MANIFESTAÇÃO PÚBLICA X SEMINÁRIO INTERNACIONAL DA REDE LATINO‐AMERICANA DE ESTUDOS SOBRE TRABALHO DOCENTE (ESTRADO) CARTA DE SALVADOR Finalizamos este X Seminário da Rede Estrado na terra de Jorge Amado, lugar onde se condensam as grandes tragédias, lutas e esperanças que atravessam há mais de 500 anos nosso Continente. Após uma política de extermínio de povos nativos, cumprem‐se quatro séculos em Salvador dos primeiros contingentes de negras e negros escravizados para tributar seu esforço e seu sangue à acumulação primária do capitalismo. A mistura violenta de nativos, negros, mestiços e europeus é a matriz diversa de nossa identidade, que caminha entre dores e sonhos o desafio de ser, por fim, nós mesmos. Houve ações coletivas que marcaram o caminho da Pátria Grande que devemos recuperar para saber de onde viemos, chave para entender onde estamos e para onde queremos ir. Relembramos as resistências dos Caribes, a revolta dos irmãos Katari na atual Bolívia, o levante de Tupac Amaru no Peru, a tentativa libertadora de Zumbi dos Palmares no Brasil, a revolução vitoriosa do Haiti, o grito de Chuquisaca. Estes foram os antecedentes distantes de uma secular luta por liberdade. Dois séculos mais tarde recuperamos como região a tarefa pendente de construir a Pátria Grande e desde o campo da Educação temos muito o que dizer, muito que aportar, muito que lutar, muito que criar. O capitalismo se desenvolveu durante todo o século XIX e XX e o planeta foi o cenário onde diferentes projetos civilizatórios levaram a cabo sua batalha. Novas e velhas injustiças pela via de intervenções militares, se perpetuam em nome do Ocidente. O genocídio em Gaza é a expressão mais brutal deste tempo. A luta do Estado Argentino contra os “fundos abutres” expressa uma batalha que põe em jogo a soberania latino‐americana. Essa batalha tem projeções continentais mundiais, sua sorte não nos é indiferente. No que já vai deste século, Nossa América vem se expressando como o continente da esperança. Muitos governos que surgiram das revoltas populares têm desenvolvido políticas públicas baseadas na justiça social, na ampliação de direitos, na recuperação do Estado para reparar os danos produzidos por décadas de neoliberalismo e a reivindicação da política como instrumento para transformar a realidade num sentido igualitário e democratizador. Não sem tensões ou contradições, os/as nosso‐americanos/as temos traçado um caminho próprio, abrindo passo a um projeto histórico capaz de assegurar uma sociedade fundada na justiça. As batalhas educativas A educação enquanto prática social, histórica, política e cultural constitui – sempre o foi – um terreno de disputa. Os fins da educação, portanto, são matéria de controvérsias, porque uma sociedade atravessada por antagonismos e divergências não pode assumir para a educação os mesmos fins. Para alguns, a educação deve constituir‐se como ferramenta para a reprodução da ordem e a perpetuação das injustiças. Nós, por outro lado, sonhamos e lutamos por uma educação emancipadora que contribua para formar sociedades fraternas. Se aproximarmos o foco da lente, veremos que as tendências neoliberal‐conservadoras vêm se expressando com força e coerência no campo da educação. A agenda centrada nas avaliações estandardizadas dá conta dos avanços na difusão de uma pedagogia da resposta correta. Essa proposta é um dispositivo alienante e promotor da competição individual, totalmente inconsistente com a formação de homens e mulheres livres, solidários e curiosos. Ao inscrever sua proposta num plano tecnocrático e mercantil, essa educação se vê desafiada não apenas por crescentes resistências, mas pela emergência de alternativas pedagógicas contra‐
hegemônicas, tanto no plano da macropolítica educativa como no nível das instituições e as relações pedagógicas, em classes frequentemente desconhecidas que constituem âmbitos de liberdade e alegria. A Rede Estrado em seus primeiros quinze anos Este Seminário leva‐se a cabo no nosso décimo quinto aniversário de existência como Rede de Estudos sobre Trabalho Docente. Podemos afirmar que todo projeto coletivo se inicia com sonhos e apostas, baseado em valores, os primeiros passos imprimem uma cultura, uma dinâmica, um modo de se relacionar de seus membros. Várias notas iluminaram a aparição da REDE ESTRADO, desde as suas origens. Primeiro, a irrenunciável definição de fazer própria a ideia de uma humanidade mais justa, assumir o projeto de unidade latino‐americana e caribenha assim como defender a educação como direito social. Segundo, a decisão de impulsionar uma ampla convocatória promovendo alianças entre as instituições acadêmicas, organizações sindicais docentes, movimentos sociais, e âmbitos do Estado dispostos a construir uma educação fundada na justiça. Longe de concepções elitistas, a conformação da Rede expressou uma enorme diversidade de perspectivas e teve o mérito de habilitar a palavra e conseguir sínteses inéditas em defesa de um projeto político educativo democrático inspirador de pedagogias emancipadoras. Terceiro, foi o afeto a argamassa que possibilitou vínculos de confiança, alegria e compromisso coletivo com ideais comuns. Quarto, o acompanhamento do processo descolonizador que vive Nossa América questionando as concepções hierárquicas e teoricistas; e recuperando do fundo da história os acervos de pedagogias que devem alimentar uma epistemologia do sul. Estamos contribuindo com o nosso afazer para a formulação de um novo paradigma cognitivo, metodológico, pedagógico e político. Chegamos a este 15º aniversário com uma história cultural e educativa rica e valiosa. Nos sentimos orgulhosos e orgulhosas protagonistas deste tempo histórico de profundas mudanças na busca do inédito viável ao qual nos convida Paulo Freire... Tempos nos quais, como advertia Antonio Gramsci, “o velho não termina de morrer e o novo não termina de nascer”, mas está nascendo. Salvador de Bahía, Agosto de 2014 
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