UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE LETRAS MESTRADO EM LETRAS DANIELE FELIZOLA DE OLIVEIRA ESTUDO HISTORIOGRÁFICO - DESCRITIVO DAS PREPOSIÇÕES PORTUGUESAS NAS GRAMÁTICAS BRASILEIRAS DO PERÍODO CIENTÍFICO NITERÓI 2010 ESTUDO HISTORIOGRÁFICO - DESCRITIVO DAS PREPOSIÇÕES PORTUGUESAS NAS GRAMÁTICAS BRASILEIRAS DO PERÍODO CIENTÍFICO Por DANIELE FELIZOLA DE OLIVEIRA Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre. Área de concentração: estudos de linguagem. Subárea: língua portuguesa. Linha de pesquisa: descrição linguística. Niterói 2010 Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá O48 Oliveira, Daniele Felizola de. Estudo historiográfico-descritivo das preposições portuguesas nas gramáticas brasileiras do período científico / Daniele Felizola de Oliveira. – 2010. 104 f. Orientador: Ricardo Stavola Cavaliere. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2010. Bibliografia: f. 87-90. 1. Língua portuguesa – Gramática - Preposição. 2. Historiografia linguística. I. Cavaliere, Ricardo. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Letras. III. Título. CDD 469.5 DANIELE FELIZOLA DE OLIVEIRA ESTUDO HISTORIOGRÁFICO - DESCRITIVO DAS PREPOSIÇÕES PORTUGUESAS NAS GRAMÁTICAS BRASILEIRAS DO PERÍODO CIENTÍFICO Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre. Área de concentração: estudos de linguagem. Subárea: língua portuguesa. Linha de pesquisa: descrição linguística. Submetida em agosto de 2010. Banca Examinadora _________________________________________________ Prof. Dr. Ricardo Stavola Cavaliere – orientador Universidade Federal Fluminense – UFF _________________________________________________ Prof. Dr. José Mário Botelho Faculdade de Formação de Professores Universidade do Estado do Rio de Janeiro – FFP-UERJ _________________________________________________ Prof.ª Drª. Sigrid Castro Gavazzi Universidade Federal Fluminense – UFF _________________________________________________ Prof. Dr. José Pereira da Silva (suplente) Faculdade de Formação de Professores Universidade do Estado do Rio de Janeiro – FFP-UERJ _________________________________________________ Prof.ª Drª. Edila Vianna da Silva (suplente) Universidade Federal Fluminense – UFF AGRADECIMENTOS A Deus, que me orienta, acompanha, e ilumina todos os dias de minha vida, que me permitiu chegar até aqui, na busca da concretização de mais um sonho. Ao meu orientador, Prof. Ricardo Cavaliere, pela oportunidade, confiança e pelos ensinamentos. Aos Professores: Dr. José Mário Botelho, Dr. José Pereira, Dra. Sigrid Gavazzi e Dra. Edila Vianna por aceitarem compor a banca. Aos meus pais, Valmir e Fátima, pela constante e incansável dedicação e incentivo em todas as etapas de minha vida. Aos meus irmãos, Alex e Alexandre, sempre amigos, carinhosos e grandes incentivadores, pelas palavras de otimismo. Aos amigos do curso Ana Cláudia Machado, Adriano Oliveira Santos, Rossana Alves Rocha pelo apoio e troca de experiências. Aos amigos Vanessa Candida de Souza, José Cláudio dos Santos Jr., Maria Paz Pizzaro e Almir Ribeiro Miguel pelas palavras de estímulo a cada etapa desse trabalho. A Kátia Emmerick pela gentileza e disponibilidade em ajudar. Às amigas, Patrícia Serrano, Vanessa M. Lima Gomes, e Bianca Walsh pela revisão do abstract. A Martha Lopes, que com suas orientações, muito ajudou no meu crescimento pessoal, despertando-me um olhar crítico, porém, mais generoso a mim mesma, auxiliando-me a reavaliar minhas próprias limitações, acreditando que seria possível a realização desse trabalho. RESUMO Apresentamos, neste trabalho, a descrição das preposições portuguesas nas gramáticas produzidas no Brasil no denominado “período científico”. As obras escolhidas para estudo foram Grammatica da Língua Portuguesa de Julio Ribeiro, Grammatica descriptiva de Maximino Maciel, Grammatica portugueza de Alfredo Gomes, Grammatica da língua portugueza, Gramática Secundária de Said Ali, além disso, utilizamos, também, alguns textos sobre preposição em De gramática e de linguagem, Novos estudos da língua portuguesa e Novíssimos estudos da língua portuguesa, Através do dicionário e da gramática de Mário Barreto e em Fatos da linguagem de Heráclito Graça. Nosso objetivo, ao investigar essas gramáticas, é verificar a maneira como as preposições eram descritas à época e, se nesse período, já se notava que essas palavras apresentavam nuances semânticas. Este trabalho insere-se, portanto, no âmbito da Historiografia Linguística, por conceber suas análises sob a perspectiva do contexto histórico em que os textos foram produzidos, tal como estabelece Konrad Koerner, ao propor os procedimentos para a pesquisa historiográfica. Palavras-chave: preposições, historiografia, descrição. ABSTRACT In this work we present the description of the Portuguese prepositions in the grammar books produced in Brazil in the scientific period. We chose the following publications for the study: Grammatica da Língua Portuguesa by Julio Ribeiro, Grammatica descriptiva by Maximino Maciel, Grammatica portugueza by Alfredo Gomes, Grammatica da língua portugueza, Gramática Secundária de Said Ali and some texts about prepositions in De gramática e de linguagem, Novos estudos da língua portuguesa e Novíssimos estudos da língua portuguesa, Através do dicionário e da gramática by Mário Barreto and in Fatos da linguagem by Heráclito Graça. We investigate these grammar books in order to verify the way prepositions were described and if their semantic features were perceived in this period. This work is inserted in the scope of the Linguistic Historiography as the analyses are conceived under the perspective of the historic context in which the texts were produced, as Konrad Koerner establishes when he proposes the procedures for a historiographical research. Key words: preposition, historiography, description LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Definições de preposição 91 Tabela 2 – Classificações das preposições 92 Tabela 3 – Valores da preposição a 93 Tabela 4 - Valores da preposição ante 94 Tabela 5 - Valores da preposição após, pós 94 Tabela 6 - Valores da preposição até 95 Tabela 7 - Valores da preposição com 95 Tabela 8 - Valores da preposição contra 96 Tabela 9 - Valores da preposição de 96 Tabela 10 - Valores da preposição desde, des 97 Tabela 11 - Valores da preposição em 98 Tabela 12 - Valores da preposição entre 99 Tabela 13 - Valores da preposição para 99 Tabela 14 - Valores da preposição per 100 Tabela 15 - Valores da preposição por 101 Tabela 16 - Valores da preposição sem 102 Tabela 17 - Valores da preposição sob 102 Tabela 18 - Valores da preposição sobre 103 Tabela 19 - Valores da preposição trás 103 SUMÁRIO 1. Introdução 1 2. Historiografia linguística 4 3. Periodização dos estudos linguísticos brasileiros 9 4. Contexto sociocultural 15 5. Origem das preposições portuguesas 28 5.1. Fontes do latim clássico 29 5.2. Presença no latim vulgar (corrente) 30 5.3. Processos de gramaticalização 32 6. Preposições e a sintaxe analítica 38 6.1. Desaparecimento dos casos 39 6.2. Papel sintático das preposições 40 7. Preposições nas gramáticas brasileiras do período científico 41 7.1. A descrição de Julio Ribeiro 42 7.2. A descrição de Eduardo Carlos Pereira 52 7.3. A descrição de Maximino Maciel 55 7.4. A descrição de Alfredo Gomes 59 7.5. A descrição de Manuel Pacheco da Silva e Boaventura Plácido Lameira de Andrade 66 7.6. A descrição de Manuel Said Ali 74 7.7. A descrição de Mário Barreto 76 7.8. A descrição de Heráclito Graça 78 8. Conclusão 82 9. Bibliografia 87 INTRODUÇÃO Este estudo visa, em termos gerias, a proceder à análise das gramáticas produzidas no Período Científico, fase fundadora, dos estudos gramaticais brasileiros (cf. Cavaliere, 2002), com foco na descrição, por elas oferecidas, das preposições portuguesas. Subsidiariamente, busca-se identificar as concepções de gramática, de língua e de ensino acatadas na época em foco, situando os textos gramaticais no panorama sociocultural em que foram produzidos. Foram selecionados para a pesquisa as gramáticas de Julio Ribeiro (1881), Maximino Maciel (1914 [1894]), Manuel Pacheco da Silva Júnior & Boaventura Plácido Lameira de Andrade (1894), Alfredo Gomes (1920 [1887]), Eduardo Carlos Pereira (1940 [1907]), Manuel Said Ali (1964) e textos descritivos de Mário Barreto (1955), (1980a), (1980b), (1986[1927]) e Heráclito Graça (2005). Temos, como objetivo específico, então, investigar quais eram as preposições atuantes na língua e apresentá-las, buscando identificar também se neste período já existia a concepção de língua como produto social, no qual as palavras adquirem sentido no próprio texto. Dessa forma, verificar se, ao descrevê-las, os autores mencionavam o fato de tais elementos apresentarem nuances semânticas. No segundo capítulo, apresentaremos as premissas de nosso estudo, que são os três princípios da pesquisa historiográfica estabelecidos por Koerner (1996): princípio de contextualização, princípio da imanência e princípio da adequação. Considerando-se um dos pontos principais da análise historiográfica linguística entender o clima de opinião, no capítulo quatro, destinado à apresentação do contexto sociocultural (juntamente com o capítulo sete, de análise das gramáticas e textos produzidos pelos autores selecionados), buscaremos corroborar a afirmação de Koerner 2 (1996: 64) de que “alguns relatos históricos são mais verdadeiros do que outros; o uso de dados históricos e de evidência textual para estabelecer uma interpretação particular de um documento tem alguma validade e não é simplesmente fantasia de um historiador.” O capítulo três destina-se a apresentar a periodização dos estudos linguísticos no Brasil a fim de que o leitor conheça as características de cada período linguístico e principalmente do período científico, em que está inserido nosso estudo. As categorias gramaticais, estabelecidas por Saussure como fatos da língua e não do discurso, pois se impõem ao falante como um sistema pré-estabelecido, constituem-se por uma herança histórica em cada estado da língua, e por esse motivo nem sempre expressam uma noção da cultura do momento. Dessa forma, considerando-se que, do latim para o português, com o passar dos anos, as preposições sofreram alterações mórficas e semânticas, e que algumas preposições acabaram por assumir também alguns domínios semânticos de outras preposições latinas, e que, no latim vulgar, com o maior emprego das preposições e o quase total desaparecimento dos casos, as preposições acumularam as funções antes expressas por estes, a dissertação apresentará no capítulo cinco uma breve abordagem sobre o surgimento das preposições no português, assim como o estudo dos processos de gramaticalização pelos quais algumas preposições passaram nesse percurso. Nota-se aqui a possibilidade da categoria acolher novas palavras, que inicialmente no latim não pertenciam à categoria das preposições, mas que, posteriormente, passam a integrar o português. No capítulo seis tem-se o propósito de explicar a sintaxe das preposições no português. Portanto, para isso, faz-se necessário comentar o desaparecimento dos casos latinos, suas motivações e consequências para o funcionamento sintático nessa língua, 3 assim como as implicações dessas modificações para a sintaxe das preposições portuguesas. No capítulo sete, temos as descrições das preposições portuguesas conforme estabelecidas por cada autor aqui estudado. Por fim, na conclusão, destacamos as similaridades e divergências dos textos produzidos no recorte temporal sob o aspecto histórico, estrutural e semântico na descrição das preposições portuguesas. 4 2 HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA Pretende-se, neste capítulo, tecer algumas considerações genéricas sobre os princípios da Historiografia Linguística (HL) e sua metodologia. O conceito de Historiografia surge na França vinculado ao da História, que inicialmente cuidava apenas de relatar os acontecimentos passados numa sucessão temporal. A HL nasce da nova concepção de se fazer história que se origina em 1970 com a então eminente ciência, a Historiografia. No trabalho historiográfico, é bastante pertinente a distinção entre crônica e história proposta por Croce que circunscreve que “a primeira consiste em registrar meramente os acontecimentos do passado, sem oferecer qualquer tentativa de distinção entre uma ocorrência significativa e uma não significativa” (CROCE apud KOERNER, 1996: 47), ao passo que a segunda trata do resgate de registros de histórias vigentes em um recorte temporal e que se mostram pertinentes à interpretação de um dado objeto em estudo. No âmbito da HL, história refere-se a toda episteme em que o documento em análise está inserido. Lucien Febvre e Marc Bloch foram os idealizadores de uma nova maneira de se fazer História, compreendendo que, para conhecer o homem e sua história em sua totalidade, fazia-se necessário dialogar com outras ciências. Desse modo, estabeleceram a ciência História como interdisciplinar: ater-se somente aos fatos políticos sem levar em conta aspectos sociais inerentes ao homem não era suficiente. Dessa forma, ao fundarem a revista Annales, tinham, por objetivo, instituir um novo modo de se fazer História, estabelecendo a interdisciplinaridade, com a colaboração de disciplinas como 5 geografia, sociologia, psicologia, linguística, e outras. É um momento em que se abrem os olhares para além da política, abrangendo questões sociais, linguísticas do homem, em que a colaboração destas disciplinas é importante, o que ficou conhecido por “a revolução francesa da historiografia” (BASTOS, 2004:16). Nessa perspectiva documentos como inscrições, cartas, bilhetes (manuscritos) circulantes em dada época fazem parte do processo de construção do conhecimento linguístico, que considerados menores, passam nesse momento a ter relevância, tornam-se fontes para o estudo historiográfico, pois contribuem na reconstrução do passado. A partir de então, surge uma nova abordagem de estudo da língua, com novos métodos de investigação em fontes documentais. O historiógrafo recorre ao documento escrito buscando interpretar o que está contido na materialidade linguística. O que Bastos (2009) aponta como o rigor científico, dada à circunstância de que os documentos são “vistos como testemunhas autênticas que devem ser interrogadas criteriosamente.” Considerando-se a complexidade da tarefa do historiógrafo de compreender os documentos escritos, como também de descrever a trajetória da língua, é mister que pesquisador tenha amplo conhecimento, ou seja, que ele tenha a ‘dupla perícia’ de que o historiador de uma determinada ciência deve ser equipado, isto é, além do “conhecimento específico sobre um domínio científico[...]” ele “ deve ter um bom conhecimento da história intelectual (incluída no domínio matriz da história geral)”. “O historiógrafo da lingüística, entretanto, precisa mais do que esta perícia dupla, que deve ser vista como conditio sine qua non para qualquer um empenhado na pesquisa de acontecimentos passados e no desenvolvimento da lingüística” (MALKIEL (1983[1969]:52) apud KOERNER, 1996: 47). A HL, então, fiel à concepção interdisciplinar do estudo do homem, compreende a língua como um elemento de interação social, “lugar de concretização das dimensões históricas, culturais e identitárias de um grupo social” (NASCIMENTO, 2009: 2), ao 6 qual o homem recorre para se circunscrever no mundo. Estabelece-se, então, que HL é a descrição e a explicação de como o conhecimento linguístico foi obtido, formulado e comunicado e de como se desenvolveu através do tempo (SWIGGERS,1990: 21). É o estudo crítico dos saberes produzidos sobre a língua, contextualizado histórico e socioculturalmente. Desse modo, a contextualização histórica e sociocultural do período de produção das gramáticas é a face externa que se articula ao conhecimento linguístico, pois “as línguas refletem a maneira de as ver por parte dos homens que se acham nelas interessados e até integrados” (CÂMARA JR., 1973, 2), ou seja, a HL, de acordo com o que entendemos, parte do princípio de que “a língua enquanto produto histórico-cultural torna-se simultaneamente veículo e expressão de dados socioculturais que pressupõem um olhar histórico” (NASCIMENTO, 2009:4). A concepção de língua na HL vai além do seu caráter meramente sistemático. É importante ressaltar que, para a historiografia, a ideia de contexto e conteúdo estão intimamente ligadas, de tal sorte que, como nos menciona Swiggers (1990: 22), “there are important links between content and context of theories, links which are thus not only relevant to the fact that particular theories appear at a certain time, but also to the message carried by the theory.” A tarefa do historiógrafo é a de interrogar o documento a fim de depreender o que se encontra na materialidade linguística e entender o passado, em um diálogo que se estabelece entre língua e história. O fazer historiográfico configura a articulação do trabalho do historiador, que seleciona e ordena os acontecimentos, com o trabalho do historiógrafo, que explica os dados. Como em todo estudo científico, na pesquisa em 7 HL existe o olhar do pesquisador e o recorte que ele faz de seu objeto de estudo, que é marcado por suas experiências e papel social. Dada às diversas abordagens do conhecimento científico em linguística, o fazer historiográfico tenta, também, reconstruir as correntes linguísticas, visto que há um movimento de continuidade e descontinuidade dos paradigmas lingüísticos, o que não implica a eliminação do paradigma anterior. Seguindo a tendência dos estudos históricos do século XX, a historiografia trabalha com a interdisciplinaridade e segue três conceitos estabelecidos na França pela revista dos Annales (BURKE, 1997 apud BASTOS, 2009): a) fazer história deixa de ser fazer narrativas de acontecimentos, substituída pela narrativa de uma história-problema; b) história de todas as atividades humanas e não só a história política; c) a colaboração de outras disciplinas como sociologia, psicologia, antropologia, sociologia e outras. Assim posto, os princípios norteadores da pesquisa são em HL: princípio da contextualização, princípio da imanência e princípio da adequação (KOERNER, 1996: 60). 2.1 Princípio de contextualização Consiste em estabelecer o clima de opinião do período estudado, identificar as questões políticas e socioeconômicas que intervêm no pensamento linguístico, dado esse que não caminha isolado. 2.2 Princípio de imanência As observações feitas em relação aos textos em análise devem ser construídas sob a perspectiva interna do texto. O quadro geral da teoria e da terminologia adotada deve ser estabelecido sob o viés interno de texto, que é a materialização desses dados sem qualquer interferência da doutrina moderna. 8 2.3 Princípio de adequação Respeitados os princípios anteriores, o princípio de adequação consiste na aproximação do texto analisado, de forma explícita, através do moderno vocabulário técnico e definição do quadro conceptual de trabalho em face aos dias atuais a fim de um melhor entendimento do trabalho por parte do leitor. Koerner, ao traçar os princípios práticos e teóricos, assim por ele classificados, para o estudo historiográfico, teve, como objetivo, adotar critérios que pudessem ser aplicados a diferentes períodos da história e a diferentes aspectos sob investigação, o que, dessa forma, contribuiriam para sua aceitação, dada sua amplitude, e possibilitariam uma interpretação do passado mais transparente. 