lóticos que sejam eficientes no diagnóstico ambiental, objetivos na sua interpretação e de baixo custo, porém, sem perder a qualidade da informação. Os métodos utilizados nesses diagnósticos devem ser reaplicáveis, ou seja, amplos e padronizados o suficiente para serem aplicados em outras situações e/ou ambientes. Dessa forma, a coleção de informações geradas deverá ser útil para a tomada de decisão na gestão dos recursos hídricos (MINATTI-FERREIRA; BEAUMORD, 2004). Protocolos para avaliação rápida da integridade ambiental de rios e riachos são amplamente utilizados atualmente, permitindo a obtenção de dados em curto prazo e com custos reduzidos (CORGOSINHO et al., 2004, RODRIGUES; CASTRO, 2008, KRUPEK, 2010). Para uma caracterização rápida de bacias hidrográficas, Callisto et al. (2002) propôs a aplicação de um protocolo de avaliação rápida da diversidade de habitats, utilizando como instrumento uma avaliação visual que possibilita caracterização in situ da qualidade física global do habitat nos segmentos fluviais. Além disso, ao contrário dos métodos de monitoramento de qualidade da água tradicionais, nos quais os valores dos parâmetros físico-químicos são obtidos através de equipamentos, muitas vezes sofisticados e de alto custo, na aplicação do protocolo não existe um aparelho que forneça uma pontuação para o atributo avaliado (RODRIGUES; CASTRO, 2008). CARVALHO, Emerson Machado; BENTOS, Adriel Barboza; PEREIRA, Nathaskia Silva 47 Interbio v.8 n.1 2014 - ISSN 1981-3775 Diante do exposto, o objetivo desta pesquisa foi avaliar a degradação antrópica de um riacho com o auxílio de um protocolo de avaliação rápida da diversidade de habitats (PAR) e, complementarmente, com o levantamento dos parâmetros físicos e químicos da água. Material e Métodos localizado no município de Glória de Dourados, sul da região Centro-Oeste do Brasil e no Sudoeste de Mato Grosso do Sul (Microrregião de Iguatemi), coordenadas latitude 22º 25’ 03” S e longitude 54º 13' 57" W-GR. Os trechos ou pontos de amostragem foram selecionado ao longo de aproximadamente 15 km de extensão do riacho e a distância entre os pontos foi de 12 km (Figura 1; Tabela 1). O estudo foi realizado em oito pontos de amostragem do riacho 2 de Junho, Figura 1 – Imagem do riacho 2 de Junho na cidade de Glória de Dourados, MS (imagem Google EarthTM serviço de mapa) destacando os pontos de amostragem dos parâmetros físicos e quimicos e do PAR. Tabela 1 - Coordenadas dos pontos de amostragem (PA) e principal ocupação do entorno. PA Coordenadas Uso e ocupação 1 22°24'54,14"S 54°14'54,37"O Campos de pastagem 2 22°24'59,91"S 54°14'44,56"O Campos de pastagem Vegetação ripária 3 22°25'2,10"S 54°14'32,62"O 4 22°25'4,36"S 54°14'19,96"O Vegetação descomposta 5 22°25'10,49"S 54°14'10,02"O Pastagem/residências Represamento 6 22°25'14,41"S 54°14'2,76"O 7 22°25'17,92"S 54°13'45,64"O Residências 8 22°25'20,89"S 54°13'15,82"O Vegetação descomposta A análise dos parâmetros visuais foi realizada utilizando-se um Protocolo de Avaliação Rápida da Diversidade de Habitats (Quadro 1 e 2). Este protocolo foi desenvolvido por Callisto et al. (2002), adaptado dos protocolos propostos pela CARVALHO, Emerson Machado; BENTOS, Adriel Barboza; PEREIRA, Nathaskia Silva 48 Interbio v.8 n.1 2014 - ISSN 1981-3775 Agência de Proteção Ambiental de Ohio, EUA (EPA, 1987) e Hannaford et al. (1997). A proposta de Callisto et al. (2002) baseia-se na quantificação de 22 parâmetros; os 10 primeiros