VIII ENANCIB – Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação 28 a 31 de outubro de 2007 • Salvador • Bahia • Brasil GT 6 – Informação, Educação e Trabalho Pôster BIBLIOTECÁRIO CLÍNICO NO BRASIL: em busca de fundamentos para uma prática reflexiva CLINICAL LIBRARIAN IN BRAZIL: searching grounds for a reflective practice Vera Silvia Marão Beraquet (PUC-Campinas, beraquet@[email protected]) Renata Ciol (PUC-Campinas, [email protected]) Leonardo G. Garcia (PUC-Campinas, [email protected]) Sandra L. Pereira (PUC-Campinas, [email protected]) Natália M. Chiavaro (PUC-Campinas, [email protected]) Rosimeire C. Cirilo (PUC-Campinas, [email protected]) Cleusa Telles (PUC-Campinas, [email protected]) Sara R. Valentim (PUC-Campinas, [email protected]) Resumo: Este trabalho insere-se em projeto amplo sendo desenvolvido pelos integrantes do Grupo de Pesquisa em Gestão da Informação em Saúde da PUC-Campinas que trata sobre o delineamento de um novo perfil profissional para atuar na área da saúde, especificamente em hospitais universitários. Tem como objetivo trazer subsídios sobre as melhores práticas de biblioteconomia clínica, experiências concretas de trabalho do bibliotecário inglês em equipes multidisciplinares de saúde, buscando identificar características e habilidades essenciais para a atuação desse profissional. Os dados recentemente levantados por meio de questionários e entrevistas estão sendo tabulados e serão discutidos pelo Grupo nos próximos meses. Pela literatura, pode-se observar que há dificuldade em se obter consenso quanto ao conceito biblioteconomia clínica uma vez que existe grande diversidade de experiências e modelos em andamento. Palavras-chave: Biblioteconomia clínica. Hospital universitário. Informação em saúde. Formação profissional. Abstract: This work is part of a wide project being developed by the members of the Research Group in Health Information Management at PUC-Campinas whose focus is developing a new professional profile to work in the health field, specifically in university hospitals. Its main objective is to bring about subsidies from the best practices of clinical librarianship in the UK, from the clinical librarian's work in multidisciplinary health teams, in order to identify characteristics and essential abilities for this kind of work. The data recently collected through questionnaires and interviews are being summarized at present and will be analysed by the Research Group in the next few months. From the literature review, it can be observed that there is some difficulty in defining what exactly means clinical librarianship in the midst of the great diversity of existing experiences and models. Keywords: Clinical librarianship. University Hospital. Health information. Professional education. Introdução O século XXI está marcado pela Sociedade da Informação, na qual as relações sociais e econômicas vêm se transformando radicalmente. Para a ciência, uma das conseqüências mais marcantes desse novo tempo é o crescimento exponencial de publicações científicas e o surgimento de uma variedade de formatos e meios para divulgação do conhecimento nelas contido. Ampliam-se, portanto, o volume de conhecimento gerado e disseminado e os canais de comunicação científica (redes e meios eletrônicos), conseqüentemente ampliando a dificuldade em gerenciar todo esse conhecimento disponível. (Le Coadic, 1996). No caso da Ciência da Informação as alterações sociais e econômicas decorrentes da passagem da sociedade industrial para uma sociedade baseada em informação possibilitaram e têm fundamentado estudos sobre a formação e atuação do bibliotecário nesse novo paradigma, não mais restrito aos espaços tradicionais de bibliotecas e arquivos. (Le Coadic, 1996). A Biblioteconomia, envolvida com a organização do conhecimento em todas as áreas, mostra-se uma profissão interdisciplinar em que o campo de atuação do bibliotecário é amplo porque, além de diferentes instituições, ao ingressar no mercado de trabalho ele pode atuar em áreas específicas do conhecimento, que requerem habilidades e competências também específicas para o seu desempenho. (Beraquet et al, 2006). O interesse na informação na área da saúde vem sendo demonstrado há anos, particularmente quando se observa as várias iniciativas da área e o grande desenvolvimento das bibliotecas médicas universitárias e estudos sobre a atuação do bibliotecário nesse campo do conhecimento. Estudos realizados por Beraquet et al (2005) com profissionais atuantes do sistema municipal de saúde da cidade de Campinas apontaram ser essencial que o profissional