9 3 PERIODIZAÇÃO DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS BRASILEIROS Poucos foram os estudiosos que despertaram interesse pelo estudo do desenvolvimento do conhecimento linguístico no Brasil (cf. CAVALIERE, 2002:100). As propostas de periodização mais conhecidas são A filologia portuguesa no Brasil de Antenor Nascentes (1939), Os estudos filológicos no Brasil, de Sílvio Elia (1975), Os estudos filológicos e lingüísticos no Brasil - uma tentativa de periodização, de Leodegário A. de Azevedo Filho (2002), e Uma proposta de periodização dos estudos linguísticos brasileiros, de Ricardo Cavaliere (2002). A obra de Antenor Nascentes é tida como ponto de partida para novas propostas de periodização. Nessa obra, o autor estabelece uma linha evolutiva dos períodos de estudos sobre a língua no Brasil, os quais foram denominados “período embrionário”, “período empírico” e “período gramatical.” O período embrionário ficou estabelecido como o período do surgimento da cultura brasileira até 1834, ano de publicação da obra de Pereira Coruja, Gramática da Língua Nacional. Em seguida, temos o período empírico, fase com ênfase no estudo histórico da língua, que perdura até 1881, quando é publicada a Gramática Portugueza de Julio Ribeiro. E o período gramatical, de Julio Ribeiro até 1939, ano de fundação da Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil. Outro autor que dá sua contribuição para elaboração da periodização dos estudos linguísticos no Brasil é Sílvio Elia com sua obra Estudos de Filologia e Lingüística, cujo texto Os estudos filológicos no Brasil retrata-nos criticamente o percurso dos estudos gramaticais no Brasil a partir da metade do século XIX até os anos 60 do século 10 passado, o que é um grande contributo ao tema, visto que o autor emite opiniões acerca de trabalhos e autores contemporâneos. Elia propõe, ainda, a divisão em dois períodos: período vernaculista e período científico. O período vernaculista marca seu início com a Independência do Brasil. É um período no qual os gramáticos ainda não tinham como foco a descrição gramatical da língua, caracteriza-se pelo predomínio da valorização das formas consideradas exemplares, que expressavam um ideal lingüístico: a gramática era compreendida, então, como uma coletânea de normas do bem-dizer Elia divide o período científico em duas fases: a primeira, de 1880 a 1900, é marcada pelo interesse nas novas tendências metodológicas do estudo filológico, que visava à proeminência da pesquisa filológica brasileira no âmbito da contemporaneidade dos estudos internacionais (CAVALIERE, 2002:103). A segunda, de 1900 a 1960, ano de publicação da obra Estudos de Filologia e Lingüística do referido autor. Todo esse longo percurso de 1880 a 1960 é compreendido pelo autor como de orientação filológica, o que Cavaliere (2002: 104) sinaliza como evidente descompasso com as relevantes manifestações científicas brasileiras vigentes, que seguiam orientações investigatórias divergentes dessa linha de pesquisa, como, por exemplo, a desconsideração que Elia faz da grande contribuição de Mattoso Câmara, por volta dos anos 40, na esfera dos estudos linguísticos brasileiros. A proposta de Cavaliere, que se adotará nesse trabalho, estabelece a divisão dos estudos linguísticos no Brasil em quatro períodos: O período embrionário, termo emprestado de Antenor Nascentes, inicia-se no ano de 1595, com a publicação da Arte de gramática da língua mais usada na costa do 11 Brasil de José de Anchieta e termina em 1802, com a publicação do Epítome da grammatica portugueza de Antonio Moraes Silva. Esse intervalo de tempo se caracterizou por estudos esparsos e sem relevância para a expressão do pensamento linguístico brasileiro. O período racionalista, que se estende por longos anos do século XIX, de 1802 a 1881, marca seu início a partir da data de publicação do Epítome da grammatica portugueza de Antonio Moraes Silva, que aponta uma nova diretriz para os estudos gramaticais brasileiros, cujo fulcro nos estudos gramaticais partem nesse momento das gramáticas de bases lusitanas, abandonando-se as bases das gramáticas latinas. Há nesse período um movimento de expressão da nacionalidade, que é enaltecido após a data da Independência. Foi um período de grande produção de compêndios gramaticais de viés nacionalista. As obras desse período sofreram críticas por não focarem seus interesses no estudo do português brasileiro, limitando-se a produzir gramáticas com regras copiadas dos compêndios lusitanos e aqui estabelecidas como regras do bem-dizer. Estabelece-se o ensino da norma literária na escola de nível elementar. Gonçalves Dias, Odorico Mendes e Francisco Sotero dos Reis são nomes relevantes desse período, que contribuíram para elaboração de um modelo gramatical que perdurou por mais de uma geração. A Grammatica Portugueza de Sotero dos Reis é obra de destaque por trazer considerações importantes a respeito dos limites entre a ciência linguística e a arte gramatical. E, assim como a obra de outros autores relevantes do período, demonstra influência da Gramática de Port Royal, sobretudo na organização sinóptica: etimologia, sintaxe, ortografia e prosódia, e na teoria sintática fundamentada no tripé sujeito–verbo–atributo. 12 O terceiro período, denominado científico, de 1881 a 1941, em relevo neste trabalho, subdivide-se em duas fases: a fase fundadora (1881-1922) e a fase legatária (1922-1941) e tem como obra representativa a Grammatica da língua portugueza de Julio Ribeiro. O autor inaugura com sua obra o método histórico-comparativo de descrição da língua no Brasil. Sua publicação marca o início dessa nova vertente dos estudos gramaticais, em que se abandona a perspectiva da Gramática de Port Royal e estuda-se a língua sob a perspectiva histórica. Na segunda metade do século XIX, os estudos linguísticos no Brasil voltam seu interesse para a história da língua, que, por influência das teses de Schleicher e Darmesteter (que adotam os princípios darwinistas nos estudos lingüísticos) e consideram a língua um organismo vivo, dessa forma, sujeito a mudanças, evoluções através do tempo. Ao contrário dos estudos do período racionalista “o fato gramatical deixa de ser contemplado para ser analisado” (CAVALIERE, 2002: 111). Adotam-se dessa forma os mesmos métodos de investigação da Biologia no estudo da língua, enfatizando-se os estudos etimológicos. É um período de intensa produção de teses de concurso, gramáticas históricas e gramáticas descritivas. Essa fase é denominada por Cavaliere (2002) de fundadora. Uma característica do método histórico-comparativo das gramáticas científicas, que se contrapõe ao aspecto adotado na gramática de Port Royal é a busca por grande número de exemplos em obras referências para atestar qualquer proposição a respeito do fato linguístico, enquanto que, no racionalismo o método matemático foi eleito o método do conhecimento em geral, em que se utilizava no estudo científico o método hipotético-dedutivo, o qual formulava, com base na observação dos fatos, uma teoria 13 que iria explicar os fatos conhecidos e poderia prever os que ainda não o eram, que se autoclassificava teoria geral e universal, útil à análise de fatos de todas as línguas. Enquanto na fase fundadora os pesquisadores tinham seus olhares voltados para a palavra, na fase legatária, com início no primeiro decênio do século XX, percebe-se um novo enfoque de estudo que surge a partir de novas fontes teóricas que tem como nomes relevantes Diez e Meyer Lübke. Nesta nova fase a atenção à língua fica mais restrita aos fatos gramaticais do português com abrangente abonação de corpus literário. Nota-se nesse período um maior compromisso com o empirismo, diferente do método adotado pela Gramática de Port Royal, em que, com base na observação de poucos exemplos, chegava-se a premissas válidas para fatos posteriores. Há nessa fase ênfase nos estudos da sintaxe e da morfologia. O quarto período, denominado linguístico, que data de 1941 aos dias atuais, subdivide-se em duas fases: a estruturalista e a diversificada. A fase estruturalista tem, como marco, a publicação de Princípios de Linguística Geral de Mattoso Câmara, com predomínio da corrente formalista de estudo nas produções acadêmicas até os anos 70. O objeto de estudo de então é a teoria linguística per si, seus paradigmas, sem qualquer referência a uma língua particular, que emerge como disciplina no curso superior. A obra de Mattoso Câmara consolida a Linguística como ciência autônoma. Nessa fase inicial, estiveram presentes também os estudos gerativos, que, por apresentarem lacunas teóricas, não dispõem do mesmo prestígio que a escola estruturalista, mas que, concomitante ao estruturalismo orientaram os trabalhos produzidos até meados de 80, momento em que a perspectiva de estudo da língua focaliza a oralidade. Nessa fase, denominada diversificada, desvia-se o estudo das 14 gramáticas. É um período de efervescência linguística, com desenvolvimento de várias correntes linguísticas paralelamente. 15 4 CONTEXTO SOCIOCULTURAL Com o objetivo de desenvolver um trabalho rigorosamente científico no âmbito da HL, cabe ao historiógrafo compreender o contexto vigente do período sob o qual elabora sua pesquisa. Desse modo, assinalaremos o cenário epistemológico de meados do século XIX aos dois primeiros decênios do século XX para que possamos conhecer os fatores políticos, sociais, econômicos e culturais que influenciaram a produção das gramáticas neste trabalho estudadas. O período sobre o qual discorre nossa pesquisa compreende os anos de 1881 a 1922, que corresponde à fase fundadora do período científico. Representa um período de significativas mudanças principalmente no final do século XIX, no qual podemos destacar dois importantes fatos históricos: a Abolição em 1888 e a Proclamação da República em 1889. É importante mencionarmos, também, a tomada de consciência política disseminada pela Independência do Brasil no início do século XIX, que contribuiu para uma mentalidade nacionalista que, em conjunto com o grande índice de analfabetismo no Brasil, dá origem a uma fase de preocupação com o ensino da língua pátria. Após a expulsão dos jesuítas por Marquês de Pombal, em 1759, pouco se investiu no sistema educacional no Brasil. Novas ordens religiosas assumiram o compromisso com a educação com aulas avulsas e dispersas, e Portugal, que até então não investia na educação brasileira, manteve a mesma postura. O analfabetismo no século XIX não é um panorama restrito aos países latinoamericanos, compreende também grande parte dos países europeus. Porém, nos últimos 16 30 anos do século XIX inicia-se um movimento para superar o analfabetismo, que comprometia o desenvolvimento das nações. Os países europeus promovem a educação primária gratuita, reduzindo o índice do número de analfabetos para menos de 5%, por volta de 1900. No Brasil, o índice de analfabetos é de 67,2 %, em 1890. Não há nesse período, no Brasil, faculdades de filosofia, ciências e letras, o que não favorece a realização de pesquisas filosóficas e científicas. Verifica-se também o desinteresse pelo estudo da ciência e da filologia diferente do que ocorre no mundo ocidental. A elite intelectual brasileira, que retorna ao país após a conclusão dos estudos na Europa, impregnada pelos ideais nacionalistas vigentes por lá, voltam seus anseios para promover movimentos libertadores. No entanto, devido ao seu distanciamento do povo, encontra dificuldade de mobilizar a população por esse ideal, que não tem nesse momento grande alcance e repercussão popular. Embora o Rio de Janeiro tenha sido a cidade sede da corte, o desenvolvimento dos estudos humanísticos e linguísticos no Brasil desenvolveram-se nos estados do norte e do nordeste. Não ao acaso esse atraso ocorre na corte; o Rio de janeiro, no início do século XIX, é descrito como cidade de cinismo e depravação, gozava de má reputação (M. ARAGO apud CAVALIERE, 2009), e era desprovido de investimento estatal. O Brasil leva cerca de quarenta anos a partir da Independência para expandir sua produção cultural em dimensão nacional, dada a razão de que o talento brasileiro só se faz por abeberar-se da cultura lusitana, não havia aqui incentivo da Corte, e também por sua dimensão territorial, que é empecilho para a disseminação do ideal nacionalista pela limitação de comunicação que cria entre as diversas províncias. 17 Com a vinda da família real ao Brasil, um novo panorama se configura no sistema educacional. As novas condições político-econômicas provenientes dessa transição favorecem uma nova orientação no ensino. Era necessário formar a elite que ocuparia os cargos públicos da administração. Criaram-se a Academia da Marinha, em 1808, e a Academia Real Militar, em 1810, com o propósito de formar oficiais e engenheiros encarregados da defesa militar da colônia, o curso de cirurgia, em 1808, no hospital militar da Bahia e o curso de cirurgia e anatomia do Rio de Janeiro, etc. “D. João VI fundou o curso superior, dando-lhe um sentido exclusivamente utilitário, pois tornara-se urgente a formação dos profissionais exigidos pelas novas condições” (HOLANDA, 1982:367). O segundo reinado foi um período conturbado, marcado por questões militares, religiosas e servis, eventos políticos que conduziram o governo à Proclamação da República. As questões militares têm seu ápice no que ficou conhecido por Questão Sena Madureira e Questão Cunha Matos, que se referem aos pronunciamentos de dois militares, o primeiro um tenente-coronel e o segundo um coronel, que utilizaram a imprensa para fazer discussões políticas, ocasionando a proibição aos militares de se expressarem através da imprensa e, em 1886, no decreto de prisão do coronel Cunha Matos pelo Ministro da Guerra Alfredo Chaves, o que promove um imenso descontentamento no meio militar. Deodoro da Fonseca, com o apoio dos militares, assina um manifesto contra a ação do governo. A questão religiosa foi outro fator que contribuiu para a promulgação da República. Durante o período imperial, o Estado indicava os sacerdotes aos cargos eclesiásticos. Os membros do clero eram pagos pelo governo e equiparados aos funcionários públicos, portanto, eram obedientes ao governo, tendo que respeitar tanto 18 as leis do Estado quanto as leis da Igreja, que não poderiam confrontar-se. O governo Imperial validava as leis da Igreja, porém, somente após submissão aos órgãos da administração responsáveis por sua autorização. Nesse contexto, no pontificado de Pio IX, alguns conflitos surgem, visto que certas medidas contra a maçonaria são tomadas e não são adotadas pelo governo brasileiro, que tem entre seus membros maçons, que muito contribuíram para orientação política no Império no período regencial. Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira e Dom Antônio de Macedo e Costa, bispos de Olinda e do Pará, respectivamente, obedientes às determinações do papa, expulsam os maçons de suas irmandades religiosas e, ao não voltarem atrás em suas decisões, contrariam o governo e acabam presos, o que gera uma instabilidade no governo, pois tal situação não agrada à opinião pública. Em 1875, D. Pedro II, pressionado pelo papa e por Duque de Caxias, que ameaçava abandonar o cargo de presidente do Conselho de Ministros, anistia os bispos. A questão religiosa põe em evidência o declínio da autoridade do governo imperial. Em 1891, com publicação da primeira constituição republicana, estabelece-se a separação da Igreja e do Estado. Na questão servil, o que se observa é que, com a Abolição, o governo perde uma importante base de sustentação, a dos fazendeiros escravocratas, que sem condições financeiras de adotar outro meio de produção, veem-se prejudicados. A classe crescente da burguesia sem representação política engrossa a marcha do movimento republicano. O governo, carente de apoio, no ano seguinte chega ao fim do regime imperial. O movimento que altera o regime monárquico em republicano tem, como chefe, o Marechal Deodoro da Fonseca, que se tornou o primeiro presidente do Brasil, consolidando, junto com Marechal Floriano da Fonseca, o período denominado de 19 República da Espada (1889-1894), dessa forma conhecido por serem os dois primeiros presidentes militares. Do período que vai de 1822 com a Independência do Brasil até a fase da primeira República de 1889 a 1930, poucas transformações ocorreram no que concerne à educação brasileira. Com a independência do país em 1822, o governo concentra-se em promover a formação da elite dirigente do país, preocupando-se particularmente com a criação do ensino superior e em estabelecer as formas de ingresso a seus cursos. A educação nesse momento no Brasil não é regulamentada, não há regularidade, nem sequencialidade no ensino, com poucas escolas primárias e algumas secundárias, cuja precípua finalidade era a de preparar o aluno para o ingresso ao curso superior, caracterizando-se como um preparatório. O aluno podia tanto ingressar no ensino primário, quanto no secundário e no superior sem necessidade de ter frequentado o curso primário como pré-requisito ao ingresso para o curso secundário, assim como não era necessária a conclusão do curso secundário para o ingresso ao curso superior. O período republicano herda do império um sistema educacional nacional precário, com grande número de pessoas não escolarizadas: Em 1834, o Ato Adicional consumou o desastre para o nosso sistema educacional, atribuindo competência às assembléias provinciais para legislar sobre ensino elementar e médio. Apenas o ensino superior em geral e o elementar e médio do Município Neutro (futuro Distrito Federal) permaneceram a cargo do governo central (HOLANDA, 1982: 376). Dessa forma, as províncias criaram os liceus, direcionando as aulas antes dispersas para um só local, embora o ensino não fosse ministrado de forma igualitária em todas as províncias. 