Ver-se e dar-se a ver Depois do cinema africano, ficamos desta vez com a fotografia. A presente publicação decorre também de uma exposição produzida e apresentada pelo AFRICA.CONT. Que tem vindo a circular desde então, e que iniciará em 2012 um longo percurso por vários países de África. Inaugurando assim a nossa proposta de apresentar as nossas produções no continente. Desde o seu aparecimento que a fotografia se interessou pelo continente africano, as suas gentes e as suas paisagens. E podemos dizer, certamente com grande simplificação, que as imagens de África que nos chegam hoje pelos meios de comunicação e pelas agências de turismo prolongam de alguma maneira dois olhares inaugurados no século XIX: um alimentado pelo estranhamento que constrói imagens de en- tropia, de estagnação; outro que induz o exótico, o virgem, o selvagem, o espetáculo. Ou a «pornomiséria» do afro-pessimismo; ou o fascínio da paisagem sublime; ou ver pouco, ver sempre e só o mesmo, ou fantasiar para além do que se vê. Em nenhum campo como o da fotografia o conflito de poder entre sujeito e objeto, entre fotógrafo e fotografado no caso, é mais evidente. Ambas as imagens persistentes de África concordam com a posição que esse espaço geográfico e cultural ocupa no mapa da modernidade colonial: sem história, o Outro, como inverso da imagem de nós próprios, Europa, construída no mesmo movimento. O que Awam Amkpa faz nesta inteligente e bela exposição é oferecer-nos um novo ambiente imaginário que suscite um discurso mais racional sobre África, contrariando as diferentes fantasmagorias habituais. O que é necessário por razões éticas e epistemológicas. Não é o seu objeto de atenção que é novo; Amkpa conta-nos, no segundo texto aqui incluído, que parte de uma coleção de mais de 3000 fotografias coloniais que um seu amigo lhe oferecera. A que, no quadro do mestrado em «African Studies» da New York University e com os seus estudantes, lança uma nova atenção. De que decorre uma série de interrogações que, ainda nas suas palavras, inspiram a Africa: See You, See Me! Como olhar as fotografias coloniais a partir da fotografia africana contemporânea? Como podemos relacionar a segunda com as primeiras? De que maneiras a fotografia pode ser um dispositivo de repressão, fixando e prescrevendo a identidade do fotografado; ou um instrumento poderoso de autoafirmação, quando o fotografado decide intervir no processo, e experimentar modos de apresentação de si próprio, nos seus próprios termos? Em que medida estas apropriações da fotografia africana influenciam os imaginários das diásporas, bem como os de fotógrafos não-africanos que trabalham com África? Além de um texto introdutório de Awam Amkpa, nesta antologia são tratadas estas diferentes questões de que a exposição se alimentou e a que deu uma possível resposta. O curador considera a fotografia colonial africana. Alessandra Di Maio escreve sobre a fotografia na diáspora africana e sobre os fotógrafos não-africanos que dialogam com este novo imaginário. A história mais convencional da fotografia é contrariada e complexificada por Ulrich Baer, mostrando que a entrada da fotografia africana nessa história multiplica A Modernidade por modernidades. Lydie Diakhaté conduz a que foi a última entrevista feita a Seydou Keïta. E Manthia Diawara reflete sobre as relações das autorrepresentações na fotografia e no cinema africanos. Temos evidentemente de agradecer ao autor da exposição, Awam Amkpa, e também a Madala Hilaire por este poderoso contributo, ético e epistemológico, para um novo imaginário de África. Awam e Madala permitiram ainda o prestigiante envolvimento da New York University neste projeto, em particular no apoio que tem dado à sua itinerância. José António Fernandes Dias AFRICA.CONT