parâmetros procuram avaliar as características dos trechos e os impactos ambientais decorrentes de atividades antrópicas (Quadro 1); os parâmetros de 11 a 22 foram adaptados do protocolo utilizado por Hannaford et al. (1997) e buscam avaliar as condições de habitat e níveis de conservação das condições naturais (Quadro 2). A pontuação para cada parâmetro é atribuída através da observação das condições do habitat. No entanto, para permitir avaliar as pontuações de cada um dos 22 parâmetros do protocolo foi adotado, para a presente pesquisa, o critério de ponto crítico, onde os valores iguais ou inferiores a 50% da pontuação foram considerados impactados e/ou alterados. Assim, os valores ≤ que 2 do Quadro 1 e os valores ≤ que 2,5 do Quadro 2 foram classificados como “pontos críticos”. Quadro 1 - Protocolo de Avaliação Rápida da Diversidade de Habitats modificado do protocolo da Agencia de Proteção Ambiental da cidade de Ohio EUA por Callisto et al. (2002). Parâmetros 4 pontos 1. Tipo de ocupação das margens do corpo d’água (principal atividade) 2. Erosão próxima e ou nas margens do rio e assoreamento do seu leito 3. Alterações antrópicas 4. Cobertura vegetal no leito 5. Odor da água 6. Oleosidade da água 7. Transparência da água 8. Odor do sedimento (fundo) 9. Oleosidade de fundo 10. Tipo de fundo Vegetação natural Pontuação 2 pontos Campo de pastagem/ Agricultura/ Monocultura/ Reflorestamento 0 pontos Residencial/ Comercial/ Industrial Ausente Moderada Acentuada Ausente Alterações de origem doméstica (esgoto, lixo) Parcial Total Alteração de origem industrial/ urbana (fábricas, siderurgias, canalização do curso do rio) Ausente Nenhum Ausente Transparente Esgoto (ovo podre) Moderado Turva (cor de chá forte) Óleo/ Industrial Abundante Opaca ou colorida Nenhum Esgoto (ovo podre) Óleo/ Industrial Ausente Pedras/ cascalho Moderado Lama/ areia Abundante Cimento/ canalizado Soma A somatória das notas atribuídas para cada parâmetro fornece a pontuação final do protocolo para cada local. Os valores finais extremos da pontuação do protocolo podem variar de zero (avançado estado de degradação) a 100 (condições prístinas ou sem degradação). A pontuação final aponta as condições de preservação das condições ecológicas do riacho no trecho em foco. Callisto et al. (2002), define três níveis de preservação: 0 a 40 pontos indicam trechos impactados, 41 a 60 pontos trechos alterados e superior a 61 pontos trechos naturais. Juntamente com o PAR, foram retiradas cinco amostras de água de cada ponto do riacho e mensurados os parâmetros físicos e químicos como: potencial hidrogeniônico (pH), temperatura (ºC), oxigênio dissolvido (mg/L) e condutividade elétrica da água (μS.cm-1). A luminosidade (LUX) foi obtida através de medidas próximas à superfície d’água e em local contíguo aberto, ou seja, com 100% de CARVALHO, Emerson Machado; BENTOS, Adriel Barboza; PEREIRA, Nathaskia Silva 49 Interbio v.8 n.1 2014 - ISSN 1981-3775 incidência luminosa, para mensurar o percentual de filtragem dessa incidência luminosa, através de uma regra de três simples. Todos os parâmetros foram mensurados através de equipamentos portáteis à campo. A coleta dos dados foi realizada em julho de 2013 e o protocolo aplicado por quatro acadêmicos voluntários previamente treinados. Para avaliar a diferença na pontuação do protocolo (PAR) entre os pontos de amostragem foi aplicada uma análise de variância simples (One-Way ANOVA), seguida de uma análise