20 Na Constituição de 1891 amplia-se a competência do Estado, que, além da competência privativa para legislar sobre ensino superior na capital da República e para prover a instrução no Distrito Federal, passa a ter competência concorrente para criar instituições de ensino secundário e superior nos Estados, no entanto, mudanças na mentalidade do ensino não são percebidas, perpetuando o modelo jesuítico, livresco, enciclopédico, sem fins práticos, desvinculado das necessidades da realidade vivida pelo povo. O governo, em 1837, com o decreto de 2 de dezembro, funda o Colégio Pedro II, estabelecimento de ensino secundário que “foi a primeira tentativa do poder central de organizar o ensino secundário regular no país” (PILLETTI, 1995:46). Os estudos lá eram oferecidos de forma seriada, organizada. Àqueles que lá concluíam o estudo secundário era conferido o grau de bacharel em letras, o que lhes permitiria o acesso imediato ao curso superior sem a necessidade de fazer provas. Com a chegada da família Real ao Rio de Janeiro, a cidade tem sua vida cultural enriquecida com a instalação da Biblioteca Nacional e da Imprensa Régia, com a criação do Jardim Botânico e com a mudança de ambiente cultural e social proporcionada pela presença da Corte. Mudanças que foram lentamente estendidas a outros estados do país. No aspecto econômico, do período colonial à primeira República, a atividade predominante no Brasil é a agrícola, destacando-se o cultivo do café que foi bastante rentável até os anos de 1930. Desde o séc. XVIII, o café já apresentava intensa produção e era exportado no Rio de Janeiro. No período que antecede a proclamação da República (1880-1889), a produção de café já correspondia a 56,63% da produção mundial. A cafeicultura foi 21 responsável pelo aparecimento da aristocracia do segundo reinado. A aristocracia do café influenciou bastante a vida política brasileira, que ansiosa por poder político a fim de poder decidir sobre seus interesses, iam contra a política centralizadora do regime imperial. Até 1930 quase todos os presidentes eram ligados à cafeicultura, uma política que ficou conhecida como a política do “café-com-leite”, com apenas três presidentes eleitos cuja origem não era de São Paulo ou de Minas Gerais. Destarte a cafeicultura influenciou a vida política, econômica e social do país. Estradas de ferro foram construídas para o escoamento do café e, após a abolição, devido à falta de mão-de-obra, o país recebe grande número de imigrantes para trabalhar nas fazendas, configurando uma nova estrutura social, crescente nas primeiras décadas de República. Nasce a burguesia. No período traçado em nosso trabalho podemos assinalar dois fluxos de imigração: 1888 a 1897 e de 1906 a 1914. A abertura dos portos ao comércio internacional e a posterior autorização para a instalação de indústria não contribuiu para que nesse momento houvesse um desenvolvimento industrial, pois os baixos preços das mercadorias importadas e sua boa qualidade não estabeleciam condições favoráveis para a concorrência, pois, além desses fatores, não havia infraestrutura. A falta de transportes e comunicação entre as regiões do país, as poucas fontes de energia, indústria incipiente eram alguns dos problemas encontrados para o desenvolvimento econômico industrial. Em 1850, surgem as primeiras indústrias no Brasil, que produzem artigos para consumo interno. Em 1889, com seiscentos estabelecimentos comerciais, a economia começa a se diversificar. A produção de café que era de 4,5 milhões de sacas, em 1880, passa a 17 milhões, em 1919, e a 27 milhões, em1938, ano, no qual o valor da produção industrial preponderava sobre o da agrícola. E apesar de a produção industrial 22 sobressair, a produção de café contribuiu muito para esse crescimento, impulsionando a criação de estradas e portos. A indústria encontra espaço durante a Primeira Guerra Mundial, em que a produção de produtos anteriormente importados torna-se necessária, visto que a importação não é possível durante o conflito. Nesse momento livre da concorrência, a indústria apresenta grande avanço e, com o fim da guerra, a burguesia, fortalecida com o acúmulo de capital, começa a pleitear mais espaço no poder. No aspecto cultural, as mobilizações acontecem no sentido de opor-se à transplantação da cultura européia imposta no período colonial, surge o Modernismo, movimento que propõe romper com a tradição de influência estrangeira, implantando nas expressões culturais o cunho nacionalista. Em 1922, intelectuais de São Paulo e do Rio de Janeiro juntam-se para organizar um evento de divulgação e demonstração do que já se produzia no Brasil com originalidade e autenticidade brasileira no âmbito da cultura com obras de escultura, pintura, arquitetura, música e literatura, é a Semana de Arte Moderna. O advento do Modernismo Brasileiro é uma mostra da vontade de romper com o passado. Politicamente o Brasil passa por um momento de estabilização do regime republicano, tornando-se necessária a contratação de mão-de-obra estrangeira para suprir o trabalho escravo. Com a chegada dos imigrantes, novas culturas se entrelaçam à brasileira, outras línguas, outras raças, outras religiões e outros comportamentos vão fazer o governo brasileiro tomar determinadas precauções no sentido de preservar o patrimônio e a hegemonia nacionais: faz-se necessária a preservação da nossa nacionalidade e a Língua Portuguesa passa a ser vista como símbolo da unidade nacional (BASTOS, 2006:86). Recorrendo às obras de Barbadinho Neto, fruto de uma ampla pesquisa dedicada ao estudo da língua do modernismo, temos que as mudanças do uso da língua, encontradas nos textos de 22, eram também um modo de defesa de um patrimônio nacional e de repressão das influências estrangeiras, pois a língua aqui falada e escrita 23 não é a mesma dos portugueses, visto que, durante o período colonial, a língua portuguesa, em contato com as línguas indígenas e africanas, sofreu modificações, apresentando peculiaridades, que aqui destacamos, dada à pertinência ao nosso estudo, o uso da preposição em para a indicação de lugar. Dentre os brasileirismos, ou seja, o que o autor define como as contribuições que os escritores modernistas legaram para o estabelecimento da norma literária, está o emprego da preposição em se sobrepondo ao emprego de a, quando utilizada junto a verbos de movimento, embora se adstringindo a alguns desses verbos, uso consagrado no português contemporâneo. Outra valorização dos modernistas brasileiros é o emprego da preposição em para apontar a matéria de que algo é feito. Ex: A figura em madeira de S. Pedro. Diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos em que a segregação racial foi sedimentada por um sistema rígido, ratificado por lei, no Brasil, o longo período de escravidão propiciou a configuração de uma nação miscigenada. Era comum o abuso das mulheres negras por homens brancos, fator eminente no sistema colonial brasileiro. Além disso, o número de mulheres negras em proporção maior do que o de brancas resultou na ampla miscigenação, que teve o mulato como fruto dessa relação. A esse novo grupo social eram oferecidas as seguintes condições: ser mantido escravo, ser alforriado ou educado, o que variava conforme sua cor de pele mais clara e suas feições mais parecidas com as dos brancos. Nesse sentido, aos mulatos é dada a oportunidade de circular por “espaços sociais dos brancos”, pois, no Brasil, a distinção entre as raças é dada por uma linha divisória de comportamento, não há uma rígida separação de cor como nos Estados Unidos. Distinguem-se o comportamento da moralidade, dos brancos, e o comportamento da imoralidade, dos negros. Assim, 24 a fim de assegurar um lugar acima da linha de comportamento, um afrobrasileiro deve ter os mesmos interesses e afinidades culturais de um branco, tendo muito cuidado para portar-se como um branco, ao mesmo tempo que implicitamente pede desculpas por sua aparência “selvagem”. (BROOKSHAW, 1983:152) Em face de tal situação, no contexto literário poderá haver três atitudes à disposição do intelectual negro: ocultar sua identidade e orgulhar-se de sua aptidão para escrever, aptidão que impossibilitava a descoberta de sua origem; escrever como um nativo utilizando as formas dialetais herdadas, imprimindo humor e ternura; e protestar contra a opressão política e econômica de seu povo, utilizando a linguagem e a forma literária sancionadas pela tradição européia, conforme observado por Brookshaw em sua obra Raça e cor na literatura brasileira (BROOKSHAW, 1983: 152). Machado de Assis e Cruz e Sousa são representantes do primeiro grupo. Temos em suas obras, respectivamente, o distanciamento das origens e as referências à raça camufladas por símbolos. Machado de Assis, que era mulato, é defendido por alguns autores como Domício Proença Filho (2010), já que nunca se preocupara com questões raciais, talvez por ser casado com uma moça de família branca de ascendência portuguesa, como afirma Brookshaw (1983: 153). Os autores pretendiam transcender a linha do comportamento da moralidade, ocultando suas formas físicas por meio de sua competência intelectual, no entanto, para Cruz e Sousa, isso não era fato simples, já que estava mais próximo da extremidade negra em suas feições, sendo mais hostilizado. Mais adiante, com o processo crescente da industrialização, surge no Brasil um novo conceito de cultura no período republicano, o Brasil vive um período em que os produtos de cultura transformam-se em mercadorias, em que toda produção está 25 submetida às leis de mercado de trabalho. Aqueles que produzem cultura já não detêm como outrora os meios de produção em suas mãos. A cultura integra-se à sociedade como forma de ostentação da burguesia, como via de acesso social. Em decorrência do desenvolvimento comercial, o interesse pela instrução começa a se expandir quer, por exigência utilitária, quer como forma de distinção de classe. Tal como se dá o aprendizado de piano, que se torna típico da educação feminina de classe superior. É a pequena burguesia que tem acesso aos bens culturais, pois o desenvolvimento cultural encontra grande dificuldade de incorporar-se a outras classes sociais, as quais “a vida mantém distanciadas e indiferentes às suas manifestações” (SODRÉ, 1982:70) Ao mesmo tempo em que o desenvolvimento das relações capitalistas torna as criações artísticas em mercadorias, abre-se um novo mercado. Essas atividades, antes desvalorizadas, adquirem novo status social, faz com que as atividades que eram amadoras passem ao plano da profissionalização e adquiram consideração e apreço, aumentando consideravelmente seu público. Os julgamentos das criações não são mais restritos aos pares, há o público consumidor que faz o seu julgamento de valor. No período de desenvolvimento das relações capitalistas, houve interesse na aceleração da redução da alta taxa de analfabetismo com o propósito de qualificar intelectualmente a população para que pudessem suprir as demandas da nova sociedade na esfera profissional. Ao Estado cabia o ensino primário por exigência do mercado por pessoas para desenvolver trabalhos físicos, que apresentava maior demanda que as de trabalho intelectual. Dessa forma, era necessário o conhecimento mínimo: ler, escrever, contar. 26 Até 1930, funcionaram as faculdades isoladas que proviam a quantidade de profissionais liberais necessárias à sociedade da época. O acesso às universidades era privilégio de poucos. Os cursos de Direito “tornando-se, muitas vezes, passagem obrigatória para os filhos das classes abastadas, que buscavam um título para reafirmar sua posição social” (HOLANDA, 1982: 375), propiciavam a seus egressos os mais importantes postos na administração pública, prestígio político e social, o que explica a falta de interesse da classe dirigente do país por problemas econômicos, e o pouco espaço que foi dado às ciências exatas e à pesquisa científica, pois, nos cursos de Direito, a ênfase dos estudos era dada à retórica e à eloquência, situações em que o uso das palavras tem mais peso do que os fatos relatados, pois a cultura que tinha por finalidade não o saber, mas o diploma – que funcionava como título de enobrecimento – seria, consequentemente, “literária e abstrata”, transmitida “por métodos que se baseavam, não sobre a ação e o concreto, mas sobre a leitura, o comentário e a especulação”, destinando-se, assim, “a formar pregadores, letrados e eruditos que, com o título, aspiravam às profissões liberais e aos empregos públicos (SODRÉ 1982: 36). De posse dos títulos, os bacharéis tornavam-se intérpretes dos interesses da classe dominante. Estes cursos foram previstos como provedores do quadro de funcionários das assembléias, do governo das províncias do país, e ofereciam conhecimentos humanísticos e filosóficos, habilitando os bacharéis às letras, ao jornalismo, à política, ao magistério e às funções públicas. Padres e bacharéis constituíam os únicos elementos dotados de cultura no século XIX e nos primeiros decênios do século XX. Havia um atraso no domínio das ciências, o Brasil era somente objeto de pesquisa das expedições estrangeiras. As atividades científicas ficavam restritas ao esforço individual. 27 Inicia-se o desenvolvimento da pesquisa científica devido às necessidades surgidas pelo desenvolvimento da lavoura do café, impulsionando o estabelecimento de instituições como Instituto Biológico, Instituto Agronômico, Instituto Butantã, Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo. Por necessidades do desenvolvimento urbano, foram criados, no Rio de Janeiro, o Instituto Maguinhos, em Belém, o Instituto Goeldi, e na Bahia o Instituto Nina Rodrigues entre outras instituições para estabelecer medidas de saneamento e higiene. Na arte, vemos os esforços para o desenvolvimento da indústria cinematográfica, que começaram cedo e encontraram muitos obstáculos, por que apesar do grande número de atores, havia falta de capital e de trabalho de equipe. Até a primeira guerra somos consumidores de filmes europeus, após esse período nos tornamos os grandes importadores de filmes norte-americanos. A música popular brasileira tem seu avanço no final do século XIX com a marcha carnavalesca Ó abre alas de Chiquinha Gonzaga, em 1897. E como influenciadores de sua profusão a existência e o prestígio do carnaval, festa popular e urbana fundada na música e na dança, a urbanização que permite o aparecimento do teatro musicado, veiculando música popular, e as festas de salão, de residências, de clubes, os blocos, os ranchos, as escolas-de-samba e o coro da multidão, que se configuram como grandes divulgadores das novas composições. Esses veículos propiciam à música popular o caráter urbano. Triunfa a música popular brasileira quando a pequena burguesia a adota e aceita. Sua fase de qualidade é marcada por nomes como de Noel Rosa, Orestes Barbosa, que a imprimiam poesia, até que com o advento do disco perde qualidade e os artistas aristocratizam. 28 5 ORIGEM DAS PREPOSIÇÕES PORTUGUESAS Inicialmente as preposições começaram a ser empregadas no latim para subordinar o complemento ao verbo, posteriormente sendo mais usadas em decorrência da redução dos casos latinos, os quais não eram mais identificáveis pelas flexões; dessa forma, usa-se as preposições com o objetivo de dar clareza a alguns valores semânticos empregados no discurso. “Vieram-nos as preposições parte do idioma latino que conhecemos através da literatura, parte do românico; outras foram tiradas de advérbios portuguêses acrescentando-lhes a palavra de: depois de, diante de, em cima de, etc.” (SAID ALI, 1971: 203) No latim, as funções sintáticas eram marcadas pelas desinências casuais, porém, com as modificações fonéticas e morfológicas ocorridas na língua, elas se tornaram imprecisas, fazendo com que fosse necessário o uso de preposições para melhor expressão do que se estava dizendo. O falante necessitava de novos recursos para dar mais clareza às informações que ele queria exprimir, visto que, com tais modificações, ele encontrava dificuldades em expressar determinadas circunstâncias: origem, instrumento etc., as quais antes eram expressas pelas flexões casuais. Dessa forma, surgiu no latim vulgar um número maior de preposições, configurando-se como elemento necessário para estabelecer determinados conteúdos semânticos, que foram esvaziados dos casos. Assim o desenvolvimento do uso da preposição foi paralelo à redução da declinação. Esse desenvolvimento teve seu início em relações concretas (de lugar, de tempo, de instrumento, de causa, de origem etc.) e os casos que as 29 expressavam se enfraqueceram, chegando a desaparecer. (POGGIO, 2002: 93) 5.1 Fontes do latim clássico No latim clássico, o emprego das preposições ocorre em uso moderado; há um uso secundário das preposições. Dentre as preposições portuguesas, as que originalmente já funcionavam sintaticamente como preposições no latim, como nos assegura Cândido Jucá (1945: 251), são: a, ante, até, com, contra, de, dês, em, entre, para, per, por, pós, sem, sob, sobre e trás, as quais veremos abaixo em suas formas primitivas, classificadas por Said Ali (1971: 203) Said Ali distribui as preposições em dois grupos, em conformidade ao modo como elas foram aproveitadas na língua portuguesa, classificando-as da seguinte maneira: 1) Preposições que passaram para o português sem alterar sua forma: ante, contra, de, per. 2) Preposições que passaram para o português com suas formas modificadas: ad>a, post>pós; cum>com; inter>antre, entre; sine>sem; trans>trás; pro>por; secundum>segundo; in>em, em; sub>sob, so; super>sôbre; e tenus, que o autor não precisou sua origem, apresentando-nos duas possibilidades: ataa, até ,té > tenus e a de que tenus viria da partícula árabe hatta. Em adição às preposições acima destacadas, tínhamos no sistema português do período arcaico a preposição atá, de origem árabe e per que se modificava em par: pardês, pardelhas, assim afirmado por Coutinho. (1973: 269) 30 Adiante veremos no item 5.3 que outras preposições apareceram no português em decorrência do processo de gramaticalização, como por exemplo: durante, mediante, tirante, advindas do particípio presente. 5.2. Presença no latim vulgar (corrente) Latim vulgar, latim corrente ou familiar são denominações da modalidade falada não-culta da língua, à qual os romanos convencionaram chamar de sermo vulgaris, e da qual o português originou-se. Contido por muito tempo em suas expansões por influência da ação dos gramáticos e da literatura, o latim vulgar se expande livremente após a queda do Império Romano, momento em que ocorre o fechamento de escolas e o desaparecimento da aristocracia, espaços e pessoas que cultivavam as boas letras. No latim vulgar, tínhamos os casos nominativo, vocativo, dativo, ablativo, genitivo e o acusativo, que veremos a seguir, ficaram reduzidos a poucas formas. Encontramos em Coutinho (1973: 33) as mudanças ocorridas no latim vulgar que influenciaram o uso das preposições. São elas: 1) Redução das cinco declinações do latim clássico a três, proveniente da confusão da quinta com a primeira e da quarta com a segunda: *dia, ae (dies, ei), glacia, ae (glacies, ei); fructus, i (fructus, us). gemitus, i (gemitus, us); 2) Redução dos casos, tendo-se conformado, em todas, em tôdas as declinações, o vocativo com o nominativo; o genitivo, o dativo e o ablativo, já desnecessários pelo emprêgo mais freqüente das preposições, com o acusativo. Ex.: cum filios (cum filiis), ex litteras (ex litteris), Saturninus cum discentes (cum discentibus). A redução das declinações fez com que certos casos ficassem indistintos, nas palavras de Poggio (2002: 83), criaram-se “morfemas homófonos”, o que dificultou a clareza das informações. 31 No latim vulgar, como assinala Coutinho (1973: 268), as preposições apresentavam-se de duas formas: as compostas - combinação de duas ou mais preposições-, que eram frequentes, e as simples, constituídas por um só vocábulo. Já no português, teremos também um grande número de locuções prepositivas, que são combinações de substantivos ou advérbios + preposições e, apesar do grande número das preposições portuguesas, a maior parte, ter vindo do latim, o número de preposições no português é maior, porque palavras como adjetivos, particípios passados e particípios presentes passaram a ser empregadas como preposições. No português temos as seguintes preposições destacadas por Sousa da Silveira (1983: 135), em Lições do português, com suas respectivas origens etimológicas: a < ad. ante < ante. após < ad + post. até < ? Às vezes reduzidas a te. com < cum. contra < contra. de < de. dês < de + ex. desde < de + ex + de. em < in. entre < inter. Formas arcaicas: antre e ontre pera, arc. para < per + ad. 32 per < per. perante< per + ante por < per por < pro, convertido em * por, talvez por influência de per. sem < sine (i breve = e) sob, so arc. < sub (u breve = ô) sobre < super (u breve = ô) trás < trans. 