Caros Amigos - A ESCANDOLOSA HISTÓRIA DO NOVO CORINTHIANS
OS RUSSOS CHEGARAM?
O Corinthians não é mais “do Brasil o clube mais brasileiro”, como canta seu hino.
Aos 94 anos de vida, acaba de se associar a um grupo estrangeiro representado por um
lépido iraniano de 30 e poucos anos que se chama Kiavash Joorabchian e vem
provocando um terremoto na já abalada estrutura do futebol brasileiro
Ele, Kia – como é chamado por todos -, não revela quem são os participantes desse
grupo, mas todos os vestígios apontam para uma turma oriunda da ex-União Soviética,
uma turma que amealhou enormes fortunas a partir de operações nada louváveis, como
demonstra uma das partes da reportagem que encabeça esta edição de Caros Amigos.
Feita a dezesseis mãos, a reportagem conta a história inteira dessa misteriosa união da
qual até agora só foram mostrados fragmentos nos meios de comunicação, e assim
mesmo apenas nos espaços reservados ao chamado jornalismo esportivo.
A dimensão do fato, porém, ultrapassa esses limites, por envolver movimentos que
chamaram a atenção da Abin e do FBI, do Banco Central brasileiro e da Justiça
paulista, quer dizer, a investida desse grupo misterioso levanta suposições de estarmos
assistindo ao alvorecer de um caso de polícia que envolveria lavagem de dinheiro, essa
prática escabrosa que estranhamente parece já fazer parte do cotidiano do país.
Ao mesmo tempo vê-se ameaçada, no simples terreno do futebol, a imagem de um
distintivo que emociona multidões, a ponto de elas serem chamadas de “nação
corintiana”. E aqui desponta o detalhe impressionante. Com a expressão mais santa do
mundo, Kia Joorabchian, o abre-alas do grupo secreto, afirma num programa de
televisão aberta que o sentimento que o move nessa milionária missão é a busca da
redenção não só do clube paulista, mas do próprio futebol brasileiro como um todo. E
é coberto de aplausos.
Quem é Kia, afinal? E o que ele representa? Quais são os bastidores dessa história
extravagante, cheia de lances espetaculares? É o que procura mostrar a reportagem
que investigou ou ouviu os principais personagens surgidos até o momento de
encerrarmos esta edição. Outros virão?
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PARA ONDE VAI O CORINTHIANS?
Quem é Kia Joorabchian, esse misterioso iraniano que está pondo em polvorosa o futebol brasileiro?
Quem compõe o grupo que ele diz representar e que está investindo milhões de dólares no
Corinthians, enfeitiçando diretores e torcida? Sete repórteres saíram a campo e um editor lançou-se à
pesquisa para tentar responder a essas interrogações e o resultado é um quadro cheio de lances
espetaculosos, figuras sinistras, acusações graves, suspeitas inquietantes. tudo isso envolvendo uma
série de pessoas que atuam fora do campo de jogo. Uma história escandalosa que começa com
sotaque russo e, certamente, não vai parar por aqui.
E DE ONDE VEM ELE?
Dos EUA, uma pista sobre o passado de Kia: o empresário Roy Azim conta como o iraniano
conquistou sua confiança e amizade, levou vantagem e sumiu do mapa. Por Natalia Viana
Ninguém sabe direito a história da vida dele, nem como o jovem iraniano Kia Joorabchian, de apenas
33 anos, entrou no mundo dos investidores milionários que nunca dão as caras. Mas uma boa pista
pode ser encontrada em um pequeno escritório em Miami, Flórida, onde um quirguistano alto e bemapanhado mal consegue conter a revolta ao ouvir o nome de Kia.
- O que? Um baixinho, iraniano?!? Ele me roubou 21 milhões de dólares! Onde ele estiver, eu
destruo ele! Como uma barata!
Kia Joorabchian apareceu no Brasil em meados do ano passado com uma promessa caída do céu:
transformar o cambaleante Corinthians num time de "galácticos". O plano era perfeito, não fosse um
pequeno detalhe: passados seis meses de sua provocadora chegada ao país, ninguém tem a mínima
idéia de quem é ele. Como disse curto e grosso Ronaldo Pinto, presidente da Gaviões da Fiel:
“Chega um cara que ninguém sabe de onde vem, que não é corintiano, e compra o time? Quem são
eles? Ninguém sabe”. O assessor Fernando Mello soma ainda mais à aura de mistério: diz que Kia
não gosta de falar de sua vida pessoal “por uma questão de segurança”.
O pouco que se sabe é nebuloso, e novos boatos surgem na imprensa a cada semana. Não é para
menos: ele aparece em registros públicos na Inglaterra com cinco identidades, nas quais variam sua
nacionalidade - canadense ou inglesa -, sua idade - 33 ou 34 anos - seu nome - Kiavash Joorabchian,
Kia Joorabchian e Kia Kiavash – e até a data do nascimento - 14 ou 25 de julho.
Kia teria nascido na cidade de Teerã, capital do Irã, onde sua família seria do ramo automobilístico.
De lá, teria ido para a Inglaterra aos 6 anos (ou 10), onde a família abriu várias empresas,
principalmente revendas de automóveis. Ele já disse que teria se formado em ciências ou business dependendo do repórter que faz a pergunta - na universidade Queen Mary, afiliada à University of
London. Em entrevista pelo telefone, afirmou que estudou química e depois mudou de curso para
business, mas não chegou a se graduar.
Uma coisa é certa: Kia começou nos negócios ajudando na revendedora de automóveis MercedesBenz do pai, Mohammad, a Medway Autos, em Kent, ao sul de Londres. Depois, foi funcionário da
Bolsa de Petróleo de Londres.
Em 1997, conheceu Roy Azim, ou Ruslam, o nome russo desse cidadão do Quirguistão, que é dono
da International Consultants LLC, empresa de consultoria internacional para investimentos nos
ramos imobiliário, farmacêutico e financeiro. Aos 47 anos, com clientes principalmente na Rússia,
onde morou durante muitos anos, e conexões nos principais círculos de negócios dos países da exURSS, Azim garante que teve Kia como leal amigo e fiel escudeiro até 2001, ano em que
desapareceu sem deixar vestígios.
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RUSLAM E KIAVASH
A história começa com um encontro casual em Londres, quando Azim diz ter sido apresentado a Kia
pelo empresário Simon Reuben, indiano que enriqueceu comercializando metais, notadamente
alumínio na ex-URSS. Kia tinha então 25 anos e foi-lhe apresentado assim: "Este é um jovem que
fala inglês muito bem, ele vai te ajudar, pode confiar nele". Na época vivendo metade do tempo em
Moscou, metade em Nova York, Azim falava pouquíssimo inglês. O novo assistente serviu como
uma luva e foi para Nova York, morar em um apartamento de Roy. Em pouco tempo eram amigos
íntimos. Kia ajudava Roy fazendo traduções, atuando como intérprete, organizando viagens,
jantares, reuniões. Com sua bela namorada Leila Rafí, americana, Kia era frequentemente visto ao
lado de Roy e sua família. Saíam para bares, restaurantes, festas. Viajaram juntos para Las Vegas,
Colorado, Saint-Tropez, Londres. A afeição pelo talentoso iraniano era tanta, que Roy nem se
importou quando recebeu, meses depois, um telefonema de Simon Reuben:
- É melhor você se afastar desse Kia. Descobri coisas sobre ele, não é de confiança. Pega dinheiro de
um monte de gente e não devolve.
Consultado, Kia retrucou que Simon estava com ciúmes. Procurei Simon pelo telefone e ele, através
de seu assessor de imprensa, mandou dizer que conhece Kia, mas “não o considera um amigo”.
Roy foi apresentando Kia para muitos sócios e parceiros de grande porte, especialmente russos.
Como ele mesmo faz questão de frisar: “Fui o primeiro russo que ele conheceu. Ele não conhecia
ninguém”. Roy confiava tanto em Kia que o encarregou de um negócio pra lá de polêmico e que
alçaria o iraniano às páginas da imprensa internacional: a compra do jornal russo Kommersant.
Em 1999, o Kommersant era o principal diário independente da Rússia. Certo dia, liga de Moscou
para Roy, em Nova York, Lev Chernoy, com quem tinha negócios de alumínio no Cazaquistão e era
amigo de Berezovski, do sócio de Berezovski, o georgiano Badri Patarkatsishvili, além dos irmãos
Simon e David Reuben:
- Roy, preciso comprar um jornal para o Berezovski, você pode dar uma força? O dono do jornal
mora em Los Angeles, chama-se Vladimir Yakovlev, você pode viajar pra lá e fechar o acordo?
Azim não podia viajar, e mandou o fiel escudeiro. Com mediação de Roy, Kia pediu 3 milhões de
dólares de comissão.
Chernoy fez a contraproposta de 500.000.
Crente que ia receber parte do dinheiro, Roy pagou todas as despesas com advogados, passagens e
gastos de Kia. Em Los Angeles, o iraniano foi apresentado a Yakoviev, ao empresário russo Dima
Bosov e ao braço-direito de Berezovski, Badri. Levou junto o amigo (ou primo) Reza-Kermani, para
"atuar" como sócio. De lá, afirma Roy, os dois rapazes viajaram para Moscou, onde conheceram Lev
Chernoy e o próprio Boris Berezovski.
Para a imprensa, Yakoviev declarou ter vendido o Kommersant aos “investidores iranianos” - que
nem falavam russo - porque queria manter o jornal longe de interesses políticos. Para convencer o
cético editor do jornal Raf Shakirov, levou-o para uma viagem a Los Angeles, como me contou o
próprio Raf: “Isso foi em maio ou junho de 1999, e todo o encontro foi feito para mostrar que eles
eram sérios homens de negócios. Ficamos no luxuoso hotel Beverly Hílls, e depois eles vieram para
Moscou, no final de junho, e ficaram no cinco estrelas Baltschug-Kempinski, para dar a mesma
impressão”. Não convenceram o jornalista. “Kia sempre foi muito simpático, sempre quer aparecer
como um bom garoto, mas não tinha jeito de um homem de negócios sério”.
Em agosto, Kia e Reza apareceram numa desastrosa coletiva de imprensa onde deram explicações
vagas sobre quem eram. Prometeram mostrar documentos sobre as duas empresas que estavam
usando para comprar o jornal - American Capital Investments Ltd e American Capital LLC.
