Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 65 Interfaces em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento de Atingidos por Barragens André Dumans Guedes1 Resumo Buscamos aqui, a partir de uma descrição etnográfica, discutir certos aspectos relativos àqueles vínculos sociais que, nos estudos sobre as Sociedades Camponesas, são usualmente conhecidos como relações de “patronagem”. A descrição em questão está centrada na figura de Francisco – no passado um fazendeiro e proprietário de máquinas de garimpo, ele se tornou, em função da construção de três usinas hidrelétricas na área onde ele trabalhava, no norte de Goiás, uma das principais lideranças de um movimento de atingidos por barragens. Uma série de tópicos é discutida a esse respeito: as relações de troca assimétrica existentes entre ele e seus antigos empregados; os sentidos e atributos identificados ao “patrão”; o significado da “generosidade”; a questão da “mediação”. Tendo em vista problematizar a distinção usualmente existente entre práticas e concepções “tradicionais” e “modernas”, exploramos tais tópicos no contexto das atividades realizadas no interior de um movimento social e discutimos, a partir daí, algumas questões mais amplas e genéricas Bolsista de pós-doutorado no IPPUR/UFRJ e pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Cultura e Economia (NUCEC/MN/PPGAS/UFRJ) e do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (ETTERN/IPPUR/UFRJ). Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional/UFRJ. 1 Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 66 concernentes à patronagem, aos próprios movimentos sociais e à circulação e transformação das formas sociais. Palavras-chave: movimentos sociais, patronagem, atingidos por barragens. Abstract In this paper we intend to discuss, through an ethnographic description, certain aspects related to those social ties which, in the studies devoted to the peasant societies, are usually known as “patron-client” relationships. In this description, we present the reader to Francisco, in the past a farmer and owner of mining machinery, and nowadays a leader of a social movement which was created in the north of the Brazilian state of Goiás, after three dams affected the people living in this area. We present here a series of issues related to this scenario: the asymmetrical exchange relationships associating Francisco and his former employees; the attributes of the “patron”; the meaning of “generosity”; the “mediation” question. Trying to criticize certain assumptions concerning the differences between “modern” and “traditional” practices and conceptions, we explore those issues in the context of a social movement; and given this approach, we introduce some broader questions about the patron-client bond; about the social movements; and about the circulation and transformation of social forms. Key-words: social movements, patronage, dam affected people. 1. Introdução A versão original deste artigo foi escrita como um trabalho final para o curso “Sociedades Camponesas”, ministrado pelo Professor Moacir Palmeira, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional. A pesquisa de doutorado ao qual ele se articula estava então inserida num grupo de pesquisa coordenado pela Professora Lygia Sigaud, no qual pesquisadores brasileiros e argentinos buscavam levar adiante descrições etnográficas de movimentos sociais a partir de uma série de pressupostos teóricos e metodológicos compartilhados 2. Dedico assim este artigo à memória da Professora Lygia Sigaud, que me orientou durante os meus primeiros anos do doutorado. Escrita três meses 2 Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 67 Centrando nossa atenção nas trajetórias, vivências e perspectivas das pessoas “de carne e osso” que participam desses movimentos, nós todos tentamos ir além de um marco analítico – comum entre os estudiosos dedicados a esse tema – que privilegia sobretudo as “grandes questões” colocadas pelas lideranças e porta-vozes legítimos destes movimentos. Acreditamos que assim é possível deixar de tratar os movimentos como “sujetos que piensan, conciben, dicen, plantean, consideran, aceptan, rechazan, y juzgan”, não os destacando ou isolando “del contexto social del que forman parte, sino por sobre todo, de la vida de quienes los integran” (QUIRÓS, 2006, p. 25). Não consta das referências bibliográficas Durante o curso anteriormente citado, ao travar contato com a literatura clássica sobre a “patronagem” (adiante apresentada ao leitor), encontrei elementos que me ajudaram a refletir sobre questões específicas ao local em que eu vinha realizando minha pesquisa de campo para o doutorado: uma secretaria do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)3 situada numa pequena cidade do norte de Goiás, criada por garimpeiros que perderam o acesso ao rio após a construção de três usinas hidrelétricas. Eu buscava então refletir sobre a natureza dos laços de lealdade “tradicionais” que relacionavam as pessoas que frequentavam essa secretaria. Tais laços – referentes a relações costumeiras entre patrões e empregados, ou entre um fazendeiro rico e seus vizinhos pobres – transformavam e sobrepunham-se àqueles vínculos formais e explícitos que, de maneira mais imediata, usualmente identificamos no interior dos movimentos sociais – os que associam, por exemplo, as “lideranças” e a “base”, ou os “coordenadores” e seus “grupos”. O que busco fazer aqui, então, é servir-me da discussão desenvolvida por certo conjunto “clássico” de autores como uma espécie de orientação para a descrição de um caso particular. Daí também a decisão de apresentar a maior parte deste artigo a partir do contraponto antes do seu falecimento, a sua versão original foi o último material que submeti à sua leitura, sempre exigente e generosa. Mesmo doente, ela permanecia trabalhando e fez questão que eu lhe enviasse o texto tão logo o terminasse. 3 Este movimento foi formado no ano de 1991, quando membros de diversas organizações envolvidas com a luta contra a construção de barragens e pelos direitos dos atingidos, oriundos de todas as regiões do país, decidiram se articular em um movimento unificado. Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 68 entre dois registros discursivos distintos: no corpo do texto prevalece a etnografia, nas notas de rodapé predominam as discussões com a literatura antropológica referente ao campo das “Sociedades Camponesas”. Somente na conclusão procuro fazer estes diferentes registros dialogarem de uma maneira mais explícita, já que aí é também essa tradição intelectual o objeto de minhas preocupações. As pessoas abordadas aqui não se identificariam facilmente como “agricultores” ou “lavradores”. Certamente a maioria delas começou a sua vida “na roça” ou “na fazenda”, posteriormente adotando o garimpo como sua principal atividade e forma de geração de renda. Porém, o fato de eu não lidar com grupos propriamente “camponeses” (já que o trabalho na terra é pouco importante para eles) tem implicações interessantes para o próprio campo dedicado ao estudo das lutas destes últimos. No que se refere às modalidades de mobilização e reivindicação, estamos diante de um caso onde os modelos de ação coletiva criados pelas lutas “camponesas” de organizações como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) foram estendidos para outros universos e contextos, aí sendo apropriados de uma maneira original. Como veremos adiante, os trabalhos de Sigaud (2000, 2004) e Rosa (2004, 2009), realizados no contexto daquele grupo de pesquisa acima mencionado, extraíram diversas consequências significativas das possibilidades expansivas e metafóricas de “linguagens” tais como a “forma-acampamento” e a “forma-movimento”. Com referência à literatura antropológica aqui utilizada, vale um comentário análogo: o fato de que os clássicos das “Sociedades Camponesas” ajudem na descrição empírica de “outros” universos diz algo sobre a permanência de sua riqueza teórica e etnográfica. E mais do que isso, a possibilidade de que os instrumentos analíticos destinados ao estudo de certo contexto possam ser utilizados de maneira fértil em outros diz algo sobre a própria natureza do objeto que abordamos aqui – também a este ponto voltarei mais à frente. Nas próximas seções, o que faço então é discutir alguns elementos referentes à vida e às relações de algumas pessoas envolvidas com esta secretaria do MAB em Goiás, inspirado por alguns dos temas clássicos tratados por essa literatura referente às “Sociedades Camponesas”: as relações de troca assimétrica; a natureza dos laços de amizade; a Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 69 generosidade do “patrono” ou “patrão"; a mediação junto a organizações diversas; a lealdade, o apoio político e a constituição de “facções”. 