5.3 Processos de gramaticalização Neste momento, observa-se-ão as preposições sob a perspectiva da gramática funcional, dos processos de gramaticalização pelos quais esses itens se modificaram, definidos aqui como mecanismos de extensão de sentidos utilizados na língua com o objetivo de conceituar circunstâncias, relações não passíveis de serem expressas pelos recursos até o momento existentes, dessa forma reformulando-os. Também explicaremos o uso de determinadas palavras que, no latim, pertenciam a outras categorias gramaticais e que, na língua portuguesa, apresentam-se na classe gramatical das preposições. Tal concepção de estudo da linguagem considera a interdependência entre langue e parole. Trata-se do estudo da língua sob a perspectiva do uso. (MOURA NEVES, 2001: 115) Para entendermos como se processam os mecanismos pelos quais algumas preposições foram gramaticalizadas, recorremos ao estudo que Poggio (2008) elaborou, com base na comparação entre os dois primeiros livros de Diálogos de São Gregório e a sua tradução mais antiga em português arcaico do século XIV, no qual a autora observa, 33 no percurso das preposições do latim ao português, as alterações gramaticais e semânticas que as preposições sofreram quando gramaticalizadas. Na versão latina dos Diálogos de São Gregório, Poggio notou que, do ponto de vista semântico, algumas preposições foram intensamente gramaticalizadas, ao passo que outras eram bastante transparentes. Dentre as intensamente gramaticalizadas, a autora destacou ad, in e de, que não possibilitavam uma clareza de sentido na análise, enquanto que ante, cum, contra excepto, inter, per, pro, secundum, sine, sub, super eram evidentes na expressão do sentido, por isso transparentes. Nos dados documentados no corpus analisado pela autora, ela verificou que há um entrecruzamento do sistema preposicional, em que várias preposições podem expressar a mesma relação, mesmo com cada uma dessas preposições possuindo um sentido fundamental e sendo distintas entre si, o que poderíamos dizer, foi ocasionado pelo apagamento semântico de algumas preposições como exposto acima, denunciando, dessa forma, que foram gramaticalizadas. Segundo os dados de Poggio (2008), as preposições foram gramaticalizadas, em sua maioria, na passagem do latim ao português, por extensão metafórica, e alguns casos por extensão metonímica, processo o qual as preposições expandem sua função básica de relacionar vocábulos para relacionar sentenças. Ao traçar a história das preposições, Poggio (2008) destacou as seguintes modificações, observadas na passagem do latim ao português: 1- Preposições cujas formas desapareceram e tiveram seus conceitos expressos por outras preposições ou locuções prepositivas: apud, propter, coram e usque 2- Preposições cujas formas desapareceram na passagem para o português, mas estão presentes na língua portuguesa na forma de prefixos e que têm hoje seus conceitos 34 expressos por outras preposições ou locuções prepositivas. São elas: a/ab, e/ex, extra, intra, juxta, e ultra, dentre as quais a/ab, e/ex e extra já eram usadas no latim clássico como prefixos. 3- Preposições cujas formas sofreram modificações na sua passagem para o português. 4- Preposições que foram originadas da junção de duas preposições. O processo de gramaticalização das preposições torna-se evidente diante da valoração dos sentidos efetivamente possíveis nos diversos contextos de uso, na medida em que esses diversos valores contribuem para a construção de um referente no discurso, assim também pelo seu caráter transpositor de atribuir função sintática ao termo a ela subsequente, ao estabelecer relações entre termos, sejam eles vocábulos ou orações. Visualizamos nessas preposições um processo de recategorização por inferências pragmáticas de sentido que se desenvolveram diacronicamente, ou seja, na evolução da língua (a diacronia). Notamos, então, que a gramaticalização é motivada pelo léxico, pela sintaxe e pela pragmática, produzindo novos sentidos, assim modificando seus referentes. Nas estruturas linguísticas, as preposições podem ser índices sintáticos de adjuntos adverbiais, adjuntos adnominais, complementos nominais, objetos indiretos e de objetos diretos preposicionados, assim, recategorizando sintaticamente os termos que a elas sucedem. Dessa forma, as preposições, em combinação com os verbos e nomes, complementam também os sentidos de seus antecedentes, tendo, nessa relação, elas mesmas seus sentidos originários estendidos, modificados, recategorizados. 35 Diante da perspectiva de língua como prática social, na gramática funcional a língua em uso tem seu “ponto de partida nos propósitos do falante, que constrói seus enunciados conferindo relevância aos argumentos segundo o que seja conveniente a esses propósitos” (MOURA NEVES, 2006: 80), nos quais a produção de sentidos está diretamente vinculada à intenção do falante ao se expressar, que serve de motivação para o processo de gramaticalização. Estudarmos as preposições sob a perspectiva da gramaticalização é situarmos esse estudo numa visão de língua contemporânea, no qual tanto os fatores intralinguísticos, quantos os extralinguísticos são relevantes para uma análise dos sentidos; é reconhecermos que tal teoria se sustenta no conceito de estudo pancrônico da língua, no qual verificamos as diversificações mórficas e semânticas da língua no devir do tempo. Nas preposições que surgem no português, o que se nota são palavras funcionais originadas de palavras de conteúdo lexical, o que se poderia considerar instâncias prototípicas da gramaticalização (MOURA NEVES, 2001: 120). Como exemplos, Moura Neves cita as preposições durante e mediante e as locuções prepositivas apesar de, a par de, a fim de, a despeito de. Neste momento, trataremos das preposições que foram originadas no português, dedicando atenção às oriundas do particípio presente latino. O particípio presente é uma forma híbrida, pois pertencia ao sistema verbal latino como forma verbo-nominal (OLIVEIRA, 2004: 59), e devido a essas suas características ora de nome, ora de verbo são formas propícias à gramaticalização. Sua forma híbrida favorece mudanças tais como sua recategorização em nomes (adjetivos e substantivos), e em preposição, e sua substituição pelo gerúndio. Dada essa variação, 36 Oliveira está de acordo com Cândido Jucá Filho quando este afirma que a classificação dos vocábulos deve se dar dentro do contexto, na oração, em que se pode avaliar as relações entre os vocábulos. No percurso do latim às línguas românicas, especialmente no português, Oliveira destacou os vários processos de recategorização pelo qual o particípio presente passou, e aqui destacaremos o que é de nosso interesse: a recategorização do particípio presente em preposição. Nessa transição, ocorre o processo de mudança, no qual o particípio presente se atualiza na língua portuguesa como preposição, seguindo o princípio da unidirecionalidade, em que um elemento de uma categoria maior modificase e passa a integrar uma categoria menor. Como exemplos de preposições advindas do particípio presente temos: durante, mediante, salvante, tirante. As preposições portuguesas que surgem dos particípios latinos são classificadas nas gramáticas tradicionais como preposições acidentais, o que significa dizer que foram originadas a partir de vocábulos de outras classes gramaticais. Em Oliveira (2004: 159), a preposição é descrita como “uma categoria prototípica, cuja propriedade cuida de organizar, no discurso, os elementos de conteúdo lexical, relacionando palavras, orações e partes do texto, marcando estratégias interativas, expressando noções como tempo, aspecto, modo, entre outras”. As preposições oriundas do particípio presente, ao sofrer gramaticalização, neutralizam o marcador morfológico –nte, que indicava o tempo verbal, e assumem características próprias de sua nova categoria, funcionando como elementos de relação, sem que o sufixo -nte tenha qualquer interferência sintática e semântica no texto. Neste caso, o que ocorre é o processo de perda da função e produtividade do morfema -nte. 37 Assim, temos que “durante, tirante, salvante, e exceto são formas nominais de verbos, imobilizadas entre as preposições e, como tais, são empregadas” (PEREIRA,1940: 367). A preposição tirado surge também de uma forma verbal latina, neste caso, do particípio passado. “Os particípios que deram origem a preposições figuravam, em português, em construções de oração reduzida e, em latim, em ablativo absoluto.” (POGGIO, 2002: 248) A preposição tirado integra o português pelo processo de recategorização sintática da forma verbal do particípio passado e compondo a língua para expressar a ideia da preposição excepto, que ao contrário de tirado, apesar de também ser gramaticalizado de particípio passado, já compunha o quadro das preposições no latim. Outras palavras que na língua portuguesa também funcionam como elementos relacionais são as chamadas locuções preposicionais, comumente definidas pelos autores como um grupo de palavras formado de uma ou mais preposições essenciais mais outra palavra de outra categoria. Há, também, a combinação de preposições essenciais, um processo comum da língua popular por necessidade de comunicação, que se reproduz nas línguas românicas. Poggio constatou em seu corpus que 62,5% dos casos das formas preposicionais são empregadas para denotar espaço, o que se permite dizer que o surgimento de preposições na língua primitivamente ocorre para expressão da ideia de espaço. No tocante às locuções preposicionais Poggio (2002) verifica que elas exprimem ideias mais abstratas. 38 6 PREPOSIÇÕES E A SINTAXE ANALÍTICA Segundo Faria (1944: 228) as preposições são antigos advérbios usados junto de alguns nomes, para tornarem mais precisas as relações indicadas pelos próprios casos, cujo uso não era obrigatório, utilizados para dar ênfases às relações já expressas pelos casos. Do enfraquecimento do valor significativo dos casos, devido a sua redução, o uso destes advérbios se torna mais frequente, o que determina a ampliação da classe gramatical das preposições. Diante dessa mudança o autor conclui que não eram as preposições que regiam os casos, mas eles que passavam a exigi-las pela necessidade de clareza da expressão. No latim, as partículas adverbiais, após se anteporem obrigatoriamente aos verbos como “preverbos”, aglutinaram-se aos verbos, ou associaram-se intimamente ao complemento cuja relação com o verbo era recorrente. E foi essa junção da partícula adverbial ao complemento que deu origem à categoria e ao mecanismo da preposição, estabelecendo um sistema de redundância em que as preposições e as desinências do caso acusativo ou ablativo eram empregadas para definir a relação estabelecida entre o complemento e o seu verbo. Essa estrutura pleonástica é típica do latim clássico, modificando-se no português e em outras línguas românicas, ao acabarem com essa duplicidade, eliminando a desinência de caso (CÂMARA JR., 1979: 116). E então, a partir do desaparecimento do sistema casual, as preposições passam a ter função obrigatória de estabelecer relações entre os nomes, e os verbos e os seus complementos, já que determinados conceitos só podiam ser expressos na língua com o uso da preposição. Nesse momento, surge na língua uma estrutura sintática de maior 39 rigidez, nas quais a posição dos termos relacionados passa a ser fixa, contrariamente ao que pré-existia no emprego dos casos latinos, principalmente no latim clássico, em que o emprego de um nome em determinado caso era o suficiente para definir o que se pretendia expressar em um enunciado, independentemente da ordem que ele aparecesse na frase. Passemos a um estudo mais detalhado do desaparecimento dos casos. 6.1 Desaparecimento dos casos Como já observado, o emprego das preposições se generaliza no latim em decorrência do processo de apagamento das marcas casuais de seu sistema. Segundo Mattoso Câmara Jr. (1979: 175), no latim os complementos verbais (nomes) vinham no caso acusativo ou ablativo, acompanhados pela partícula adverbial que lhes antepunha, indicando sua subordinação ao verbo. Dessa forma, as preposições já apareciam antepostas a esses nomes para melhor definir suas condições de dependência. Com esse uso mais frequente das preposições a fim de precisar o valor dos casos, as flexões casuais se tornam gradualmente desnecessárias. Dentre os fatores que contribuíram para o enfraquecimento do sistema flexional podemos destacar, desde o latim clássico, as mudanças fônicas: apócope do m, marca do acusativo singular; a identidade estabelecida entre -o e -u finais; a perda da distinção de quantidade, por exemplo, na primeira declinação: -a para o nominativo,-a para o ablativo e -a(m) para o acusativo etc, o que fez com que essas desinências se tornassem semelhantes e, consequentemente ambíguas (POGGIO, 2002:82), além dos já destacados em 5.2: redução das cinco declinações do latim clássico a três, proveniente da confusão da quinta com a primeira e da quarta com a segunda; e redução dos casos, tendo-se igualado, em todas as declinações, o vocativo com o nominativo; o genitivo, o 40 dativo e o ablativo, já desnecessários pelo uso mais frequente das preposições com o acusativo. Em decorrência, com a queda da flexão casual, no português, a marca da subordinação recai exclusivamente sobre as preposições. Um traço característico das línguas românicas é a utilização das preposições para relacionar nomes. 6.2 Papel sintático das preposições No português as preposições são as responsáveis pela subordinação dos termos na frase, estabelecendo tanto a regência nominal, relacionando um substantivo a outro, quanto a regência verbal, subordinando o complemento ao verbo. “Na regência verbal, as preposições essenciais – a, para, em, de, por, com – associam-se a determinados verbos para a eles subordinarem seus complementos básicos que necessariamente os acompanham” (CÂMARA JR., 1979:245). Ressalta-nos a atenção nos estudos de Mattoso Câmara o fato como descreve a relação de subordinação entre o verbo e seu complemento, que contrariamente ao que estamos acostumados a ouvir é que o verbo exige o uso de determinada preposição, em que o estudioso nos aponta que “o que há, na realidade, é o aparecimento sistemático de dado tipo de complemento com dado verbo, e, por sua vez, o tipo de complemento condiciona a escolha da preposição” (CÂMARA JR., 1979:245). No referente às preposições descendentes do particípio, sua função sintática, segundo Oliveira (2004:160), é de estabelecer relação semântico-adverbial, funcionando diferentemente das preposições essenciais fora do sistema de transitividade, o que significa dizer que não introduzem complemento, no entanto encabeçam as orações adverbiais. 41 7 AS PREPOSIÇÕES NAS GRAMÁTICAS BRASILEIRAS DO PERÍODO CIENTÍFICO Conforme já afirmamos anteriormente, na proposta de periodização dos estudos linguísticos no Brasil oferecida por Cavaliere (2002), o período científico inicia-se no ano de 1881, com o marco da publicação da obra Grammatica da Língua Portuguesa de Julio Ribeiro, e termina em 1941, quando começam a surgir novas perspectivas de estudo da língua. Tal período se subdivide em duas fases: a fundadora, que vai de 1881 a 1922, ano provável de publicação da Gramática Secundária de Said Ali, e a legatária, que se situa entre 1922 e 1941, ano em que vêm a lume os Princípios de lingüística geral, de Mattoso Câmara. Neste trabalho, restringimo-nos à fase fundadora. Foram escolhidas, para estudo, por serem mais expressivas e representativas do período em tela, as gramáticas de Julio Ribeiro (1881), Maximino Maciel (1914 [1894]), Manuel Pacheco da Silva Júnior & Boaventura Plácido Lameira de Andrade (1894), Alfredo Gomes (1920 [1887]), Eduardo Carlos Pereira (1940 [1907]), Manuel Said Ali (1964) e textos descritivos de Mário Barreto (1955), (1980a), (1980b), (1986[1927]) e Heráclito Graça (2005). As gramáticas estudadas, à exceção do texto de Julio Ribeiro, apresentam, em comum, o fato de terem sido produzidas a partir da reformulação do programa de ensino proposta por Fausto Barreto que, a convite do então Diretor-Geral do Colégio Pedro II, Emygdio Victorio, remodela os programas de ensino preparatório para o ingresso ao Curso Superior1 e implementa novas diretrizes ao ensino da língua vernácula. Vejamos a seguir as particularidades de cada trabalho: 1 No século XIX, o Curso Superior equivalia ao atual Ensino Médio. 42 7.1 A descrição de Julio Ribeiro Julio Ribeiro inaugura, com sua gramática, a fase histórico-comparativa dos estudos linguísticos no Brasil. A gramática de Julio Ribeiro está inserida “no contexto do século XIX, em que se buscavam as leis que regiam a evolução das línguas: saímos do estudo mentalista e ingressamos no estudo do evolucionismo na linguagem” (FÁVERO, 2004: 255), que se conceitua a língua como um organismo vivo, que nasce evolui e morre. Na segunda metade do século XIX, o objeto dos estudos gramaticais é a palavra, desta forma, ao analisarmos a Grammatica da Língua Portugueza de Julio Ribeiro, verificamos que o autor adota em sua obra a divisão sinóptica Lexiologia e Sintaxe e aplica o método histórico-comparativo no estudo anatômico da palavra. Julio Ribeiro descreve as preposições e trata do seu estudo na parte primeira de sua gramática, destinada à lexeologia, por ele definida como a parte da gramática que considera as palavras isoladas, em seus elementos materiais ou sons, e em seus elementos mórficos ou formas. O estudo das preposições começa, então, na seção primeira, Taxeonomia, e continua na seção terceira, Etimologia e, mais adiante, na parte segunda, Sintaxe, em que trata das preposições no capítulo VII do livro terceiro, intitulado “regras de sintaxe.” Nesta parte primeira, Julio Ribeiro (1881: 68) define preposição: “preposição é uma palavra que marca natureza de uma relação entre duas idéias.” e observa que, além de indicar a relação entre dois termos, função bastante reiterada pela pluralidade de gramáticos, essa palavra exprime também a natureza dessa relação, que para atestar apresenta-nos os seguintes exemplos: dono de escravos e pão com manteiga, em que de 43 expressa uma relação de senhorio de possessão e com, uma relação de união, concomitância. Na seção dedicada à etimologia, Ribeiro tem a preocupação de apresentar as preposições portuguesas ao lado de suas formas primitivas, as preposições latinas, e o faz mostrando que, embora as preposições tenham a mesma origem, elas provêm de construções distintas de preposições latinas, assim pelo autor dispostas2: a) Preposições portuguesas originadas de preposições latinas simples; b) Preposições originadas de duas preposições reunidas; c) Preposições que se originaram de palavras ou grupos de palavras já do cabedal da língua portuguesa. As originárias de preposições latinas simples são: A < ad Ante < ante Após (pos) < post Atrás (trás) < trans Até (té) < hactenus Com < cum Contra < contra De < de Em < in Entre < inter Para < per ad [baixo latim] Per < per Por < per Por (em favor de) < pro Sem < sine Sob < sub 2 Optamos por uma adaptação do texto original de Julio Ribeiro. 44 Sobre < super Percebemos na gramática de Julio Ribeiro seu compromisso com o modelo histórico-comparativo, por ele optar em inserir em sua descrição preposições que não mais são vistas como preposições no português contemporâneo, e que hoje estão presentes na língua apenas como prefixos; e as que não são mais percebidas como combinação de duas preposições. Assim cita: extra, infra, pós(t), pro, supra, trans, ultra, que são usadas em composições de palavras (transatlântico), e deante e perante, estas últimas exemplificando a junção de duas preposições: de + ante e per + ante. Excepto, salvo, defronte e enfrente são exemplos de preposições derivadas de palavras ou grupo de palavras da própria língua portuguesa, que Ribeiro destaca. Ao comentar sobre as locuções prepositivas, o autor afirma que quase todas provêm de grupos de palavras do próprio português. Na parte destinada ao estudo da sintaxe, Ribeiro apresenta os diferentes valores que cada preposição pode expressar. Para cada preposição comentada, o autor destaca sua correspondente em latim e para aquelas que não há uma correspondente imediata, Ribeiro delineia de forma sucinta o seu percurso etimológico de forma a justificar a presença no português de alguma preposição que não existia no Latim, e assim também justificar o quase total desaparecimento de outras, como é o caso de per, que perdeu espaço para a preposição por3. Na gramática de Julio Ribeiro é evidente a preocupação de resgatar a origem da língua, característica esta que define o período científico e que tem como fonte as línguas clássicas, como o Latim. Seu compromisso com o método histórico- comparativo torna-se mais evidente quando o autor ilustra a preposição atual por, que 3 Em Ribeiro, para efeito de descrição, per e por são tomadas como preposições distintas. 