post-hoc de Tukey, significativas em 5% de probabilidade (α = 0,05). Para verificar se existe correlação entre os valores do protocolo e dos parâmetros físicos e químicos foi utilizado o teste de Spearman (α = 0,05). O programa utilizado para as análises dos dados foi o Estatística 7.0 (Statisoft Inc, Tulsa, OK, USA). Os valores obtidos no protocolo foram transformados em Arcsen, segundo Zar (1999). Quadro 2 - Protocolo de avaliação rápida da diversidade de habitats modificado de Hannaford et al. (1997) por Callisto et al. (2002). Parâmetros 11Tipos de fundo 12Extensão de rápidos 13Frequências de rápidos 14Tipos de substrato 5 pontos Mais de 50% com habitats diversificados (pedaços de troncos, submersos, cascalhos e estáveis). Rápidos e corredeiras bem desenvolvidos; remansos tão largos quanto o rio e com o comprimento igual ao dobro da largura do rio. Rápidos relativamente frequentes; distâncias entre remansos dividida pela largura do rio entre 5 e 7. Seixos abundantes (principalmente em nascentes de rios). Pontuação 3 pontos 2 pontos 30 a 50 % de habitats 10 a 30 % de habitats diversificados; diversificados; habitats adequados disponibilidade de para a manutenção habitats insuficiente, das populações de substratos organismos frequentemente aquáticos. modificados. Rápidos com a largura igual à do rio, mas com comprimento menos do que o dobro da largura do rio. Trechos rápidos podem estar ausentes; rápidos não tão largos quanto o rio e seu comprimento menos que os dobro da largura do rio. Rápidos não frequentes; distâncias entre remansos dividida pela largura do rio entre 7 e 15. Rápidos ou corredeiras ocasionais; habitats formados pelos contornos do fundo; distância entre remansos dividida pela largura do rio entre 15 e 25. Fundo formado predominantemente por cascalho; alguns seixos Seixos abundantes; cascalho comum. 0 ponto Menos que 10 % de habitats diversificados; ausência de habitats óbvia; substrato rochoso instável para fixação dos organismos. Rápidos ou corredeiras inexistentes. Geralmente com lâmina d’água ‘lisa’ ou com rápidos rasos, pobreza de habitats; distância entre rápidos dividida pela largura do rio > 25. Fundo pedregoso; seixos ou lamoso. Quadro 2 - Protocolo de avaliação rápida da diversidade de habitats modificado de Hannaford et al. (1997) por Callisto et al. (2002). Continuação CARVALHO, Emerson Machado; BENTOS, Adriel Barboza; PEREIRA, Nathaskia Silva 50 Interbio v.8 n.1 2014 - ISSN 1981-3775 Parâmetros 15Deposição de lama 5 pontos Entre 0 e 25 % do fundo coberto por lama (silte e argila). 16Depósitos sedimentares Menos de 5 % do fundo com deposição de lama; ausência de deposição nos remansos. Provavelmente, a correnteza arrasta tudo o material fino. 17-Alterações no canal do rio Canalização (retificação) ou dragagem ausente ou mínima; rio com padrão normal. 18Características do fluxo das águas Fluxo relativamente igual em toda a largura do rio; mínima quantidade de substrato exposta. Acima de 90 % com vegetação ripária nativa, incluindo árvores, arbustos ou macrófitas, mínima evidência de desflorestamento; todas as plantas atingindo a altura ‘normal’. 19Presença de vegetação ripária. 