III CONGRESSO DO LIVRE/TEMPO DE AVANÇAR
Lisboa, 28 de junho de 2015
MOÇÃO ESTRATÉGICA Nº 1
AUTORES: Lídia Martins (membro), Maria Teresa Leitão (membro) e Jorge
Leandro Rosa (apoiante)
Moção
ECOLOGIA E LIBERDADE À ESQUERDA
Cabe aos libertários, socialistas, alternativos ou republicanos defender uma coerência outra:
não já aquela derivada das estruturas ideológicas forjadas na Revolução Industrial, mas a
coerência inventada a partir da coexistência de todos num mundo único e finito.
1.
Houve um tempo em que a esquerda foi confundida com a electricidade. Isso significou dois
erros históricos:
a) Fez das políticas de esquerda um produto colateral da economia industrial baseada no
carvão, no petróleo e na energia nuclear; deste modo, toda a ideia socialista foi empurrada
para a co-gestão do produtivismo capitalista e da exploração do planeta e da força de
trabalho disponível.
b) Fez da liberdade e da autodeterminação reféns da economia do trabalho intensivo e/ou
especializado regido pelo capital: todo o debate sobre os direitos dos trabalhadores, sobre o
bem-estar social, sobre a dignidade humana, ficou refém da captação, produção e
investimento de energia que uma dada sociedade era capaz de mobilizar. Os socialistas e os
progressistas em geral acreditaram na infinidade dos recursos e da energia disponível,
reduzindo a oportunidade da igualdade a uma única janela.
Hoje, quando o ciclo dos hidrocarbonetos está plenamente instalado na sua crise histórica,
ao mesmo tempo que a sociedade industrial continua a exigir-nos que sacrifiquemos tudo
por uma mirífica expansão infinita, assistimos ao encerramento dessa janela. Já nos anos 70,
Ivan Illich dizia que se tornara comum «falar de uma crise energética». Uma tal expressão,
dizia ele, mascarava «a contradição implícita na busca conjunta da equidade e do
crescimento industrial. Para dissipar essa ilusão seria necessário clarificar a realidade que a
linguagem da crise obscurece: grandes quantidades de energia conduzem tão
inevitavelmente à degradação das relações sociais quanto àquela do meio físico. Um tal uso
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da energia viola a sociedade e destrói a natureza» (Illich, Energia e equidade). Nós
acrescentaremos que grandes quantidades de energia parecem também ter degradado o
pensamento da esquerda na fase da globalização.
Numa palavra, a política da esquerda foi raptada pelo crescimento infinito. Mas como não
há um leão alado chamado «crescimento infinito», mas apenas o crescimento do lucro,
chega o momento em que este se começa novamente a crispar por detrás do autoritarismo,
dos muros, das desigualdades e, em breve, da guerra. E a esquerda vê-se a braços com um
saco de lacraus. Porque um mundo energético capitalista que não cresce é um mundo onde
o lucro será a última coisa a crescer, captando e privatizando o que até aqui foi comum. É
um mundo onde a escassez dos recursos servirá sempre a criação de categorias de seres
humanos considerados inúteis, assim como de espécies animais e vegetais tomados como
dispensáveis.
Àqueles que se indignam com a obstinação da troika, diremos: o capitalismo
contemporâneo é uma forma coerente de civilização, «que se encarna nas formas
quotidianas de viver sem as quais o crescimento – ou seja, a acumulação de capital –
colapsaria imediatamente» (Michéa, La double pensée). Cabe aos libertários, socialistas,
alternativos ou republicanos defender uma coerência outra: não já aquela derivada das
estruturas ideológicas forjadas na Revolução Industrial, mas a coerência inventada a partir
da coexistência de todos num único mundo.
A essa coerência predadora, opomos o cuidado de um mundo que acolha todos, humanos e
não-humanos. Pensamos, aliás, que o planeta só será preservado quando tomarmos
consciência de que a vida que o habita só em pequena parcela é humana. O que significa
que a nova «coerência» só pode ser, afinal, a expressão da diversidade viva da qual
dependemos. Pedir a atribuição de direitos aos outros seres vivos, deixar de considerá-los
como mera reserva de alimento ou como matéria-prima é assegurar que os direitos dos
seres humanos não serão, um dia, relativizados e eliminados.
2.
Não temos visto as esquerdas serem capazes de se pronunciarem sobre as questões
civilizacionais que ameaçam as nossas sociedades. Parecem conformadas com o rumo geral
das sociedades, cujas pernas foram partidas pela globalização financeira, reclamando
apenas uma redistribuição do produto da sobre-exploração do planeta.
Ora nós precisamos de esquerdas cuja insatisfação seja mais diversa e mais inteligente.
Gostaríamos, por exemplo, de ver a esquerda libertar-se um pouco mais dos indicadores de
PNB, dos números do investimento industrial ou da riqueza produzida pelo comércio global.
