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ABRATES 44 anos: uma história de luta
Em 1970 era fundada a Associação Brasileira de Tecnologia de
Sementes (ABRATES). À frente da instituição estava a pesquisadora Odette
Liberal. Reunida com outros 25 colegas em Recife (PE) para o III Seminário
Brasileiro de Sementes, Odette organizou a fundação da ABRATES e
assim foi aclamada a 1ª Presidente da Associação. A pesquisadora dirigiu a
instituição com dedicação e ousadia até 1973. Como herança de sua gestão,
a Associação mantém seu Estatuto, registrado na cidade do Rio de Janeiro
(RJ), onde Odette vive desde aquela época. Como presidente, trabalhou pela
realização do I Encontro Nacional de Técnicos em Análise de Sementes
(1º Entas), em 1971, em Porto Alegre (RS). Nesse período, a ABRATES
conquistou mais uma centena de novos sócios e foi também quando surgiu
Dra. Odette Halfen
a ideia de criação do Informativo ABRATES, com artigos e notícias para
Teixeira Liberal
atualização dos associados.
Única mulher de sua turma, a Dra. Odette Halfen Teixeira Liberal se formou na Faculdade de Agronomia
Eliseu Maciel - FAEM, de Pelotas (RS). Iniciou sua carreira em 1953, na estação experimental de Horticultura
de Domingos Petrolini (RS). Efetivada em 1955 como engenheira agrônoma da Secretaria de Agricultura do Rio
Grande do Sul, foi mais tarde, em 1958, transferida, a seu pedido, para o Serviço de Vinho em Pelotas (RS) e de lá
foi nomeada para o serviço de sementes do Ministério da Agricultura.
Na década de 1960 o Governo Federal colocava em andamento o Plano Nacional de Sementes
(PLANASEM). A pesquisadora atendeu a um pedido do colega Clovis Terra Wetzel, para, em 1960, chefiar
em Pelotas o recém-criado Laboratório de Análise de Sementes (LAS), ligado ao Instituto Agronômico do
Sul (IAS), que mais tarde seria transformado em Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuárias do
Sul (IPEAS). “Tudo começou em Pelotas. No LAS, fazíamos as análises dos três estados do sul. Depois
realizávamos o planejamento e fiscalização de laboratórios estaduais nas três regiões e, mais tarde, os cursos
oferecidos pelo grupo de pesquisadores do PLANASEM do IAS e pelos profissionais do LAS formaram
agrônomos e biólogos para planejamento, análise e fiscalização de laboratórios de todo o país”, recorda Odette.
Foi quando a carreira de Odette começou a se direcionar para a Área de Sementes. Mais tarde, Clovis
e sua esposa, a também pesquisadora Magaly Wetzel, se tornariam amigos de Odette. A Dra. Magaly havia
trabalhado no LAS e foi Diretora Técnica e de Divulgação da ABRATES. Ela destaca o fortalecimento da
Associação nas últimas décadas. “Como eu peguei os primeiros períodos, sei que tudo era muito difícil,
inclusive para a captação de recursos. Hoje vejo a ABRATES muito consolidada, organizada. Com o esforço
de todos os Diretores e Presidentes, a ABRATES se tornou a associação forte que é hoje”, disse Magaly.
Criação da ABRATES: no caminho da pesquisa em sementes
Em 1961, Odette e seu marido, o pesquisador Mozart Teixeira Liberal, falecido na década de
1990, embarcavam para os Estados Unidos para uma grande aventura, dessas que alteram o caminho de
um pesquisador. Ele ganhara uma bolsa da Fundação Rockfeller para cursar o mestrado em Genética na
Universidade de Wisconsin. Odette decidiu que também faria mestrado, ainda que inicialmente não tivesse
uma bolsa de estudos. Ela foi a primeira mulher a atuar no departamento de agronomia daquela universidade
em 113 anos. Mais tarde, viajou para a Universidade Estadual do Mississippi, onde realizou pesquisa com
sementes de trevo-híbrido, avaliando parâmetros nas espécies branco e encarnado, a fim de estabelecer
resultados sobre o poder germinativo dessas sementes. Com sucesso, conseguiu provar que a crença sobre
Linha do Tempo
Entrevista¹ com as pesquisadoras Odette Liberal, fundadora da ABRATES, e Magaly Wetzel – por Dulce Mazer
¹A entrevista com a Dra. Odette Liberal foi realizada por telefone, de seu apartamento no Rio de Janeiro, em 14/03/2014. Magaly
Wetzel concedeu entrevista no dia 16/04/2014 no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, durante sua passagem pela cidade.