20Estabilidade das margens. Margens estáveis; evidência de erosão mínima ou ausente; pequeno potencial para problemas futuros. Menos de 5 % da margem afetada. Pontuação 3 pontos 2 pontos Entre 25 e 50 % do Entre 50 e 75 % do fundo coberto por fundo coberto por lama. lama Alguma evidência de modificação no fundo, principalmente aumento de cascalho, areia ou lama; 5 a 30 % do fundo afetado, suave deposição nos remansos. Alguma canalização presente, normalmente próximo à construção de pontes; evidência de modificação há mais de 20 anos. Lâmina d’água acima de 75 % do canal do rio; ou menos de 25 % do substrato exposto. Entre 70 e 90 % com vegetação ripária nativa; desflorestamento evidente mas não afetando o desenvolvimento da vegetação; maioria das plantas atingindo a altura ‘normal’. Moderadamente estáveis; pequenas áreas de erosão frequentes. Entre 5 e 30 % da margem com erosão. 0 ponto Mais de 75 % do fundo coberto por lama. Deposição moderada de cascalho novo, areia ou lama nas margens; entre 30 e 50 % do fundo afetado; deposição moderada nos remansos. Grandes depósitos de lama, margens assoreadas; mais de 50 % do fundo modificado; remansos ausentes devido à significativa deposição de sedimentos. Alguma modificação presente nas duas margens; 40 a 80 % do rio modificado. Margens cimentadas; acima de 80 % do rio modificado. Lâmina d’água entre 25 e 75 % do canal do rio, e/ou maior parte do substrato nos rápidos exposto. Entre 50 e 70 % com vegetação ripária nativa, desflorestamento óbvio; trechos com solo exposto ou vegetação eliminada; menos da metade das plantas atingindo a altura ‘normal’. Moderadamente instável; entre 30 e 60 % da margem com erosão. Risco elevado de erosão durante enchentes. Lâmina d’água escassa e presente apenas nos remansos. Menos de 50 % da vegetação ripária nativa; desflorestamento muito acentuado. Instável; muitas áreas com erosão, frequentes áreas descobertas nas curvas do rio; erosão óbvia entre 60 e 100 % da margem. Quadro 2 - Protocolo de avaliação rápida da diversidade de habitats modificado de Hannaford et al. (1997) por Callisto et al. (2002). Continuação CARVALHO, Emerson Machado; BENTOS, Adriel Barboza; PEREIRA, Nathaskia Silva 51 Interbio v.8 n.1 2014 - ISSN 1981-3775 Parâmetros 21Extensão da vegetação ripária. 22Presença de plantas aquáticas 5 pontos Largura da vegetação ripária maior que 18 m; sem influência de atividades antrópicas (agropecuária, estradas, etc). Pequenas macrófitas aquáticas e/ou musgos distribuídos pelo leito Pontuação 3 pontos 2 pontos Largura da Largura da vegetação ripária vegetação ripária entre 12 e 18 m; entre 6 e 12 m,; mínima influência influência antrópica antrópica. intensa. Macrófitas aquáticas ou algas filamentosas ou musgos distribuídos no rio, substrato com perifíton Resultado e Discussão A extensão analisada do riacho 2 de Junho compreende, de montante à jusante, um trecho de aproximadamente 20 km em áreas periféricas ao perímetro urbano (Figura 1), onde as principais ocupações são Algas filamentosas ou macrófitas em poucas pedras ou alguns remansos, perifíton abundantes e biofilme. 0 ponto Largura da vegetação ripária menor que 6 m; vegetação restrita ou ausente devido à atividade antrópica Ausência de vegetação aquática no leito do rio ou grandes bancos de macrófitas campos de pastagem, vegetação descomposta (campos abandonados) e algumas residências; no ponto médio do riacho, área que cruza o perímetro urbano, foi construída uma barragem que corresponde à aproximadamente 20 m2 de área alagada (Tabela 1). Figura 2 - Valores hipotéticos (a) de um riacho com classificação “natural” e valores reais (b) do riacho 2 de Julho, segundo o PAR (média dos oito pontos de amostragem). A aplicação do PAR no riacho 2 de Junho resultou no