45 tem hoje diversas acepções em virtude de ter se originado de duas preposições latinas: pro e per: Por , com effeito, vem de per e vem de pro. Até o século XVI a fórma inalterada per era a representante em Portuguez da preposição latina per, como por o era de pro: dizia-se “Per montes e valles” e” Pola ley e pola ney”. Mais tarde, confundidas as significações, per e por tornaram-se indistinctas, e uma dellas teve de desapparecer: foi per. Por suplantou-a, e é hoje a unica. “Todavia per teve tambem as suas victorias: as fórmas compostas pelo, pela, etc. venceram e elliminaram as fórmas rivaes pólo, póla, etc.. Per vive ainda em muitas palavras compostas, e na locução “de per si” conserva-se em toda a pureza primitiva. (RIBEIRO, 1881: 269). Ao apresentar a preposição a, Ribeiro destaca o traço conservador do português contemporâneo, em falares sociais específicos, presente naquela época, o que ele chamou de romanicismo extreme, presente também em outras línguas latinas: “A preposição a liga-se por vezes ao nome que rege de modo que fórma com elle um todo susceptível de ser regido por outra preposição, ex: “Vou de a pé.- Andamos de a cavalo” (RIBEIRO, 1881: 263). Entendemos que Ribeiro estabelece como classificações a menção que faz às diferenças na origem das preposições – originadas de preposições latinas simples, originadas de duas preposições reunidas e originadas de grupos de palavras -, assim como quando ele conceitua as preposições concorrentes: “Preposições concurrentes muitas vezes, para exprimir a natureza complexa de duas relações que dão-se conjunctamente, unem-se duas preposições, ex.: ‘de sob--de sobre--por entre--por sobre,etc’ (Ribeiro, 1881: 271). Ribeiro trata da sintaxe quando se refere ao uso de determinadas preposições com o objetivo de evitar ambiguidade, ou seja, marcando o complemento do verbo, definindo sua função sintática: “A preposição a serve (vide 463) para pôr em relação 46 adverbial o objeto de um verbo a fim de evitar ambiguidade, ex “Milão matou a Clodio” (RIBEIRO, 1881: 263). O autor apresenta os diferentes valores do uso das preposições de/cum e a/para em contextos linguísticos, nos quais há a possibilidade de uso das duas formas, que ao escolher, o falante opta pela que melhor expressará sua intenção de sentido: De encontra-se aqui com a instrumental cum, si bem que a primeira partícula propriamente só accrescente um complemento a certas idéias verbaes, ao passo que a segunda accrescenta uma circunstancia especial ás idéias mais diversas, porquanto a concepção não é a mesma quando se diz, por exemplo, “Sustentar-se de peixe” e “Sustentar alguem com dous peixes”. O emprego da preposição para, quando se quer exprimir logar para onde, indica a intenção de demorar no logar; quando se pretende passar pouco tempo no logar usa-se de a, ex.: ”Vou hoje a Londres onde tenho negócios, e depois de amanhã partirei para Calcutá onde resido” (RIBEIRO, 1881: 266). E elenca também diversas acepções de todas as preposições portuguesas apresentadas: a, ante, após, até, e, com, contra, desde, de, em, entre, para, por, sem, sob, sobre, trás. 7.1.1 A preposição a A preposição a, do latim ad que indicava movimento para um ponto determinado, indica: a) a direção: Estar a oeste; Vir a Madri. b) a contiguidade: Estar á janella; Estar á beira do rio. c) a exposição: Viver ao sol; Estar á chuva. d) o tempo em que: A 4 de janeiro; A oito dias precisos. e) a tendência: Incitar á ira; Guiar á loucura f) a hora: Á três horas; A uma hora e cinco minutos. g) o modo: Vender a retalhos; Comprar a pedaços. h) a distância: A dezoito kilometros; A doze milhas. 47 i) instrumento: Matar a pistola; Passaro morto a chumbo. j) matéria: Bordar a ouro; Pintar a oleo. k) o fim: Antonio vai a capitão, e Pedro a bispo. l) a realização em futuro muito próximo: Antonio está a chegar; A vaca está a parir. m) o preço distributivo: Vendo carneiros a dez mil réis; Compro vaccas a quinze moedas. n) a taxa de juros: Dinheiro a dez por cento; Tomei um conto de réis a cinco por cento. 7.1.2 A preposição ante Do latim ante, da mesma forma que sua composta perante, indica confronto, comparecimento: Ante mim estás tu. Perante o príncipe 7.1.3 A preposição após, pós Do latim post, indicam posposição, seguimento: Após o exército; Pós eles. Ribeiro destaca que pós era na época uma forma pouco usada. 7.1.4 A preposição até, té Do latim hactenus indicam o termo local ou temporal preciso, exacto: Até Paris; Até aqui; Até hoje; Até hontem á noute. A forma té é pouco usada em prosa. 7.1.5 A preposição com Do latim cum indica: a) a companhia: Estou com Pedro; Antonio está com o rei. b) a permanência sob o domínio ou em poder de alguém: Meu dinheiro está com João. c) a adjunção, a mistura: Topar com alguém; Cal com areia. d) o termo de ação: Usa caridade com os inimigos; Sê brando comigo. e) a comparação: Antonio parece com Pedro. f) o modo: Andar com pressa; Responder com altivez. 48 g) o meio: Ele ganha dinheiro com seus romances h) o motivo: Gritar com dores. i) o instrumento: Matar com faca; Ferir com espada. j) o preço: Comprar com vinte mil réis. k) a oposição: Arcar com os males; Atrever-se com os elementos. 7.1.6 A preposição contra Do latim contra indica: a) oposição: Pelejar contra os Mouros. b) posição fronteira: Dista cinco léguas de Diu contra a ilha de Bet. 7.1.7 A preposição de Do latim de, que primitivamente expressava a ideia de descida e depois o afastamento em geral, indica: a) o lugar donde: Venho de Roma; Parto de Stockolmo. b) a extração, a origem: Sou de Ravenna; Somos de Obidos. c) a possessão: Casa de Pedro; Servo de Paulo. d) a limitação, a restrição: O reino Nápoles. A cidade de Coimbra. f) a posição: Estou de frente; Estou de costas. g) o estado: Antonio está de sitio; Francisca está de parto. h) a separação: Limpar o trigo do joio; Apartar cabras de ovelhas. i) o ponto de partida em relação a lugar e a tempo: De Vianna para cá; De hoje em diante. j) o tempo em que, relativo aos fenômenos astronômicos: De madrugada; De dia; De moute; De verão; De inverno. k) a participação: Comer deste pão; Beber deste vinho; Ser dos nossos. 49 l) a matéria, ou constituinte, ou componente, ou conteúdo: Livro de ouro Bolo de milho; cacho de uvas Feixa de canas Calix de Liquor; Copo de vinho. m) o assunto: Fallar de guerras; Murmurar do rei. n) a mudança de estado: De leão está feito ovelha; Liberto de servo que era. o) o agente do verbo passivo: Lavores gastos do tempo Bendito de Deus; p) o motivo: Morrer de medo; chorar de alegria; Escumar de bravo. q) o meio: Cercar de muros; Nutri-se de frutas. r) a determinação: Estar bem de saúde; Formoso de rosto; Ruivo de cabelos. s) o modo: Estar de lucto; Pôr-se de joelhos; Vir de carro. t) a intermediação entre o verbo e o adjetivo que representa a natureza ou a propriedade física ou moral de uma pessoa: Acoimar de feio; Chamar de coxo; Fazer de ignorante. u) a medida: Fosso de cinco palmos; Fita de trinta pés. v) a quantidade: Corpo de vinte soldados; esquadra de trinta vasos. 7.1.8 A preposição desde, des Para desde e des, Ribeiro declara não existir uma preposição correspondente imediata latina da qual elas teriam sido originadas. Indicam precisamente ponto de partida, quer local, quer temporal: Desde Sevilha; Desde hontem á noute até hoje pelas cinco horas. 7.1.9 A preposição em Do latim in, indica: a) o lugar onde: Estou em Roma; Moro em Milão. b) o tempo em que: Em 1814; No terceiro dia. Frequentemente ocultada quando expressar tempo: Vim Domingo; Dou um baile esta semana. c) o modo: Braços em cruz; Viver em paz; Andar em guerra. 50 d) o assunto: Pensar em amores; Falar em combates; Crer em Deus. f) o fim: Declaro-o em abandono da verdade; Digo-o em honra da pátria. g) a avaliação, a estimativa: Tenho-o em grande conta; Avalio-o em cinco contos de réis. h) a transição de estado para outro: Traduzir em Francez; fazer em pedaços. 7.1.10 A preposição entre Do latim inter, indica: a) a posição intermediária: Entre Pedro e Paulo; Entre triste e alegre; Entre vermelho e azul. b) a reciprocidade: Artes e sciencias têm muita conexão entre si. 7.1.11 A preposição para Do latim per ad, indica: a) direção: Virado para o nascente; Voltados para esquerda. b) o lugar para onde: Vou para Milão; Irei para Macau. O emprego da preposição para quando usada para exprimir lugar para onde, indica a intenção de demorar no lugar, quando se pretende passar pouco tempo no lugar usa-se a: Vou hoje a Londres, onde tenho negocios, e depois de amanhã partirei para Calcutta onde resido. c) o fim: Livros para estudo; Ferros para trabalho. d) a futuridade: Para o anno; Para o mez que vem. f) a realização em futuro próximo: Pedro está para chegar.Antonio está para fechar o negocio. g) a proporção: 3 está para 6, assim com 7 está para 14. h) atribuição: Zelo para as cousas da religião. 51 i) a aproximação de quantidades: De duas pra tres leguas. 7.1.12 A preposição por Possui duas séries de acepções diversas por sua dupla origem etimológica. Por vem de per e de pro. Confundidas as significações, tornaram-se indistintas, o que ocasionou o desaparecimento de per. 7.1.13 A preposição por derivada de per a) lugar por onde: Por mar e por terra; Ele anda por lá. b) a parte por onde se pega habitual ou acidentalmente qualquer objeto: Pegar pelo cabelo; Segurar pela perna. c) individuação e a distribuição: Um por um; Grão por grão; Milhares por dia; Seis contos de réis por anno. d) a duração: Por duas hora; por tres annos. f) o meio: Eleva-se pela intriga; Vencer por armas. g) o motivo: Faltar por enfermo; Occultar-se por vergonha. h) o agente do verbo passivo: Assassinado por Indios; Cultivados por nós. i) o juramento, a atestação: Juro por Deus; Affirmo por minha honra. 7.1.14 A preposição por derivada de pro a) a substituição: Pedro compareceu por Paulo. b) o preço: Vendi o livro por cinco mil réis; Comprei a casa por seis contos de réis. c) a opinião, a qualidade em que se tem, em que se recebe pessoa ou coisa: Tenho-o por sabio; Adoptei-o por filho. d) a parcialidade, o favor: Estou pelo rei; Somos pela republica. e) o não acabamento: A casa está por concluir; O muro está por emboçar. 7.1.15 A preposição sem 52 Do latim sine, indica privação, falta: Estou sem dinheiro; Pedro está sem mulher. 7.1.16 A preposição sob Do latim sub, indica a situação inferior: Sob a cama sob os olhos. 7.1.17 A preposição sobre Do latim super, indica: a) a situação superior: Está sobre a montanha;Paira a nuvem sobre nós. b) a aproximação: Sobre a manha; a noite; sobre o branco. c) excesso: Sobre cem mortos duzentos feridos. d) o assunto: Fallar sobre physica; Escrever sobre biologia. 7.1.18 A preposição trás Do latim trás, indica posposição: Trás - os - montes; Trás mim. É uma preposição pouco usada e substitui a locução atrás de. 7.2 A descrição de Eduardo Carlos Pereira Eduardo Carlos Pereira, em sua Gramática expositiva (PEREIRA, 1940: 19) define gramática como a sistematização dos fatos da linguagem. Divide a gramática em lexeologia e sintaxe. Na primeira parte, estudam-se as palavras isoladamente e, na segunda, estudam-se as palavras combinadas para a expressão do pensamento. (grifo nosso). Essa definição de sintaxe nos chama atenção por sinalizar no período científico a uma influência do racionalismo que estuda a língua sob a perspectiva da razão, como entidade autônoma. Pereira define que “preposição é uma palavra conectiva, que relaciona sempre na frase dois têrmos, um antecedente, que é o seu têrmo regente, e outro consequente, que é o seu termo regido ou complemento” (PEREIRA, 1940: 363), utilizada na frase para 53 relacionar dois termos e que pode também encabeçar circunstâncias adverbiais, diferenciando-se dos advérbios por seu caráter conectivo. Segundo o autor, “as preposições ligam sempre complementos a seus antecedentes, devendo, na ordem direta ou analítica, colocar-se entre dois têrmos:” (PEREIRA, 1940: 363). Raramente o consequente ou complemento deixa de vir logo após a preposição, já o antecedente por vezes pode deixar de preceder a preposição. Pereira afirma listar apenas dezesseis preposições portuguesas seguindo a lista proposta por Soares Barbosa, no entanto, encontramos um pouco mais em suas explicações. São elas: a, para, em, por, per, até, segundo, conforme, consoante, durante, tirante, salvante, exceto, com, sem, sob, sobre, ante e trás. De acordo com as relações estabelecidas no emprego das preposições, estas podem ser dividas em duas classes: preposições de estado ou existência e preposições de ação ou movimento. Essas relações são variáveis conforme o verbo o qual elas acompanham, podendo uma mesma preposição indicar estado ou movimento. Da mesma forma teremos também preposições diferentes para expressar uma mesma ou semelhante relação. Assim como temos a e para para exprimir a relação de movimento para alguma parte, também podemos ter cercado de soldados ou por soldados. Por outro lado, Pereira assevera que as preposições per e por tiveram usos diversos na língua portuguesa da mesma maneira que suas formas primitivas latinas, todavia, há um momento em que não ocorre mais essa distinção e há uma invasão de sentidos de uma na outra, fato que contribuiu para que, no uso atual da língua, per apareça apenas quando se faz necessário o uso do artigo, em que sua forma contrai-se com ele em pelo, pela, pelos e pelas e nas expressões de per si, per si e de per meio. 54 Sobre a partícula até, Pereira adverte que ela pode ser advérbio quando usado no sentido de ainda e mesmo, e preposição, quando vier seguida pela preposição a. O autor julga o uso da preposição em para exprimir valor de movimento como incorreto, pois para ele tal preposição deve ser empregada para expressar estado, ou seja, indicar lugar onde. Ex: Moro na cidade. Segundo, conforme, consoante são classificadas como preposições derivadas impropriamente de adjetivos toda vez que ligam palavras, no entanto, quando tais palavras forem sucedidas por uma proposição eles passam a categoria das conjunções (PEREIRA, 1940:367). Durante, tirante, salvante e exceto são definidas como formas nominais de verbos, que imobilizaram-se entre as preposições, e como tais passam a serem empregadas. A respeito das formas flexionadas excetos e excetas, Pereira comenta que essas já eram usadas no português arcaico por Pe. Antônio Vieira. Expressam relações opostas, as preposições com e sem, sob e sobre, ante e trás. Ao comparar as relações sintáticas no latim e no português, Pereira comenta: O latim indica a função lógica da palavra ou a sua relação por meio de desinências especiais chamadas casos, ao passo que o português, não possuindo êsses processos, lança mão ora da posição ora da preposição, e, às vezes, do sentido óbvio, para indicar as relações sintáticas dos têrmos na frase vernácula (PEREIRA, 1954: 229). Segundo a descrição de Pereira, o latim possuía seis casos, que indicavam todas as relações sintáticas dos termos na frase, exceto o verbo. Na língua portuguesa, um dos recursos para indicar a regência é a preposição que, em regra, rege um substantivo, pronome, ou uma palavra substantivada, ligando-os a um termo regente, que é o antecedente, podendo também reger um adjetivo no caso das frases adverbiais. Ex.: Ela sofreu de ATREVIDA. 55 7.3 A descrição de Maximino Maciel Na obra Grammatica descriptiva, de Maximino Maciel, o autor apresenta a seguinte definição de gramática: “Grammatica é a systematização lógica dos factos e normas de uma língua qualquer” (MACIEL, 1914: 1). Nesta definição, percebe-se que a concepção de gramática empregada é a de ser construída a partir da observação dos fatos da língua a fim de se chegar às regras capazes de explicar todos os fatos de uma determinada língua, seja ela qual for. A gramática de Maciel tem o seguinte quadro sinóptico: Fonologia, Lexiologia, Sintaxiologia e Semiologia, em que a Semiologia, “tratado da significação das palavras em todas as suas manifestações”, em nota de rodapé, ele ressalta ser uma inovação de sua gramática: “a systematização da semiologia é toda nossa, pois ninguem mais do que nós, lhe deu maior desenvolvimento, tornando-a um corpo de doutrina” (MACIEL, 1914: 411). Maciel define e classifica as preposições na parte de sua gramática, destinada à Lexeologia; na Sintaxologia trata das relações sintáticas expressas pelas preposições e seus valores, pois, para Maximino Maciel a “syntaxologia é o tratado das palavras, consideradas collectivamente, isto é, nas suas diversas funcções ou relações lógicas.” (MACIEL, 1914: 254). Percebe-se, nessa definição de Sintaxologia, que Maciel trabalha com uma perspectiva sintático-semântica do estudo dos fatos gramaticais. Para Maciel preposição é uma palavra de relação e assim a define: “Preposição é uma palavra intervocabular que indica a relação sintática entre dous termos. Estes termos são o antecedente e o consequente” (1914: 141), ou seja, Maciel aborda as preposições sob uma perspectiva sintático-semântica do estudo dos fatos gramaticais, 56 quando ele as assinala como índice de uma relação sintática entre dois termos (antecedente/consequente) e as situa no âmbito da Sintaxologia, que tem seu olhar centrado nas relações lógicas e semânticas. O autor classifica as preposições em próprias ou essenciais, palavras preposicionais e expressões preposicionais. Tal classificação é apresentada conforme os seguintes critérios: as chamadas próprias ou essenciais são as que se originam de outras preposições; as palavras preposicionais são as palavras que são usadas invariavelmente como preposições e as expressões preposicionais são grupos de palavras terminados por preposição própria que equivalem a uma preposição. Entende-se atualmente “expressão” por “locução”, pois o autor prefere aquele a este, por locução na época referir-se a um processo de formação de palavras. Exemplos do autor: Preposições essenciais: a, ante, até, após, com, contra, de, desde, em, entre, para, per, por, sem, sobre, sob e trás. Palavras preposicionais: excepto, salvo, visto, tocante, segundo, durante, mediante, conforme, feito, tirante. Expressões preposicionais: à roda de, acerca de, defronte de, perto de, junto a, relativamente a, em attenção a, de concerto com, de accordo com etc. Para Maciel as preposições geralmente exprimem duas relações: o estado ou repouso e o movimento com as seguintes modalidades: o ponto de partida, trajeto e direção. São classificadas como preposições de estado: ante, após, com, contra, em, entre, sem, sob, sobre e trás; de partida: de, desde; de trajeto: per, perante, por e as de direção: a e para. Na abordagem sintática, para Maciel as preposições e as expressões preposicionais são utilizadas para expressarem as diversas relações sintáticas que ele 57 chamou de adjuntos adverbiais. E por serem tais relações muitas e tão diversas, ele considera impossível sistematizá-las em um compêndio elementar – a gramática –, então define e assinala as relações que ele elege como principais, para nos dar como exemplos. Temos aqui os valores semânticos das preposições proveniente destas relações: Assunto: discutir sobre moral. Causa: morrer de sede. Companhia: morar com outrem. Conformidade: proceder segundo a lei. Distância: desde a cidade até o campo. Exclusão: excepto tu, todos foram. Fim: estudar para saber. Favor: morrer pela pátria. Instrumento: matar com uma pedra. Lugar onde: viver na cidade e perto do mar. Lugar d’onde: partir do porto. Lugar por onde: andar por montes. Lugar para onde: partir para a Europa. Matéria: bordar a ouro. Medida: vender aos metros. Meio: conseguir com empenho. Modo: passar de manso. Oposição: bater contra o rochedo. Origem: nascer de paes pobres. 