2. Desavença depois de uma reunião Encruzilhada4, extremo norte de Goiás, por volta de 9 horas da noite. Cansado mas satisfeito pelos eventos que conseguira presenciar neste dia, eu esperava que as últimas pessoas que ainda se encontravam no interior da secretaria do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) dessa cidade saíssem para que eu pudesse ir embora também. A reunião da coordenação desse movimento acabara de terminar, mas todos os seus principais dirigentes permaneciam ali. Suspeitando que alguma coisa interessante ainda poderia acontecer, decidi ficar até que todos partissem. Afinal de contas, a reunião que eu acabara de presenciar não era um acontecimento trivial. Ao longo de toda aquela semana eu ouvira diversos comentários a seu respeito, e fora informado também que eventos como esse ocorriam apenas ocasionalmente, quando havia questões realmente importantes para se discutir. De fato, após dois meses em Encruzilhada, frequentando diariamente a sede do movimento, essa era a primeira vez que eu presenciava um encontro em que estavam presentes simultaneamente todos os coordenadores de grupo, os jovens e as lideranças do MAB local. Sentado sozinho debaixo de uma árvore, ao lado do local onde a reunião ocorrera, eu tentava relacionar o que acabara de presenciar com algumas das informações que recolhera antes. A distribuição espacial das pessoas durante a reunião, assim como o que elas fizeram no seu transcorrer, parecia-me corroborar o que até então eu descobrira sobre a hierarquia e a ocupação dos cargos no movimento. Comandando os trabalhos, concedendo a palavra e falando a maior parte do tempo, estava Sírio, aquele que, sem sombra de dúvida, eu sabia que era o principal líder do MAB na região. Sentados a seu lado, quatro homens. Todos eles eram conhecidos, da mesma forma que Sírio, como lideranças. De frente para esses cinco, na maior parte do tempo Os nomes de todas as pessoas e de alguns dos lugares citados foram alterados, visando preservar a privacidade dos meus interlocutores na pesquisa. Em itálico, apresento as categorias nativas. 4 Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 70 limitando-se a ouvir, encontravam-se coordenadores de grupo e seis ou sete jovens. 30 aproximadamente Eu tive então minha atenção chamada para uma discussão. Reunidos num grupinho, Sírio, as outras quatro lideranças e mais dois ou três coordenadores travavam uma conversa que se desenvolvia num crescendo de animosidade. Aos gritos, Francisco, uma dessas lideranças, dizia que fazia questão de pagar um carro de som para notificar as famílias de que a entrega das cestas básicas teria início no próximo sábado – foi justamente esta entrega o assunto que dominou a reunião. Todos os outros homens junto a Francisco discordavam da necessidade de contratar esse carro de som e, um a um, afastaram-se dele, deixandoo sozinho, ainda aos gritos. Dirigindo-se para a saída, pude ouvir Sírio comentando com duas daquelas lideranças, que caminhavam ao seu lado: “É impossível argumentar com Francisco, não dá pra insistir. Não vamos perder nosso tempo, deixa ele pra lá...”. Esse pequeno incidente – que, considerado isoladamente, poderia ser tomado como uma desavença passageira decorrente de uma divergência pontual – foi, para mim, um indício a mais de algo que já há algum tempo eu suspeitava: a existência de uma permanente tensão perpassando as relações entre aquelas pessoas mais diretamente envolvidas com o MAB de Encruzilhada. Esboçava-se, assim, algo como uma divisão do movimento em dois grupos distintos. De um lado, encontravam-se Francisco e algumas poucas pessoas sempre próximas a ele; de outro, Sírio, as outras três lideranças, os jovens e a maior parte dos coordenadores de grupo. Diante destas informações, e cada vez mais consciente da antipatia e desprezo que todos os que “mandavam” no movimento nutriam por Francisco, assim como da disparidade de forças existente entre os dois grupos que se opunham, fiquei por muito tempo com uma questão na cabeça: como era possível que Francisco permanecesse no MAB de Encruzilhada, inclusive morando em um dos três quartos existentes na secretaria? Por que Sírio e seus aliados simplesmente não o afastavam, como já haviam feito com aquelas outras pessoas que se opuseram abertamente a eles? Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 71 3. Francisco, os garimpeiros e o MAB de encruzilhada Cheguei em Encruzilhada no início de março de 2008. Meu único contato local era Sírio, quem eu já sabia que era a principal liderança do MAB local. Ao colocar os pés pela primeira vez na secretaria do movimento, conversei rapidamente com ele, que me deu as boas-vindas e me disse para ficar à vontade, retirando-se em seguida. Neste mesmo dia, fui abordado por um homem que sem tardar pareceu-me diferente dos outros que estavam ali, sobretudo pelo apuro com que se apresentava: barba aparada, sapatos de couro bem lustrados, blusa social impecavelmente limpa enfiada dentro da calça jeans. Além disso, ele falava com convicção e lograva, quase sempre, obter a atenção de todos os que estivessem próximos – Francisco era seu nome. A atenção que ele me dedicava e o fato de que ele parecia ser uma pessoa importante logo me trouxeram alguma tranquilidade – junto a ele, não me sentia tão desconfortável, nem como um intruso. Além do mais, ele estava particularmente interessado em me contar sobre sua vida, o que certamente me atraía muito. Durante algumas semanas, sempre que eu voltava à secretaria do movimento, as coisas se passaram mais ou menos do mesmo modo: eu chegava, apertava a mão de todos os que ali se encontrassem, fossem homens ou mulheres, já conhecidos ou ainda não, procurando imitar o que eu já descobrira que correspondia aos bons modos locais. Ia depois me sentar debaixo de uma grande árvore (a mesma mencionada na seção anterior) onde, num banco improvisado, costumavam se reunir Francisco e outros homens. Não demorou muito para que eu pudesse comprovar a impressão que tivera no primeiro dia a respeito da centralidade de Francisco naquele grupinho. Era ele quem chamava os conhecidos que porventura aparecessem ali, me apresentando a eles como um “pesquisador do Rio de Janeiro”. Era ele também quem mais falava, ditando os rumos das conversas. Se Francisco nem sempre prestava atenção no que os outros diziam, com frequência interrompendo-os, o inverso certamente não ocorria. Foram nessas circunstâncias que comecei a conhecer melhor as questões que preocupavam igualmente todos eles. O que mais me interessa aqui, porém, são os detalhes do que se passara com Francisco. No início da década de 1990, Francisco e seus cinco irmãos viam seus negócios progredirem. Eles eram proprietários de diversas dragas e Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 72 balsas destinadas à extração de ouro às margens do rio Tocantins, nas redondezas da cidade de Nova Palma – localizada algumas dezenas de quilômetros de Encruzilhada, rio acima. Eles chegaram a empregar mais de 25 homens como porcentistas – ou seja, como empregados que eram remunerados em função da quantidade de ouro extraída por balsa ou draga, usualmente recebendo 6% deste total. Assim, os irmãos eram, como Francisco se orgulhava de lembrar, responsáveis pelo sustento de mais de 25 famílias, ou seja, mais de 100 pessoas. Além disso, eles plantavam muito. Houve alguns anos em que eles chegaram a distribuir 13 sacas de arroz para os vizinhos mais miseráveis, tamanho o contraste entre a fartura de sua colheita e a pobreza dos que moravam ao seu redor. Eles possuíam, ainda, “um bar todo equipado”, onde tinham outros empregados. No final dessa década, porém, tudo começou a mudar. A construção da Usina Hidrelétrica de Vargem Grande inundou as áreas onde eles garimpavam, obrigando-os a se deslocarem diversos quilômetros rio abaixo, para as proximidades da cidade de Encruzilhada. Quatro anos depois, a história se repetiu: uma nova usina hidrelétrica – a de Alta Divisa – foi construída no mesmo rio. Após esse empreendimento, os irmãos foram obrigados a se separar. Nas áreas remanescentes, a jusante desta última barragem, o ouro era escasso e difícil de ser extraído. Francisco decidiu persistir, seus irmãos tomaram outros rumos. Alguns foram para Serra Pelada, os restantes foram tentar a vida em outras atividades em Nova Palma. Especialmente dolorosa para Francisco é a lembrança de seu irmão mais novo, que, após a partida para o Pará, nunca mais deu notícias. Na época em que o conheci, Francisco permanecia com apenas uma balsa, empregando somente quatro homens e extraindo uma quantidade irrisória de ouro, se comparada àquela que ele foi capaz de obter no passado. De acordo com ele, pouco mais de 100 pessoas continuavam com essa atividade naqueles dias, ao passo que, nos tempos – literalmente – áureos de Encruzilhada, havia mais de 10.000 garimpeiros enxameando as ruas da cidade. De qualquer forma, a área onde, em março desse ano, ele e mais esses poucos extraíam ouro também estava condenada. No fim deste ano de 2008, seriam fechadas as comportas de uma terceira usina hidrelétrica naquele trecho do rio Tocantins, a de Santa Fé. Quando Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 73 aquilo acontecesse (e isso de fato ocorreu), qualquer garimpo estaria inviabilizado naquela região. Em