da informação trabalhe em equipes multidisciplinares e tenha os seguintes conhecimentos e competências: informática e redes, bases de dados e demais fontes de informação em saúde, noções de saúde pública e sobre o Sistema Único de Saúde, capacidade de estabelecer boa relação interpessoal com diferentes profissionais. A reforma sanitária brasileira que subsidiou a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1988 fez com que a saúde pública alterasse a prática dos profissionais de saúde, dos gestores e, como não poderia deixar ser, a dos bibliotecários que fazem parte desse sistema. Nesse processo cabe ao profissional da informação um papel bastante ativo, esteja ele atuando tradicionalmente nas bibliotecas médicas (universitárias) ou inserido nas equipes de saúde como bibliotecário clínico, num papel condizente com os princípios do SUS. Trata-se de mais um campo de atuação no mercado de trabalho desse profissional que, apesar dos avanços na área, ainda precisa buscar esses locais e fazer-se reconhecido como capaz para exercer os diversos papéis que a Sociedade da Informação está oferecendo e exigindo (Ciol, 2001). A iniciativa do Centro Latino-americano e do Caribe em Informação em Ciências da Saúde (BIREME/OPAS/OMS) no projeto Biblioteca Virtual em Saúde e sua liderança na aplicação desse modelo para os países da América Latina e Caribe, bem como o desenvolvimento/manutenção da Base de Dados LILACS, dentre outras ações de destaque como a biblioteca online SciELO e o reconhecido apoio aos usuários e bibliotecários (por meio de cursos presenciais e a distância), confirmam e reafirmam a existência de esforços cujo foco é a inserção do bibliotecário na área da saúde. O Cict - Centro de Informação Científica e Tecnológica da Fiocruz traduz-se em outra iniciativa de grande sucesso na área de informação em saúde, ao ser responsável por formular políticas, desenvolver estratégias e executar ações de informação e comunicação no campo da ciência e tecnologia em saúde que respondam as demandas da sociedade e do Sistema Único de Saúde e de outros órgãos governamentais, por meio de suas três bibliotecas, a saber: Biblioteca de Manguinhos, Biblioteca do Instituto Fernandes Figueiras e a Biblioteca da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Guimarães et al, 2007). Entretanto, em que se reconheçam nacional e internacionalmente essas ações e o crescimento de estudos sobre o tema, o enfoque desse projeto pretende centrar-se em outro aspecto, até então desconhecido na prática brasileira, qual seja, o da Biblioteconomia Clínica, que tem como característica essencial procurar, filtrar e fornecer melhores evidências para decisões clínicas. O bibliotecário clínico vem gradualmente desenvolvendo um novo padrão de serviços de informação dentro de hospitais dos sistemas de saúde de países como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá e Austrália. Bibliotecários norte-americanos “saíram” de suas bibliotecas para trabalhar em ambientes clínicos no início dos anos 70. Os primeiros registros indicam que Gertrud Lamb foi a pioneira ao trazer o conceito de bibliotecário clínico ao lado do bibliotecário médico. Na Inglaterra, a primeira tentativa de biblioteconomia clínica ocorreu no início dos anos 80, no Departamento de Cirurgia do Guys Hospital de Londres, o que não deu certo, sendo o termo retomado somente no final dos anos 90. Vale ressaltar a experiência brasileira bem pouco conhecida entre nós, do Programa de Biblioteconomia Clínica implantado pela Fundação Pioneiras Sociais, no Hospital das Doenças do Aparelho Locomotor de Brasília, em 1983. (Silva, 1986). Desde 1996, a Faculdade de Biblioteconomia da PUC-Campinas conta com um grupo de pesquisa consolidado, cujo objeto de investigação é o profissional bibliotecário e sua atuação nesse contexto cada vez mais multi e interdisciplinar. Esse grupo também investiga a identificação de competências e habilidades para a atuação bibliotecária na área da saúde. Nesse projeto, o Grupo de Pesquisa “Gestão da Informação em Unidades de Saúde” pretende identificar as bases para a atuação do profissional da informação num hospital universitário a partir da experiência britânica em andamento nas cidades de Coventry, Derby e Leicester, esforço esse justificado pela existência de poucos trabalhos científicos nacionais que tratam do perfil e da atuação do bibliotecário clínico no Brasil. Trata-se da análise das condições necessárias para a inserção do bibliotecário em equipes multidisciplinares da saúde dentro dos hospitais universitários, considerando a interdisciplinaridade da Ciência da Informação e da própria Saúde e a necessidade evidente de passar da tomada de decisão baseada apenas na opinião para a decisão com base em evidências. Nesse cenário, a literatura britânica e norte-americana são referências para esse estudo, já que nesses países a prática da biblioteconomia clínica (centrada em informação específica para casos clínicos e não apenas em buscas bibliográficas ou em leitura de artigos) encontrase em expansão e o bibliotecário clínico já é reconhecido como membro de equipes multidisciplinares de saúde em ambientes clínicos. 