valor final de 39 pontos, classificando-o em “impactado” (Figura 2b). Em comparação com os valores considerados ideais para um ambiente lótico em excelente conservação (Figura 2a), o riacho encontra-se bem abaixo das CARVALHO, Emerson Machado; BENTOS, Adriel Barboza; PEREIRA, Nathaskia Silva 52 Interbio v.8 n.1 2014 - ISSN 1981-3775 qualidades observadas e utilizadas na avaliação do protocolo. Entre as características intrínsecas que classificaram o riacho em um ambiente impactado, somente os valores que representam os parâmetros cinco a dez foram identificados fora do ponto crítico (Figura 2b). Estes parâmetros estão relacionados ao odor, oleosidade e transparência da água, e ao odor, oleosidade e tipo do substrato do leito (Quadro 1). Com isso, é possível constatar que a degradação ao longo do riacho avaliado está visualmente relacionada às características morfométricas no uso e ocupação da área. À medida que as transformações decorrentes da ocupação do homem vão se consolidando, paralelamente crescem os impactos ambientais, sobretudo em função do uso e manejo do solo e da falta de planejamento em áreas de preservação, gerando uma nova configuração espacial urbana. Figura 3 – Média ± desvio padrão (n = 4) do Protocolo de Avaliação Rápida da Diversidade de Hábitat em cada ponto de amostragem do riacho 2 de Junho. Ponto 1: 42 ± 9,8 Ponto 2: 43 ± 2,2 1 225,0 21 2 225,0 3 4,0 20 21 4 3,0 19 20 5 2,0 1,0 18 19 6 7 16 8 15 14 21 4 20 5 1,0 19 8 14 225,0 2 21 3 14 20 6 18 7 17 4 20 8 15 9 14 10 13 11 12 9 14 5 1,0 19 6 18 7 17 16 8 15 9 14 10 11 12 Na Figura 3 é possível observar cada ponto amostrado e, no entanto, inferir sobre a influência do uso e ocupação do homem ao longo do contínuo do riacho analisado. Os pontos 4, 5, 6 e 7 apresentaram as menores pontuações e foram classificados em impactados. Nestes trechos foram observadas principalmente vegetação descomposta, pastagem, residências e represamento. Nos trechos 1, 2 e 8 foram observadas no entorno áreas ocupadas por pastagem e campos abandonados, sendo classificados em alterado. No estudo de Callisto et al. (2002), os trechos 11 12 Ponto 8: 41 ± 4,6 1 2 224,0 3 4,0 2 21 4 20 5 2,0 1,0 18 7 17 4 2,0 19 6 3 3,0 5 1,0 0,0 13 10 13 3,0 0,0 16 8 15 Ponto 7: 27 ± 2,2 2,0 0,0 17 16 11 225,0 3,0 19 7 1 4,0 6 17 12 21 5 1,0 10 13 3 4 2,0 18 9 2 3 0,0 8 10 2 4,0 3,0 19 6 15 1 1,0 5 7 11 1 5 20 1,0 Ponto 6: 25 ± 3,9 Ponto 5: 34 ± 8,5 2,0 4 2,0 12 4 21 16 9 13 3,0 3 4,0 0,0 15 11 4,0 225,0 3,0 6 18 16 12 225,0 1 2 7 17 10 13 18 3 4,0 17 9 19 225,0 0,0 17 20 2 2,0 18 Ponto 4: 35 ± 4,1 1 3,0 0,0 21 Ponto 3: 68 ± 8,3 1 6 0,0 16 8 15 9 14 10 13 11 7 16 8 15 9 14 10 13 12 11 12 classificados em alterados também apresentam intensa pressão de atividades antrópicas, como criação de gado e lançamentos pontuais de esgotos domésticos in natura. Já nos trechos impactados os autores observaram que a qualidade ambiental estava seriamente comprometida, devido à atividades de monocultura, mineração e lançamento de esgotos domésticos e industriais. Apesar de não ter sido observado atividades industriais e de mineração nos trechos impactados do presente estudo, os campos destinados à pastagem do gado, os CARVALHO, Emerson Machado; BENTOS, Adriel Barboza; PEREIRA, Nathaskia Silva 53 Interbio v.8 n.1 2014 - ISSN 1981-3775 campos abandonados e os lançamentos de esgoto in natura pelas residências exerceram uma forte pressão no ambiente. Com isso, semelhante às observações de Callisto