linhas gerais, é essa a história que tantas vezes ouvi da boca de Francisco. A ela acrescento que, ao contrário do que ocorreu em praticamente todas as outras regiões do país em que se constituíram grupos ligados ao MAB, onde os atingidos e as lideranças eram camponeses ou pequenos agricultores, em Encruzilhada foram os garimpeiros que extraíam ouro no rio Tocantins os principais responsáveis pela organização desse movimento. Para tanto, eles contaram inicialmente com a ajuda de militantes do movimento nacional, todos originários do sul do país, que se deslocaram para Encruzilhada e aí residiram por determinado período. Como costumavam afirmar alguns destes garimpeiros, foram estes militantes que os ensinaram a “falar a linguagem do movimento social”, formandoos e organizando-os. Mesmo que muitos, como Francisco, tenham sido também prejudicados pela Usina de Vargem Grande, foi sobretudo com relação ao caso de Alta Divisa que eles buscaram, através desse movimento, um meio de obter uma reparação para os danos que lhes foram infligidos. Em um primeiro momento, poucos deles lograram ser reconhecidos como elegíveis para tanto. Em 2003, porém, dois anos após o fechamento das comportas desta última usina, o movimento conseguiu fazer com que a empresa responsável por esse empreendimento – a Enerplus – reabrisse as negociações com os atingidos. Não vem ao caso, aqui, entrar em maiores detalhes a respeito do intricado processo através do qual isso se tornou possível. O que importa destacar é que, a partir de uma auditoria social levada a cabo pelo financiador desse empreendimento, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), 123 novos casos (ou seja, indivíduos ou famílias) foram caracterizados como elegíveis a alguma espécie de compensação pelos danos causados por essa usina. Entre esses 123, existiam 57 garimpeiros: 16 proprietários de balsas ou dragas e 41 empregados deles (os porcentistas). De acordo com a auditoria, as perdas sofridas por essas pessoas não poderiam ser exclusivamente atribuídas àquele empreendimento, o que isentaria a Enerplus da responsabilidade de indenizá-los – era isso, de fato, o que esses 57 esperavam que acontecesse. Esta auditoria sugeria então, como forma Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 74 de reparação possível para esse grupo, que eles se engajassem em alguns dos projetos que futuramente viriam a ser implementados na região. Esses projetos seriam financiados por um fundo de desenvolvimento para o qual organizações diversas contribuiriam com os recursos. Alguns anos depois, esse fundo foi efetivamente criado e, no período em que eu estava em Encruzilhada, esses projetos começaram a se materializar através do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE). Para a maior parte desses 57 garimpeiros, essa situação era um verdadeiro ultraje, a participação nos projetos sendo encarada como algo humilhante. O que eles queriam era receber seus direitos, e entendiam que era a luta por esses direitos – para eles, uma indenização justa – o principal objetivo da existência do movimento. Esse era o ponto de vista de Francisco (mas não necessariamente das outras lideranças do movimento). Assim como acontecia com outros garimpeiros, essa era uma questão de importância inegável para ele – as conversas que tivemos invariavelmente se encaminhavam para essa direção. 4. Xicão e Francisco Na secretaria do MAB, sempre bastante frequentada, conheci diversas pessoas que trabalharam com Francisco. Com uma delas, em especial, travei um contato mais íntimo: Xicão. Natural do sertão baiano, Xicão veio para Goiás no final dos anos 1980, quanto tinha pouco mais de 18 anos de idade, incentivado pelo sucesso de alguns conterrâneos que haviam ganhado bastante dinheiro nos garimpos do norte deste estado. Em algum momento de seu passado, ele conheceu Francisco, e trabalhou para ele por alguns anos. Disponho de poucas informações a respeito desse período em que os dois estiveram juntos. Sei que Xicão trabalhava para Francisco como porcentista, e que houve épocas em que chegou a tirar mais de R$ 1.000,00 por semana5. Após a construção da Usina de Seguindo a distinção que Foster (1967) estabelece entre relações formais/explícitas (presentes num contrato ou acordo verbal) e informais/implícitas (não enunciadas ou explicitadas pelos que se engajam nelas), Silverman (1967, p. 284) argumenta que, na comunidade da Itália 5 Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 75 Alta Divisa, ele decidiu, como a maior parte de seus companheiros de ocupação, que já não valia mais a pena persistir no garimpo. Chegou a ser fichado (ou seja, foi contratado por uma firma), mas esse era um emprego temporário e que pagava muito pouco. Comentando sobre esse período de sua vida, Xicão me disse que, sendo analfabeto, a única posição que poderia ocupar era a de ajudante, o que não lhe interessava em função da baixa remuneração. Na época em que o conheci, sobrevivia vendendo caldo de cana para um conhecido, dono do carrinho com que circulava pelas ruas de Encruzilhada e também do terreno onde ela era plantada. Já havíamos nos encontrado uma ou duas vezes, quando numa manhã em que nos encontrávamos na secretaria, após poucos minutos de conversa, ele chamou-me para ir até sua casa para tomar um caldo de cana. Estranhei um pouco o convite, o primeiro dessa ordem que recebera até então, mas acabei aceitando. Hoje desconfio que, se ele agiu dessa forma comigo, foi também porque eu o tratava de uma maneira diferente do que faziam as outras pessoas envolvidas com o movimento – prestando atenção ao que ele dizia, por exemplo. Nesse dia, conversamos por horas. Xicão contou-me então que, por duas ocasiões, ele tinha sido acusado, por algumas dessas pessoas, de ser um “fugitivo” Central que estudou, as relações de patronagem (informais/implícitas) se desenvolveram “by extension of the formal terms of the contract”. No que se refere à relação entre Francisco e Xicão – adiante caracterizada em detalhes – poderíamos igualmente identificar os dois tipos de laço mencionados por estes autores: aquele existente entre um porcentista e um proprietário no garimpo, correspondente ao primeiro tipo (formal/explícito); e aquele que poderia ser caracterizado, de alguma forma, como “patrono/cliente” propriamente dito (informal/implícito). Ao contrário do que se passa no caso discutido por Silverman, aqui esses dois tipos de relações ocorrem em diferentes momentos do tempo, sem se sobrepor. Poder-se-ia argumentar que, quando Francisco era o “patrão” (no sentido nativo do termo, ou seja: o “chefe”) de Xicão, sua relação não se esgotava no acordo formal que caracterizava o laço entre proprietários e trabalhadores. A esse respeito, porém, disponho de poucas informações. De qualquer forma, o que me interessa é a especificidade do momento em que viviam quando os conheci. Aí, suas vidas estavam marcadas não apenas pelas circunstâncias relativas ao advento das barragens como também pelo surgimento do MAB. Os vínculos prévios (formais e informais), por outro lado, devem ser destacados como condições necessárias para a existência dos atuais (informais e “formalizados” não no que se refere ao trabalho, mas à participação de ambos no movimento). Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 76 – alguém que cometera um crime em outro lugar e que procurava se esconder em Encruzilhada. Explicitamente me contrapondo a elas, dizia que eu era “tranquilo”. Ele desconfiava de todos, com uma só exceção: Francisco – esse sim era alguém confiável, diferente daquelas “pessoas estranhas”. Foi justamente através de Francisco que ele se aproximou do movimento. Segundo o próprio Xicão, também foi por causa daquele que ele conseguiu ser incluído na lista dos 123 casos que a auditoria realizada pelo BID caracterizou como elegíveis a alguma espécie de compensação. Além disso, fora Francisco quem tinha sido capaz de “defendê-lo” numa discussão a respeito das casas que seriam construídas e distribuídas pelo Projeto da Moradia, projeto decorrente daquela mesma auditoria. Ao se envolver com o MAB, Xicão conseguiu ainda obter o direito de receber uma das cestas básicas que o movimento distribuía mensalmente na cidade de Encruzilhada. Diante de tudo isso, eram-me evidentes as manifestações de gratidão de Xicão perante Francisco, assim como o fato de que ele acreditava que sem sua ajuda não teria tido acesso a esses benefícios. Afinal de contas, ele argumentava que, sendo “uma pessoa analfabeta”, não conseguiria “nem mesmo um empréstimo no banco”. Ainda assim, sua situação em Encruzilhada não era fácil: vivia aí praticamente sozinho; não possuía parentes ou amigos na região, e somente recentemente fora capaz de recuperar o contato com alguns familiares (um irmão que morava em Brasília e alguns primos que continuavam na Bahia), após mais de uma década sem quaisquer notícias deles. Ao longo dos últimos anos, Xicão passara muito tempo “correndo atrás de mulher”; agora, porém, estava “mais sossegado”. Para ele, as mulheres só pensam em dinheiro: “Mulher está sempre é de olho no cara que tem um carro!”