Prometeram também não demitir nenhum editor durante pelo menos um ano, e afirmaram estar
comprando o Kommersant para vendê-lo após uma reestruturação que valorizaria a empresa.
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Passado um mês, Raf foi demitido.
Saiu contando a toda a imprensa que recebera um documento provando que Berezovski era dono do
jornal e tinha Badri como sócio. Logo depois da demissão de Raf, os dois “atores” desapareceram da
Rússia. “Imagine que aqueles que figuraram como donos do Kommersant apareceram em junho e
desapareceram em agosto. Como donos verdadeiros, eles só atuaram por um mês”, diz Raf.
O jornalista, que nunca mais ouvira falar do iraniano, ficou surpreso com a empreitada brasileira.
"Kia?! Oh, no!" Para ele, Kia está se especializando em uma atívidade muito peculiar: “Ele se tornou
um “ator” de negócios; quando alguém não quer aparecer, pode contratá-lo”.
O SUMIÇO
De volta de Moscou, Kia continuou ainda por algum tempo trabalhando com Roy Azim. Mas seus
gastos exagerados estavam gerando desconfiança: com uma carta de crédito da companhia de Roy, o
iraniano mantinha seu estilo de vida elegante, com muitas viagens, excelentes hotéis, bares,
restaurantes, conta Roy. Além disso, o único negócio que os dois tiveram juntos, um fundo de
investimentos sediado - adivinhe! - nas Ilhas Virgens Britânicas, começava a tirar o sono de Roy.
A American Capital Fund Limited foi instituída em junho de 1999 por Kia Joorabchian como fundo
de investimentos. Roy aplicou 4 milhões de dólares e seu irmão, Abdul Karim Muhimnov, 17
milhões, tornando-se ambos acionistas do fundo. Kia gerenciava o fundo através de outra empresa
sua, a American Capital Management Ltd, sediada nas Ilhas Virgens Britânicas Tinha uma
procuração universal, e era o único que podia mexer no dinheiro. Para sediar a empresa, Kia alugou
um escritório no número 12 da rua 44, sexto andar, em Manhattan. Roy é quem pagava tudo:
mobília, reforma, equipamento, gastos. Pagava ainda o salário das secretárias e do motorista, mesmo
que, do escritório, Kia manobrasse outros negócios de empresas particulares suas. E nunca deu um
tostão a Roy nem do que o amigo gastou no escritório que, ele, Kia, ganhou com o acordo do
Kommersant.
O problema com a American Fund Limited foi ficando mais complicado à medida que Kia se negava
a mostrar os balanços do fundo de investimento. Até que os advogados de Roy descobriram que a
empresa de Kia, a American Capital Management Ltd, nunca obteve autorização do governo das
Ilhas Virgens Britânicas para movimentar o fundo de investimento, e portanto operava ilegalmente.
Dois anos depois, já em maio de 2001, Kia aplicou o “jeitinho brasileiro” e mudou o enquadramento
jurídico da empresa, chamando-a American Capital Overseas Company Ltd, de modo que pudesse
investir sem a autorização do governo.
Sem notícias do seu dinheiro por meses a fio, Roy decidiu apertar o iraniano. Abriu um processo na
Suprema Corte de Nova York em outubro de 2001, no valor de 19 milhões de dólares, acusando-o
de fraude, por ter dito aos acionistas que tinha autorização legal para mexer no dinheiro; falsidade
ideológica, por ter dito que tinha expertise em gerenciar fundos de investimento, o que era mentira;
infração contratual com intenção de má-fé e negligência, por continuar movimentando o fundo
mesmo sem ter autorização oficial, sabendo que era contra a lei; infração de dever fiduciário, por ser
depositário infiel; infração de contrato oral, por razões óbvias; conversão, por se negar a devolver a
mobília e o equipamento do escritório em Manhattan; e delito de relações contratuais e vantagens
econômicas, por ter causado dano aos interesses econômicos de Roy conscientemente.
A tática falhou: Kia sumiu do mapa. “Não pudemos ir ao tribunal porque não o encontramos para
intimá-lo”, conta o advogado de Roy Azim, que pediu para não ser identificado. Investigações
posteriores mostraram que, dos 21 milhões investidos, sobrava apenas l milhão e meio, em ações que
Roy teve de vender. Nem notícia do restante do dinheiro, nem de Kia.
O processo foi arquivado em novembro de 2001, mas continua em aberto. O advogado explica: “Se
o Kia vier para os Estados Unidos e for intimado, terá de vir ao tribunal e pode ser condenado a
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pagar os 19 milhões. Daí teríamos de descobrir onde ele possui bens, para poder retê-los, como,
digamos, esse time de futebol, que deve valer um bom dinheiro”. Ele diz também que Roy vai abrir
outro processo, nas Ilhas Virgens Britânicas.
“Ele é muito sedutor, muito perigoso, vem até a sua família, brinca com as crianças, tenta fazer as
pessoas dormirem, e então checa tudo, números das contas, quem é quem, o que está fazendo, quem
são as irmãs, os irmãos, ele é esse tipo de gente”, desabafa Roy.
Em tempo: Kia negou ter sofrido qualquer ação judicial nos EUA, e afirmou que Azim apenas
trabalhava como consultor de sua empresa nos EUA. “Não quisemos mais os seus serviços e
rompemos o contrato, só isso”.
DE HOJE EM DIANTE
Entre 2001 e 2004, pouco se sabe sobre as atividades de Kia. A única certeza absoluta é que se
tornou amigo cada vez mais íntimo de Boris Berezovski, com quem era frequentemente visto em
Londres.
Tanto, que Boris fez pouco caso quando Roy Azim ligou para ele alertando sobre Kia. “Eu avisei
que ele era um cara perigoso, mas Boris disse para eu não me preocupar, que ele apenas ia usar o
Kia para chamar táxi, fazer reservas em restaurantes, pagar contas, essas coisas.”
A Caros Amigos, Berezovski negou ter sido apresentado a Kia por intermédio de Roy Azim. Disse
que conheceu o iraniano quando comprou dele o Kommersant - ele ainda mantém essa versão.
Demonstrando enorme intimidade com Kia, disse que ele é uma pessoa aberta, que tem dado muitas
entrevistas no Brasil, e que ele, Boris, tem acompanhado de perto os seus passos por aqui – pretende
construir um estádio para o Corinthians porque "o Brasil tem muitas chances de sediar a Copa de
2014". Contou, ainda, que no ano passado sua mulher Yelena veio ao Brasil para “dar um feedback”
sobre o que Kia andava fazendo por aqui. E, claro, defendeu Kia: “Pelo que eu saiba, ninguém
jamais provou que ele tenha jogado sujo nos negócios. Ele é uma pessoa direita, tenho certeza de
que tudo o que ele está fazendo é absolutamente correto e legal”.
Será?
A VITÓRIA DE KIA
Na manhã e com bom esquema tático, ele conquistou o presidente Dualib, que convenceu o
Conselho Deliberativo a aprovar o contrato. Diante da derrota iminente, a oposição atacou a
parceria, com denúncias de corrupção, de favorecimento e malversação de verbas. No final, venceu a
força do dinheiro.
Por João de Barros
Antes de assumir o controle do Corinthians, o iraniano Kia Joorabchian providenciou uma auditoria
no departamento de futebol do clube, solicitação prontamente atendida pelo escritório Veirano
Advogados - o mesmo que cuida dos interesses da MSI no Brasil.
A auditoria, segundo o ex-vice presidente financeiro do Corinthians, Luiz Sérgio Scarpelli, revelou
que o clube apresentava um “rombo astronômico” - algo em torno de 60 milhões de reais - quando,
supunha o Conselho Deliberativo, o prejuízo acumulado devia ser de 33,4 milhões (caso o clube não
obtivesse nenhuma renda extra, como a venda de jogadores, por exemplo): 23 milhões de reais
relativos ao déficit acumulado até 2002, mais 10,4 milhões de reais, de acordo com o balanço de
2003.
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Todavia, nos bastidores do clube houve um misto de assombro e resignação, proporcional à
aprovação ou desaprovação pela parceria, quando se tornou público que a empresa Sports
Marketing Agency S/C Ltda. (SMA), cuja dona é Carla Dualib, neta do presidente Alberto, receberia
6,1 milhões de reais graças a um contrato, com vigência de três anos, selado pelo avô em fevereiro
de 2003, sem aquiescência do Conselho ou concorrência pública. Até o início deste ano, segundo
admite o presidente Dualib, o Corinthians já desembolsara exatos 2.939.601,82 de reais, e os
restantes 3.060.398,18 podem nem chegar aos cofres de Carla: Kia já disse que vai romper o
contrato com a SMA.
Os negócios entre a SMA e o Corinthians já eram conhecidos por muitos conselheiros do clube. No
início do ano passado, num jantar no Hotel Crowne Plaza, durante o lançamento do programa de
esportes Estação Futebol, na Rede Vida, o vice-presidente Nesi Curi (ele é um dos dois diretores
representantes do Corinthians junto à MSI), confidenciou a Scarpelli que “a renovação de contrato
de patrocínio com a Topper era muito mais vantajosa do que o da Nike”. No entanto, a melhor
proposta não ganhara “porque a Topper não pagava comissão para dona Carla”. Segundo o contrato
celebrado com a Nike, a empresa de material esportivo vai desembolsar 15 milhões de reais até
2006.
Segundo outro importante conselheiro, a neta teria sido pivô da quebra de um protocolo de
intenções estabelecido em dezembro de 2003 entre o clube e o grupo português Lusoarenas
Desenvolvimento de Empreendimentos e Concessões S/A. A parceria previa investimento de 80
milhões de dólares para a construção de um estádio de futebol para o Corinthians, na Marginal do
rio Pinheiros, zona sul de São Paulo, local em que o time mandaria seus jogos na cidade. Em
contrapartida, o investidor alugaria o local para eventos e teria os direitos de publicidade do estádio
por trinta anos. Porém, no dia 9 de setembro de 2004, o presidente Dualib desfez o pré-contrato. O
representante da Lusoarenas no Rio de Janeiro, Aníbal Coutinho, nega, mas o motivo do
rompimento - segundo o próprio Aníbal relatou a esse importante conselheiro - teria sido a recusa do
grupo em depositar determinada comissão em nome da neta do presidente. Hoje, segundo o contrato
firmado por Kia, quem detém a prioridade para construir um estádio em São Paulo - não a obrigação
de realizar a obra - é a MSI.