1. Breve histórico da Biblioteconomia Clínica Há aproximadamente 40 anos Gertrude Lamb identificou uma nova oportunidade de atuação do bibliotecário ao verificar a lacuna entre o que a medicina enquanto disciplina estabelecia como boa prática e os procedimentos que efetivamente eram adotados no cuidado ao paciente (Cimpl, 1985). Em 1971 Lamb estabeleceu o primeiro Programa para Clinical Medical Librarian (CML) na Universidade de Missouri-Kansas (EUA) e em 1974 teve início um programa similar no Centro de Saúde da Universidade de Connecticut. Cimpl (1985) sintetizou as razões para o oferecimento dos serviços de biblioteconomia clínica (CML): prover informações rapidamente aos clínicos e outros membros da equipe; capacitar o corpo clínico com informações relevantes e se estabelecer dentro da equipe como membro valioso e apto a ajudar a equipe no apoio à tomada de decisão. Em 1985 havia aproximadamente 23 programas CML, em 1993 a literatura apontava 29 programas internacionais. Para complementar o estudo de Lamb, pode-se citar Schacher (2001) que demonstrou a importância da informação suplementar ao corpo clínico durante o cuidado ao paciente. Em estudos conduzidos em Chicago, Nova Iorque e Reino Unido, os clínicos entrevistados nessa pesquisa foram unânimes ao afirmar que as suas muitas questões foram elucidadas pela literatura, que a seleção de informação avivou detalhes de fatos ou aumentou a confiança na decisão a ser tomada. A conclusão deste estudo demonstrou que médicos assistidos por bibliotecários clínicos são capazes de melhor reorganizarem a seleção de informações de forma mais assertiva. Nesse cenário e servindo-se do modelo implantado na década anterior para capacitação de farmacêuticos, teve início em 1970 um programa para a formação de especialistas em literatura médica, cuja função seria a de acompanhar clínicos e residentes em suas visitas médicas a fim de suprir e levantar as necessidades destes usuários em seu ambiente de trabalho (Mosby e Naisawald, 1981). Segundo esses autores, os bibliotecários teriam que enfrentar os mesmos obstáculos que os farmacêuticos tiveram que ultrapassar para firmar seu lugar na equipe clínica, como alguém de saber comprovado e necessário a essa equipe. Pelo exposto, o conhecimento acadêmico do profissional que atua em saúde precisa ser complementado com o conhecimento prático da área, acrescentando conhecimento à gestão da informação nessas especialidades. 2. Profissionais da informação na área da Saúde Além de procurar, filtrar e fornecer melhores evidências para as decisões clínicas nas equipes onde atuam, outras habilidades são também desejadas nesse profissional: comunicação verbal e escrita, bom senso e ética, flexibilidade e domínio do idioma inglês. O profissional da informação precisa conhecer – e dominar - a terminologia da área da saúde, bem como sobre epistemologia, estatística e políticas públicas. Sua atuação deve estar baseada nos seguintes objetivos: a) acesso e utilização da informação baseada em provas ou evidência de eficácia clínica; b) identificação das necessidades de informação dos profissionais da saúde para verificar os processos baseados em opiniões com a finalidade de adotar a prática clínica baseada em evidências. Esses profissionais da informação que atuam na área clínica junto ao corpo médico podem ser denominados bibliotecários médicos, bibliotecários clínicos ou informacionistas clínicos. 