. Diante de tudo isso, Xicão destacava o seu amor pelos cachorros; o carinho que sentia pela dona da pensão onde morava, que cuidou dele quando teve dengue; e a felicidade que sentira quando fora capaz de reencontrar seu irmão em Brasília6. O mundo que emerge de vivências como essas poderia ser comparado àquele descrito pelos autores que buscam enfatizar o surgimento de laços de patronagem em contextos onde predominam adversidades diversas (o que não quer dizer, como veremos na conclusão, que estes laços estejam restritos a tais 6 Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 77 Parece-me que é também a partir disso que se pode explicar a importância que Francisco tem em sua vida. Não tenho registros de ocasiões em que ouvi Xicão se referindo a Francisco em termos equivalentes aos que usava para falar do seu irmão ou dos cachorros, e com a conotação amorosa aí presente. Ainda assim, pude presenciar situações em que estava manifesta a existência de algum afeto entre eles. Poucas coisas encantavam tanto Xicão quanto as fotografias. Ao perceber isso, fiz questão de mandar revelar duas ou três fotos que eu havia tirado dele moendo cana. Tão logo as recebeu fez questão de mostrá-las a Francisco. Alguns dias depois, pediu-me que tirasse uma foto onde os dois aparecessem juntos. A essa altura, eu já percebera que o que ele me pedia para fotografar eram, justamente, as coisas que lhe eram valiosas: o imenso relógio que ganhara do irmão e que guardava na cabeceira da cama, o minúsculo quarto onde morava, o carrinho onde vendia o caldo de cana. Numa outra ocasião, senti-me especialmente honrado por ter sido convidado a ir, junto com os dois, para uma procissão de Semana Santa. A essa altura, eu já descobrira que as relações de camaradagem que uniam homens diversos em longas conversas na secretaria do MAB estavam relativamente restritas a alguns espaços particulares: à própria secretaria, naturalmente, ou às rodinhas que se formavam em determinadas esquinas, onde eles se sentavam debaixo de uma árvore ou de uma sombra. No dia dessa situações). É esse o caso, por exemplo, de Wolf (2003, p. 110), que enfatiza as dificuldades e incertezas relativas à reprodução material: “esses laços mostrariam-se especialmente funcionais em situações em que a estrutura institucional formal da sociedade fosse fraca e incapaz de distribuir com suficiente estabilidade o suprimento de bens e serviços, principalmente para os níveis mais baixos da ordem social”. Ou de autores que destacam as visões a respeito de um mundo hostil e perigoso, no qual as relações estão marcadas pela desconfiança e pelo isolamento: Boissevain (1966, p. 21) fala de um “lawless and hostile world in which violence and bloodshed are still endemic”, e Foster (1967, p. 213) evoca “a hostile and dangerous world, from birth until death, in which the good things in life are in short supply, and in which existence itself is constantly threatened by hunger, illness, death, abuse by neighbors, and spoliation by powerful people outside the community”. Se faço essas comparações, é também porque acredito que esse tipo de visão é bastante generalizada num lugar como Encruzilhada, marcado pelas experiências do garimpo e das barragens, e que está ainda hoje repleta de “forasteiros” solteiros e sem família, sempre a comentar sobre as dificuldades de toda ordem pelas quais passam. Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 78 procissão, dei-me conta do que me pareceu ser a solidão daqueles dois homens: sem familiares próximos, desconfiados de todos e com poucas relações íntimas, iam juntos ao evento religioso7. Para além do que pode haver de afetivo nos vínculos entre ambos, a gratidão de Xicão para Francisco tem como sua contrapartida a lealdade expressa que o primeiro deve ao segundo, em especial no que se refere aos embates existentes no interior do movimento. Após algum tempo ficou claro para mim que a tensão entre Francisco e as outras duas lideranças que, como ele, moravam na secretaria se expressava também através da constituição de grupinhos de conversa distintos – Francisco normalmente ocupando o espaço sob a já citada árvore, os outros dois permanecendo próximos à cozinha. Aí, sob esta árvore, volta e meia a conversa se centrava na crítica aos rumos que vinha tomando o movimento. Francisco, invariavelmente, orientava as discussões. Segundo ele, a prioridade do MAB, que deveria ser a luta pelos direitos dos atingidos, tinha sido deixada em segundo plano. Sírio e as outras lideranças – prosseguia – passaram a privilegiar atividades que deveriam ser secundárias, como a entrega das cestas e a constituição dos coletivos – o Grupo de Jovens e o Grupo das Mulheres. E o pior de tudo é que, ao aderirem àqueles projetos que se seguiram à auditoria do Banco Interamericano de Desenvolvimento, aceitaram o que lhes foi oferecido pela empresa e abriram mão da luta pelas indenizações que deveriam receber “os 57” (número correspondente aos garimpeiros incluídos entre os 123 que foram reconhecidos, por essa mesma auditoria, como tendo direito a alguma reparação). Sempre que se formava o grupinho debaixo da árvore, Xicão se dirigia para lá. Ele, que assim como Francisco era um desses 57, não apenas concordava integralmente com aquela argumentação como dela se servia quando, a sós comigo, queria expressar sua indignação. Nessas conversas “públicas”, sob a árvore, ele não dispunha da mesma autoridade de Francisco para se fazer ouvir. Como eu já havia afirmado Alguns dos traços destacados por Silverman (1967, p. 285-287) na relação entre patrono e cliente ficam evidentes aqui. Refiro-me, em especial, ao fato do vínculo entre eles ser “ideally a personal and affectionate tie” e à presença aí de “loyalty, friendship, or being almost like one of the family”. 7 Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 79 anteriormente, este último com frequência o interrompia, o que definitivamente não ocorria na situação oposta8. 5. Francisco e sua generosidade Na descrição que faço no início deste texto, comento que, durante a discussão com as outras lideranças e coordenadores do MAB, Francisco dizia não apenas que era necessária a contratação de um carro de som para avisar as pessoas sobre a distribuição das cestas como também que ele se oferecia para pagá-lo, com dinheiro de seu próprio bolso. Ao narrar-me sua história, contrapondo seus dias de fartura às dificuldades do presente, ele destacava também a sua preocupação em ajudar os vizinhos mais pobres, oferecendo-lhes alguma sacas de cereais produzidos na terra de sua família. Numa certa ocasião, Francisco convidou-me para um lanche na padaria: proposta algo inusitada, já que o que sempre ocorria com os que frequentavam a secretaria era que tomássemos café ali mesmo. Ele fez questão de pagar o que comi, e quando voltávamos se pôs a criticar Sírio, qualificando-o através de termos que buscavam claramente contrapor este último a ele mesmo, um homem generoso e desinteressado: Sírio, para Francisco, estava “sempre do lado do dinheiro”. Essa generosidade era explicitamente tematizada, por exemplo, quando Francisco evocava aqueles que procuravam a secretaria do MAB em busca de auxílios das mais diversas ordens: “Ontem apareceu uma mulher muito necessitada, dei um meio saco de leite que tinha e que estava usando para me ajudar a engolir um remédio forte”9. Assim, esse caso particular se adequa à descrição de “an informal contractual relationship between persons of unequal status and power, which imposes reciprocal obligations of a different kind on each of the parties” (SILVERMAN, 1967, p. 283; cf. WOLF, 2003; BOISSEVAIN, 1966; FOSTER, 1967). O caráter assimétrico das trocas entre Francisco e Xicão é evidente: o primeiro defende os interesses do segundo junto ao MAB, assegurando, por exemplo, o seu direito à inscrição no Programa de Moradia; o segundo lhe garante seu apoio político e lealdade (WOLF, 2003; SILVERMAN, 1967; BOISSEVAIN, 1966) no interior das disputas existentes nesse mesmo movimento, tornando-se “membro de uma facção que serve aos propósitos competitivos de um líder” (WOLF, 2003, p. 109). 