Na esteira das nebulosas negociatas descobertas, afinal, pela auditoria promovida pela MSI ganhou
consistência o rumor de que alguns diretores do clube eram remunerados, coisa proibida pelo
estatuto do clube e pela legislação brasileira. O valor mensal total dessa “folha de pagamentos”
giraria em torno de 150.000 reais e ela teria sido apresentada aos auditores pelo gerente financeiro
do Corinthians, Marcos Fernandes. Entre os beneficiados estariam Nesi Curi, Carlos Roberto Melo,
vice-presidente de finanças, e Antonio Roque Citadini, ex-vice presidente de futebol, os três com
“salários” em torno de 30.000 reais cada. Vazaram, ainda, os nomes de Daniel Cunha, vicepresidente de administração (10.000 reais) e Luís César Granieiri, vice-presidente de marketing
(8.000 reais).
Tão logo soube que seu nome constava da lista de “assalariados”, Citadini, que ainda exercia o cargo
de vice-presidente de futebol, obteve uma lacônica declaração “a quem possa interessar” assinada
pelo presidente Dualib, datada de dezembro de 2004, segundo a qual ele, Citadini, “em nenhum
momento recebeu qualquer tipo de provento como salário, remuneração, gratificação ou ajuda de
custo”.
Diante de tantas denúncias, Sérgio Scarpelli solicitou formalmente, em 23 de novembro de 2004, ao
presidente do Conselho Deliberativo, José de Castro Bigi, que fossem entregues - “em 48 horas” - o
contrato celebrado com a neta do presidente e, também, a relação dos diretores e vice-presidentes
que recebiam do clube proventos ou vantagens de outra natureza. “Você recebeu a resposta? Nem
eu”, diz Scarpelli. “Aquilo não é um Conselho de homens, mas de beneficiados. Se a auditoria da
MSI aparecer inteira, muita gente vai parar na cadeia.”
Também por considerar tudo “muito nebuloso, atabalhoado e sem transparência”, o conselheiro e
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deputado estadual pelo PC do B Nivaldo Santana votou contra a parceria com a MSI e apóia a
iniciativa do igualmente deputado e conselheiro Romeu Tuma Júnior (PPS) de instaurar uma CPI
dos grandes clubes paulistas na Assembléia Legislativa, a fim de que eles não sirvam de trampolim
para “negociações suspeitas”.
A parceria do Corinthians com a MSI de Kia Joorabchian começou em meados de 2004, quando
Dualib decidiu partir atrás de recursos que aliviassem a dívida corintiana, já na casa dos 60 milhões
de reais, assim discriminada: 15 milhões de reais para suprir o fluxo de caixa; 6,5 milhões referentes
a empréstimos bancários; 9.177 reais no pagamento de impostos; 7.200 para reestruturação do
clube; 5.219 para pagamento de fornecedores; e 17.230 reais como pagamento de contingências.
Avalista pessoal de 2 milhões de reais dessa dívida, por ser presidente do clube, Dualib vislumbrou a
chance de sanar as finanças do Corinthians e se livrar de suas responsabilidades legais quando o
médico e empresário Renato Duprat Filho (dono dos falidos plano de saúde e hospital Unicor, que
deixaram mais de mil desempregados sem receber os direitos trabalhistas e 100.000 pessoas sem
seguro saúde) o procurou para dizer que um grupo de empresários europeus estava disposto a
investir no futebol brasileiro. Era a luva de que a mão precisava.
Na época, Duprat já transitava com alguma desenvoltura na cartolagem do futebol - fora até diretor
de árbitros na Federação Paulista de Futebol, na gestão de Eduardo José Farah. Iniciara-se no ramo
em 1991 ao patrocinar a camisa do Santos e tornar Pelé garoto-propaganda da empresa. Tornou-se
sócio de Edson Arantes do Nascimento, na empresa Pelé Sports &: Marketing, onde teria dado um
golpe de 5 milhões de reais ao não pagar o combinado para que Pelé emprestasse sua imagem a uma
obscura Copa da Paz, realizada em 2003 na Coréia do Sul, sob os auspícios de ninguém menos que o
tristemente célebre reverendo Moon (já devidamente introduzido no futebol paulista por meio do
Atlético de Sorocaba, em São Paulo). Duprat, de qualquer forma, granjeara imagem internacional em
certos meios do mundo da bola, onde ingressava também um certo Kiavash Joorabchian.
Kia e Duprat conheceram-se em Londres. Não se sabe quem foi o primeiro a falar sobre a hipótese
de investimentos no futebol brasileiro. O fato é que, algum tempo depois, Duprat já pavimentara o
caminho para Kia se reunir com a cúpula do SBT de Sílvio Santos a fim de obter os direitos de
transmissão dos jogos do Campeonato Brasileiro de Futebol. Kia queria rivalizar com a Globo, mas
seu plano não prosperou. Primeiro, pela dificuldade de conseguir, um a um, os direitos de todos os
times envolvidos na disputa; depois, pelo grau de enfrentamento que teria de encarar.
A dupla, então, mudou o jogo. Duprat começou a consultar dirigentes de alguns clubes sobre a
possibilidade de um grupo estrangeiro aplicar nos respectivos departamentos de futebol. Ao
conselheiro do São Paulo Celso Grellet, por exemplo, Duprat disse que representava investidores
suíços. Não colou. Mas Duprat foi sondando o terreno: visitou o Santos, assuntou o Palmeiras,
tateou o Grêmio de Porto Alegre, até que, em julho de 2004, chegou ao Corinthians.
Ao ouvir a promessa de que investidores europeus queriam aplicar no futebol brasileiro, Dualib se
encantou. Duprat, então, ligou para Kia e informou-o do interesse corintiano. Passados alguns dias,
Kia desembarcava no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, e, a bordo de uma limusine Mercedes,
alugada por Duprat, era conduzido ao estrelado hotel Fasano, em cujo mezanino foi apresentado
formalmente ao presidente Dualib. Na ocasião, Kia informou que o grupo de investidores que
representava estava disposto a aplicar 35 milhões de dólares no clube, 20 milhões dos quais “para
saneamento de dívidas”.
Nesses mesmos dias, Renato Duprat criou certos desconfortos. No afã de se mostrar rico e poderoso
para Kia e com trânsito livre na alta sociedade paulistana, convenceu a ex-esposa Olga Amato, filha
e sócia do ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) Mário Amato,
a ciceronear Yelena Berezovski, mulher do magnata russo Boris Berezovski (que se diz amigo de
Kia) numa tarde de compras na Daslu, talvez a mais badalada casa de modas da cidade. Com a
promessa de que as despesas seriam cobertas por Duprat, Olga bancou a conta de Yelena, cerca de
20.000 dólares. Nunca veria a cor do dinheiro.
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Nessa passagem por São Paulo, Kia frequentou os restaurantes mais caros da cidade, visitou casas
noturnas, esteve rodeado de belas mulheres. Mostrou desenvoltura até para resolver cenas
constrangedoras: prevendo um calote de Duprat, o dono da limusine Mercedes alugada foi, com a
polícia, cobrar dele os 5.000 reais do aluguel onde a dupla se encontrava, no luxuoso restaurante
Fasano. Diante do embaraço de Duprat e do “barraco”que podia advir da pendenga, Kia sacou do
bolso um punhado de libras e pagou a dívida em moeda inglesa.
O astuto Kia não precisou de muito tempo para ver a fragilidade econômica do clube e de seu
presidente, cujo nome aparece no Serviço de Proteção ao Crédito, da Associação Comercial de São
Paulo, por conta da execução de uma fieira de títulos protestados por bancos, como Safra, Mercantil
do Brasil, Banco do Brasil e BCN, contra empresas em que Dualib e ou seus filhos Nelson e Edson
figuram como executivos, entre elas a Rol Lex S/A Indústria e Comércio, a Dualib S/A
Investimentos e Participações, a All Látex e a Companhia Brasileira de Artefatos de Látex. Contra a
neta Carla consta apenas uma ação judicial, na 3a Vara da Lapa, por falta de pagamento do
condomínio do Edifício Residencial Mont Blanc.
Para seduzir de vez o presidente, Kia convidou-o a ir à Europa com uma seleta delegação corintiana,
que poderia ser escolhida a dedo por Dualib. Em 7 de agosto de 2004, a comitiva composta pela
neta Carla e dois atuais diretores do Corinthians na gestão da MSI - Nesi Curi e Andres Sanchez embarcou. A viagem teve duas escalas. A primeira em Londres, onde o grupo foi conduzido à
presença de Boris Berezovski, de quem Kia sempre se comportou como fiel escudeiro. De lá, num
avião de Berezovski, o séquito foi a Tblisi, capital da Geórgia, ao encontro de outro milionário da
herança pós-soviética, Badri Patakartsishvili, dono, entre outras muitas coisas, do clube de futebol
Dínamo local.
Foi uma festa inesquecível. Ao retornar, cinco dias depois, o presidente Dualib manifestou seu
deslumbramento com a recepção conferida ao grupo. No Parque São Jorge, sede do Corinthians, ele
não cansava de relatar aos conselheiros a nababesca excursão. Contou ter sido hospedado em
instalações luxuosas, voado à Geórgia num avião fretado com chuveiro a bordo, e calculou que os
anfitriões gastaram 500.000 dólares com o quarteto brasileiro. “O pessoal é podre de rico. O
Corinthians, realmente, só tem a ganhar com a parceria.”
No dia 24 de agosto, o pré-contrato entre a MSI e o Corinthians era aprovado por 264 dos 271
membros do Conselho Deliberativo do clube. Explica-se a avassaladora votação à inquestionável
força política de Dualib no grupo. Desde que se elegeu, em 1993, ele tratou de alterar a composição
estatutária anterior. Antes, participavam da assembléia geral trezentos sócios, sendo noventa
vitalícios (um terço) e 210 eleitos quadrienalmente (dois terços). Hoje, são quatrocentos
conselheiros: duzentos vitalícios (sessenta eleitos e 140 indicados) e duzentos quadrienais (cem
eleitos e cem indicados pelo presidente do Conselho, José de Castro Bigi, amigo de Dualib).
Detalhe: em fevereiro de 2004 foram empossados doze conselheiros da família Dualib - dois filhos,
uma filha, dois sobrinhos e sete netos do presidente, oito dos quais são vitalícios.