58 Preço: vender pelo custo. Quantidade: comer com abundancia. Tempo: era sobre a tarde, por volta das quatro horas. Substituição: estar em logar de outrem. Relatividade: conduzir-se bem para com outrem. Destaca o autor, também, a possibilidade de duas preposições próprias ou essenciais regerem o mesmo consequente, exemplo: para com, perante, de sobre, por entre, etc. Seus exemplos são fornecidos por estruturas descontextualizadas, ele não utiliza enunciados, o que se percebe aqui como uma incoerência em sua exposição, já que a Syntaxologia trata das palavras coletivamente, nas suas diversas funções ou relações lógicas, sendo estas evidenciadas no texto. Talvez tenha feito tal escolha, pelo que já foi dito acima, pela impossibilidade de uma sistematização devido à gama de relações e sentidos possíveis no uso das preposições, o que nos aponta o descompromisso de Maciel com a didática e por acreditar que “a pratica nol-as irá ensinando” (MACIEL, 1914: 319). Finalizando, Maciel faz a seguinte observação: em toda relação em que a preposição for igual ao prefixo do verbo, deve-se considerá-la, sempre que possível, mais uma relação de objeto indireto do que de adjunto adverbial. Exemplos: apresentarse a ..., deduzir-se de..., conformar com... etc. 59 7.4 A descrição de Alfredo Gomes Na Grammatica portugueza de Alfredo Gomes (1920) encontra-se o estudo da preposição no capítulo VII, dedicado ao estudo de advérbio, preposição, conjunção e interjeição, no capítulo XXXIII, dedicado ao estudo da etimologia das palavras invariáveis e no capítulo XLVII, que trata da sintaxe das palavras invariáveis. No primeiro capítulo, em que trata das preposições, Gomes somente as define e classifica. Assim, temos que, para o autor, “preposição é a palavra que estabelece uma relação qualquer entre dous termos, dos quaes o primeiro se chama antecedente e segundo subsequente” (GOMES, 1920: 65), nas quais elas podem exprimir com seu subseqüente circunstâncias de posse, causa, modo, instrumento, tempo, etc. Quanto à classificação o autor assim estabelece: Preposições propriamente ditas ou essenciais são as que figuram sempre como preposições; para o autor são dezoito: a, ante, após, até, com, contra, de, desde, em, entre, para, per, perante, por, sem, sob, sobre e trás. Das dezoito, Gomes ressalva que a preposição per já envelheceu e só aparece no português como prefixo e, que trás tem uso limitado na expressão: Trás mim virá quem bom me fará. As palavras prepositivas são definidas como quaisquer palavras empregadas acidentalmente como preposição. Exemplos: durante, visto, excepto, fora etc. Denominou, ainda, de locução prepositiva a combinação de duas ou mais palavras que funcionam como preposição; combinação, na qual a última palavra é sempre uma preposição: em redor de, junto a, para com, por entre, fora de, dentro de, atrás de, em frente a, defronte de, através de, a fim de, etc. No estudo da etimologia, Gomes apresenta as preposições com suas respectivas formas primitivas latinas e lista: a = ad; ante = ante; após = ad + post; até = hac + 60 tenus; com = cum; contra = contra; de = de; desde = de+ex+de; em = in; entre = inter; para = pera (arch) = per+ad; per = per; por = pro; sem = sine; sobre = super; sob = sub e trás = trans, das quais até necessita do seguinte esclarecimento: existem duas prováveis origens da preposição até, a de que a preposição veio da combinação ad + tenus ou de attá do árabe. Na primeira hipótese, comprovaríamos a existência da forma arcaica atém, porém hactenus já existia no latim. Como o uso da preposição até era pouco frequente nas primeiras épocas da língua portuguesa, e sendo a preposição a utilizada em sua substituição, pode-se dizer que houve influência das duas línguas, pois para supor a desviação irregular do acento latino háctenus seria pouco verossímil tal explicação, e sem razão plausível segundo Pereira, pois segundo Pacheco da Silva Jr., também autor do período científico, em sua gramática histórica, das três leis que dominaram o processo da formação da língua portuguesa, a primeira a ser listada é a persistência do acento latino, que “conserva-se sempre nas palavras do popular na mesma syllaba que em latim (SILVA JR., 1878: 73). Quanto ao uso da preposição a após até, como preposição reforçadora, Gomes assinala como desnecessário, já que não há nada que o justifique, pois apesar de encontrarmos essa junção em textos dos melhores escritores, em expressões como até ao fim, até ao jardim, não dizemos ou escrevemos até a ver, até a logo. Dessa forma “é mister voltar á boa e antiga maneira de usar essa preposição” (GOMES, 1920: 416). Até possui nove variantes: até, atem, atens, attá, attás, tá, té, tê, tem. Desde é atualmente uma preposição pleonástica visto que antigamente o que existia era a forma dês: “Dês que homem nasce até que morre...” Ao comentar os casos de contração da preposição per, em que a forma per é equivalente a por, o autor observa que na língua portuguesa esta forma só se contrai 61 com os artigos o, a, os, as, dando origem às formas pelo, pela, pelos, pelas, e que não ocorre a contração com os pronomes como já acontecera outrora. As formas pollo, polla, pollos, pollas, resultado da contração da preposição por com os artigos o, a, os, as são encontradas apenas nos textos arcaicos. No capítulo destinado à sintaxe das palavras invariáveis, o autor cita as preposições a, com, de, em, para e por, como as mais importantes a serem estudadas e apresenta seus valores semânticos correspondentes. Gomes afirma que embora a sintaxe da preposição não ofereça em si curiosidade verdadeiramente notável, ela merece destaque visto que tem grande importância no emprego dos complementos ou adjuntos das palavras. Preposições em Alfredo Gomes: 7.4.1 A preposição a A preposição a é empregada para indicar: a) Lugar para onde: vou á casa. b) Fim de uma ação ou fato: sahi a passeio. c) Tempo: o facto deu-se a 2 do mez passado. d) Modo: ás pressas, á vontade. e) Meio ou causa: morreu á fome, ferido a bala. f) repetição do ato: pouco a pouco. g) termo de uma ação indireta: attribuir um facto a outrem. A preposição a pode, por vezes, substituir de: A este homem lhe vi o rosto, machina a vapor, e seu uso às vezes também ocorre para marcar o objeto direto: este menino ama a seu pai. 62 A preposição a contrai-se com o artigo feminino resultando as formas à, às e com os pronomes demonstrativos aquele(s), aquela(s), originando as formas àquele(s), àquela(s). E quando antecede palavras masculinas justapõe-se ao artigo masculino o dando as formas ao, aos. 7.4.2 A preposição com A preposição com pode exprimir: a) Companhia: jantei com um amigo. b) Modo: vejo-o com prazer c) Causa: tudo morre com o inverno. d) Instrumento: quem com ferro fere...; e) Tempo: e com isto sahiu. f) O termo de uma ação indireta: dou-me com elle; ou direta: cumpro sempre com o dever. O autor observa que a preposição com exige as formas pronominais migo, tigo, sigo, nosco, vosco, ao contrário do uso que faz o “vulgo ignorante” (palavras dos autores), que diz com nós, com mim, etc. 7.4.3 A preposição de A preposição de pode indicar: a) Lugar de onde: cheguei de Paris, vinho do Porto. b) Posse ou qualidade: livro do menino c) Modo: vá de vagar. d) Simples causa: Faleceu de febre amarela. e) Instrumento: deu-lhe de pão f) Causa eficiente: querido do povo. 63 g) Matéria ou conteúdo: copo de vidro, garrafa de licor. h) tempo: trabalho de dia e de noite. i) O termo de uma ação indireta: Lembrai-vos da morte. Às vezes, o uso da preposição de ocorre como simples expletivo, mero termo de realce: a cidade do Rio de janeiro, o diabo do rapaz. Pode substituir do que depois dos quantitativos: mais de de cem homens. Pode exprimir parte ou porção de alguma coisa: comerás da carne. 7.4.4 A preposição em Preposição em exprime: a) Lugar onde: Em casa, na Europa. b) Tempo: em meia hora estudo este ponto c) Modo ou qualidade: voto em branco. d) Causa: sinto prazer em vel-o forte e bem disposto e) Fim: fiz o que pude em teu proveito f) Quantidade: avalio estes objetos em duzentos. g) O termo de uma ação indireta: falou-se muito em ti hontem. Às vezes pode ser mero expletivo: general em chefe. Às vezes é suprimido por brevidade: “Domingo próximo irei visital-o”. 7.4.5 A preposição para Preposição para exprime: a) Lugar para onde: parti para Pernambuco. b) Tempo aproximado: lá para dezembro. 64 c) Fim, tendência: para ver a festa d) O termo de uma ação indireta: reservei este presente para ti. 7.4.6 A preposição por Preposição por (ou per por confusão) exprime: a) Lugar por onde: passei por este caminho. b) Espaço de tempo: viajei por dous annos. c) Tempo aproximado ou incerto: succedeu isto pelos cinco dias do mez de abril. d) Modo: por passos contados e) Causa: esta criança chora pelo frio que está fazendo. f) Causa eficiente: fomos interrogados pelo juiz. g) instrumento: Estácio de Sá foi ferido por uma flecha. h) Fim, utilidade: empenhei-me por este desgraçado; reze por mim i) O termo de uma ação indireta: responsabiliso-me por meus actos. Conforme as palavras do autor, por “é mero expletivo depois de verbo de predicação incompleta que peça objeto directo: Espere por mim”. E “Às vezes é mero expletivo: por justo deve passar quem cego julga.” (GOMES, 1920, 415) A preposição pode ser suprimida nas circunstâncias de tempo, como no exemplo de Camões: “O vencedor Joanne esteve os dias acostumados no campo”. Sobre a preposição até, o autor retoma os comentários, já mencionados, de que a preposição não carece depois de si da preposição reforçadora a e, de que nada justifica as expressões: até ao fim; até ao jardim, pois não dizemos até a logo; até a Lisboa, retomando também as nove variantes de até: até, atem, atens, attá, attás, ta, te, tê, tem. 65 A preposição desde é descrita como uma forma pleonástica, que tem sua forma antiga dês. A preposição per (=por) contrai-se com os artigos o, a, os, as dando as formas pelo, pela pelo, pelas. Era também permitida anteriormente à sincronia descrita a contração com os pronomes. O uso de por contraído como per também são encontrados nos escritos arcaicos dando origem as também antigas formas pollo, polla, pollos, pollas. Em relação a preposição em (=in), Gomes cita que ela era primitivamente grafada in ou ĩ, e depois en, no português, que quando seguida dos artigos, o n final soa sobre a vogal, resultando as formas en-o, en-a e, posteriormente, em no, em na, etc., que deram as atuais formas no, na, nos, nas. Como última observação o autor assevera que as preposições em regra repetemse antes de cada adjunto ou objeto preposicional, com exceção dos seguintes casos por ele listados: a) os casos em que as preposições regem locuções já feitas ou comumente usadas como uma só expressão: “Formaram-se ha pouco alguns bacharéis em letras e (em) sciencias. Pagou-se já o imposto de industrias e (de) profissões. b) nas enumerações: Em Janeiro, (em) Maio, (em) Julho e (em) Agosto há trinta e um dias. c) quando a preposição por seu sentido exige dois termos: entre mim e meu irmão há grande semelhança. 66 7.5 A descrição de Manuel Pacheco da Silva Jr. e Boaventura Plácido Lameira de Andrade Pacheco da Silva Jr. e Lameira de Andrade publicaram a Grammatica da língua portugueza e nela estabeleceram a seguinte divisão: livro I - Lexicologia e livro II Sintaxe. Encontramos o estudo das preposições na parte II e III da lexicologia destinadas ao estudo da taxionomia e da morfologia respectivamente, em que a primeira corresponde ao estudo das classes gramaticais, que eram divididas em nominativas, e conectivas ou relativas, essa última, na qual encontramos as preposições, e na parte II da sintaxe destinada ao estudo da sintaxe lógica. Na parte III, morfologia, capítulo VII, etimologia, Pacheco e Lameira iniciam o estudo das preposições definindo-as desta forma: “preposição é uma particula invariavel que serve para ligar duas palavras (subst. ou pronome a substantivo, pronome, adjetivo ou verbo) com o fim de indicar-lhes a mutua relação” (SILVA JR.; ANDRADE, 1894:161). Apresentam a origem etimológica da palavra preposição, proepositio: que no latim significava palavra que se coloca antes do nome a que se refere, que para os autores era dada erroneamente, visto que no latim a posição da preposição não era fixa. Já no português como eles observam a preposição é sempre um elemento precedente. Quanto à classificação, as preposições são definidas sob o aspecto da forma ou origem, estabelecendo-se como essenciais ou preposições propriamente ditas as palavras simples ou assim percebidas pela fusão de seus elementos componentes, e que são de origem direta latina. Acidentais, as palavras de categorias diferentes (substantivos, adjetivos, particípios) empregadas com força prepositiva. Ex.: segundo, durante, consoante, salvo, visto, excepto. E locuções prepositivas, as que, em geral, são formadas por substantivos ou adjetivos seguidos de preposição (a, de) ou de advérbios ou 67 locuções adverbiais. Ex.: à força de, quanto a, perto de, acima de, concernente a, eis aqui, eis alli. Os autores revelam o fato de que são várias as relações expressas pelas preposições, desta forma não podendo classificá-las segundo suas significações atuais ou originárias, o que sinaliza a percepção dos autores ao caráter mutável e social da língua, que agrega valores através do tempo. Entretanto, eles afirmam que, de modo geral, as preposições indicam relação de lugar, tempo e movimento e estabelecem uma divisão em quatro classes: a) Lugar e direção: em, por, sob, sobre, entre, para, após b) Tempo e duração: antes, depois, desde, durante; c) Causa, meio e fim: de, por, para, com; d) Modo: segundo, conforme; Por conseguinte fazem cinco observações: a) Preposições são palavras relacionais, geralmente de lugar e de direção; são prefixos móveis com funções semelhantes as das desinências nominais. b) Preposições têm a finalidade principal de indicar as relações adverbiais. c) Exprimem relações de natureza física e intelectuais. d) Houve um momento na linguagem que a preposição e a flexão nominal coexistiram. e) Observa que o emprego abstrato e metafórico das preposições requer desenvolvimento posterior, referindo-se ao que abordamos, denominando de processos de gramaticalização. No capítulo destinado ao estudo da etimologia das preposições os autores propõem as seguintes divisões: 1) Preposições de origem direta latina: 68 de > de, in > em, inter > entre, contra > contra, pro, per > por, ante> ante, antes, sine > sem, super > sobre, cum > com, hactenus / ad + tenus > até. 2) Preposições formadas por derivação imprópria: a) de duas preposições simples: (depost) depois, (de ante) deante, (a – trans) atrás, (após de) após, (de intro) perante, dentro, (por a, per a) para, (de ex de) adeante, desde, (a + te = hactenus) até ,etc. b) De substantivos e adjetivos: Apezar, a par c) Dos particípios passados e das formas antigas em ante, ente, inte dos particípios presentes: excepto, salvo, junto, tocante, referente, concernente d) De advérbios: eis aqui, eis alli, dentro de, de fronte de, perto de Retoma a definição de locuções prepositivas afirmando que elas são muito portuguesas, o que compreendemos ser uma referência ao fato de as locuções terem surgido na língua portuguesa. Ao tratar da sintaxe assinalam que as preposições no português têm mais importância do que no latim, por hoje substituírem os casos latinos, pois como já visto, no latim, as preposições tinham função de realce das relações expressas pelos casos. No português indicam relações adverbiais, podendo uma só preposição exprimir várias relações ou até mesmo todas, observando-se que no latim elas expressavam relações de lugar e, metaforicamente, de tempo. Vejamos as preposições: 7.5.1 Preposição a Etimologicamente corresponde a preposição latina ad, todavia, em virtude de seus vários empregos corresponderá também a apud e ab. 69 a) A < ad indica essencialmente direção, movimento, tendência para um lugar ou objeto. Neste sentido, era mais livre o emprego de a no português antigo. Por analogia indica tempo: d’aqui a oito horas; a 5 de fevereiro; a uma hora; e figuradamente indica direção ou tendência moral. Ex.: incitar à cólera. A preposição a indica também lugar onde, posição, situação: estava em máo estado com outra a olhos e face do mundo (Szã.V. Arcb.). Por analogia, em referência ao tempo: chegou á hora (na). b) Por extensão, a preposição a indica modo: chorar a potes, rir ás gargalhadas, beber aos goles; e instrumento, meio, correspondendo a com: matar a bala, raspar a navalha, apanhar á mão. c) Indica complemento terminativo e objetivo quando este é expresso por nome de pessoa ou coisa personificada. Dei um livro a Pedro, adoro a Deus. Logo após o exposto, os autores observam não poder demorar nas considerações de todas as preposições, restringindo-se a fazer as que julgam como inevitáveis, dessa forma compreendemos necessárias. 7.5.2 Preposição com a) Simultaneidade, companhia: e no quarto de prima nos deu uma trovoada com grande força de vento. b) Modo: pedir com bom modo, com desprezo c) Meio, instrumento: Os mesmos que os murmuravam com a boca, os approvam com o coração (Vieira) 7.5.3 Preposição contra Usada antigamente para indicar situação fronteira: cydade contra a terra d’Israel, p. defronte (Ined. d’Alc.) ou direção: foram correndo contra o theatro. (Ined. d’Acol), 70 usos que vieram pela tradição latina, cujos vestígios permaneceram no português, mas que, no entanto, é mais empregada na língua com a significação de oposição. 7.5.4 Preposição de a) Lugar de onde, procedência: do porto amado nos partimos; sou de São Paulo; agua de poço; a lei de Deus. Por analogia indica ponto de partida: de hoje em deante; passados dous dias de sua chegada. b) Posse: casa de João. c) Modo, meio: toda a gente vinha de mulas. (Ramos) d) Causa: folgaram de o ver. e) Qualidade, matéria: homem de juízo, o vaso de ouro. f) Tempo em que: de manhã, de dia, de verão g) Extensão, medida de tempo, e por transferência, idade: cerca de vinte milhas; homem de 30 annos. h) Emprego, serventia, fim: moço de servir, carro de aluguel; copo de água; tinta de marcar. Uso expletivo: pobre de mim, o bom do Japão, deu-lhe de tanta pancada (G. Vic.). Pode ocorrer a elipse da preposição de ou seu emprego enfático e partitivo: per de, muito poderoso Senhor per Deus Rei de Castella e de Liam (Coron, Réus de Port.) e tomou das pedras (F. d’Alm., Trad. do Bibl.). E resume: de, no tempo, indica ponto de partida, sucessão, duração, movimento da ação. Em sentido figurado, indica origem, causa, instrumento, meio, modo, matéria, quantidade e preço 71 De corresponde ao genitivo possessivo ou subjetivo. O genitivo latino indicava relações de propriedade, causa, conteúdo, dependência, reciprocidade, etc., relações que podiam ser expressas por de. De indica pessoa ou coisa de que se trata, equivalendo ao genitivo objetivo: medo da morte, desejo de viver, o amor de Deus. De substitui um genitivo de qualidade expresso no latim por um substantivo no genitivo acompanhado de um qualificativo epitético, que ocorria principalmente com palavras de significação geral tais como as citadas miles (soldado) e vir (homem). Este genitivo passa a concorrer com o uso do ablativo que possibilitou no português a construção: um homem de grande valor, de grande cabeça. De também precede o complemento dos adjetivos indicando várias relações, segundo o sentido dos adjetivos. Uso de de antes de cujo, em situações em que o substantivo que o segue exprime relação restrita circunstancial ou terminativa, data desde o séc. XII, que os autores sinalizam como uso de rigor na época. 7.5.5 Preposição em a) No interior de, dentro de, lugar onde, sobre, no exterior: em Roma, a cidade é em campo, no chão, na mesa, pôr joelho ou pé em terra, etc. b) Tempo em que, duração: no verão, em sahindo a lua, em sendo horas, em dous dias. Os autores destacam que “ainda há mais algumas significações concretas, e muitos são os sentidos figurados desta preposição” (SILVA JR; ANDRADE, 1894: 681). Havia alguns usos de em que eram substituídos por para. Ex.: Passando em África todo o poder e nobreza deste reino (Souza). 