2.1 Bibliotecário Médico Trata-se do bibliotecário atuante em bibliotecas médicas de instituições de ensino ou de saúde. Este profissional não integra equipes clínicas, apenas colabora com os profissionais da saúde nas seguintes linhas de atuação: cooperar no diagnóstico médico, realizar pesquisas acadêmicas para os estudantes de medicina, distribuir informações sobre saúde às pessoas, usar diferentes canais de comunicação para a busca de informação de qualidade, como Internet e bases de dados. Para Wolf (2002), os bibliotecários médicos tornam as bibliotecas de hospitais um espaço ativo orientado a serviços. Nos Estados Unidos, apenas a “American Osteopathic Association” exige bibliotecários qualificados em hospitais que possuem residência na área sem, entretanto, descrever qual o nível de educação exigido a esse profissional. Segundo o autor, a “National League for Nursing” (NLN) indica que esse profissional deve ser estar dentro do hospital (onsite), enquanto a “Medical Library Association” (MLA) apresenta somente diretrizes (guidelines) para os bibliotecários no gerenciamento de bibliotecas médicas que, como sugestões, não conformam padrões impositivos. 2.2 Bibliotecário Clínico Os programas de Biblioteconomia Clínica foram primeiramente descritos por Lamb, onde esse profissional é “como um bibliotecário treinado para participar das rondas médicas, cuja performance seria medida como uma contribuição à melhora do atendimento ao paciente” (Wolf, 2002). Os cursos destinados a esses profissionais incluíam “instrução monitorada e prática em buscas, cursos (realizados) em escolas de medicina e de enfermagem. Atendimento em relatórios matinais, rondas e conferências clínicas como membro da equipe de tratamento do paciente e pessoalmente comprometido com a biblioteca e a medicina”. Os bibliotecários clínicos estão integrados às equipes multidisciplinares de saúde em locais nos quais são levantadas as necessidades de informação (reuniões da equipe, reuniões de orientação e educacionais). Assim, os bibliotecários localizam e sistematizam recursos informacionais para viabilizar que os clínicos encontrem respostas mais adequadas aos cuidados com o paciente (Rigby et al., 2002, p. 158). Desse modo, o bibliotecário clínico atua em equipes clínicas e provê médicos e demais membros da equipe com informações que lhes permitam a melhor decisão sobre os pacientes, com base na informação científica disponível, contribuindo assim para o melhor atendimento à população. O bibliotecário clínico se ocupa das atividades de recuperação e transferência da informação, adaptando-a às necessidades de informação dos usuários, num papel de mediador dessa informação, e não mais de intermediário. Essa mediação envolve interação; inter, multi e transdisciplinaridade; bem como o desenvolvimento de habilidades relacionadas à aprendizagem autônoma e crítica. Para sua atuação nesse campo, são necessárias as seguintes habilidades, segundo Harrison e Sargeant (2004): construção e manutenção de boa relação profissional com os médicos, capacidade de fazer perguntas, capacidade de aprender e interesse por questões clínicas e científicas. Com relação aos conhecimentos, espera-se que saibam sobre anatomia e fisiologia (conhecimento clínico), termos e descritores médicos, gestão de projetos, busca em bases de dados, prática baseada em evidências, métodos de pesquisa e noções de epidemiologia. 2.3 Informacionista clínico Diferente do bibliotecário médico, o informacionista pode ser descrito como um profissional clínico de informação, de formação híbrida da convergência da Biblioteconomia e Ciência da Informação com as Ciências Médicas. Sua missão é comunicar responsavelmente os resultados da investigação científica à comunidade médica, atuando como ponte entre a experiência e o conhecimento tácito do profissional da saúde com a informação-conhecimento científico disponível na literatura (conhecimento explícito), com o objetivo de sustentar as decisões para uma prática clínica eficaz e alcançar alto nível de qualidade na atuação clínica. Para Davidoff e Florance (2000) e Plutchak (2000) o termo informacionista é usado para o bibliotecário clínico que está exposto a situações clínicas e possui habilidades de estatístico e epidemiologista. Segundo os primeiros autores, esse profissional poderia fazer a interface entre informação/clínico e informação/familiares, pois deveria ser visto como peça fundamental do sistema de informação na busca e triagem da informação relevante. O informacionista realiza análises de informação próprias dos especialistas em suas respectivas especialidades clínicas. Caracteriza-se como profissional de informação em saúde com qualificações adicionais obtidas por meio de formação universitária ou experiência que capacitam esse indivíduo a trabalhar colaborativamente em nível de igualdade com médicos e outros profissionais de saúde de forma a encontrar a informação necessária durante o cuidado ao paciente e a pesquisa médica. No contexto norte-americano, esses informacionistas são profissionais semelhantes aos especialistas médicos que hoje carregam o título de intensivistas, mas são também aqueles que