Tendo o presidente como sua voz no Conselho, como porta-voz de seus interesses no clube, Kia
tratou de satisfazer a torcida, prometendo contratar jogadores de nível internacional, uma “era
galáctica” para o clube. Os nomes apareciam nos jornais como contratações “quase” certas: entre
outros, o técnico Vanderlei Luxemburgo, que estava no Santos, os jogadores Robinho, também do
Santos, Mascherano, argentino do River Plate, Vagner Love, ex-centroavante do Palmeiras e então
no CSKA, de Moscou, e Carlos Tevez, do Boca Juniors - este comprado, enfim, por declarados 22
milhões de dólares, quase 60 milhões de reais, a mais cara contratação da história do futebol
brasileiro.
A batalha final para a aprovação da parceria entre o Corinthians e a MSI foi realizada no dia 23 de
novembro de 2004. Numa tumultuada sessão, o Conselho Deliberativo aprovou a parceria, mas a
oposição recorreu à Justiça para contestar a decisão. O motivo é que um dos conselheiros, Rubens
Aprobato Machado, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB nacional), queria que a
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Caros Amigos - A ESCANDOLOSA HISTÓRIA DO NOVO CORINTHIANS
votação do acordo com a MSI fosse nominal. O presidente do Conselho, José de Castro Bigi,
também ex-presidente da OAB, mas estadual, optou pela votação simbólica, solicitando aos que
fossem a favor que ficassem em pé. A moção foi aprovada. Foi quando Bigi “confundiu-se” e
encerrou a assembleia sem votar a parceria. A oposição, prevendo a derrota, retirou-se
imediatamente do recinto. No entanto, Bigi reabriu a sessão, sem a oposição, aprovando a parceria.
A vitória era de Kia.
CASO DE POLÍCIA
Aprovada a parceria, a disputa foi para a prorrogação. Primeiro, num distrito de bairro, onde o
delegado Tuma deu queixa de tentativa de suborno e ameaça de morte. Entraram em campo também
a Abin - Agência de Informações do governo federal, o FBI e a Interpol por causa da suspeita de
lavagem internacional de dinheiro.
Por Marina Amaral
Approbato faz questão de dizer que nunca fez oposicão política ao presidente do Corinthians - os
motivos para sua resistência à parceria são técnicos e éticos.Como advogado, foi encarregado pelos
conselheiros doCori (Comité de Orientação) de analisar o pré-contrato, ainda em agosto, quando
deparou com a maior aberracão jurídica de seus quarenta anos de carreira, como ele mesmo diz: ao
verificar, como procedimento rotineiro, o registro da MSI na House Companies, em Londres,
descobriu, estarrecido, que a empresa simplesmente não existia. Só no dia 31 de agosto, uma semana
depois de Approbato revelar aos conselheiros do Cori que o Corinthians estava entregando seu
departamento de futebol a uma empresa fantasma, a MSI foi criada em Londres.
Ainda assim, Joorabchian não aparece entre seus sócios - que está em nome de outra obscura pessoa
jurídica – e o capital social declarado é de 1.000 libras esterlinas. “Como uma empresa que ninguém
sabe de quem é, com um capital de 6.000 reais, pode se responsabilizar por um empreendimento, de
40, 50 milhões de dólares?”, indaga o advogado.
Inconformado com o negócio pelos mesmos motivos, delegado e deputado Romeu Tuma Jr., com
longa experiência na investigação de máfias brasileiras e estrangeiras, acionou a Abin - Agência
Brasileira de Informação - e a Interpol - onde havia trabalhado - para pedir informações sobre a
MSI, Joorabchian e o magnata Berezovski. No final de agosto, recebeu um relatório da Abin
confirmando as suspeitas de que o iraniano da MSI sempre havia atuado como testa-de-ferro de
Berezovski e outros homens ligados à máfía russa e tchetchena, todos com pedido de prisão
decretado pelo governo Putin. Algumas semanas depois, a Interpol confirmou e ampliou os dados
obtidos pela Abin sobre Berezovski e seus sócios, e também o mandado de prisão contra o magnata
russo acusado de ganhos ilícitos e lavagem de dinheiro.
As investigações do deputado policial chegaram aos ouvidos de Dualib, que telefonou a Tuma
pedindo que mostrasse os relatórios a dois homens de sua confiança: o médico Jorge Kalil e o juiz
Miguel Marques. Ao ler os documentos, Kalil pediu a Tuma que conversasse por telefone com a
neta de Dualib, Carla, que se declarou "muito preocupada" com as descobertas do deputado, e com
o próprio presidente do Corinthians, que reconheceu a gravidade das acusações, mas não admitiu
recuar da negociação com a alegação de que romper o pré-contrato acarretaria no pagamento de
uma multa de 25 milhões de dólares, prevista entre as cláusulas leoninas impostas pela MSI.
Tuma argumentou que o pré-contrato não tinha validade jurídica, uma vez que Joorabchian cometera
falsidade ideológica ao se declarar representante de uma empresa inexistente, e combinaram de
conversar pessoalmente.
A conversa não ocorreu por falta de "clima" entre os interlocutores. No dia 12 de novembro de
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2004, Tuma recebeu uma ligação anônima o ameaçando de morte.
Dois minutos depois, recebeu nova ligação, do mesmo número de telefone, mas não atendeu. Ao
ouvir o recado gravado, o deputado reconheceu a mesma voz, dessa vez dizendo: "Quero agradecer
o senhor por ter ferrado o Corinthians, agora vamos ficar pobres como o Botafogo". O delegado
Aloízio Pires de Araújo, da 2a Delegacia Seccional, SIG-SUL da capital, abriu inquérito para
esclarecer o episódio e descobriu que o celular do qual partiram as ligações pertence ao centro
cirúrgico do Hospital São Luiz. Ouvido na delegacia, o anestesiologista Sérgio Humberto Erdmann
assumiu a autoria da segunda ligação (negando a primeira, que não foi gravada), e afirmou ter feito a
ligação a pedido de seu superior, o médico Jorge Kalil.
Houve outra tentativa de calar o deputado, dessa vez mais “suave”. Tuma Jr. foi procurado em seu
gabinete na Assembléia Legislativa por Marcelo Squassoni, um ex-funcionário de seu irmão, Robson
Tuma, que propôs um suborno de l milhão de dólares em nome de Renato Duprat Filho para que não
“atrapalhasse” mais as negociações. Cauteloso, o deputado gravou a conversa e pediu a Squassoni
que ligasse a Duprat de sua sala para confirmar a veracidade da “oferta”, o que foi feito e também
gravado, como consta de inquérito policial aberto no 36° Distrito Policial da capital paulista.
A diretoria do Corinthians já tinha conhecimento de tudo isso quando o contrato foi apresentado
para aprovação, na polêmica reunião de 23 de novembro. Também não havia como ignorar que, com
um capital de 1.000 libras esterlinas, seria muito difícil à MSI cumprir duas das principais exigências
dos conselheiros do clube, incluídas nas cláusulas do contrato: a apresentação de uma carta-fiança no
valor de 20 milhões de dólares, emitida por um banco internacionalmente reconhecido como “de
primeira linha” - que nunca chegou -, e o compromisso de que todo o dinheiro transferido pela MSI
ao Corinthians fosse registrado no Banco Central do Brasil. Pelo menos em relação à aclamada
compra do passe do craque argentino Carlos Tevez já se sabe que isso não ocorreu.
LAVAGEM "DE VARAL"
Na opinião de Tuma não resta dúvida: o objetivo principal do arrendamento do Corinthians por
Joorabchian e sua turma é lavar dinheiro, o que não constitui exatamente uma novidade no mundo
do futebol. Duas CPIs - a CPI da CBF-Nike na Câmara e a CPI do Futebol no Senado - chegaram a
crimes comprovados de la vagem de dinheiro, seja através da movimentação de contas em paraísos
fiscais, cujos recursos eram transferidos para o Brasil por meio de um esquema sofisticado
envolvendo contas CC5 (como no caso do escândalo do Banestado), seja de um modo mais simples:
a supervalorização de valores na compra e venda de passes ou direitos de imagem dos jogadores.
A simplicidade desse segundo esquema tem como desvantagem a maior exposição dos mecanismos
do crime, daí ter sido apelidado de “lavagem de varal” por policiais que investigam as operações de
transformar dinheiro “sujo” (ilícito e, portanto, sem origem declarada) em dinheiro “limpo” (cuja
origem pode ser justificada). A CPI do Futebol encontrou esse tipo de lavagem entre as transações
feitas pelo Flamengo durante a vigência de sua parceria com a ISL, uma gigantesca empresa suíça de
marketing esportivo, que assinou um contrato com o clube carioca semelhante ao da MSI com o
Corinthians. Em catorze meses a ISL despejou os 80 milhões de dólares no Flamengo, mas os 20
milhões de dólares que, pelo contrato, deveriam ser usados para saldar as dívidas do clube (por
coincidência, exatamente o mesmo valor prometido pela MSI para pagar as dívidas do Corinthians),
foram desviados para a compra de jogadores e de direitos de imagem, enquanto a dívida do clube
crescia 140 por cento.
“O detalhe é que nenhum dólar desses milhões passou pela contabilidade do Flamengo. Era a mala
preta que funcionava pra lá e pra cá nas negociações milionárias de passes e direitos de imagem de
jogadores”, conta o ex e atual presidente do Flamengo, Márcio Braga, conselheiro do clube à época
da parceria. Por esse motivo, as transações dos jogadores comprados pelo Flamengo foram
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consideradas pelo Banco Central como operações fraudulentas de câmbio e o clube foi multado em
100 por cento do valor de cada uma delas. A primeira multa, de 35 milhões de reais, vence no mês
que vem.
A mesma coisa pode acontecer com o Corinthians, se for comprovada alguma fraude na compra do
passe de Carlos Tevez, feita em dezembro de 2004 pela MSI, por anunciados 22 milhões de dólares,
Já se sabe que o dinheiro não passou pelo BC, mas há a possibilidade legal de que uma empresa
internacional, associada à MSI, tenha comprado o jogador na Argentina e cedido seus direitos ao
clube paulista. A transação será investigada pelo Banco Central, como anunciou o órgão. Se for
comprovada a fraude, o Corinthians - que até agora só viu 2 milhões de dólares dos 20 milhões
prometidos pela MSI - terá de pagar uma multa no mínimo igual ao valor milionário pago pelo
jogador argentino.