et al. (2002), os trechos impactados também foram caracterizados por apresentarem intenso desflorestamento, erosão nas margem e consequente assoreamento do leito do riacho. Por outro lado, o ponto 3 foi o único trecho que apresentou pontuações, mesmo que mínimas, para ser classificado em natural. Uma das características deste trecho que, consequentemente, contribuíram para manutenção e conservação das qualidades locais foi a integridade da vegetação ripária. A análise de variância (One-Way ANOVA: F7,168 = 6,20 e p < 0,001), seguida do teste de Tukey (Tabela 2) também demonstrou existir diferença significativa deste ponto para os demais. Tabela 2 – Resultado do teste de Tukey (comparações múltiplas) aplicado aos oito pontos de amostragem do riacho 2 de Junho. *Valores significativos em 5% de probabilidade (p < 0,05). Pontos 1 2 3 4 5 6 7 2 1,000 3 0,017 * 0,029 * 4 0,984 0,959 0,001 * 5 0,965 0,926 <0,001 * 1,000 6 0,287 0,205 <0,001 * 0,864 0,915 7 0,477 0,364 <0,001 * 0,959 0,980 0,999 8 1,000 0,999 0,009 * 0,995 0,987 0,384 0,586 Apesar do ponto 3 ter sido o único a apresentar características naturais, ele está localizado em um trecho médio do riacho, formando assim uma “ilha de preservação”. Rodrigues et al. (2008) faz uma crítica para as tais “ilhas de preservação” ao discutir sobre uma Unidade de Conservação. Segundo os autores estes trechos não podem estar isolados do seu contexto regional e nacional, fazendo-se necessário objetivar o gerenciamento em visão integrada que busque a consorciação do desenvolvimento com alternativas econômicas e sociais. Com isso, será possível manter os trechos avaliados preservados e reestabelecer as condições naturais dos demais. Embora protocolos baseados em qualificações visuais sejam ferramentas de simples aplicação, possibilitando uma caracterização imediata do ambiente lótico, devem ter sua aplicação sempre vinculada a outros estudos concomitantes (CORGOSINHO et al., 2004). Na presente pesquisa, os parâmetros físicos e químicos forneceram resultados complementares de grande importância para fomentar os dados do protocolo. Entre os parâmetros físicos e químicos analisados (Tabela 3), o potencial hidrogeniônico, a condutividade elétrica, o oxigênio dissolvido na água e a luminosidade foram indicadores de possíveis poluentes na água e degradação da mata ciliar, corroborando com o resultado do protocolo. O oxigênio dissolvido na água, por exemplo, ficou abaixo dos valores regulamentado pela resolução nº 357 do CONAMA (BRASIL, 2005), ou seja, foi menor do que 5,0 mg/L. Estes valores são decorrentes do resultado direto ou indireto do processo de decomposição de despejos orgânicos. Os valores baixos de pH, juntamente com os valores elevados de condutividade também são indicativos da decomposição e entrada de compostos orgânicos e inorgânicos (SPERLING, 2005). Já o valor elevado de luminosidade foi um indicativo da degradação da mata nativa, onde, com exceção do ponto 3, todos os trechos amostrados apresentaram 100% de incidência luminosa na superfície da água. CARVALHO, Emerson Machado; BENTOS, Adriel Barboza; PEREIRA, Nathaskia Silva 54 Interbio v.8 n.1 2014 - ISSN 1981-3775 Tabela 3. Pontos de amostragem (PA) dos parâmetros físicos e químicos (média ± desvio padrão; N = 5) da água: potencial hidrogeniônico (pH), temperatura (ºC), condutividade elétrica (µs), oxigênio dissolvido (mg/L) e percentual de incidência luminosa (%LUX). 