compartilham as características de indivíduos com o título de bibliotecário clínico. Os informacionistas podem estar ligados a um número de outros profissionais da saúde que exercem sua prática dentro do ambiente clínico – farmacêuticos clínicos, nutricionistas clínicos, assistentes sociais clínicos e enfermeiros clínicos. Em síntese, esses profissionais podem ser diferentes dos bibliotecários clínicos dependendo de como e quem os educou, a quem eles se reportam etc…, no entanto, nota-se que as ferramentas utilizadas por ambos os profissionais são semelhantes. O informacionista deve possuir uma compreensão clara e sólida dos aspectos do trabalho clínico de base, deve aprender as competências práticas de recuperação, síntese e apresentação da informação e a capacidade de trabalhar junto das equipes clínicas. Além disso, precisa ser capacitado por programas de formação de informacionistas, como ocorre com os profissionais que trabalham com disciplinas clínicas. Trata-se de um profissional híbrido, um pesquisador com formação em estatística, epidemiologia e outras competências nem sempre presente nos clínicos, é um especialista que analisa e verifica os conhecimentos que sustentam a prática clínica com base na literatura científica produzida. 3. Equipes multidisciplinares em hospitais universitários O Hospital Universitário, além de promover o ensino e a pesquisa acadêmica, visa à recuperação, manutenção e incremento da saúde das pessoas. Para tanto, seus profissionais precisam realizar um conjunto altamente complexo de atividades, envolvendo desde atendimentos, tratamentos complexos e outras atividades de prestação de serviços de saúde à comunidade, até as ações de capacitação de recursos humanos (ensino e pesquisa), enquadrando-se, portanto, na categoria de hospitais de ensino (Marinho, 2007; Zucchi, 1998). Os hospitais universitários, quando considerados em conjunto, compõem uma grande estrutura de atendimento à saúde da população brasileira. Em termos numéricos, há quase 10 anos (1999), somente os 45 hospitais universitários federais já haviam realizado mais de doze milhões de consultas, quase quatrocentas mil internações e mais de quinhentas mil cirurgias. Na manutenção dessa estrutura, naquele ano foram gastos quase seiscentos milhões de reais. (Marinho, 2007). A literatura especializada aponta que no Brasil há uma demanda elevada por exames complementares, além do tempo excessivo de permanência dos pacientes no leito hospitalar. Somando-se a isso o excesso de demanda, fruto das características do sistema público de saúde como um todo, os custos de operação e manutenção dessas unidades hospitalares tornam-se elevados. (Zucchi, 1998). Esse quadro reforça a importância de um fluxo informacional eficiente, desde a área da gestão hospitalar até os diagnósticos e tratamentos, para as quais o bibliotecário clínico pode contribuir de forma decisiva, como discutido nas seções anteriores. Apesar da atuação do bibliotecário clínico ainda não ser amplamente difundida, mesmo em países nos quais a área está desenvolvida, como a Inglaterra e os EUA, seu apoio à tomada de decisão das equipes médicas pode trazer grandes benefícios aos usuários desses serviços (Beraquet et al, 2006). O esforço de melhorar a interação entre os profissionais de informação e os da saúde em hospitais universitários compreende uma definição mais clara da Biblioteconomia Clínica, da forma como esta pode ser inserida no contexto de um hospital universitário brasileiro e, principalmente de ações institucionais visando a capacitação desse profissional. Favorecem a realização dessas metas, os estudos para a identificação das características e habilidades essenciais para a atuação profissional do bibliotecário clínico, como apontaram Beraquet et al (2006). Além disso: No caso da Saúde, o bibliotecário apreende o saber-fazer no momento da atuação em bibliotecas universitárias da área, em alguns hospitais ou, especificamente no Brasil, na BIREME. Entretanto, faz-se necessário preparar o bibliotecário para trabalhar nessa e em outras áreas temáticas e contextos de trabalho, de forma que ao deixar a faculdade ele sinta-se apto a enfrentar o mercado de trabalho diversificado e exigente. (Beraquet et al, 2006). Considerações finais O projeto em desenvolvimento não permite ainda que se tenham conclusões sobre a atuação do bibliotecário clínico no Brasil por se tratar de pesquisa em andamento. No entanto, é possível vislumbrar pela literatura e pela análise preliminar dos dados coletados na Inglaterra durante o primeiro semestre desse ano, a mudança do foco