DE PAI PARA FILHO
Confirmada a compra do passe de Carlos Tevez, a desconfiança deTuma Jr. cresceu. Era exatamente
o que faria uma empresa interessada em lavar dinheiro, na modalidade varal: um contrato milionário,
ao que tudo indica com recursos transferidos diretamente das Ilhas Virgens Britânicas para a
Argentina, sem nenhum papel que comprove o valor real da transação.
Um documento obtido pelo deputado em dezembro mesmo reforçou suas suspeitas: uma carta do
governo britânico aos governos brasileiro e americano pedindo que as agências de inteligência dos
dois países (Abin e FBI) monitorassem a aplicação de recursos financeiros de Joorabchian. Tuma
juntou os relatórios recebidos anteriormente, as notícias de jornal que falavam de uma possível
revenda de Tevez para o time inglês Chelsea e da possível compra do passe do jogador brasileiro
Vagner Love do CSKA e entregou o dossiê ao Ministério Público Estadual, pedindo a abertura de
um procedimento investigatório.
Ele explica: “Se o objetivo da MSI é realmente lavar dinheiro, as transações de Tevez e Vagner Love
se encaixariam perfeitamente. No caso de Tevez, a lavagem se completaria com a venda de seu passe
ao Chelsea, assim como a compra do passe de Vagner Love do CSKA também por um valor
astronômico, embora ainda não concretizada. Afinal, Chelsea e CSKA têm o mesmo dono, Roman
Abramovich, velho parceiro de Berezovski”. Ou seja, o grupo estaria lavando dinheiro comprando e
vendendo jogadores para times que também lhe pertencem.
O dossiê de Tuma foi entregue ao procurador-geral do Estado de São Paulo, Rodrigo Pinho, no dia
18 de janeiro, que o encaminhou ao Gaeco (Grupo de Repressão Especial ao Crime Organizado).
O comando das investigações está a cargo do promotor Roberto Porto, que considera “graves” as
denúncias envolvendo fraudes, evasão fiscal e lavagem de dinheiro por parte do que seria uma
quadrilha organizada internacionalmente, mas acha que “ainda é cedo para falar sobre o caso”.
Muitas surpresas ainda devem vir, acredita o promotor, que, uma semana depois de receber o dossiê,
recebeu outro documento, no mínimo estranho. A MSI Licenciamentos e Administração Ltda.,
constituída em São Paulo pela MSI sediada em Londres para gerenciar o licenciamento de direitos
do Corinthians e o departamento de futebol “arrendado”, foi registrada na Junta Comercial do
Estado de São Paulo, no dia 21 de outubro de 2004, como exige o contrato da parceria. O
património da empresa, no entanto, mais uma vez não condiz com a magnitude dos negócios que
tem de administrar. De acordo com o registro na Junta, o capital da empresa é de 1.000 reais.
Também não consta o nome de Kia Joorabchian como sócio. Os sócios são dois advogados da
Veirano Associados, ambos com menos de cinco anos de formados: Carlos Fernando Sampaio
Marques e Maurício Fleury Pereira Leitão. O endereço registrado é o mesmo desse escritório de
advocacia em São Paulo, que tem entre seus clientes o próprio Kia Joorabchian.
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AMIZADES PERIGOSAS
Os personagens que estariam por trás das negociações com o Corinthians têm um rosário de culpas
no cartório
Por Renato Pompeu
Dize-me com quem andas e dir-te-ei quem és. A julgar pelas companhias atribuídas a Kia
Joorabchian, ele não seria um homem de negócios claros e transparentes. Os três principais nomes a
ele associados são todos oligarcas surgidos com a restauração do capitalismo na União Soviética e
suspeitos de negócios escusos: os russos Boris Berezovski, condenado à prisão na Rússia, e Roman
Abramovich, agora residentes na Grã-Bretanha, e o georgiano Badri Patarkasishvili, procurado pela
polícia na Rússia, acusados variadamente de irregularidades na primeira onda de privatizações na
antiga URSS, de sonegação de impostos, de roubo de carros, de ligações com terroristas
tchetchenos e com o crime organizado.
Berezovski é ainda suspeito de envolvimento no assassínio em julho de 2004 do jornalista
responsável pela edição russa da revista econômica americana Forbes. Paul Klebnikov, ou Pavel
Khlebnikov, autor do livro, publicado em russo e inglês, O Chefão do Kremlin - O Declínio da
Rússia na Era do Capitalismo de Gângsteres - Boris Berezovski e o Saqueio da Rússia, editado em
inglês pela Harcourt Inc.
Com 58 anos, durante o comunismo Berezovski era um matemático de renome internacional, com
obras teóricas sobre informática publicadas em inglês e japonês, além do russo. (Hoje, diz que os que
continuam cientistas é porque não têm talento empresarial.) Diretor da fábrica estatal de automóveis
Lada na transição do socialismo para o capitalismo, passou, no início dos anos 1990, a negociar
automóveis por baixo do pano no mercado nacional e internacional com a ajuda de empresas suíças,
início de sua fortuna (desde 2002, já exilado na Inglaterra, é acusado pela Procuradoria da Rússia do
roubo de cerca de 2.000 carros e de irregularidades na venda de 280.000). Ajudou na indicação de
Boris leltsin e de Viadimir Putin para presidentes da Rússia, tendo sido amigo íntimo da família
leltsin, o que lhe facilitou arrematar estatais por uma fraçâo de seu valor, como a Aerofiot, a grande
empresa aérea soviética, bancos, empresas de petróleo e alumínio, comercialização de carros, grande
mídia. Também colocou um braço no governo, foi deputado e secretário do Conselho de Segurança
da Rússia, o que lhe permitia nomear e demitir altos burocratas e até ministros. Foi pelo Conselho de
Segurança que passou a participar de negociações para libertar russos sequestrados por rebeldes
tchetchenos e assim manter ligações, até hoje, com as lideranças tchetchenas.
Berezovski rompeu com Putin quando este começou a restabelecer a autoridade do Estado sobre as
grandes empresas - estas haviam enviado irregularmente 120 bilhões de dólares ao estrangeiro,
causando uma grande crise financeira na Rússia. Acusado de sonegação fiscal e em risco de ser
preso, enquanto empresas suas eram retomadas pelo Kremlin, Berezovski se exilou, depois de passar
por Israel e pelos EUA, na Inglaterra. De Londres, o ultracapitalista Berezovski chegou ao extremo,
em outubro de 2002, de propor doar 100 milhões de dólares ao Partido Comunista Russo se este
ajudasse a derrubar Putin, mas o PC recusou o dinheiro. O governo russo acusa Berezovski de
fomentar o terrorismo tchetcheno, a ponto de ter contatos indiretos com o próprio Osama bin Laden
(Klebnikov afirmou que Berezovski financiou a rede Bin Laden na Tchetchênia até 1999). Mesmo
exilado, Berezovski continuou a dirigir os jornais russos de oposição Nezavisimaya Gazeta e
Kommersant, o mais importante jornal do país - este, ele adquiriu tendo Kia Joorabchian como testade-ferro, em 1999. Foi através desses veículos que pôde apoiar do exílio o candidato adversário de
Putin, Ivan Rybkin, nas eleições de 2004. O governo Putin pediu à Grã-Bretanha a extradição de
Berezovski, que chegou a ser detido em Londres para interrogatório, mas depois ganhou o estatuto
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de asilado político, o que lhe valeu receber um passaporte britânico com o nome de Platon Ilyich
Yelenin - segundo ele, Platon em homenagem ao personagem principal de um filme de ficção
baseado em sua vida; Ilyich em homenagem a Lênin (Viadimir Ilyich Ulyanov), "que também esteve
exilado na Inglaterra", e Yelenin em homenagem à sua mulher, Yelena. Com esse passaporte,
Berezovski viaja tranquilamente para a França, ou para a Geórgia, para se encontrar com
Patarkasishvili.
ABRAMOVICH
Talvez por Berezovski ser um asilado, e não um residente na Grã-Bretanha, seu antigo amigo e hoje
rival Roman Abramovich é o residente britânico mais rico, dono de 13,1 bilhões de dólares, com o
segundo mais rico sendo o dono da Tetrapak, Hans Rowsing, com 12 bilhões de dólares.
Abramovich é sete vezes mais rico do que a rainha Elizabeth II. Tem um iate de 120 metros e um
Boeing 707. Também é dono do clube de futebol inglês, Chelsea FC e, através de uma de suas
empresas, do time russo CSKA.
Sua fortuna começou com a proteção de Berezovski, que o ajudou a entrar nos negócios do
petróleo, alumínio e aviação comercial, além da energia, hidrelétricas e indústria farmacêutica.
Rompeu com o antigo protetor por continuar amigo de Putin, que lhe entregou a ORT, rede nacional
de televisão antes controlada por Berezovski. Mesmo assim, Abramovich é acusado na Justiça russa
de desvio de centenas de milhões de rublos em impostos. Não sofreu o destino de Berezovski, entre
outras coisas, por gozar de imunidade, na qualidade de ex-governador de Chukotka, uma província
gelada da Rússia, embora a Câmara de Auditoria, órgão do governo russo, o acuse de desvios de
dinheiro durante seu mandato.
Com propriedades em Saint-Tropez e no interior da França, acabou se instalando na Inglaterra, para
desgosto do jornal económico Financial Times, que acha que as origens obscuras da fortuna de
Abramovich podem pôr em risco a reputação de empresas ocidentais com que ele faz negócios,
como a Rio Tinto, Citigate, BP, Fleming, Peter Hambro. Abramovich foi acusado pelo jornal francês
Lê Monde de estar envolvido no contrabando de diamantes de Angola. E o jornal inglês The Times
revelou que parte do empréstimo de 4,8 bilhões de dólares do FMI à Rússia em 1998 foi desviada
pelo então presidente leltsin para a Suíça, onde ficou sob o controle da Runicom, empresa de
Abramovich ue este ano passou a ser cobrada judicialmente pelo Banco Europeu para Reconstrução
e Desenvolvimento por uma dívida de 14 milhões de dólares.
