(Transcrição original da taquigrafia do Senado) Sr. Presidente do Senado Federal, Senador Renan Calheiros; Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Aldo Rebelo; Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Nelson Jobim; Srª Vice-Presidente e Presidente eleita do Supremo Tribunal Federal, Ministra Ellen Gracie; Sr. Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Roberto Busato; Sr. Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ministro Vantuil Abdala; Sr. Ministro Walton Alencar Rodrigues, Vice-Presidente do Tribunal de Contas da União, que aqui representa o Presidente; Srs. Ministros; colegas Senadoras e Senadores; minhas senhoras e meus senhores, o formato protocolar desta sessão não me permitia ser um dos oradores. Aqui falaram os líderes em nomes de seus Partidos, falaram os rio-grandenses em nome do Rio Grande. Mas, por benevolência do Sr. Presidente da Casa, pedi que pudesse expressar algumas palavras e o fiz porque achava que era um dever de consciência que foi se construindo ao longo desta sessão na minha pessoa. Por isso, resolvi dizer a V. Exª, Senador Renan Calheiros, que não falo invocando o dever da amizade. Podia invocá-lo. Mas não é esta tribuna o local de cumprirmos deveres de amizade. Mas, sobretudo, quero oferecer o meu testemunho, como um dos mais antigos Parlamentares desta Casa, talvez o mais antigo remanescente da Legislatura de 1955, de que poucas vezes convivi com um homem no qual eu pudesse expressar que reconheci as virtudes que reconheço em V. Exª, Sr. Ministro Nelson Jobim. Nos contatos que temos há aquela marca sempre do homem preocupado com o País, com a vida pública. V. Exª cumpriu uma vida notável. Como advogado, no Rio Grande do Sul, foi um advogado de grande êxito, de grande renome; na Ordem dos Advogados do Rio Grande do Sul, fechou grandes causas. Como político, a sua passagem pela Câmara Federal, sem dúvida, foi marcante. V. Exª foi uma voz sensata na Constituinte. V. Exª sabia, como jurista, o que significava a construção e a votação de uma Constituinte. V. Exª compreendia perfeitamente que aquilo não podia ser, para usar uma expressão popular religiosa, a bacia das almas, onde todo o mundo, por meio de reivindicações, alcançasse a felicidade eterna. Assim, V. Exª passou pela Constituinte, com o testemunho dos seus colegas, com uma passagem marcante. V. Exª foi político e, como político, foi Ministro da Justiça e, por onde passou, deixou a marca dessa sua personalidade. Sem dúvida alguma, quero dizer que foi no Supremo Tribunal Federal que V. Exª teve o ponto mais alto da sua vida, porque V. Exª teve que conjugar essas duas coisas que parecem difíceis: ser oriundo da política e ser um grande magistrado. Mas o exemplo que tem o Supremo tribunal Federal é que os grandes políticos que saíram da política para ocuparem lugar no Supremo Tribunal Federal sempre foram grandes juízes. Tiveram sempre a noção do que significava a Justiça, e como eles foram bons aplicadores da Justiça! Cito, só para lembrar, pessoas ainda recentes, como Hermes Lima, Aliomar Baleeiro, Prado Kelly, Adauto Lúcio Cardoso, que deu aquele exemplo extraordinário: no dia em que a sua consciência de político não permitia que ele exercesse a sua função de magistrado, ele tirou a toga, colocou-a sobre a cadeira e saiu, porque sentia que, perante a lei, não podia ser o político que ele concebia sob seus ideais políticos. Quando esses conflitaram, ele não teve dúvida de deixar de ser magistrado e voltar ao combate político. Não acredito que V. Exª esteja deixando o Supremo Tribunal Federal para encerrar um ciclo de sua vida ou que deseje apenas continuar na política. Não. Acredito – e V. Exª não vai revelar a nenhum de nós, nem quero que o revele – que V. Exª apenas teve a noção de que encerrou um ciclo de sua vida com chave de ouro. V. Exª marcou a Presidência do Supremo Tribunal Federal com uma função indelével, que envolveu a reforma da magistratura, com a coragem de enfrentar o espírito classista e criar o Conselho de Controle Externo. Sei