9 A “generosidade” dos patrões é explicitamente mencionada por De Neve (2000, p. 512): “Moreover, they [os industriais que patrocinam as festas religiosas no 8 Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 80 Nessas situações e em diversas outras, a referência ao seu desprendimento, para além de quais fossem suas intenções ao fazê-la, demarcava claramente a distância que o separava dos demais. Ainda mais naqueles dias, quando o dinheiro do ouro já não corria mais, com praticamente todos aqueles vinculados ao movimento passando por sérias dificuldades financeiras, aquele que se arrogava a capacidade de ofertar “desinteressadamente” tais dádivas era capaz de destacar-se como uma figura diferenciada. Por outro lado, Xicão comentara comigo que Francisco, ciente das dificuldades financeiras enfrentadas por ele, lhe propusera que capinasse o mato no quintal do MAB, cada dia mais espesso – o que não deixava de ser mais uma mostra da generosidade de Francisco e de sua preocupação com o bem-estar alheio ou “coletivo”. Xicão não se mostrava, porém, muito animado com essa ideia. Argumentava que aquela área ali era “de todos”, e além do mais sabia que Francisco estava “duro”, não podendo pagar-lhe mais que alguns trocados. Em certas situações, o próprio Francisco formulava em termos bastante claros a situação paradoxal em que vivia, fazendo referência a todos aqueles que o procuravam em busca de alguma ajuda e também à sua dificuldade para auxiliá-los. Por mais de uma vez, presenciei a chegada de homens que o procuravam na secretaria e o chamavam para um conversa particular. Ao terminar essa conversa e voltar para o grupinho que se reunia sob a árvore, Francisco explicava o que se passara: aquele era mais um que o procurava buscando emprego ou qualquer outra coisa. Logo em seguida, dava vazão à sua frustração, decorrente de sua impotência diante de tais situações. A menção a esses fatos ajuda o leitor a se familiarizar com a situação delicada em que se encontrava Francisco. Habituado ao elevado status que usufruía até alguns anos atrás, quando se destacava até mesmo perante os outros proprietários, ele via-se agora em apuros financeiros, sul da Índia] are eager to present themselves as the providers of all sorts of social welfare. An influential industrialist called it part of the ‘culture’ or ‘the way of life’ of the wealthier men in Bhavani and Kumarapalayam to support the poorer people in town beyond the employment and the wages they are giving them. Clearly, this talk of generosity and patronage acts as a justification for the wealth of a few powerful individuals, a wealth which they feel morally obliged to share”. Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 81 incapaz de “empregar” qualquer um ou de oferecer alguma ajuda substancial para os que o procuravam. E não só isso: em mais de uma ocasião Francisco me confessou o quanto era difícil e humilhante levar aquela vida, morando naquele quartinho apertado, fazendo da secretaria do movimento sua casa. Sua situação era ainda mais penosa porque, naquelas circunstâncias, ele se via em igualdade de condições e ocupando a mesma posição que pessoas como Hermógenes. Este último é uma daquelas lideranças do movimento de que falei no início deste texto, alguém que também vivia lá e com quem Francisco mantinha relações tensas. “Esse Hermógenes, no passado, um homem desses era para ser meu empregado!”. É também em função disso que me parece poder ser explicado o esmero com que Francisco cuidava de sua aparência. Talvez assim ele ainda conseguisse, através de seu corpo, seus modos e seu vestuário, assinalar distâncias e delimitar a posição que acreditava lhe caber. Vem-me à cabeça então sua imagem diante do retrovisor de um caminhão abandonado no interior do MAB – o único espelho existente na secretaria – a pentear cuidadosamente as sobrancelhas10... 10 Teríamos, no que se refere às posições que ocupam Francisco e Hermógenes no movimento, um exemplo que contempla as duas possibilidades levantadas por Silverman (1967, p. 286) a respeito da “rank difference between the mediator and the other persons in the local system who are involved in the mediated interaction. The mediators may take on their function because of previous possessions of a higher hank [o caso de Francisco] or they may achieve a higher rank as a result of assuming the mediator role [o de Hermógenes, que com o surgimento do movimento passou de um simples peão a alguém respeitado como liderança]”. Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 82 6. Francisco, “intermediador do povo” Pretendo agora explorar outro aspecto que, na literatura sobre patronagem, está frequentemente associado à figura do “patrão”: o papel que ele desempenha como “mediador”11 . Por mais que se frustrasse por não ser mais capaz de atender a demandas como as já mencionadas, Francisco ainda dispunha de alguns recursos através dos quais podia exercer sua influência. O apelo a esses recursos permitia não só que ele se diferenciasse daqueles que o circundavam como também contribuía para que ele lembrasse a todos, inclusive a si próprio, que não havia perdido totalmente seu status anterior. Para o que se refere a todos os comentários que se seguem, interessa pouco discutir a veracidade das afirmações feitas por Francisco. A esse respeito, o que pretendo fazer é apenas mostrar como, nessas circunstâncias, as suas tentativas de sustentar – ou de reconstruir, talvez – sua imagem de homem influente e poderoso, de um “patrão” (tanto no sentido analítico quanto nativo do termo), estão assentadas fortemente na sua alegada capacidade de exercer o papel de “mediador”. Aqui, sigo sobretudo Silverman (1967, p. 280-1), principalmente naqueles dois aspectos que ela desenvolve a partir da definição que Wolf propõe para os “brokers” (“persons who stand over the critical junctures or synapses of relationships which connect the local system to the larger”): a) “the functions which those who are defined as mediators perform must be ‘critical’, of direct importance to the basic structures of either or both systems”; b) “the mediators ‘guard’ these functions, i.e., they have near-exclusivity in performing them (...) As a result, the number of mediators statues is always limited”. Para o caso que discuto, porém, fica evidente que uma série de oposições clássicas que estavam intrinsecamente articuladas à figura do mediador é de pouco valor heurístico: local/nacional; parte/todo; interno/externo; comunidade/nação. Para Silverman (1967, p. 279), em especial, a oposição entre a “comunidade” e o “sistema nacional” é particularmente significativa, sendo o conceito de mediador (“an individual or group that acts as a link between local and national systems”) “one of the more promising efforts to describe this interaction”. Ver, também, Campbell (1963, p. 94, grifos meus), que argumenta que os “intermediários” serão tão mais necessários quanto mais explícita for a “external threat to the community”. 11 Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 83 Para tanto, começo argumentando que o exercício desse papel era explicitamente formulado pelo próprio Francisco. Numa dessas ocasiões em que me encontrava junto ao grupinho da árvore, registrei o seguinte diálogo: Francisco: Minha balsa parada, há 12 dias, e o peão me roubando. Esse daí vendeu uns 3 ou 4 gramas de ouro por fora, me apareceu só com 5, eu ainda tive que lhe dar a percentagem [sobre os 5 gramas]. Homem: Mas que é que você fica fazendo aqui, sem arrumar dinheiro nenhum, ao invés de estar lá [tomando conta da sua balsa, para impedir que te roubem]? Francisco: Mas é que fico como intermediador do povo, tenho que fazer isso, os outros, você sabe... Homem: Nunca vi, trabalhar sem ganhar dinheiro nenhum... Para Francisco seu papel de “intermediador do povo” é exercido, em primeiro lugar, perante o próprio MAB. Como já destaquei, Xicão afirmara que Francisco interveio junto a Sírio e às outras lideranças para que uma injustiça não fosse cometida e ele, Xicão, uma pessoa particularmente necessitada, pudesse ser inscrito no Programa de Moradia. Para Francisco e para os outros garimpeiros que lhe são próximos, porém, a mais importante atuação dele diz respeito à pressão que exerce sobre aquelas outras lideranças para que não se deixe de lado a luta pelos direitos, a luta pelas indenizações que eles acreditam merecer receber. Neste contexto, cansei de ouvir Francisco contando a respeito do papel que desempenhara na própria constituição do MAB na cidade de Encruzilhada. A princípio, isso se deu através do estabelecimento de um contato com o já existente movimento nacional, cujas principais lideranças estavam no sul do país: Eu mesmo, eu fui um dos companheiros que disseram: “Nós temos que construir um movimento, temos que criar um movimento!”. E aí já existia o MAB no sul. Aí juntou eu, Altino Souza... Aí fomos para Goiânia, aí procuramos o procurador, que disse: “Procura esse movimento que se chama MAB”. Eu sou um dos primeiros coordenadores do MAB. Eu fui o primeiro, Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 84 depois o Gumercindo [uma daquelas lideranças] entrou. Dos primeiros mesmo quem segurou a barra até montar uma secretaria aqui fui eu. Tínhamos que ter um ponto para receber o povo. Nos dias de hoje, Sírio e as lideranças do movimento mantêm relações um tanto quanto tensas com os principais dirigentes nacionais. Francisco me disse, em certa ocasião, que, ao contrário do “pessoal daqui”, que já há anos têm problemas com o “pessoal do sul”, ele sempre manteve e ainda mantém boas relações com estes últimos. Quando eles ainda vinham até Encruzilhada, Francisco fazia questão de hospedá-los em sua casa. A esse respeito, ele lembrava também do papel que desempenhara durante o III Encontro Nacional do MAB, realizado em 2003, na cidade de Brasília. Aí, diante de 1.200 pessoas (e 12 microfones!), foi peremptório ao defender a manutenção da remessa das cestas básicas para o norte de Goiás – obtidas com o governo federal mediante um acordo levado a cabo pelos dirigentes do movimento nacional: “Se cortarem essas cestas, o pessoal passa fome!”