O GEORGIANO
Badri Patarkatsishvili, apontado como o verdadeiro sócio de Kia no Corinthians pelo próprio
Berezovski é a figura mais sinistra do trio. Georgiano, se estabeleceu na Rússia também como
protegido de Berezovski, em nome do qual é suspeito de ter feito as ligações com as máfias
tchetchenas do contrabando de heroína, e depois com os terroristas tchetchenos, e também com as
máfias russas, principalmente a chamada Irmandade Sointsevo. Escreveu Klebnikov: “Sempre que a
carreira empresarial de Berezovski o levava a algum terreno particularmente violento, ele recorria a
seu sócio (Patarkasishvili) para dar um jeito”. Citando fontes russas, o jornalista mencionou que
“Badri também tinha contatos íntimos com grupos do crime organizado do Cáucaso”; dois de seus
irmãos são bandidos de máfias georgianas. Sua função nas empresas de Berezovski era assegurar a
“proteção” dos gângsteres - isto é, em troca de propinas, os bandidos não roubavam nem sabotavam
as empresas do magnata russo. Patarkatsishvili teria até um codinome, entre os mafiosos, que o
conheceriam por “Badar”.
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Caros Amigos - A ESCANDOLOSA HISTÓRIA DO NOVO CORINTHIANS
Como seu patrão Berezovski, Patarkatsishvili, perseguido pelo fisco russo, foi embora, mas para seu
próprio país, sendo hoje o maior empresário da Geórgia, e a eminência parda do governo que surgiu
da chamada Revolução Cor-de-Rosa em 2003-2004. Em Tbilisi, a capital georgiana, ele mora no
antigo Palácio dos Casamentos, uma monumental construção soviética para celebrar cerimónias
nupciais com o aparato digno das maiores catedrais. Comprou a maior rede de televisão e os mais
importantes jornais do país e a principal empresa de aviação, um shopping center, uma empresa de
água mineral, um resort no mar Negro e cassinos. Financiou com 2,25 milhões de dólares a equipe
olímpica da Geórgia em Atenas - e está gastando l bilhão de dólares para construir um terminal
petrolífero. É o dono do país e o seu maior problema é que tem de entregar como propinas a
burocratas governamentais 3 por cento de seu faturamento - quando na boa e velha Rússia a taxa era
de metade disso.
Vistas as carreiras dos oligarcas Berezovski, Abramovich e Patarksishvili, fica claro que Kia - e o
Corinthians - não passam de pequenas peças numa descomunal engrenagem. Isso a torcida não sabe.
UM CRÍTICO MODERADO
Ex-vice-presidente de futebol do Corinthians, Antonio Roque Citadini perdeu o lugar com a chegada
de Kia. Ele é uma das forças contra a parceria, por razões que expõe nesta entrevista ao repórter
João de Barros.
Quais são os riscos reais do Corinthians ao firmar a parceria com a MSI?
A parceria é problemática. Os investidores são basicamente originários da ex-ünião Soviética.
Poderíamos classificá-los como “soviéticos” porque são da Geórgia, da Ucrânia, da Rússia. Todos
enriqueceram com as privatizações do patrimônio da ex-ÜRSS, que, foi dividido entre alguns grupos
que gravitavam em torno de Boris Yeltsin. No fundo, não são mais de vinte, trinta pessoas. Um ficou
com o petróleo, outro com gás, outro com televisão, jornal, outro com ferrovia. Os mais espertos
ficaram com as maiores empresas. Grupos pequenos, gente que tem 10, 15 bilhões de dólares e fez
fortuna com rapidez espantosa. Mas houve uma mudança na Rússia, o Putin começou a cobrar
imposto deles e questionar algumas privatizações. Por isso, muitos saíram da Rússia com suas
empresas, seu dinheiro - quem não saiu está na cadeia - e quase todos foram para a Inglaterra, que
nunca questionou de onde vem o dinheiro. Então, esse pessoal passou a ter a proteção da Inglaterra
- alguns, como o Boris Berezovski, nem podem sair de lá. Outros podem se movimentar, mas não
conseguem fazer negócios fora dali. Então, o primeiro problema era encontrar refúgio seguro para o
dinheiro. Aí vem a segunda questão. Com tantos bilhões, eles não tinham status de bilionário,
respeitabilidade para falar: fui ao teatro tal com Bill Gates.
Como esses homens entram no futebol?
No processo de privatização, eles receberam equipes de futebol. Mas se a questão “como manter o
dinheiro em segurança" o futebol não resolve, soluciona o segundo quesito que é ganhar status de
bilionário. O que fez o Abramovitch? Comprou o Chelsea da Inglaterra e é conhecido como
megainvestidor do futebol. É aplaudido quando vai ao campo. Se custar 50 milhões um jogador, ele
compra.
Mas eles não podem comprar um time na Alemanha nem fazer negócio nos Estados Unidos. Por
quê? Porque ficaram ricos sem regras, sem lei, num processo primitivo de acumulação de riqueza
capitalista. Fizeram alguns negócios em Portugal - mas Portugal não dá projeção. Então, vieram para
o Brasil e chegaram ao Corinthians.
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Qual é a dificuldade que investidores como esses trazem para o Brasil?
A primeira é que não temos tradição do Banco Central, do fisco brasileiro, tratar com investidores
problemáticos. Na Alemanha, o fisco intima o sujeito a prestar declarações. Na França, o Banco
Central pergunta: quem são vocês, o que vão fazer aqui? No Brasil não há isso. Temos notícia de
que o Banco Central está preocupado, mas em nenhum momento foi feito assim: se vocês vierem
para cá, o dinheiro tem de ser aplicado de acordo com regras, senão nós punimos. O segundo
problema é a grande fragilidade do futebol brasileiro. Os clubes estão numa pindaíba total,
vulneráveis a qualquer tipo de investidor. Quem chegar aqui com 10 milhões de dólares pega
qualquer grande time brasileiro - Corinthians, Vasco, Flamengo. O terceiro é o caso do Corinthians,
caso até surpreendente. Normalmente, tudo seria resolvido a toque de caixa. Mas o clube mostrou
vitalidade. Houve seis meses de discussão. Isso foi positivo. O negativo foi a mídia.
Dois órgãos de grande repercussão tiveram conduta pífia no episódio. A Folha de S. Paulo, desde o
primeiro momento, aliou-se ao Kia, aos investidores russos, escondendo fatos que comprometiam a
parceria e atacando quem era contra. Abdicou do jornalismo investigativo. Quando se descobriu que
o investidor era o Boris Berezovski, a Folha nem perguntou quem era ele. Quando se descobriu que
o Kia tinha cinco certidões de nascimento, confirmado por ele, ela não publicou isso. Abdicou do
manual de redação dela.
Não teve nada espúrio, de dinheiro. Foi uma transação jornalisticamente vulgar: eu dou notícias
favoráveis à parceria e você me dá exclusividade. Para isso, fez todos os tipos de concessão. Omitiu,
escondeu, inventou. Publicou, seguidamente, que apenas dez pessoas estavam contra a parceria.
O segundo caso é a Globo. A Globo fazia uma cobertura isenta, imparcial, notícia para os dois lados.
Até que, em certo momento, passou a ser propagandista da parceria. Anunciava contratação de
jogador, supertimes.
Os favoráveis à parceria no Corinthians chegavam pra nós e diziam: não percam tempo, a Globo vai
exibir só notícia a favor; a Folha também. Eles diziam: amanhã vai sair na Folha uma matéria assim;
ou veja hoje o Jornal da Globo.
E aquilo se confirmava.
A Folha teria interesse na exclusividade. E a Globo?
No caso da Globo ficou feio porque agora, início da parceria, o Kia brigou com a Pepsi, não aceitou
12 milhões por ano e quer 30. Perguntado se também iria brigar pelos direitos de televisão, ele disse:
“Não, vou cumprir o contrato”. Como quem diz: “Não vou criar problemas com a Globo, que foi
tão útil para mim”. Com os clubes fragilizados e o jornalismo descomprometido com o país, foi
possível chegar à parceria de altíssimo risco para o Corinthians.
Por quê?
Porque esses investidores podem facilmente bater asas e ir embora. A parceria é de extremo perigo
para o Corinthians. De cara, já mostraram que não respeitam regras nem leis. Na compra do Tevez,
em vez de fazer o câmbio pelo Brasil, mandaram o dinheiro que veio não sei de onde direto para a
Argentina. O que espera o Corinthians é uma autuação do Banco Central. Compraram o Marcelo
Mattos, do São Caetano, e quem pagou foi um terceiro. Se quiserem comprar jornal, rádio,
televisão, eles compram. O problema é que o dinheiro deles é de altíssimo risco. Eles podiam
atravessar a fronteira da Ucrânia e investir na Alemanha, na Itália. O Parma está à venda. O Napoli.
São clubes esperando um comprador. Esse pessoal podia estar lá. Alguma coisa há de ter.
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Seria de uma opção preferencial pelos pobres?
A opção preferencial é pelos mercados pouco regulamentados, mais vulneráveis. O momento
seguinte será a Argentina, se é que já não fizeram algum negócio lá. A Argentina tem as dificuldades
e a fragilidade do Brasil.
Por que eles não compram um clube do Paraguai para legalizar as transações?
Poderiam fazer isso. Mas seria assumir que são problemáticos. Ninguém sai da Rússia e cai no
Paraguai porque acha o Paraguai uma grande coisa. Você cai no Paraguai para fazer negócio meio
ilícito.
Por que outros clubes que eles teriam procurado não aceitaram a parceria?
O interesse inicial deles era comprar os direitos de televisão dos clubes de futebol para negociar com
a Globo ou com outra emissora. Isso, a imprensa sabe e não divulga. Inicialmente era o Kia, que já
fez negócios para o Berezovski, querendo comprar os direitos de televisão. Como ele viu que era
muito complexo comprar os direitos de televisão de todos os clubes, ficaram estimulados a entrar no
negócio do futebol. Pelo que sei, o Duprat estava na Inglaterra por causa de problemas fiscais,
digamos assim, da Unicor. Lá, ele conheceu o Kia e começou a dar idéias, a sugerir parcerias com os
clubes. Procuraram o Santos, o Palmeiras e o Corinthians. Pelo que nos disseram depois, o Santos
devia muito, o Palmeiras era complicado porque vinha da segunda divisão e o Corinthians era o
clube ideal porque, além de ser de massa, tinha situação financeira razoável.
Quando você ouviu pela primeira vez o nome do Kia?