7.5.6 Preposição por 72 Sobre a preposição por, os autores asseveram que é dupla sua origem. Vem de per e pro. A forma derivada de per tem a mesma forma que tinha no português antigo e médio, e no português moderno, que indicava lugar por onde, na expressão da relação de lugar e duração, e momento, na expressão da relação de tempo. No sentido figurado, possui vários sentidos, como o meio, o intermediário e o modo. Ex.: Foram pregar a fé uns per Italia, per Grecia outros (Luc.) Essa preposição também pode expressar relação relativa: teem língua per si, seriam150 homens per todos Ao expressar transição, passagem pode ser suprimida: e esses foram-se sua vida. (Ined. dÁlcob.) Silva e Andrade observam que o uso de per para expressar causa merece destaque, por que no latim o autor de uma ação era considerado o ponto de partida dela e deveria seu nome ser precedido da preposição indicativa de ponto de partida ab. No português antigo houve a substituição de a por de, que também indicava o ponto de partida, por isso ainda era encontrado o uso de de depois certos verbos cujos complementos eram causais, em algumas frases: estimado de todos, ornado de flores, esgorovinhado de somno. No entanto, a construção com per prevalece por não se considerar mais a causa da ação a sua origem, mas sim instrumento da ação. Dessa forma, a preposição por era usada como precedente dos complementos de causa dos verbos passivos que indicavam ação instantânea ou duração determinada: vencidos por seus discursos. Por derivado de pro perde seu sentido originário (de lugar) estabelecendo relações abstratas: de troca, substituição, preço, proporção, favor, interesse, dedicação, fim, causa etc. 73 Pode indicar também: Convicção, opinião: Assim se houveram por vencidos (Arraes); Havendo por verdade o que dizia. (Cam.) Aposição: Vi eu o senhor face por face. (I. d’Alc.); rosto pro rosto; tantos por tantos, dia por dia; hora por hora; arca por arca. ( Ramos, Souza, Vieira, Couto, etc) No português antigo, per era empregado nas relações de espaço, tempo, lugar meio, instrumento e por nas relações de causa, preço etc. 7.5.7 Preposição para Preposição derivada de pera que indica: Direção, inclinação: espírito vivo para tudo. (Bar.) Lugar para onde: o mandou para Goa; Vou para Paris. Fim: marearam as velas para emboracarem o estreito Conveniência: oportunidade tempo para navegar para tal parte. (Bar.) referência: teve muita autoridade para os graves; teve para si que era obrigado cumprir aquelle simulado juramento. (Id.) 7.5.8 Preposição depois, pos Forma utilizada pelos antigos sem a repetição pleonástica de de em substituição às formas detrás e para tras e empregada nas situações em que hoje adotamos o após. Quando empregado em sentido figurado, indica inferioridade, degradação: É a 2ª. pessoa depois de Fr. João. 7.5.9 Preposição sobre Indica superioridade, por extensão de sentido, excesso, eminência; por transferência, supremacia, sobreexcelência: Em quaes lugares cada hû quer ser sobre os outros (V. Monast.); Remontae o pensamento sobre as nuvens sobre o céo (Vieira). 74 No sentido figurado indica: Proximidade: estava sobre Goa, sobre os inimigos, sobre a noite; sobre a manhã, sobre o inverno, etc. Referência, assunto, contextura: Ele escreveu sobre philologia; P. fallou sobre anatomia; logo inquiriram sobre o nascimento; tomando conselho sobree o caminhoque dalli se fazia (F. Mendes). Para finalizar, cabe destacarmos uma importante observação dos autores: São varias as relações expressas pelas preposições; não podemos pois classifical-as segundo as suas significações, nem tão pouco de conformidade com as originarias. O que, porém, se póde affirmar de modo geral, é as preposições indicam relações de logar, e por extensão – as de tempo. Que o emprego abstracto e metaphorico é resultado de um desenvolvimento posterior (SILVA JR.; ANDRADE, 1894: 684). Os autores sinalizam para o fato de que as preposições possuem significações diversas e variáveis, que vêm se modificando desde sua origem no latim e que dessa forma não podemos estabelecer significações a priori, pois estas estão circunstanciadas pelo uso corrente da língua e pelo contexto enunciativo, o que vem a comprovar o caráter não prescritivo de sua gramática. 7.6 A descrição de Manuel Said Ali De maneira objetiva, assim define Said Ali a preposição: Preposição é palavra invariável que se antepõe a nome ou pronome para acrescentar-lhe a noção de lugar, instrumento, meio, companhia, posse, etc., subordinando ao mesmo tempo o dito a nome ou pronome a outro termo da mesma oração (SAID ALI, 1964: 101). 75 Said Ali assinala que as preposições poderão ter duas formas: ser um simples vocábulo; ou uma combinação de vocábulos, a qual o autor denomina locução prepositiva ou preposicional. Estas são formadas por advérbios ou locuções adverbiais acompanhadas de de, ou em alguns casos de a ou com. Exemplos: Os móveis acham-se dentro de casa. Defronte do jardim passam muitos veículos. A roupa ficou fora do armário. Segundo, conforme e consoante são preposições que expressam ideia de conformidade. Conforme e consoante são adaptações de adjetivos à função de preposição. Sem, com, exceto, salvo, salvante, tirante, fora, afora são preposições que denotam sentido de exclusividade. Destas, as formas participais são as mais expressivas. Durante é a forma moderna de durando do português antigo. O autor observa que após as preposições geralmente usaremos as formas pronominais pessoais oblíquas tônicas: mim, ti, si, etc., à exceção de exceto, salvo, e fora, afora, que são seguidas pelas formas pronominais pessoais do caso reto, e de com, que utilizamos as formas comigo, contigo, conosco, etc. No caso da preposição durante, não ocorre de ela ser seguida dos pronomes retos de primeira e segunda pessoa, no entanto, ocorre durante ele, durante ela para expressar ideia de tempo. Abaixo segue a lista proposta por Said Ali das preposições e locuções prepositivas que têm uso mais frequente na língua: a abaixo de debaixo de por baixo de embaixo de acima de de cima de em cima de por cima de ante perante antes de ao lado de ao longo de a par de após a roda de em roda de ao redor de até atrás de detrás de por detrás de acêrca de 76 com para com conforme contra de desde diante de por diante de defronte de dentro de de dentro de por dentro de durante em em vez de em lugar de entre exceto fora de afora fora junto de para por per segundo sem sob sôbre 7.7 A descrição de Mário Barreto Nos estudos de Mário Barreto verificamos um novo olhar sobre os estudos linguísticos do período científico: nessa fase, o enfoque ocorre nos aspectos idiossincráticos da língua portuguesa. É a chamada fase legatária. Em Novíssimos estudos da língua portuguesa, Barreto escreveu um capítulo intitulado “De, antes dos infinitivos em acusativo”. Nesse capítulo, o autor comenta o uso da preposição de diante da construção de infinitivo, na função de objeto, datada desde o século XV nas chamadas, atualmente, orações subordinadas substantivas reduzidas de infinitivo, o que, conforme relata, era considerado uma anomalia. No entanto, era construção presente nos textos dos melhores autores dos séculos XVI e XVII e de sua época (séc. XIX e XX), já que esse uso não ocorria com os nomes, objetos destes mesmos verbos. A explicação dada para o uso do de, denominado de “supérfluo” por Barreto, é que esse fato linguístico explica-se porque a acção dos verbos pode expressar-se por um substantivo da sua raiz precedido dos verbos fazer, ter, tomar e outros, e como esta maneira de dizer demanda naturalmente por compl. um infin. com de, a ANALOGIA motivou o emprego do mesmo complemento com os verbos determinar, jurar, prometer, ordenar, etc. (BARRETO, 1980a: 205). Esse uso da preposição de antes de infinitivo é característico também da sintaxe francesa. Uma importante observação que Barreto traz com exemplos do francês é 77 mostrar que embora a preposição de seja empregada antes do infinitivo, este complemento do verbo não deixa de ser um complemento direto. Os verbos resolver, determinar, procurar, prometer, jurar, consertar, ousar, ordenar seriam alguns dos exemplos de verbos transitivos os quais eram seguidos de infinitivos precedidos da preposição de. Já em Novos estudos da língua portuguesa, Barreto apresenta um capítulo sobre a contração da preposição per com os pronomes o, a, os, as, por considerar demais trivial a contração desta preposição com os artigos. Todavia ressalta que as antigas formas lo, la, los, las tanto artigo quanto pronome acusativo da terceira pessoa tiveram as mesmas origem e evolução. Segue com inúmeros exemplos que, como ele mesmo afirma, são muitíssimos pelo costume de dá-los largos e não escassos, o que percebemos como uma característica dos textos do autor que se acredita ser para confiar maior credibilidade e cientificidade ao seu texto, pois como afirma Cavaliere (2002:104): “Mário Barreto é um autor de personalidade científica bastante rigorosa, pauta suas afirmações teóricas sobre exemplos exaustivos de corpora da língua literária.” Ele registra também que as formas antigas lo, la, los, las reaparecem na língua atual quando sucedem os infinitivos. No português arcaico, era mais frequente a junção das formas lo, la, los, las artigos ou pronomes à palavra antecedente. Na obra De gramática e de linguagem, no capítulo V, encontramos alguns comentários acerca das preposições portuguesas em e contra, que Mário Barreto fez em resposta a uma carta enviada por um leitor à seção Consultas da Revista de Língua Portuguesa, que são as seguintes: no exemplo “Em poucos dias terei o gôsto de remeter-lhe seu pedido.”, o emprego de em é apontado como um dos abusos do uso da preposição. Comparando com francês, a preposição em tem a correspondente dans, 78 exceto quando esta serve para exprimir espaço ou decurso de tempo. As traduções aconselhadas pelo autor são de dentro de ou daqui a, ou dentro em que é um arcaísmo. Ao referir-se ao uso da preposição contra na frase “Está a sua mesa encostada contra a parede”, Barreto comenta tratar-se de um galicismo, e sugere o emprego de a nos contextos em que o contre aparece. Abona exemplos do emprego da preposição a em obras de autores consagrados portugueses, afirmando: “a preposição francesa contre não se traduz por contra, mas por a, junto a, ao lado de, se indica vizinhança, justaposição: S’adosser contre la muraille, encostar-se à parede” (BARRETO, 1995: 76). As construções parecer e parecido (a e com) é o assunto tratado no capítulo Preposições do sexto volume de estudos da língua pátria de Barreto, Através do dicionário e da gramática. Nesse estudo, obtemos a informação de que é mais usual a construção tanto do verbo parecer-se quanto do seu particípio com a preposição com, todavia, parecer-se a é uma construção encontrada na língua desde os clássicos, e nas obras de escritores modernos, é usada por João Ribeiro. 7.8 A descrição de Heráclito Graça Heráclito Graça foi um dos poucos filólogos que não aliou pesquisa ao ensino (CAVALIERE, 2000: 120). Heráclito Graça escrevia no jornal Correio da Manhã artigos sobre aspectos sintáticos da língua, os quais ele intitulava Notações philologicas, que tinham o propósito de refutar as observações do Sr. Candido de Figueiredo, publicadas no Jornal do Commercio sob o título “O que se não deve dizer” e nos três volumes da obra Lições praticas da língua portugueza, que não pautava suas análises em critérios precisos, com documentação que as comprovassem (MACIEL, 1914: 447). Foi um trabalho de 79 bastante aceitação nas rodas literárias devido à forma como era conduzido e por lograrem sucesso em suas emendas. Essas notações foram compiladas no volume de título Factos da linguagem. No mesmo ano de publicação das Notações philologicas, Mário Barreto lançou sua obra Estudos da Língua Portugueza e, posteriormente, inúmeros artigos sobre peculiaridades da língua vernácula. Em Factos da linguagem, encontram-se três capítulos, nos quais Graça aborda a temática preposição. São eles: capítulo XXI - Dentro de, dentro em, XXXVIII - Entre ele e eu – Entre ele e mim, capítulo XLIII - Exceto – Salvo, e capítulo LXVI – Respeito a, respeito de, nos quais se obtêm as seguintes anotações: Dentro de, dentro em é o título do capítulo XXI, que confronta os comentários de Figueiredo, que questiona: “Deve-se dizer dentro de dois mezes – ou dentro em dois mezes?”. Nesse capítulo, Graça chama atenção para o descabimento de tal questionamento, por que, se como afirma Figueiredo, “não haverá desmedida incorrecção de dentro em que se usa a miude”, por que não poderíamos usar tal locução? Essa é a primeira incoerência que Graça destaca, a outra está no fato de Figueiredo classificar dentro, que é um advérbio, como preposição, e que será uma locução prepositiva quando seguido de uma preposição. Na tentativa de justificar suas assertivas, Figueiredo cita um exemplo de Frei Luiz de Souza – que em conformidade com o que Graça assinala, juntamente com seus exaustivos exemplos – usava mais frequentemente a locução dentro em do que dentro de, o que torna seu texto inconsistente. Finalizando, Graça frisa que seria pertinente Figueiredo ensinar que dentro de e dentro em são formas variantes, em que em alguns contextos uma é mais expressiva do 80 que a outra e, se dentro de é uma expressão mais generalizada, cabe-se proscrever a locução dentro em, que é muito usada para exprimir a ideia de tempo. No capítulo XLIII, o autor inicia suas observações com tom de ironia ao comentar o uso de excpeto no plural e afirma: “a emenda de hoje começa por uma revista ilustrada, redigida por moços de incontestavel talento. Um d’elles escreve: Tudo por conseguinte descança, exceptos os Colyseus e exceptos os banqueiros do Estado.”, em que o cronista interpreta excepto como adjetivo, entretanto, Graça afirma excepto sempre foi para quase todos escritores e ainda é uma palavra invariável tanto aplicada a nomes no singular ou no plural, quanto a nomes no feminino ou no masculino. Adiante, aponta como vulgaríssimo o uso flexionado de salvo com o sentido sinônimo de excepto. Existem as formas salvo e salva, porém, essas são as formas dos adjetivos. Expressando a ideia de além de, afora será sempre preposição, portanto, invariável. A todas as suas observações Graça traz uma lista de muitos exemplos de usos de excepto. Entre ele e eu - entre ele e mim é o título do capítulo XXXIII, no qual Graça nos adverte em relação aos questionamentos de Figueiredo e suas considerações, nas quais este autor afirma que no português corrente, tanto se diz entre ele e eu e entre mim e ele, pois a exigência da forma oblíqua pronominal só se faz quando os pronomes vêm precedidos imediatamente da preposição. Então Graça nos alerta para o fato de que a preposição pode reger dois complementos, e que a presença da conjunção e tem apenas a função de unir os complementos sem que anule a regência da preposição. Observado isto, temos 81 considerar também que as formas pronominais eu e tu são sempre sujeito no português, o que invalida a assertiva de Cândido Figueiredo. E considerando que a preposição é uma “palavra invariável que se põe entre outras de espécie diversa para marcar uma relação, forma com a adjunção da palavra ou palavras posteriores que rege, um complemento indireto” (GRAÇA, 2005: 231), conclui-se, portanto, que preposição só pode reger casos oblíquos e não o caso reto. Assim conclui Graça (2005: 236): “nem pelas leis da gramática, nem pela lição dos clássicos é admissível dizer: entre mim e tu, entre ti e eu, entre ele e eu, entre ele e tu, como ensina o sr. Cândido de Figueiredo, mas sim – entre mim e ti, entre ti e mim, entre ele e mim, entre vós e mim, entre nós e ti, etc.” Os exemplos apresentados por Figueiredo são formas isoladas utilizadas pelos autores a que ele se refere, seja por necessidade de rima, ou mesmo por erro de cópia ou impressão, que não se reproduzem em seus textos. No capítulo LXVI, Graça trata das locuções prepositivas respeito a e respeito de a fim de rebater os apontamentos de Cândido de Figueiredo que afirmam que essas expressões não podem corresponder a uma forma adverbial quando não precedidas de preposição a, em, com, etc., o que se percebe no texto de Figueiredo como infundado, visto que, como afirma Graça, O Diccionnario contemporâneo registra as expressões a respeito de, em respeito a e respeito a como locuções prepositivas equivalentes a relativamente a, no tocante a, com referência a e em respeito a, que significa em comparação de, relativamente a, e à vista de. Como é notório em seus capítulos, o autor segue seu texto apresentando inúmeros exemplos abonados pelos clássicos que corroboram sua tese. 82 8 CONCLUSÃO Ao longo de nossas observações dos trabalhos produzidos no período científico, pudemos perceber que há, nas referidas gramáticas, dois objetivos, o primeiro é o de traçar o percurso histórico da língua desde sua gênese e o segundo, o de oferecer uma contribuição pedagógica, mantendo o ensino da tradição gramatical, o ensino de uma norma linguística desejável; é a junção do normativo ao descritivo, que se dá baseado nas concepções de Darmesteter, em que se adota a gramática como ciência a fim de investigar “as leis naturais que regem a língua em sua evolução histórica” (CAVALIERE, 2000:43). Esse aspecto duplo, descritivo e prescritivo é “o princípio norteador da própria concepção de gramática na virada do século XX, não só no Brasil, mas também nos grandes centros europeus de estudos vernáculos” (CAVALIERE, 2000:50). A dupla atividade dos gramáticos lhes proporciona grande autoridade e prestígio, em virtude de adquirirem em suas pesquisas grande conhecimento da língua, homens que com suas obras produziram proficientes reflexos pedagógicos, de profícuo uso nas aulas de língua portuguesa, o que lhes conferiu um número significativo de edições das obras, como é o caso da Gramática descritiva de Maximino Maciel que teve oito edições publicadas. Nesse período científico, a gramática abandona o modelo dos compêndios lusitanos de base latina, voltando atenção às idiossincrasias do português do Brasil. Objetiva-se o estudo descritivo da língua, a gramática não se conceitua mais como 83 gramática geral, mas como gramática de um língua particular, como pudemos observar nas palavras de Julio Ribeiro que assim define gramática: Grammatica é a exposição methodica dos factos da linguagem. A grammatica não faz leis e regras para a linguagem; expõe os factos della, ordenados de modo que possam ser aprendidos com facilidade. O estudo da grammatica não tem por principal objecto a correcção da linguagem (RIBEIRO, 1881: 1). Há também um compromisso em ressaltar as fontes consultadas, pois como bem observa Maciel (1914:V): “a probidade scientifica aconselha citar-se um autor, desde que lhe estejamos de accordo com as opiniões attinentes a um ponto, para mostrarmos as fontes a que recorremos.” E ainda com o propósito de dar credibilidade aos trabalhos, os autores recorrem a uma farta exemplificação, notável nos estudos de Mário Barreto. Após a Portaria de 5 de abril de 1887, oficializou-se uma nova tendência pedagógica, obrigatória nas aulas de língua portuguesa, pautada na programação proposta por Fausto Barreto, que instituiu o estudo da língua com ênfase nos estudos etimológicos. Esse programa foi proposto com a intenção de uniformizar os estudos da língua em todo território nacional e, não havendo compendios que adscrevessem á nova orientação, foi então que Pacheco e Lameira, João Ribeiro e Alfredo Gomes, nomes já laureados no magisterio, tiveram de escrever as suas grammaticas, versadas no programma que Fausto Barreto traçara, no qual de todo se revelavam o espirito de synthese, o criterio philologico e o novo rumo que nos importava trilhassem o ensino e o estudo da lingua portugueza (MACIEL, 1914:444). As descrições das preposições estão contidas nos dois grandes eixos das gramáticas: lexeologia e sintaxe, porque como destaca Cavaliere (2000: 53): A lexeologia é certamente, no projeto de descrição gramatical proposto por Ribeiro, o núcleo unitário de onde reverberam todos os campos da investigação lingüística. Isso porque é efetivamente a palavra que sintetiza o foco das atenções, seja como elemento monolítico isolado, seja enquanto 84 conjunto de segmentos morfológicos, seja como item da organização frasal. A sintaxe, destarte, embora constitua autonomamente a segunda parte da descrição gramatical, na prática não vai além de um grande tentáculo da lexeologia. A respeito dos apontamentos dos gramáticos cabe-nos tecer o seguinte comentário: Nas obras pesquisadas, particularmente, nas gramáticas, os autores, na descrição das preposições, têm tanto a preocupação de assinalar a morfologia diacrônica quanto os sentidos destas palavras. E, como pudemos perceber e melhor visualizar nas tabelas em anexo, o sentido apresentado por cada autor para uma dada preposição, em muitos casos idênticos, podem também ser diversos. No entanto, chama-nos a atenção o fato de somente na obra de Pacheco da Silva Jr. e Lameira de Andrade existir a preocupação em alertar o leitor de que, no estudo das preposições, não se pode memorizar os sentidos, pois eles serão resultado do contexto sintático em que elas são empregadas. Esse fato contribui para que o estudante visualize a língua como uma entidade viva, dinâmica e não como formas presas a um papel, pois, o indivíduo se expressa por meio de seu saber elocucional, que ele adquire através de sua troca de experiências com seus interlocutores, seu conhecimento de mundo. As preposições, em particular, denominadas formas dependentes segundo a teoria de Câmara Jr. não funcionam como comunicação isoladamente, estando o seu sentido conjugado tanto a sua forma, quanto às palavras a que estão ligadas ou à qual fazem referência. Assim, cabe aqui uma citação de Mattoso Câmara que afirma que o sentido não se trata de um conceito independente, visto que a língua é um instrumento da comunicação entre os homens, e as significações é o conhecimento compartilhado entre eles, ou seja, uma base comum para a comunicação, uma “lógica, ou compreensão intuitiva que permeia tôda a vivência humana e se reflete nas línguas” (CÂMARA JR., 1973: 68). 