. Por diversas ocasiões (nas reuniões dos grupos de base ou nas conversas sob a árvore), presenciei Francisco fazendo referências aos esforços que seriam necessários para assegurar a manutenção dessas cestas. Ele dizia, então, que seria preciso montar um grupo – no qual ele estaria presente – para ir até o Ministério de Minas e Energia conversar sobre isso. Acrescentava, então, que hoje “o movimento” (o “local”, o de Encruzilhada, não o nacional) tinha “união e força para cobrar... Hoje temos acesso à base do governo federal, hoje a gente senta no ministério”. Também numa reunião de um grupo de base, ouvi Francisco falando que esteve na cabeceira do rio São Julião, onde “o movimento” conseguiu pressionar as autoridades para que elas concluíssem uma série de obras nas estradas da região. Em outra dessas reuniões, ele mencionou a necessidade de “correr atrás do Ministério das Cidades”, para que o Projeto de Moradia fosse efetivamente levado a cabo. Nesses exemplos, Francisco associa a obtenção dessas melhorias às ações “coletivas” dos dirigentes do movimento, entre os quais ele se inclui. Parece-me que, se ele se expressava dessa forma, era também porque o fazia numa circunstância particular, as reuniões dos grupos de base, onde a forma habitual de utilização do sujeito gramatical – em Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 85 especial quando o que está em jogo é a obtenção de benefícios – é o “nós” coletivo. Nas nossas conversas informais, o “eu” sempre prevalecia. Até mesmo porque, nesse contexto, era-lhe necessário ressaltar suas objeções diante de Sírio e das outras lideranças. A atuação deste “eu” junto ao Estado não se limitava, porém, às questões em que o movimento estava envolvido. Presenciei uma intensa discussão que Francisco travou com um senhor a respeito de qual era o órgão governamental que concedia licenças para a exploração legal de uma área de ouro. Essa licença interessava a ele (e também aos que persistiam garimpando após o fechamento das comportas da Usina de Alta Divisa) porque com ela não corriam o risco de serem multados pelo IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), algo que vinha acontecendo com frequência. Francisco dizia que o órgão responsável para tanto era a “agência ambiental”, ao passo que esse senhor argumentava que era o “DNPM” (sigla do Departamento Nacional de Produção Mineral). Nesse mesmo dia, após o senhor ter ido embora, Francisco voltou a abordar a questão da licença, deixando claro para todos que o ouviam que era ele quem estava com a razão: aquele senhor não sabia do que falava, mas ele sim, Francisco, conhecia os procedimentos necessários para obter essa licença. Sem entrar em mais detalhes, explicou-me que era preciso procurar “o Coronel”, que ficava em Goiânia ou Brasília, e que este último somente forneceria a licença se fosse formado um “grupo”, já que era preciso a garantia de que a exploração em questão gerasse um número mínimo de empregos. Ainda a respeito dessa licença, contou-me em outra ocasião que pedira ajuda a Roderval da Rodoviária, um vereador de Encruzilhada. Roderval não o atendeu: segundo Francisco, isso ocorreu porque o próprio vereador estaria interessado na exploração dessa área. E ainda há mais: as atividades de Francisco enquanto “intermediador do povo” não se restringiam ao que diz respeito ao Estado. Francisco costumava evocar as ocasiões em que ele procurou o escritório da empresa responsável pela Usina Hidrelétrica de Alta Divisa, a Enerplus, para tentar resolver problemas de outras pessoas. Em uma dessas ocasiões, a questão em jogo referia-se a um senhor que reivindicava o pagamento de R$ 12.000,00 que, na sua opinião, a Enerplus ainda lhe devia. Nesse caso particular, a opinião de Francisco, Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 86 após voltar do escritório, era de que nada podia ser feito – a empresa já ressarcira esse senhor de uma forma justa, fornecendo-lhe “uma terra que vale por duas” e construindo aí um galpão e um curral. Também com a AUXIL, assessoria contratada pela Enerplus para construir os reassentamentos coletivos, Francisco buscava exercer sua influência. Ele comentou comigo, cheio de orgulho, que uma das sugestões que ele dera a essa organização fora acatada: a de que toda família reassentada recebesse certo número de vacas, de seis a dez. Numa outra conversa, ele fez referência a mais uma de suas ideias relativas aos reassentamentos que também tinha sido aceita. Dessa vez, “pelo BID”. As negociações com o BID, por ocasião da auditoria realizada por esta instituição a respeito da situação dos atingidos no ano de 2003, também foram motivo de comentários de Francisco. Num certo dia em que estávamos sozinhos, ele me apresentou diversas fotografias: retratos de seus filhos, de seus irmãos, de alguns antigos amigos, de seu maquinário de garimpo a pleno funcionamento. A cada imagem que me apresentava ele acrescentava um comentário carinhoso, evidenciando que todos aqueles registros diziam respeito a coisas queridas e importantes para ele – o que certamente evoca o que já afirmei sobre Xicão e suas fotos. Nas imagens mais recentes, Francisco aparecia ao lado de pessoas engravatadas, no interior de um escritório – elas relacionavam-se, justamente, aos momentos em que ocorrera a negociação com o BID. Orgulhoso como sempre, ele frisou então a importância de sua atuação nessa ocasião. A esse respeito, destaco que a categoria negociação, bastante utilizada em contextos em que se faz necessário o estabelecimento de relações com outras organizações, parece-me estar associada intimamente às situações em que o que está em jogo é o que estou chamando aqui – seguindo a literatura antropológica referente às Sociedades Camponesas e também as colocações de Francisco a respeito de si próprio – de “(inter)mediação”. Não por acaso, pude presenciar certa vez um rapaz – um daqueles que sempre estavam conosco nas conversas debaixo da árvore, parte da “galera de Francisco” – explicando para um forasteiro quem era este último: “Aquele ali é o coordenador de negociação regional”. Dito isso, destaco que a expressão usada por esse rapaz para Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 87 se referir a Francisco não corresponde a nenhuma das atribuições que existe “formal” ou “explicitamente” no MAB. 7. Conclusão Como sugeri anteriormente, aqui me interessa menos averiguar a veracidade das afirmações fornecidas por Francisco a respeito de seu papel como “mediador” (ou “intermediador” ou “negociador”), e mais o fato de que ele, ao fazer tais afirmações, era ouvido com atenção e encarado com respeito. Francisco empobrecera, o garimpo onde ele se destacara como patrão estava praticamente extinto, ele não tinha mais sua fazenda; no entanto, a distância social que o separava de seus antigos empregados permanecia, assim como sua autoridade sobre eles – agora num outro contexto, o do MAB de Encruzilhada. O prestígio de Francisco no interior do movimento assenta-se assim, em grande medida, na sua capacidade de permanecer atuando segundo um padrão de comportamento que não apenas é reconhecido e valorizado pelos outros participantes como também ajuda a entender como era possível que ele se sustentasse politicamente como coordenador, mesmo diante das objeções que as outras lideranças e coordenadores nutriam a seu respeito. Mas não seria correto compreender este conflito como a expressão de um embate entre práticas e modalidades “tradicionais” (no caso do “patrão” Francisco) e “modernas” (no caso daquelas outras lideranças e coordenadores), pois muitos destes últimos eram igualmente “patrões garimpeiros”. Assim, no que se refere à questão da generosidade (SILVERMAN, 1967; DE NEVE, 2000) e da mediação (CAMPBELL, 1963; WOLF, 2003), a atuação de Francisco e de outras pessoas como lideranças e coordenadores estava pautada pela presença de uma série de práticas, concepções e valores que remetem diretamente a outros tipos de relações, externas ou anteriores ao movimento – como aquelas que caracterizavam os vínculos entre um proprietário e seus trabalhadores no garimpo, ou entre um fazendeiro rico e seus vizinhos pobres. São essas relações “tradicionais” que, após o surgimento do MAB em Encruzilhada, foram “estendidas” para algumas das relações que iam sendo forjadas no interior desse movimento, tais como aquelas que se estabeleceram entre um coordenador e seu grupo de base. De Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 88 maneira análoga, De Neve (2000, p. 503) mostrou como, no sul da Índia, a patronagem levada a cabo pelos empresários têxteis estava vinculada à “extensão” para os dias de hoje de um milenar “indigenous model of royal patronage”. Também os governantes ingleses se apropriaram desse modelo e se fizeram de “doadores” e “protetores” dos templos, tais como os reis antigos. As relações formais e explícitas (FOSTER, 1967) no interior