Nos dois primeiros meses de discussão, não sabíamos quem eram eles, as pessoas. Nem o Dualib
nem eu. Se o Dualib soubesse, eu não sabia. Quem falava de investidores europeus eram o Kia e o
Renato. Mas não diziam quem iria investir nem o tipo de investidor. Várias vezes perguntamos quem
eram os investidores e a resposta era: “Eles preferem não aparecer”. O Renato a gente conhecia, o
Kia não. Aí, recorri à Internet. Pelo nome do Kia descobri que trabalhara com o Berezovski. Eu não
era contra a parceria. Mas, na hora em que descobri quem eram as pessoas, descobri os riscos. E
coloquei: só se faz a parceria se o contrato identificar os investidores e for seguro para o
Corinthians. As duas coisas não foram possíveis. O clube não identificou os investidores. A única
pessoa que aparece é o Kia - o Berezovski, o Abramovitch, nós sabemos informalmente. Quando
você faz uma parceria com o Itaú, você sabe onde é a sede, quem é o banco. Agora, Kia, quem é o
Kia? Quando o presidente esteve com o Berezovski e depois foi à Geórgia, isso, longe de me
tranquilizar, me deixou em pânico.
Como foi escolhida a delegação corintiana para essa viagem, composta de Dualib, da neta
Carla e de dois diretores do clube?
Eram pessoas favoráveis à parceria, escolhidas pelo presidente. Eu não visitaria o Berezovski, não
iria à Geórgia. A Geórgia é quase um Paraguai nos negócios. A viagem assustou o clube. Uma coisa
interessante: os que foram contra são juizes, advogados, promotores, delegados. A parceria tem o
veto e a desconfiança de pessoas de peso do clube. A oposição é mais ampla do que a imprensa disse
e muito qualificada na discussão.
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Caros Amigos - A ESCANDOLOSA HISTÓRIA DO NOVO CORINTHIANS
A que você atribui a obstinação do presidente pela parceria?
O presidente tem suas premissas. Ele falou: “Olha, rico é tudo assim, o dinheiro não tem essa
história, não tem relevância saber se o dinheiro é bom, mau, se os investidores são bons ou maus,
investidor é assim”. Que, de resto, é a visão mais ampla da sociedade. Um jornalista da Folha me
disse: “O Kia não é diferente dos grandes donos de jornal do Brasil; é igual ao Roberto Marinho, ao
Frias, a todo mundo”.
É o esvaziamento do senso ético.
Total. É o vale tudo. São todos iguais. Isso, no fundo, resolve um pouco o problema de consciência
das pessoas. “Estou nisso porque são todos iguais”. O presidente sempre pensou um pouco assim.
Se o Corinthians fosse um país, a parceria seria um crime de lesa-pátria?
É muito ruim para o país porque cria a idéia de que vivemos numa terra de ninguém. É muito ruim
para o futebol porque eles vão montar um timaço e todo mundo vai achar que está certo trazer um
Berezovski e encher de jogador - aliás, isso agradaria demais a crônica esportiva, sempre ávida por
contratações. E é ruim para o Corinthians porque, se o negócio der errado, cai um caminhão de
problemas em cima dele, vai despertar o Banco Central, a Receita Federal, todo mundo.
É verdade que o Kia fez uma auditoria interna no clube e teriam aparecido nomes de
diretores que recebiam dinheiro, inclusive o seu?
Não. Eu não estou. Não recebo. Tenho uma declaração do presidente sobre isso.
Qual é o futuro do Corinthians?
Tudo que advir de erros da MSI cai na gente. O contrato é tudo para o investidor e nada para nós. É
uma parceria frágil para o Corinthians. Certamente teremos problemas fiscais, trabalhistas,
tributários. O papel de quem é contra é denunciar.
Como é o Kia?
Ele tem a postura dos novos-ricos, à procura de status. Faz gestos bombásticos, que mostrem poder,
audácia. Beber tequila numa festa de aniversário do Corinthians, no Parque São Jorge, é exótico, né?
Esse é o perfil.
E o papel do governo?
Nunca tivemos declaração de autoridade nenhuma sobre a parceria. Parece que ela está sendo feita
na Lua. Seria razoável que o Ministério do Esporte procurasse se informar, mas não houve qualquer
sinalização direta do governo federal sobre a parceria. Nem por parte da CBF. Ao senhor Alberto
Dualib, o Ricardo Teixeira teria dito que era uma excelente parceria, mas não vi falar isso
publicamente Do clube dos 13 também, nenhuma manifestação.
UM DEFENSOR CONVICTO
No contraponto a Citadini, João de Barros foi ouvir o presidente corintiano, o homem que assumiu o
contrato de parceria com Kia
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Qual é o patrimônio do Corinthians?
Um bilhão de reais. Só de terra dá uns 700 milhões. São 200.000 metros quadrados no Parque São
Jorge, 200.000 metros em Itaquera, com um centro de treinamento moderno, hotel cinco estrelas,
com 24 apartamentos duplos, onde fica a molecada que ganhou a Taça São Paulo de juniores e outro
centro de treinamento com mais 230.000 metros na Airton Senna. Com o dinheiro que sobrar da
parceria, vamos construir lá o centro de treinamento mais moderno do Brasil.
O clube estava em situação difícil antes da parceria?
Antes das parcerias, e mesmo nos intervalos entre elas, o balanço era zerado vendendo dois ou três
jogadores por ano. Mas há três anos não vendemos ninguém. Por isso, tivemos dificuldades. Mas
nunca atrasamos um dia a folha de pagamento. Nenhum compromisso o Corinthians atrasa. O nosso
passivo é de 20 milhões.
E por que se fala em 60 milhões?
Falam por falar, bobagem. Quem conta um conto aumenta um ponto. Vale o que está lá. É um clube
muito equilibrado.
As finanças estão zeradas?
Exatamente. É só receber da MSI. E eu só pedi 2 milhões de dólares até agora porque o dólar está
muito baixo. Quero ver se melhora, mas entrando os 20 milhões de dólares zera tudo.
Quando e como a MSI procurou o senhor? Foi o Renato Duprat, o Kia...?
Os dois, o Renato e o Kia. E tivemos informações muito precisas. Eles procuraram outros clubes,
mas acharam que o Corinthians tem a maior torcida, o maior retorno, situação financeira estável, não
tem passivo gravoso, está em dia com os impostos, tudo isso foram aspectos fundamentais que os
incentivaram a investir no Corinthians. E porque tem diretoria íntegra. Se o dirigente é malandro, o
cara não faz negócio.
Na contramão, presidente. O senhor não conhecia a fama de trambiqueiro do Renato Duprat
na praça?
Ele só intermediou. Não participou da negociação, apresentou o negócio. E eu o considero uma
pessoa correta.
Ele ganhou alguma comissão na intermediação do negócio?
Do Corinthians, nada. Se teve alguma coisa é lá com Londres.
Qual foi a sua impressão do Kia ao vê-lo pela primeira vez?
Ele me foi apresentado no Fasano.
O Badri veio ao Brasil?
Não, não veio. Ele é dono de um clube lá, o Dínamo Tbilisi. É uma pessoa muito abastada, de
muitos recursos. Se fala muito disso, daquilo, mas ninguém prova nada. Tem muita coisa que
aconteceu até no Brasil. É só olhar as privatizações que tiveram por aqui, se considerar como foram
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feitas, vai achar parecida com a história de lá.
Como foi a visita ao Berezovski?
Ele falou que não tinha interesse no negócio, não era o ramo dele. Ele apresentou a gente na Geórgia
a esse amigo (Badri).
A Geórgia tem uma cultura meio italiana, viu? Quinze times de futebol. E esse homem tem televisão,
tem tudo lá. Um negócio de louco. Tem alumínio, um magnata, viu? E ele falou: “Quero parceria de
intercâmbio, trazer a cultura do futebol do Brasil para cá e mandar jogadores para aprender no
Brasil”. O acordo foi assinado, é um protocolo com o Dínamo de Tbilisi.
Presidente, o Kia manda no futebol do Corinthians?
Não, absolutamente. O Kia é um parceiro. Todo negócio que ele faz é discutido entre quatro - dois
do Corinthians e dois dele.
Mas o Kia tem o voto de minerva.
Mas não tem acontecido isso porque não tem havido divergência de modo que ele precise usar o
voto de Minerva. É um casamento recente, um precisa conhecer mais o outro. O contrato diz: o
Corinthians não perde autonomia. Voto de Minerva é briga. E briga não vai existir. A administração
é coletiva. Se eles montam um time forte, ganhando títulos, pagando o passivo, as despesas do
futebol, quem é que vai brigar com um parceiro desse? Só se não for inteligente.
Segundo o contrato, a autonomia é da MSI.
Não existe autonomia. Autonomia é do clube. Artigo 217 da Constituição! (Artigo 217: "É dever do
Estado fomentar práticas desportivas formais e nào-formais, como direito de cada um, observados:
(I) a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e
funcionamento".)
Como foi a contratação do Tevez?
Foi discutida, mas não vou entrar em detalhe.
Foi uma operação legal, passou pelo Banco Central?
Não. Só tem de passar pelo Banco Central o dinheiro do Marcelo Mattos, que era de São Paulo.
Quando é de um país para outro não há necessidade. A MSI comprou o Tevez e passou o direito
federativo para o Corinthians para ele poder jogar. Porque empresa não pode ter jogador. Só clube.
O senhor não receia que o Banco Central queira saber qual é a origem do dinheiro?
Não, absolutamente. Isso é onda. Tudo que está sendo feito é legal, dentro da lei, por advogados
que consultam o Banco Central, a Receita.
O senhor é avalista de alguns negócios do Corinthians. Em algum momento o senhor temeu
perder algum patrimônio pessoal por causa de dívidas do clube?
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Absolutamente, nunca me preocupei com isso. Tudo que acontece no Corinthians eu assino. Com o
vice-presidente ou o vice de finanças. A única coisa assinada com aval são 2 milhões do Bradesco,
uma conta caução, que se paga juros sobre o saldo devedor. Um negócio que todo mundo faz.
O senhor recebeu alguma carta do Banco Morgan Stanley recomendando o Kia?
Me entregaram a carta em Londres, do Morgan Stanley recomendando-o como pessoa íntegra, que
os negócios dele sempre foram muito sérios.
O senhor não se assusta com o passado do Kia? Quatro passaportes, nomes diferentes...
Não. Falam muito, mas não vi provar nada. Até agora não aconteceu nada, espero que não aconteça
e acho que não vai acontecer.
O Kia tem contra si um processo na Corte de Nova York...
Ele disse que não existe nada contra ele em Nova York.