como V. Exª sofreu naquele tempo, como enfrentou as incompreensões. Mas tinha a consciência – e essa consciência era resultante da visão de estadista – de que era necessário para o funcionamento da democracia brasileira que aquela etapa fosse cumprida. Portanto, V. Exª dedicou todo o seu esforço para fazer aquilo. Reconheço, como vários colegas nossos aqui disseram, que, se não fosse a iniciativa de V. Exª, dia e noite tratando do assunto, talvez até hoje não tivéssemos votado a Reforma do Judiciário. Tudo foi resultado da ação de V. Exª, que coroou aquilo que tinha que coroar, e sabe que, a partir dali, haveria muitas incompreensões. V. Exª abriu frentes de batalhas que talvez pudessem impedir, ou não, mas pelo menos diminuir o brilho de sua função de magistrado a continuar dentro do Supremo. Evidentemente que V. Exª volta à vida comum, a ser cidadão comum. Não diria que V. Exª volta para entrar na política, mas para ser cidadão comum. O Supremo Tribunal Federal tem uma história longa. Com o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal nunca teve atritos. As crises que o Supremo viveu não foram com o Congresso Nacional. No passado, o Supremo enfrentou muitas crises, todas com o Poder Executivo. Tenho dito aqui, algumas vezes, que essas pequenas incompreensões não significam crise entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, pois o Supremo Tribunal Federal é a garantia máxima daqueles que fazem política, porque é o império da lei. O Congresso Nacional é um poder desarmado, e só temos para nos defender o império da lei que o Supremo nos assegura. Pois a ele foi destinada a grande competência de ser o guardião da Constituição, e é a função mais importante que tem. Não vejo os momentos que estamos vivendo como momentos em que o mundo estivesse a desabar, com as incompreensões em relação ao Supremo. A democracia é um regime de conflitos. Esta é a essência da democracia: um regime de conflitos. Cabe a todos nós harmonizar esses conflitos. Esta é a função máxima da vida pública: tentar harmonizar os conflitos. V. Exª, quando assumiu o Supremo Tribunal Federal, teve a oportunidade de dizer – nunca esqueci isso – uma coisa muito importante e, ao mesmo tempo, muito verdadeira: que nós, políticos, criamos a idéia, depois da Constituição de 88, e V. Exª condenou isso como muito errado, de que o Supremo Tribunal era uma terceira via para a solução das crises políticas. Não. Com relação a isso, temos errado, recorrendo, freqüentemente, ao Supremo Tribunal Federal, para decidir questões que são nossas. Isso é um erro, e representa certa diminuição de visão da função política. Em um momento em que nos sentimos incapazes de decidir, de harmonizar os nossos conflitos, vamos pedir ao Supremo Tribunal Federal que resolva os conflitos políticos que somos incapazes de resolver. Essa parte V. Exª realçou em seu discurso, e faz parte dos momentos que vivemos. Realçando o meu testemunho, ressalto que falo aqui como um acólito das palavras de todos aqueles que falaram para dar este testemunho do apreço e da admiração por sua competência, seu espírito público, sua grande qualidade de juiz, sua grande honradez pessoal e intelectual. Sem dúvida alguma, V. Exª será substituído, no Supremo Tribunal Federal, pela nossa Ministra Ellen Gracie, que, com o carisma simples que tem, iniciará uma outra etapa do Judiciário, com a presença da mulher na vida do Judiciário brasileiro, assim como na vida pública. Encerro, Sr. Ministro Nelson Jobim, dizendo que, no Maranhão, Godofredo Viana, intelectual e também grande político, quando desceu, com grande popularidade, no final de seu Governo, as escadas do Palácio, disse: “Descer como estou descendo, cercado de toda essa..., não é descer, é subir”. V. Exª não está descendo as escadas do Supremo Tribunal – até porque o Supremo Tribunal não tem escadas de descida, tem sempre esse plano comum com o País –, V. Exª está atravessando a rua, voltando a ser cidadão comum com uma coisa que todos desejam: respeito e admiração de seus compatriotas.