do movimento não surgiram, porém, ex nihilo: para compreendê-las, é preciso encará-las como um dos produtos do trabalho político e pedagógico dos militantes do MAB do sul do país que foram liberados para Encruzilhada para aí organizar os atingidos. Tais militantes são até hoje descritos como os “professores” dos coordenadores locais; são aqueles que os ensinaram a “falar a linguagem do movimento social”. Tal trabalho político e pedagógico pode ser melhor contextualizado se levarmos em consideração a discussão de Sigaud (2000, 2004) e Rosa (2004, 2009) a respeito do que se passou na Zona da Mata Pernambucana com a chegada de militantes do MST vindos do sul do país. Numa área tradicionalmente marcada por outro padrão de organização e mobilização política, centrado nos sindicatos de trabalhadores rurais, estes autores discutiram a disseminação e difusão do que eles chamaram de “formas”: respectivamente, a “formaacampamento” e a “forma-movimento”. Dentre as implicações decorrentes da chegada destes militantes a esta região, poderíamos destacar o aparecimento de tensões entre estes sindicatos e o MST, o surgimento de novas demandas perante o Estado ou a proliferação de organizações que aprenderam a forma-acampamento enquanto “linguagem” (SIGAUD, 2000) e passaram mesmo a rivalizar com o MST. Note-se, a esse respeito, que tanto Sigaud quanto meus interlocutores se servem deste mesmo termo – “linguagem” – para designar o aprendizado das “formas” associadas a movimentos sociais como o MAB e o MST. Em Encruzilhada, da mesma maneira que no caso estudado por aqueles autores, estamos diante da presença de militantes deslocados, saindo do sul do país para organizar e formar (categorias e práticas comuns tanto ao MAB quanto ao MST) pessoas de outras regiões – e tanto melhor se Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 89 neste caso tratamos de algo diferente da desapropriação de terras para reforma agrária: Certamente, o papel desempenhado pelo MST é extremamente relevante não somente como matriz de um modelo, mas pela contínua reinvenção de aspectos dessa linguagem [cf. Sigaud, 2000], até mesmo em outras frentes – ao expandir sua presença e sentido para além do seu objeto originário, isto é, a terra (...). O exemplo do sindicalismo rural apresentado neste texto é dos muitos que, no Brasil de hoje, poderiam ser estudados para se compreender os efeitos difusos que o padrão de protesto criado pelo MST teve sobre diversos movimentos sociais (ROSA, 2004, p. 60). A atualização de tal padrão de protesto requer que consideremos as diferenças entre os “diversos movimentos sociais” (ROSA, 2004, p. 60), bem como o que há de específico em suas reivindicações e lutas: a despeito de sua aliança política de longa data, do fato de terem surgido na mesma região do país e da proximidade existente entre seus militantes, MAB e MST trabalham com questões políticas distintas, mesmo que de forma muito parecida. Além disso, é evidente que tal padrão também se atualiza em contextos e situações particulares, delineados por relações, instituições, culturas e práticas histórica e etnograficamente situáveis – temos em vista agora aquela “cor local” de que falava Mauss (2004,( Ou 1974? Ver referências bibliográficas.) p. 36). Ali tratávamos da Zona da Mata pernambucana; aqui falamos de Encruzilhada, uma pequena cidade do Centro-Oeste surgida na segunda metade do século XX, na esteira da Marcha para o Oeste de Getúlio Vargas, trespassada pela febre do ouro e da cassiterita e depois pela febre das barragens. Buscamos, assim, analisar o que se passa no MAB de Encruzilhada como o produto do encontro destas circunstâncias históricas e etnográficas “locais” com aquele “padrão de protesto” de que fala Rosa (2004). As transformações associadas ao surgimento de um movimento social não implicam, como já vimos, um simples apagamento de relações tradicionais (“patronais”) e sua substituição por vínculos “modernos” (“políticos”, “militantes”) de outra ordem. O que os garimpeiros de Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 90 Encruzilhada fizeram foi se apropriar de alguns dos elementos que lhes foram oferecidos pelos militantes do sul: por exemplo, o modelo de organização do movimento através de coordenadores e de grupos de base. Esses elementos, combinados e articulados àquelas relações “tradicionais”, possibilitaram o surgimento de um formato que vingou, e que vigora até os dias de hoje. Pensado nesses termos, o movimento, aí, apareceria como um “junction-point” – para usar o termo que Thompson (1991, p. 23-4; 213) utiliza para dar conta da “costura” (“knit”) heteróclita de “heranças” que respondem pelo surgimento das primeiras organizações de trabalhadores na Inglaterra da virada do século XVIII para o XIX. Tal costura e junção de “heranças” não teria sido possível se não houvesse ocorrido um encontro concreto entre diferentes pessoas, por volta da virada do século: militantes do MAB vindos do sul do país vão até Goiás e passam a conviver com garimpeiros desesperados – sem renda ou trabalho após a construção das barragens – e dispostos a aprender uma nova “linguagem”, se isso era necessário para que eles recebessem seus direitos. Mas é preciso levar em consideração que aquelas circunstâncias históricas e etnográficas citadas não remetem necessariamente a traços circunscritos e enraizados neste ou naquele universo particular. Como as “formas sociais” e “padrões de protesto” que expandem sua “presença e sentido” (ROSA, 2004, p. 60) para além de seus contextos “originários”, “migrando” para outras regiões e situações, também os traços e relações tradicionais se deslocam e se transformam nas passagens de uma realidade a outra (WAGNER, 1981): os laços que uniam os garimpeiros e patrões na beira dos rios não foram “transferidos” para a secretaria do MAB de Encruzilhada? Para encerrar, comparemos então o que meus interlocutores têm a dizer sobre as relações patronais no garimpo e em outras atividades. A insistência deles nessa diferença ajuda a entender a atração que tal atividade exercia neles, bem como o sentido de sua frustração nos dias atuais; mas ilumina, igualmente, a natureza desse “deslocamento” de traços e relações tradicionais de um contexto a outro. O recurso aos referenciais teóricos relativos à “patronagem” aqui utilizados ajuda, sem sombra de dúvida, a pensar uma enorme variedade de casos e situações: no garimpo, nas fazendas ou no interior Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 91 dos movimentos sociais, buscamos aqui mostrar como um tipo de relação a princípio bastante similar permanece. Se isso acontece, e estas formulações funcionam bem numa série de contextos diversos, não é só em virtude do alcance destas teorias, seu caráter abstrato permitindo a sua aplicação numa vasta gama de casos. De certa forma, o que poderíamos chamar de “teorias nativas” sobre a patronagem – ou seja, as categorias e ideias através das quais as pessoas pensam, se expressam e se comunicam nestas relações ou a esse respeito – também apresentam o mesmo caráter “transcontextual” ou “abstrato”, permitindo a elas compararem situações bastante diversas: os mesmos termos se fazem presentes aqui e ali, os mesmos aspectos positivos e negativos destas relações são assinalados, o recurso metafórico ou comparativo ao vocabulário do parentesco (“Meu patrão é como um pai para mim”, “Esses que trabalham comigo, é como se eles fossem meus filhos!”) também. Grynszpan (1990, p. 30) destaca, a esse respeito, que “as estruturas de patronagem parecem ser dotadas de uma notável plasticidade que lhes permite moldar-se a diferentes contextos”, o que é fundamental para compreender a sua eficácia e persistência: É, principalmente, na capacidade de operar com códigos e idiomas diversos, abrindo acesso a múltiplas esferas e contando, por isso mesmo, com recursos variados, que parecem assentar-se as possibilidades de sucesso e longevidade das estruturas de patronagem. Ela lhes confere versatilidade, plasticidade, possibilidade de promover manobras de conversão, assumindo feições e posturas distintas em diferentes contextos (GRYNSZPAN, 1990, p. 31). Por outro lado, é preciso destacar a importância, nestas comparações realizadas pelas pessoas, das diferenças existentes nas situações diversas em que tais relações se fazem presentes. Inúmeras vezes ouvi meus interlocutores afirmando: “Trabalhar de empregado no garimpo é muito diferente de trabalhar de empregado na fazenda ou firma!”