nos serviços de biblioteca para além das paredes físicas dos ambientes tradicionais de trabalho do profissional da informação em saúde. A complexidade da área de informação e a incerteza das atividades que ela abrange tem acarretado a confusa e instável terminologia da profissão – informacionista, documentalista, cientista da informação, bibliotecário especializado – para referirem-se a profissionais que provavelmente executam o mesmo tipo de trabalho. Entretanto esta indefinição parece não obstruir a prática efetiva de bibliotecários na área da saúde que vem se consolidando em determinados países e que eventualmente poderá vir a contribuir para a definição consensual do bibliotecário clínico. Documentos publicados essencialmente nos Estados Unidos e na Inglaterra possibilitaram extrair conceitos afins à área e ao profissional que nela atua, bem como permitir reflexões de forma a estudar conceitos brasileiros para a área e para o profissional. Como resultado preliminar, verificou-se que, mesmo não sendo um profissional reconhecido no Brasil, este pode ser o mesmo bibliotecário clínico descrito na literatura internacional. O único diferencial, no caso brasileiro, estaria na abordagem segundo as especificidades e determinações do SUS. Considerando a necessidade informacional dos médicos e a explosão informacional que aumenta exponencialmente a quantidade de documentos, além da escassez de tempo desses profissionais e a não familiaridade com as estratégias de busca em bases de dados especializadas, vislumbra-se um novo campo de ação para o bibliotecário atuar junto ao corpo clínico de um hospital. A Sociedade da Informação, grande responsável por essa abertura, traz essas exigências por causa do imediatismo nas decisões e a necessidade de soluções imediatas em todos os campos do conhecimento, aliados às mudanças nas relações interpessoais e de trabalho, com a valorização do saber e do fazer. Assim, para que isso aconteça, concordamos com Belluzzo ao afirmar que “o pensamento criativo deve se desenvolver em múltiplas conexões para poder representar uma linguagem significativa para todas as pessoas, enquanto sujeitos históricos, a fim de que possam estar bem informadas e saibam empregar os seus conhecimentos para tomar decisões em seu tempo e sociedade” (2006, p. 82). Segundo a autora, quando o pensamento crítico resolve um problema, ele assume a forma de raciocínio: um processo pelo qual se procura chegar a conclusões a partir de evidências, inferindo com base no conhecido, nas novas possibilidades ou nos resultados obtidos, o que se relaciona diretamente com a competência informacional - Information Literacy. (Belluzzo, 2006). A educação especializada em nível de pós graduação pode ser uma opção para diferenciar a biblioteconomia clínica dos demais campos abrangidos pela Ciência da Informação. O bibliotecário clínico executa todas as atividades dos outros bibliotecários, porém atua como parte integrante de uma equipe de saúde e é também responsável pela disponibilização de informações essenciais para a decisão final sobre determinado paciente. Como afirmava Beraquet já em 1981, a exemplo de muitas outras profissões, a Biblioteconomia precisa criar subespecialidades segundo as diferentes clientelas e os modos como a informação é utilizada, assim como os distintos métodos e ferramentas usados para a efetiva gestão e disseminação dessa informação. Pretende-se, ao final dessa pesquisa, identificar possibilidades de uma nova e eficiente relação profissional entre bibliotecários e o corpo clínico do hospital universitário. No entanto, já foi possível verificar que os bibliotecários clínicos devem ter como diferencial a priorização dos serviços de apoio à tomada de decisão das equipes de saúde, possivelmente diminuindo os serviços tradicionalmente oferecidos dentro das bibliotecas de hospitais. Com os resultados que a pesquisa possibilitará, espera-se que as áreas Ciência da Informação e Saúde caminhem para uma interdisciplinaridade e possam contribuir, ambas, não somente para a delimitação e fortalecimento da especificidade de suas áreas, como também para a melhoria da qualidade de vida da população por meio de melhores serviços e ações na saúde. Notas e referências Belluzzo, R. C. B. O uso de mapas conceituais e mentais como tecnologia de apoio à gestão da informação e da comunicação: uma área interdisciplinar da competência em informação. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação: Nova Série, São Paulo, v.2, n.2, p.78-89, dez. 2006. Beraquet, V.S.M. 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