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Precisamos de vêla libertar-se dos debates em torno das taxas de desemprego, para
podermos voltar a pensar o trabalho humano para além do emprego. Gostaríamos de ver a
nossa esquerda discutir politicamente os 400,71 ppm de dióxido de carbono (CO2)
registados em Maio de 2015. Gostaríamos de ouvir as esquerdas dizerem o que pensam das
negociatas nas conferências da ONU sobre mudança climática, como no caso da vergonhosa
mercantilização do carbono. Queremos uma esquerda que pergunte de novo quem controla
a energia, uma esquerda que não se preocupe apenas com a TAP mas também com a EDP:
que pergunte de onde vem a energia que consumimos, o que fazemos com ela, que exija o
seu regresso à comunidade. Queríamos ter esquerdas que voltassem a falar sem vergonha
de cooperativas, de autogestão e de gestão comunitária dos recursos. Desejamos esquerdas
que sejam capazes de deter a agro-pecuária intensiva e química, esquerdas que se revoltem
contra a transformação do ensino em fornecedor de cérebros para as indústrias. Ansiamos
por esquerdas que sejam europeias porque querem as economias locais a serem cada vez
mais auto-suficientes, recusando uma europa do euro ao serviço do comércio global.
Em suma, queremos uma esquerda que não precise de estar ligada ao capitalismo sistémico
para sobreviver, uma esquerda que não pactue com a captura dos seres humanos e nãohumanos pelo valor energético, financeiro e comercial a que são reduzidos, uma esquerda
que queira um planeta sem donos e que, portanto, não queira disputar a sua posse.
Para isso, precisamos de uma frente eleitoral capaz de criticar claramente a mitologia do
crescimento, recusando as suas lógicas opressivas e predadoras. Precisamos de um
Livre/TdA que diga que o crescimento de que precisamos é o da solidariedade e da
repartição dos bens deste mundo entre os povos e regiões que nele existem. Precisamos de
candidatos dispostos a combater a privatização dos recursos naturais, das sementes e das
espécies vivas, recusando a troca da ecologia política pelos investimentos em «capital
natural». Precisamos de uma candidatura capaz de dizer que a mudança climática tem de
entrar imediatamente no nosso programa político, desarmadilhando o suicídio global.
Precisamos de uma candidatura capaz de combater todas as indústrias que estão no centro
da economia do petróleo, e de que o automóvel privado é um dos elementoschave.
Precisamos de uma frente eleitoral não-violenta, que recuse o rearmamento das nações e
dos blocos regionais em época de crise ambiental. Precisamos de uma candidatura que
tenha propostas libertárias para a sociedade que sairá do desastre ecológico actual.
Isso significa que queremos um Livre/TdA preparado para um combate contra os novos
modelos capitalistas. A austeridade é uma das suas faces mais visíveis. É preciso sublinhar
que a austeridade é parte da economia do crescimento. Ela é parte da gestão das
inadequações sistémicas entre o sistema energético mundial, o sistema industrial e o
sistema financeiro.
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Num mundo em crescente crise ambiental e energética, essas inadequações serão cada vez
mais prementes.
3.
Em Portugal, preparamo-nos para eleições em breve. Que ocorrerão menos de dois meses
antes da conferência de Paris sobre a mudança climática. Dar-se-ão um e outro
acontecimento no mesmo planeta? Precisamos de voltar a conciliar políticas locais com
políticas globais.
Que propomos no plano da acção política?
a) Colocar a mudança climática na agenda política e social: exigir que todos tomem as suas
responsabilidades, empenhando-se, quer a nível nacional quer europeu, na mudança de
paradigmas energéticos e associados aos consumos. Exigir compromissos imediatos e
vinculativos para desacelerar a subida de temperatura global.
b) Tomar iniciativas legislativas para que todas as formas de prospecção e exploração de
petróleo, xisto betuminoso, carvão, urânio e gás natural sejam abandonadas e interditas.
Deixar os combustíveis fósseis no solo.
c) Declarar a água, os solos e a biodiversidade como bens comuns e inalienáveis.
d) Renacionalizar a EDP e a REN, dando-lhes um fim social e ambiental. Questionar o que
andam a fazer a Galp Energia, a Partex (Gulbenkian) e a EDP com as escolhas energéticas
que são de todos nós. Exigir um debate sobre a produção, circulação e distribuição da
energia. Queremos saber quem está a produzir electricidade a partir do carvão. Quem está
na corrida para a extracção de petróleo e gás por fractura hidráulica? Quem serve os
mercados globais de energia antes de servir as necessidades locais, regionais e nacionais?
e) Deter a construção de novas barragens hídricas, regenerar os ecossistemas que têm sido
afectados por aquelas já implantadas. Repensar os rios em Portugal para além da sua
«função» energética.
f) Desenvolver e acelerar a transição para energias renováveis, mas passando por controlo
público e comunitário da implantação e exploração destas.