85 Dessa forma, acredita-se que esse trabalho, além de registrar o estudo das preposições de um dado momento histórico através do viés historiográfico, possa também despertar seus leitores para o fato de que a abordagem das preposições deve ser feita com base na compreensão dos enunciados e não só no processamento de estruturas linguísticas, mas sim, de forma a agregar o conhecimento de mundo dos alunos, vinculando o ensino/aprendizado as suas experiências, tornando maior a percepção do aluno sobre o que se estuda, permitindo-se um estudo abrangente de tais palavras, em que o processo de produção textual oral ou escrito, os interlocutores, o assunto e a situação em que se processa o texto entre outros são relevantes. Nesse caminho, tivemos o intuito de desenvolver um trabalho que oriente o ensino das preposições de modo que o aluno tenha uma melhor compreensão sobre o que estuda. Consideramos que A língua, portanto, será sempre sincronia E diacronia em qualquer momento de sua existência. O ponto de vista da ciência lingüística é que poderá ser OU sincrônico OU diacrônico, dependendo do fim que se pretende atingir. E há determinados casos, por exemplo, em que a descrição sincrônica pode perfeitamente ser conjugada com a explicação diacrônica, enriquecendo-se, desse modo, a análise feita pelo lingüista (CARVALHO, 2010). Na realização de nosso trabalho, pudemos perceber que, embora exista um parâmetro de estudo da língua, denominado de estudo científico, característico de um momento histórico, o estudo das preposições, nitidamente, mostra-nos a não possibilidade de se estabelecer uma rigidez aos conceitos expressos pelas preposições, pois eles serão variados, condicionados à estrutura frasal na qual são utilizadas, aos propósitos comunicativos do falante ao fazer uso da língua, o que evidencia o seu caráter dinâmico, pois como afirma Carvalho (2010) “a relação entre o significante e o 86 significado é arbitrária, estará continuamente sendo afetada pelo tempo, daí a necessidade de o estudo da língua ser prioritariamente sincrônico”, quando seu objetivo for investigar os significados atuais da língua. Por fim, acreditamos que nosso estudo possa contribuir para uma ampla visão dos estudos sobre preposições do período científico. 87 9 BIBLIOGRAFIA ANCHIETA, José de. 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Münster: Nodus, 1990, p. 21-34. 91 ANEXO TABELAS COMPARATIVAS Definições de preposição Julio Ribeiro “Preposição é uma palavra que marca natureza de uma relação entre duas idéias” (RIBEIRO, 1881: 68). Maximino Maciel “Preposição é uma palavra intervocabular que indica a relação syntactica entre dous termos. Estes termos são o antecedente e o consequente” (MACIEL, 1914:141). Eduardo Carlos Pereira “Preposição é uma palavra conectiva, que relaciona sempre na frase dois têrmos, um antecedente, que é o seu têrmo regente, e outro consequente, que é o seu termo regido ou complemento” (PEREIRA, 1940: 363). Heráclito Graça “Palavra invariável que se põe entre outras de espécie diversa para marcar uma relação, forma com a adjunção da palavra ou palavras posteriores que rege, um complemento indireto” (GRAÇA, 2005: 231). Alfredo Gomes É a palavra que estabelece uma relação qualquer entre dous termos, dos quaes o primeiro se chama antecedente e segundo subsequente (GOMES, 1920: 65). Pacheco da Silva Jr. e “Preposição é uma particula invariavel que serve para Lameira de Andrade ligar duas palavras (subst. ou pronome a substantivo, pronome, adjetivo ou verbo) com o fim de indicar-lhes a mutua relação” (SILVA JR.; ANDRADE, 1894:161). 92 Mário Barreto O autor não as define. Said Ali “Preposição é palavra invariável que se antepõe a nome ou pronome para acrescentar-lhe a noção de lugar, instrumento, meio, companhia, posse, etc., subordinando ao mesmo tempo o dito a nome ou pronome a outro termo da mesma oração.” (SAID ALI, 1964: 101) Tabela 1- Definições de preposição Classificações das preposições Julio Ribeiro Algumas originárias de preposições latinas simples; Outras originárias de duas preposições reunidas; E outras que se originaram de palavras ou grupos de palavras já do cabedal da língua portuguesa e preposições concorrentes. Maximino Maciel Proprias ou essenciais; palavras preposicionaes; expressões preposicionaes. Eduardo Carlos Pereira Preposições de estado ou existência e preposições de ação ou movimento Heráclito Graça O autor não as classifica. Alfredo Gomes Preposições propriamente ditas ou essenciais, palavras prepositivas e locuções prepositivas. Pacheco da Silva Jr. e As preposições são definidas sob o aspecto da forma ou Lameira de Andrade origem, estabelecendo-se como essenciais ou preposições propriamente ditas as palavras simples ou assim percebidas pela fusão de seus elementos componentes, e 93 que são de origem direta latina. Acidentais, as palavras de categorias diferentes (substantivos, adjetivos, particípios) empregadas com força prepositiva. E locuções prepositivas, as que, em geral, são formadas por substantivos ou adjetivos seguidos de preposição (a, de) ou de advérbios ou locuções adverbiais. Mário Barreto O autor não as classifica. Said Ali Existem as preposições constituídas de um simples vocábulo; ou uma combinação de vocábulos, a qual o autor denomina locução prepositiva ou preposicional. Tabela 2 - Classificações das preposições Valores da preposição A Julio Ribeiro Direção, contiguidade, exposição, tempo, tendência, hora, modo, distância, instrumento, matéria, fim, 93déia de futuro próximo, preço distributivo e taxa de juros. Maximino Maciel Preposição que exprime relação de movimento (direção), instrumento, matéria, medida, meio. Eduardo Carlos Pereira Movimento para alguma parte. Heráclito Graça O autor não trata da preposição a. Alfredo Gomes Lugar para onde, fim de uma ação ou fato, tempo, modo, meio ou causa, repetição do ato, termo de uma ação indireta. Pacheco da Silva Jr. e Direção, movimento, tendência para um lugar ou objeto, 94 Lameira de Andrade tempo, tendência moral, lugar onde, posição, situação, modo, instrumento, meio, complemento terminativo e objetivo. Mário Barreto O autor não trata da preposição a. Said Ali O autor não trata dos valores da preposição a. Tabela 3 - Valores da preposição a Valores da preposição ANTE Julio Ribeiro confronto, comparecimento. Maximino Maciel Preposição que exprime relação de estado. Eduardo Carlos Pereira Expressa relação oposta à preposição trás. Heráclito Graça O autor não trata da preposição ante. Alfredo Gomes O autor não trata dos valores da preposição ante. Pacheco da Silva Jr. e Tempo e duração. Lameira de Andrade Mário Barreto O autor não trata da preposição ante. Said Ali O autor não trata dos valores da preposição ante. Tabela 4 - Valores da preposição ante Valores da preposição APÓS,PÓS Julio Ribeiro Posposição, seguimento Maximino Maciel Preposição que exprime relação de estado. Eduardo Carlos Pereira Seu sentido não é mencionado pelo autor. Heráclito Graça O autor não trata da preposição após. 95 Alfredo Gomes O autor não trata dos valores da preposição após. Pacheco da Silva Jr. e Lugar e direção Lameira de Andrade Mário Barreto O autor não trata da preposição após. Said Ali O autor não trata dos valores da preposição após. Tabela 5 - Valores da preposição após, pós Valores da preposição ATÉ Julio Ribeiro Termo local ou temporal preciso, exato Maximino Maciel Distância. Eduardo Carlos Pereira O autor não trata dos valores da preposição até. Heráclito Graça O autor não trata da preposição até Alfredo Gomes O autor não trata dos valores da preposição até Pacheco da Silva Jr. e Os autores não tratam da preposição até. Lameira de Andrade Mário Barreto O autor não trata da preposição até Said Ali O autor não trata dos valores da preposição até. Tabela 6 - Valores da preposição até, té Valores da preposição COM Julio Ribeiro Companhia, permanência (sob domínio ou poder de alguém), adjunção/mistura, termo de ação, comparação, modo, meio, motivo, instrumento, preço, oposição, Maximino Maciel Preposição que exprime relação de estado: companhia, 96 meio, quantidade Eduardo Carlos Pereira Expressa relação oposta à preposição sem. Heráclito Graça O autor não trata da preposição com. Alfredo Gomes Companhia, modo, causa, instrumento, tempo, termo de ação indireta. Pacheco da Silva Jr. e Causa, meio e fim. Simultaneidade, companhia, modo, Lameira de Andrade meio, instrumento. Mário Barreto O autor não trata da preposição com. Said Ali Exclusividade. Tabela 7 - Valores da preposição com Valores da preposição CONTRA Julio Ribeiro Oposição, posição fronteira Maximino Maciel Preposição que exprime relação de estado: oposição. Eduardo Carlos Pereira O autor não trata da preposição contra. Heráclito Graça O autor não trata dos valores da preposição contra. Alfredo Gomes O autor não trata dos valores da preposição contra. Pacheco da Silva Jr. e Usada antigamente para exprimir situação fronteira e Lameira de Andrade atualmente para exprimir oposição Mário Barreto O autor não trata dos valores da preposição contra. Said Ali O autor não trata dos valores da preposição contra. Tabela 8 - Valores da preposição contra Valores da preposição DE 97 Julio Ribeiro Lugar donde, extração/origem, possessão, limitação/restrição, posição, estado, separação, ponto de partida em relação a lugar e tempo, tempo, participação, matéria, assunto, mudança de estado, agente do verbo passivo, motivo, meio, determinação, modo, intermediação entre o verbo e o adjetivo, medida, quantidade. Maximino Maciel Preposição que exprime relação de movimento (ponto de partida): causa, lugar d’onde, matéria, modo, origem, Eduardo Carlos Pereira O autor não trata dos valores da preposição de. Heráclito Graça O autor não trata da preposição de. Alfredo Gomes Lugar donde/a proveniência, posse ou qualidade, modo, simples causa, instrumento, causa eficiente, matéria ou conteúdo, tempo, termo de uma ação indireta. Pacheco da Silva Jr. e Causa, meio, fim, lugar de onde, posse, modo, meio, Lameira de Andrade causa, qualidade, tempo, extensão, medida de tempo, emprego, serventia, fim. Mário Barreto O autor não trata da preposição de. Said Ali O autor não trata dos valores da preposição de. Tabela 9 - Valores da preposição de Valores da preposição DESDE, DES Julio Ribeiro Ponto de partida local ou temporal. Maximino Maciel Preposição que exprime relação de movimento (ponto de 98 partida): distancia. Eduardo Carlos Pereira O autor não trata da preposição desde. Heráclito Graça O autor não trata da preposição desde. Alfredo Gomes O autor não trata da preposição desde. Pacheco da Silva Jr. e Desde: tempo e duração Lameira de Andrade Mário Barreto O autor não trata da preposição desde. Said Ali O autor não trata dos valores da preposição desde. Tabela 10 - Valores da preposição desde, des Valores da preposição EM Julio Ribeiro Lugar onde, tempo, modo, assunto, fim, avaliação, transição. Maximino Maciel Preposição que exprime relação de estado: lugar onde. Eduardo Carlos Pereira Preposição de estado, lugar onde. Heráclito Graça O autor não trata da preposição em. Alfredo Gomes Lugar onde; tempo; modo ou qualidade; fim; quantidade; termo de uma ação indireta. Pacheco da Silva Jr. e Lugar e direção. Lameira de Andrade No interior de, dentro de, lugar onde, sobre, no exterior: Tempo em que, duração. Mário Barreto Espaço, decurso de tempo. Said Ali O autor não trata da preposição em. Tabela 11 - Valores da preposição em 99 Valores da preposição ENTRE Julio Ribeiro Posição intermediária; reciprocidade. Maximino Maciel Preposição que exprime relação de estado. Eduardo Carlos Pereira O autor não trata da preposição entre. Heráclito Graça O autor não trata dos valores da preposição entre. Alfredo Gomes O autor não trata dos valores da preposição entre. Pacheco da Silva Jr. e Lugar e direção. Lameira de Andrade Mário Barreto O autor não trata dos valores da preposição entre. Said Ali O autor não trata dos valores da preposição entre. Tabela 12 - Valores da preposição entre Valores da preposição PARA Julio Ribeiro Direção, lugar para onde, fim, futuridade, realização próxima, proporção, atribuição, aproximação de quantidades. Maximino Maciel Preposição que exprime relação de movimento (direção), fim, lugar para onde. Eduardo Carlos Pereira Movimento para alguma parte. Heráclito Graça O autor não trata da preposição para. Alfredo Gomes Lugar para onde; tempo aproximado; fim, tendência; termo de uma ação indireta. Pacheco da Silva Jr. e Lugar e direção, causa, meio e fim 100 Lameira de Andrade Mário Barreto O autor não trata da preposição para. Said Ali O autor não trata dos valores da preposição para. Tabela 13 - Valores da preposição para Valores da preposição PER Julio Ribeiro Lugar por onde, a parte por onde se pega um objeto, individuação/distribuição, duração, meio, motivo, agente do verbo passivo, juramento/atestação.4 Maximino Maciel Preposição que exprime relação de movimento (trajeto), favor, preço. Eduardo Carlos Pereira O autor não trata dos valores da preposição per. Heráclito Graça O autor não trata da preposição per. Alfredo Gomes Preposição por (ou per por confusão) exprime: Lugar por onde; espaço de tempo; tempo aproximado ou incerto; modo; causa; causa eficiente; instrumento; fim/utilidade; termo de uma ação indireta. Pacheco da Silva Jr. e Causa. Lameira de Andrade Mário Barreto O autor não trata dos valores da preposição per. Said Ali O autor não trata dos valores da preposição per. Tabela 14 - Valores da preposição per 4 Per desapareceu no português e por passou a substituí-la de forma que essa preposição derivada de per pode indicar esses valores. 101 Valores da preposição POR Julio Ribeiro Derivada de per Lugar por onde, parte por onde se pega habitual ou acidentalmente qualquer objeto, individuação e distribuição, duração, meio, motivo, agente do verbo passivo, juramento, atestação. Derivada de pro Substituição, preço, opinião, a qualidade em que se tem, em que se recebe pessoa ou coisa, parcialidade/favor, não acabamento. Maximino Maciel Preposição que exprime relação de movimento (trajeto), lugar por onde. Eduardo Carlos Pereira O autor não trata dos valores da preposição por. Heráclito Graça O autor não trata da preposição por. Alfredo Gomes Preposição por (ou per por confusão) exprime: Lugar por onde; espaço de tempo; tempo aproximado ou incerto; modo; causa; causa eficiente; instrumento; fim/utilidade; termo de uma ação indireta. Pacheco da Silva Jr. e Lugar e direção, causa, meio e fim. Lameira de Andrade Vem de per e pro. A forma derivada de per indica lugar por onde, na expressão da relação de lugar e duração, momento, na expressão da relação de tempo. No sentido figurado possui vários sentidos, como o meio, o intermediário e o modo, relação relativa, transição/ 102 passagem, causa. Por derivado de pro perde seu sentido originário (de lugar) estabelecendo relações abstratas: de troca, substituição, preço, proporção, favor, interesse, dedicação, fim, causa etc. Indica também: convicção/opinião, aposição Mário Barreto O autor não trata da preposição por. Said Ali O autor não trata dos valores da preposição por. Tabela 15 - Valores da preposição por Valores da preposição SEM Julio Ribeiro Privação, falta Maximino Maciel Preposição que exprime relação de estado. Eduardo Carlos Pereira Expressa relação oposta à preposição com. Heráclito Graça O autor não trata da preposição sem. Alfredo Gomes O autor não trata dos valores da preposição sem. Pacheco da Silva Jr. e O autor não trata dos valores da preposição sem. Lameira de Andrade Mário Barreto O autor não trata da preposição sem. Said Ali Exclusividade. Tabela 16 - Valores da preposição sem Valores da preposição SOB Julio Ribeiro Situação inferior 103 Maximino Maciel Preposição que exprime relação de estado. Eduardo Carlos Pereira Expressa relação oposta à preposição sobre. Heráclito Graça O autor não trata da preposição sob. Alfredo Gomes O autor não trata dos valores da preposição sob. Pacheco da Silva Jr. e Lugar e direção Lameira de Andrade Mário Barreto O autor não trata da preposição sob. Said Ali O autor não trata dos valores da preposição sob. Tabela 17 - Valores da preposição sob Valores da preposição SOBRE Julio Ribeiro Situação superior, aproximação, excesso e assunto Maximino Maciel Preposição que exprime relação de estado: assunto, tempo. Eduardo Carlos Pereira Expressa relação oposta à preposição sob. Heráclito Graça O autor não trata da preposição sobre. Alfredo Gomes O autor não trata dos valores da preposição sobre. Pacheco da Silva Jr. e Superioridade, excesso, eminência; por transferência, Lameira de Andrade supremacia, sobreexcelência, proximidade, referência, assunto, contextura. Mário Barreto O autor não trata da preposição sobre. Said Ali O autor não trata dos valores da preposição sobre. Tabela 18 - Valores da preposição sobre Valores da preposição TRÁS 104 Julio Ribeiro Posposição. Substitui a locução atrás de. Maximino Maciel Preposição que exprime relação de estado. Eduardo Carlos Pereira Expressa relação oposta à preposição ante. Heráclito Graça O autor não trata da preposição trás. Alfredo Gomes O autor não trata dos valores preposição trás. Pacheco da Silva Jr. e Os autores não tratam da preposição trás. Lameira de Andrade Mário Barreto O autor não trata da preposição trás. Said Ali O autor não trata da preposição trás. Tabela 19 - Valores da preposição trás