0C PA pH µs mg/L %LUX 1 4,6 ± 0,18 21,7 ± 0,2 163 ± 20,9 5,8 ± 0,6 100 2 4,7 ± 0,04 19,7 ± 0,1 100 ± 1,5 6,2 ± 0,2 100 3 5,7 ± 0,62 19,8 ± 0,6 67 ± 10,4 5,4 ± 0,3 5 4 5,0 ± 0,41 22,0 ± 1,1 84 ± 22,4 5,5 ± 1,0 100 5 6,1 ± 0,03 21,2 ± 0,2 97 ± 8,0 6,4 ± 0,6 100 6 6,5 ± 0,17 21,0 ± 0,7 205 ± 26,6 4,0 ± 1,3 100 7 6,4 ± 0,10 21,0 ± 0,4 118 ± 11,5 5,2 ± 0,1 100 8 6,5 ± 0,16 20,8 ± 0,3 136 ± 15,2 4,5 ± 0,5 100 88 Média 5,7 ± 0,21 20,9 ± 0,4 121 ± 14,6 5,4 ± 0,6 Em suma, rios do cerrado tendem a apresentar baixa condutividade, concentrações elevadas de oxigênio dissolvido, pH ligeiramente ácido e mata ciliar (TUNDISI; TUNDISI, 2008). No entanto, os padrões observados no riacho 2 de Junho não atendem a estas premissas. Apesar dos valores físicos e químicos corroborarem os valores do protocolo, não foi observado correlação significativa entre eles; somente entre oxigênio dissolvido e pH foi observado elevada correlação significativa (Tabela 4). Apesar disso, o protocolo apresentou baixa correlação negativa com o pH, temperatura, condutividade e luminosidade e baixa correlação positiva com oxigênio dissolvido. Isso confirma os elevados valores de condutividade e luminosidade associados à baixa qualidade do ambiente apresentada no protocolo. Da mesma forma, os valores deplecionados de oxigênio dissolvido que também estavam associados à baixa qualidade ambiental. Tabela 4 – Análise de Correlação (R = Teste de Spearman) entre os resultados do PAR e o potencial hidrogeniônico (pH), temperatura (ºC), condutividade elétrica (µs), oxigênio dissolvido (mg/L) e percentual de incidência luminosa (%LUX). *Valor significativo em 5% de probabilidade. PAR pH ºC µs mg/L -0,623 pH -0,443 -0,187 ºC -0,452 0,311 0,084 µs 0,381 -0,731* 0,168 -0,452 mg/L -0,577 0,083 0,415 0,577 0,082 %LUX As pontuações do protocolo, bem como, a maioria dos parâmetros avaliados, indicaram para o riacho áreas alteradas e impactadas pelas ações antrópicas. Direta ou indiretamente a interferência antrópica sobre este ecossistema foi imposta pelas habitações, esgotos e deposição residual de lixo doméstico (área urbana), junto com as atividades agrícolas que contribuem para formação de grandes campos de monocultura e pastagem, além da criação de gado, acelerando assim, os processos de assoreamento do riacho (área rural). Conclusão As interferências antrópicas sobre o riacho 2 de Junho têm atuado como os principais agentes de descaracterização da paisagem natural. Tais interferências foram CARVALHO, Emerson Machado; BENTOS, Adriel Barboza; PEREIRA, Nathaskia Silva 55 Interbio v.8 n.1 2014 - ISSN 1981-3775 responsáveis por uma baixa qualidade física e química da água e, principalmente na deterioração das características morfométricas do riacho, como erosão das margens, desflorestamento, assoreamento do leito, entre outros. O protocolo de avaliação rápida da diversidade de habitats, juntamente com os parâmetros físicos e químicos da água, mostrou ser um eficiente método de avaliação ambiental, com baixo custo, fácil entendimento e simples aplicação. Através da integração destas metodologias foi possível apontar vários fatores que indicaram impactos ambientais negativos no ambiente decorrentes dos processos de urbanização e dos avanços das fronteiras agrícolas. Diante destes resultados torna-se mais eficiente a implantação de programas de monitoramente, manejo e conservação dos recursos hídricos. Referências Bibliográficas ALLAN, J. D. 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