Nos Estados Unidos, o Kia é acusado por um ex-amigo chamado Roy Azim de ter sumido 19,5
milhões de dólares dele.
Nunca soube disso.
E se o senhor deparasse com essa informação, que providência tomaria?
Nenhuma. É problema dele, não é problema meu.
Não abalaria o casamento?
De jeito nenhum. Isso é coisa que diz respeito a ele em outro país. Ele me garantiu que não existe
nada, que isso foi um negócio lá que queriam prejudicá-lo. Não vejo por que tenha influência no
Brasil.
Presidente, pelo contrato, ele tem poderes até para transferir o futebol do Corinthians para
outra empresa.
Só se for alguma empresa ligada a ele mesmo e se estiverem de acordo ambas as partes. Ele é um
homem de futebol. Já investiu 98 milhões de reais com dois jogadores. Comprou o Tevez por 23
milhões de dólares, 70 milhões de reais. O Carlos Alberto custou 8 milhões de euros, 24 milhões de
reais. Só aí já dá 90 e pouco. Estão pagos. No dia 7 de fevereiro ele vai pagar o Sebastian, mais 4
milhões de dólares. Está aí o que ele desembolsou.
Ele fez uma auditoria no clube antes de assumir o departamento de futebol?
Ele mandou o pessoal do Morgan ver contabilidade, documentação, mas não fez auditoria. Na
época, o Morgan estava ligado ao escritório lá (Veirano Advogados). E nós temos auditoria mensal,
respeitada, feita por uma empresa nacional.
Surgiram notícias de que alguns dirigentes são remunerados no Corinthians. É verdade?
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Não, absolutamente. Alguns recebem ajuda de custo para despesas de transporte, gasolina etc. Mas
não existe dirigente remunerado.
Quem apôs a assinatura no contrato MSI Corinthians?
O presidente do Conselho, eu e mais dois vice-presidentes. O contrato foi aprovado por maioria
absoluta. E eu teria, de acordo com o estatuto, condição de assinar sem passar pelo Conselho.
O senhor também tem o Conselho na mão. Há doze Dualibs no Conselho.
Não fale isso. Tinha quatro na administração anterior. Depois, eu coloquei mais seis, mas já tirei dois
que não comparecem. Tem gente com muito mais conselheiro da família do que eu. E quem indica
os conselheiros não sou eu. É o presidente do Conselho.
E quem assinou pela MSI?
O Kia e um diretor dele lá, da empresa dele. A MSI tem dois diretores.
Quem são?
Diretores deles lá. Eu sei, mas não vou lhe dizer.
Eu lhe digo, presidente. São dois advogados da Veirano: Carlos Fernando Sampaio Marques e
Maurício Fleury Pereira Leitão. A MSI no Brasil foi montada com capital de 1.000 reais. O
que o senhor tem a dizer a respeito?
A empresa vai ser capitalizada com o dinheiro que vem de fora. Quando chegarem os 20 milhões, ela
integraliza o capital. Não é preciso abrir empresa com capital alto.
O senhor conhece a empresa Lusoarenas? Fez algum negócio com ela?
Conheço a empresa, mas não fizemos negócio com ela.
Havia um pré-contrato para construir o estádio do Corinthians, mas venceu o prazo e nós não
renovamos.
O representante da Lusoarenas, Aníbal Coutinho, contou a conselheiros que lhe foi solicitado
propina para o negócio ser concretizado.
Absolutamente. Nunca houve isso. Se ele falou, pode sofrer um processo. Eu não admito uma coisa
dessa. Não vou falar o nome, mas eles é que tinham intermediários.
O senhor e sua neta Carla têm contas no exterior?
Não.
Como foi o contrato com a sua neta Carla, que nem passou pelo Conselho?
Não precisa passar pelo Conselho. Eu tenho autonomia para fazer isso. E ela não tem exclusividade.
Quem quiser fazer contrato é só levar que o clube faz. O Kia já me falou que vai continuar
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trabalhando com ela. Se ela arrumar contrato bom, vai ter a comissão dela, de 10 por cento, quando
todo mundo cobra 20 por cento.
Quanto vale hoje o patrocínio na camisa do Corinthians?
Nos dois últimos anos foi 25 milhões. Dois milhões foram comissão da SMA (empresa da neta).
Hoje estamos com a camisa branca e vamos ver os interesses. Acho que vale pelo menos 20 milhões.
Mas vamos aguardar, 17,18 milhões.
O clube fica com quanto?
Tudo que faz parte da receita de futebol - patrocínio na camisa, renda de bilheteria -, eles têm 51 por
cento e nós 49 por cento, abatidas as despesas. O contrato é muito bom, viu? Nele, você viu, a gente
não perde nada: eles dividem o lucro e bancam o prejuízo. E ninguém faz nada sem a palavra final do
presidente, ele que assina. Não tem essa história de arrendado. Tanto que é meio a meio.
Presidente, o senhor disse: "Ninguém faz negócio com gente que tem problemas". Mas o
senhor e suas empresas, entre elas a Rol Lex, têm diversos títulos protestados...
Eu não tenho empresa há quinze anos. A Rol Lex não tem nada a ver comigo. Estava na mão de um
filho e de um sobrinho. Se aparece o nome é o sobrenome.
Aparece Alberto Dualib.
A empresa teve problemas internos de administração depois que eu saí. Quando saí, o chefe... eles
tiveram prejuízos por muitos anos. Mas eu não tenho mais nada a ver com ela. Quando eu estava lá,
dava aval. Mas está tudo com garantia.
Para encerrar, o senhor pretende fazer a sucessão no Corinthians ou vai permanecer no
cargo?
O futuro a Deus pertence. Falta um ano. Não vou antecipar nada. Se chegar até lá, é evidente que
vou tentar fazer o sucessor. Agora, permanecer na presidência, o tempo dirá.
O “ESCRITÓRIO” DE KIA
Kia Joorabchian é sócio-proprietário de nove empresas sediadas em Londres - de academias de artes
marciais a uma revendedora de motores, além de outras cujas atividades não foi possível determinar.
Com exceção das empresas de sua família - a Medway Auto Limited, revendedora de veículos com
capital declarado de 250.000 libras esterlinas, e a Greens of Rainham Limited, distribuidora de
combustíveis com capital de 150.000 libras - todas, inclusive a Media Sport Investement Limited,
têm capital social de 1.000 libras esterlinas e estão registradas no mesmo endereço: 71 Kingsway, 5°
andar.
O repórter Cauê Liop foi ao endereço e conta o que viu.
A Kingsway é uma avenida importante, fica em Holborn, no centro de Londres, constituída
basicamente de prédios de escritórios, com lojas e cafés frequentados por empresários e empregados.
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O número 71 é um prédio de seis andares, luxuoso, com porta de vidro e corredor acarpetado que
leva ao elevador. O porteiro não conhecia a MSI, mas, pelo interfone, confirmou que a empresa
ficava no quinto andar e me acompanhou até lá. Cheguei num escritório simples, mas bem montado.
Não me pareceu um lugar que receba visitas frequentemente, pela ausência de cadeiras ou coisa do
género, mas isso é apenas um palpite.
A secretária, prestativa, explicou-me que eles são apenas os contadores das empresas do Kia, assim
como de outras firmas. Tratam apenas de encaminhar tudo o que chega ali às respectivas empresas e
não estão autorizados a dar nenhuma informação a respeito de cada uma delas.
No máximo, anotam recados e encaminham.
No meu caso, quando cheguei, a secretaria estava preparando um fax para a MSI (não consegui ver
o que era) e aproveitou para pegar meus dados e enviar junto, dizendo que havia um repórter de uma
revista brasileira querendo entrar em contato com a MSI ou o Kia.
Portanto, o endereço das empresas de Kia em Londres é, na verdade, o de um escritório que presta
assessoria financeira para empresas: a Wilson Wright & Co. Chartered Accountants. Todas as
correspondências chegam nesse endereço, e eles encaminham para o devido “escritório”, se é que ele
existe.
A única das empresas de Kia registrada nesse endereço que pude visitar é a academia Karmaa, que
fica do outro lado da cidade, dentro do Stables Market, em Camden Town, um bairro “alternativo”
de Londres onde punks se misturam a turistas e madames com casacos caríssimos que frequentam
lojas que vendem de antiguidades caras a roupas militares, ateliês de tatuagens e piercing, e muitas
galerias.
É em um desses mercados que fica a academia, especializada em artes marciais orientais. Depois de
muita insistência, Rafael Nieto, sócio de Kia e professor da academia, recebeu-me, mas não quis nem
ouvir minhas perguntas, limitando-se a dizer que quem cuidava dos negócios era Kia.
A PRIMEIRA AMEAÇA
Um dia depois de a parceria ser aprovada pelo Conselho Deliberativo do Corinthians, o jornalista
Fernando Melo, 26 anos, então editor do Painel FC da Folha de S. Paulo, foi convidado por Kia
Joorabchian para trocar o jornal - solitária experiência profissional iniciada por ele como trainee, em
1998 – pela MSI.
Conforme o jornalista, para "preservar a ética", ele solicitou ao editor de esportes Melchíades Filho,
15 dias de afastamento da redação para tratar do negócio. O tempo foi insuficiente. Melo, então,
retornou à editoria esportiva do jornal, com a condição de não voltar ao Painel e tampouco cobrir o
Corinthians. Foi atendido. Até que no dia 24 de dezembro fechou contrato com Kia.
"Estou muito feliz com a nova função" - festeja o agora assessor de imprensa que ameaçou a revista
caso levantasse qualquer denúncia sobre a "lisura" com que ele se conduziu no episódio - a Folha é
acusada pêlos opositores da parceria de favorecê-la na cobertura.
Mal informado, Melo disse que detalhes sobre o caráter dele podiam ser dados "pelo Juca Kfouri,
jornalista do Conselho Editorial da Caros Amigos". E, elevando o tom: "não aceito baixarias. Se a
acusação contiver o nome do denunciante, eu vou processá-lo. Se for algo vago, escondido no
anonimato, eu processo a revista" - anunciou com prepotência. Como se vê, trata-se do homem
certo na função certa. Kia não faria melhor.
REVISTA “CAROS AMIGOS”, São Paulo, ano 8, nº. 95, Fevereiro/2005, Editora
Casa Amarela, pp.1, 5, 26-35. Internet: sítio: www.carosamigos.com.br
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01/02/2005, Caros Amigos