Informativo
ABRATES
vol.24, nº.1, 2014
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maior poder de germinação de sementes de cor escura estava equivocada.
Terminados seus estudos, em 1964, a pesquisadora pode então retornar ao Brasil. Seu caminho e história se incorporam ao da
Área de Sementes no país. Odette lutou, desde aquela época, para o desenvolvimento da ciência e tecnologia de sementes. Atuou
junto às autoridades do Ministério da Agricultura, em Brasília, para a afiliação de laboratórios brasileiros à ISTA (International
Seed Testing Association), o que aconteceria somente na década de 1970.
Odette Liberal participou também, junto ao Ministério da Agricultura, em Brasília, das comissões encarregadas de legislar
sobre o comércio de sementes e mudas desde as primeiras reuniões, realizadas entre 1964 e 1965. A partir da colaboração entre
os engenheiros agrônomos Oswaldo Bacchi, Anna Maria Torres Formoso, Eduardo Zink, Jacob Tosselo, Leonor Pecil e Odette
Liberal, em 1967, pelo esforço desse grupo foram publicadas pelo Ministério da Agricultura as Regras para Análise de Sementes
(RAS) com validade nacional.
Sempre dedicada, Odette foi aprovada, em 1965, como engenheira agrônoma em concurso público do Ministério da
Agricultura. “Sempre gostei de estudar, justamente para confiarem em mim, no meu trabalho, principalmente sendo mulher”,
disse a pesquisadora, que não esconde sua opinião na defesa da igualdade de oportunidades para homens e mulheres.
A pesquisadora atuou avidamente a favor da regulamentação da produção de sementes brasileiras. Em uma dessas ocasiões,
ela era a única entre 40 homens participando de uma comissão. Odette, ou melhor, Dra. Odette, como gostava (e tem o direito)
de ser chamada, foi convidada a secretariar os trabalhos. Ela se recusou, justificando sua posição como pesquisadora e líder e
acabou se tornando uma das pessoas mais influentes do grupo.
Revolução Verde
Odette Liberal colaborou na formação de profissionais para a coleta, plantio e secagem de sementes. Trabalhou para a
implementação de laboratórios de sementes em todo o país, sempre se preocupando com a pureza, a sanidade, a umidade das
sementes num momento em que ainda pouco se sabia sobre elas.
Selecionada dentre os funcionários do Ministério da Agricultura para atuar junto à Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa), fundou e chefiou o Laboratório de Análise de Sementes do Instituto de Pesquisa Agropecuária
do Centro-Sul (IPEACS). Ainda na Embrapa, colaborou novamente com o Ministério, atuando na Empresa de Pesquisa
Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (Pesagro-Rio), onde fundou o Laboratório de Análise de Sementes de Niterói. Foi
convidada pelo Ministério da Agricultura para ser a coordenadora do grupo para revisão das regras de análise de sementes, as
quais a pesquisadora assegura sempre terem sido baseadas na ISTA.
Aposentou-se ainda no Rio de Janeiro, durante o governo Collor. “Adorava meu trabalho e parar foi um sacrifício, porque
eu me sentia em plena produtividade”, disse. Por muitos anos ainda foi convidada para dar cursos na Área de Sementes, mas,
aos poucos, foi deixando de atender a essas demandas.
Aos 87, ela revela trazer nas memórias da vida a menina sardenta e estudiosa que saiu do Rio Grande do Sul para ganhar o mundo.
Casou-se aos 23 anos, teve três filhos, duas meninas e um
menino. Cuidou de sua família, sem nunca ter recuado
profissionalmente. Orgulha-se de ser uma mulher de
destaque e de seu papel político na Área de Sementes.
Odette hoje lê e-mails com certa dificuldade e
em letras grandes, aos quais responde com astúcia.
Por telefone, ela descreve o segundo andar de seu
apartamento em Ipanema: “são duas paredes de
biblioteca, mantenho mais de cinco mil livros”, revela.
Detém uma memória invejável e, numa deliciosa
conversa, expõe detalhadamente suas experiências.
“O segredo da memória é a atenção”, revelou. Carrega
o desenvolvimento profissional de mais de cinco
décadas, respeito e admiração de seus colegas e a
lucidez de poucos. “Sou flexível, na medida em que
Dra. Odette no II Congresso Brasileiro de Sementes, realizado em
entendo as coisas”, disse a mulher que nunca parou.
1981, na cidade de Recife - PE.
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