g) Desincentivar a implantação de indústrias de transformação com consumo intensivo de
recursos, água e energia. Geralmente, estas são indústrias orientadas para produtos de
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consumo que, eles próprios, consomem e destroem mais recursos. É o caso das indústrias
do alumínio e do plástico ao serviço do automóvel.
h) Lançamento de um debate no partido, no parlamento e no país sobre o decrescimento. O
crescimento é indispensável à sobrevivência do capitalismo, não à nossa.
i) Defesa de um rendimento assegurado para todos os cidadãos. O rendimento serve um
aprofundamento da cidadania e da comunidade, fazendo com que estas não estejam
fundadas no medo mas antes na participação. Diversificação do conceito de rendimento e
de remuneração para além da dicotomia salariato/capital.
j) Preparar a saída da civilização do automóvel: abandonar a prioridade dada até aqui às
redes, arquitecturas e malhas urbanas submetidas ao automóvel. Defender as cidades
libertas do automóvel. Desenvolver os transportes públicos nesse quadro.
k) Advogar a proibição dos voos comerciais em distâncias continentais inferiores a 500 km.
Limitação das infraestruturas dedicadas ao transporte aéreo, responsável por uma pegada
ecológica insustentável.
l) Combater o e-desperdício, quer dizer, o desperdício de água e metais raros e perigosos
usados no fabrico de telemóveis e outros dispositivos electrónicos. Os resíduos electrónicos
são hoje um problema urgente, quer a montante quer a jusante do ciclo industrial, que não
pode ser resolvido apenas pela reciclagem, ineficaz em muitos casos.
m) Redefinição das malhas urbanas através da expansão das hortas comunitárias, do
favorecimento do emprego local, do reforço do papel das juntas de freguesia. Libertar as
cidades da publicidade em espaço público.
n) Incentivar a utilização local e regional de moedas comunitárias. Libertar as economias
locais, dando espaço económico e legal à troca directa e à cooperação nas comunidades.
o) Defender a proibição dos OGM em Portugal e na Europa. Multiplicar incentivos a uma
agricultura biológica e comunitária. Limitar novas implantações da agricultura industrial.
p) Introdução progressiva de ementas vegetarianas nas cantinas públicas. Reconversão das
indústrias da carne.
q) Desenvolvimento de uma economia agrícola centrada na soberania alimentar das
comunidades e regiões.
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r) Transição das estruturas de defesa do país e da Europa, reduzindo o seu carácter militar e
introduzindo prioridades associadas à preservação do ambiente. Desmantelamento da
indústria militar e divulgação de métodos de defesa não-violentos.
s) Reintegrar as escolas nas comunidades e incentivar a sua autogestão. Questionar a
formatação da escolarização pelo e-learning e pela omnipresença de dispositivos
interactivos. Voltar a dar sentido e autonomia ao trabalho dos professores, desmontando o
seu controlo burocrático.
t) Libertar as universidades da dependência do mundo empresarial e das indústrias.
Dissociar o ensino superior das necessidades do capitalismo global. Favorecer a gestão
social, associativa e cooperativa do ensino superior.
u) Desmontar a relação burocrática entre o Estado e os cidadãos.
v) Desmontar a monitorização da sociedade. Recusar as leis nacionais e europeias de
antiterrorismo.
w) Defender uma saúde pública e descentralizada, favorecendo unidades próximas das
pessoas. Comunitarização dos serviços de saúde. Introdução, em alternativa, das medicinas
não convencionais na rede pública. Libertar a rede pública de saúde do ascendente da
indústria farmacológica e das tecnologias médicas usadas sem critério específico.
Por estas razões, a ecologia já não pode ser um simples anexo das nossas opções políticas
nem uma cor na bandeira. Ela deve estar no seu centro. Precisamos do Livre/TdA como
Partido Ecologista. Plenamente e criativamente. A ecologia política depende, não apenas do
planeta, mas também da igualdade e da solidariedade social. Num mundo dominado pelos
efeitos da mudança climática e pelas políticas de gestão da escassez, que é aquele para o
qual estamos a ser conduzidos, assistiremos ao aprofundamento das desigualdades já
conhecidas e suportaremos o surgimento de outras directamente ligadas a essa escassez. As
mudanças de que necessitamos não devem ser impostas pelos factos ambientais, mas
deverão surgir antes das escolhas políticas que fazemos hoje.
A simplificação e democratização dos modos de vida que propomos é o oposto das políticas
de austeridade: não é mais um projecto de relançamento dos indicadores económicos, mas
antes um movimento de reinvenção da vida das comunidades. Essa é uma política para o
nosso tempo.
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Os autores
Lídia Martins
Membro, 0032487161546, [email protected]
Maria Teresa Leitão
Membro, 0032486869330, [email protected]
Jorge Leandro Rosa
Apoiante, 915641630, [email protected]
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Moção estratégica n.º1