. Em primeiro lugar, comparado ao que se passa nestas outras atividades, no garimpo a “distância” que separa o patrão do empregado não é demasiado grande, existindo condições objetivas que tornam viável que um garimpeiro deixe de ser um porcentista para ser um patrão, com seu Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 92 próprio par de máquinas e trabalhando por conta própria. Ao mesmo tempo, e em íntima relação com este primeiro aspecto, a distância relativa entre estas figuras é pequena também no que se refere ao convívio cotidiano. Não por acaso, tanto antigos patrões como porcentistas costumam insistir no fato de que, no garimpo, é o patrão quem está “na mão” do empregado, não podendo o primeiro abusar da autoridade ou fazer demasiadas exigências. Se contrariado ou insatisfeito, não é muito complicado para o porcentista arrumar outro patrão, ou mesmo trabalhar sozinho, recorrendo a uma bateia. Estamos assim diante de laços relativamente instáveis e que podem ser rompidos a qualquer momento, sem que maiores complicações decorram deste eventual rompimento (CLEARY, 1990) Ou 1992? Ver referências bibliográficas.. É no contexto de tal dinâmica que deve ser contextualizada a descrição aqui apresentada a respeito da relação entre Francisco e Xicão. Já no que se refere às Minas Gerais do século XVIII, Mello e Souza (2004, p. 201) destaca a importância desta “situação peculiar à zona mineradora”, marcada por uma “fragilidade dos laços paternalistas que se fizeram fortes em outros pontos da colônia”. O que me interessa aqui é menos a sugestão da continuidade e disseminação desta “peculiaridade” do que os termos através dos quais esta autora coloca a questão. Pois o que meus interlocutores sugerem, ao evocarem suas relações com seus diferentes patrões, é justamente a importância de considerar, no que diz respeito à “patronagem” ou aos “laços paternalistas”, a existência de graus ou gradações em relações que, de um ponto de vista meramente formal ou teórico, podem não guardar diferenças substanciais entre si; o que está sugerido aí é justamente a importância de considerar a “fragilidade” ou a “força” deste ou daquele vínculo. No que diz respeito às dinâmicas “tradicionais” presentes no “campo” ou “interior” brasileiro, as menções à patronagem costumam evocar em primeiro lugar aquelas relações marcadas por forte assimetria, dominação e violência. Elas fazem-nos pensar, por exemplo, nos senhores de engenho e moradores na Zona da Mata nordestina, nos seringalistas e seringueiros da Amazônia ou no que se passa com os trabalhadores volantes submetidos ao “trabalho escravo” nas áreas de Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 93 fronteira. Sem sombra de dúvida, e como os meus próprios interlocutores fazem questão de ressaltar, tais relações são comuns e disseminadas, e se fizeram presentes em determinados momentos das vidas de diversos deles. Também aí se faz compreensível o apelo político à substituição de tais vínculos “tradicionais” por relações “modernas”, estas últimas sendo potencialmente capazes de assegurar direitos legalmente sancionados e também de controlar ou matizar a brutalidade “senhorial” de laços particularmente hierarquizados. Parece-nos, por outro lado, que seria um equívoco deixar-nos guiar por um legalismo estrito, restringindo o uso da “patronagem” a estas últimas situações. Não é por acaso, portanto, que evocamos a importância de considerar a “intensidade” destes laços – sua “fragilidade” ou “força”, ou as implicações e custos decorrentes de seu rompimento. É nesse sentido que não me parece razoável contrapor a “dominação” ou a “dependência” características da patronagem aos sonhos de “autonomia” acalentados por tantos no interior do país; “autonomia” essa que, por vezes, é apresentada como uma decorrência natural de uma “cidadania” surgida da substituição de vínculos “tradicionais” por “modernos”. Antes de se tratar de uma oposição excludente, do ponto de vista dos meus interlocutores estaríamos diante de uma tensão entre tais polos – dependência e autonomia – que é paradoxal apenas aparentemente. Para eles, as possibilidades de “autonomia” poderiam sim ser vislumbradas a partir de engajamentos que pressupõem comprometimento e hierarquia – mas não qualquer comprometimento, não qualquer hierarquia. Poderíamos assim sugerir, por exemplo e a respeito de laços patronais “frágeis”, que as pessoas se engajam em certas relações tendo em vista, esperando ou desejando que elas sejam temporárias12. O que não deixa de ser uma espécie de solução mundana Bourdieu (1996) – também um autor cujas contribuições ao estudo das Sociedades Camponesas são significativas – chamou a atenção para a centralidade da dimensão temporal na consideração da reciprocidade. Não deixa de ser também o tempo o que está em jogo no caso que discuto, mas de uma maneira distinta da considerada por ele – sua ênfase, de fato, residia na questão do intervalo temporal entre o dom e o contradom, e não no que poderíamos chamar aqui de “duração” da relação (envolvendo sua maior ou menor “dureza” ou “fragilidade”, e também as perspectivas relativas ao seu término, não necessariamente problemático, ou continuidade). 12 Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 94 para o problema que Velho (2007, p. 117-118) – tratando da relação das pessoas com o “Patrão” mor (Deus) – coloca: Como compatibilizar o óbvio desejo de autonomia com o não menos óbvio desejo de dependência – ambos expressos, no que diz respeito ao sistema de patronagem, na oposição do “ser patrão de si mesmo” versus “a busca de um bom patrão”? A solução ou resposta seria, nesse nível da análise, bastante simples: um bom patrão é o que torna possível a alguém – num horizonte mais ou menos próximo – tornar-se patrão de si mesmo. Daí também a atração exercida pelo garimpo e por seus patrões, conforme a discussão realizada logo acima; ou mesmo pelo trabalho eventual nas obras num grande projeto tal qual uma barragem (ocupação a que se dedicaram muitos de meus interlocutores após o fim do garimpo), onde num espaço curto de tempo é possível acumular recursos relativamente substanciais que trazem consigo a promessa de alguma autonomia no futuro (LINS RIBEIRO, 1988; MAGALHÃES, 1983). E estaríamos aí também diante de uma chave interpretativa para a compreensão de alguns dos sentidos envolvidos na participação em um movimento social. Contrariamente ao discurso oficial de militantes e lideranças, e do que eles próprios idealizam a respeito da natureza de sua ação política, do ponto de vista de pessoas como Xicão e Francisco a hierarquia “patronal” é constitutiva das relações criadoras de um movimento social. Se eles recorrem a esse “idioma” (GRYNSZPAN, 1990) da patronagem, não é tanto, ou apenas, por uma espécie de inércia tradicionalista. Dentre diversas outras razões, o recurso a tal idioma no interior de um movimento social oferece-lhes sim uma margem de manobra “manipulativa” das relações – o que, do ponto de vista teórico, e conforme as sugestões da literatura que trata das Sociedades Camponesas, não é nenhuma novidade (SILVERMAN, 1967; FOSTER, 1967; WOLF, 2003). O que nos parece relevante – e não tão óbvio assim – é que tal “manipulação” tenha se tornado particularmente premente diante da “linguagem” (SIGAUD, 2000) do movimento social. Mas não somente diante dela, é claro: pois aí seria preciso evocar o contexto mais amplo Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012. Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento... 95 em que este movimento surge na vida de tais pessoas, que passam a ter que se defrontar de maneira mais ou menos súbita com todo um conjunto de instituições “modernas” das quais sua existência passa a depender. Após as barragens, indivíduos e famílias que antes viviam do trabalho no garimpo agora dependem da ajuda oferecida por programas de renda mínima ou por cestas básicas para sobreviver; a necessidade de alguma educação formal para a obtenção de um emprego torna-se cada vez mais um imperativo – tratamos assim de formas (ou processos de “formalização”) que chegam no mesmo contexto em que é desmantelada uma economia popular “informal” (conforme o sentido mais usual desse último termo) em torno do garimpo. Aquele mesmo contexto que, cada vez mais, levou as pessoas a se enxergarem como sujeitos de direitos ou cidadãos, e que lhes permitiu serem beneficiárias de políticas públicas, é por elas pensado como responsável pela sua escravidão ou cativeiro – já que agora elas veem a si próprias destituídas das possibilidades de mobilidade social que antes eram ao menos vislumbradas no garimpo e na patronagem “frágil” associada a ele. Por mais que os movimentos sociais busquem justamente lutar por melhores condições de vida para estas pessoas, as injunções e os imperativos relacionados à sua “linguagem” – na medida em que demandam os requisitos educacionais necessários ao manejo de tantos papéis e documentos, e ao relacionamento com o Estado e outras instituições – podem, ao reforçar as implicações “modernizantes” e “burocratizantes” desencadeadas ou intensificadas pelas barragens, implicar assimetrias e barreiras diante das quais pouco ou nada podem pessoas como Francisco e Xicão. 8. 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Artigo aceito para publicação em: 14 de setembro de 2012. Como citar este artigo: GUEDES, André Dumans. “Patrões, Garimpeiros e Lideranças – Mediação e Política em um Movimento de Atingidos por Barragens” In: Revista IDEAS – Interfaces em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, Rio de Janeiro – RJ, v. 6, n.2, p. 65-99, 2012. Revista IDeAS, v.6, n. 2, p. 65-99, 2012.