X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
LEITURA E ESCRITA NA AULA DE MATEMÁTICA:
POSSIBILIDADES E POTENCIALIDADES
Maria Teresa Menezes Freitas
Universidade Federal de Uberlândia
[email protected]
Resumo: O texto evidencia as possibilidades de inserção da escrita em aulas de
matemática, ponderando sobre os aspectos potencializadores desta estratégia, tanto para
instigar o aluno do ensino fundamental, médio e superior, como para apresentar indícios
formativos em processos investigativos. Um breve panorama do interesse na relação escrita
– leitura – matemática da última década é apresentado, no intuito de conquistar novos
adeptos a se embrenharem na utilização deste recurso, na perspectiva tanto pedagógica
quanto investigativa. A potencialidade reflexiva e propulsora de processos de
metacognição na utilização da escrita na formação do professor é apresentada como
estratégia profícua para estimular processos reflexivos de desenvolvimento profissional.
Destaca-se o papel mediador do professor neste processo como importante fator, com
possibilidade de instigar ou inibir os ganhos provenientes da utilização deste recurso.
Palavras-chave: Escrita em aulas de matemática; Processos reflexivos; Aprendizagem
significativa em matemática
UMA INTRODUÇÃO...
Para situar o leitor sobre minhas percepções sobre o papel e a potencialidade da
escrita nas aulas de matemática, resgato um pouco da minha trajetória que culminou no
interesse em pesquisar sobre este tema.
Sem dúvida, o contexto familiar, social e político que cada um vivencia interfere
nos caminhos que opta por trilhar, bem como nas verdades que se sobressaem para cada
um, em relação a outras com as quais se depara.
Assim, percebo que talvez a pouca liberdade na infância e na adolescência tenhamme conduzido e estimulado a manter diários que registravam pensamentos, ideias, revoltas,
prazeres e outras manifestações. Com o tempo e a maturidade, passei a utilizar esse recurso
da escrita também em anotações de sala de aula em diferentes disciplinas, registrando
compreensões, consideradas, à época, particulares e facilitadoras.
Como professora de matemática de Ensino Superior, atuando em diferentes cursos
oferecidos pela Faculdade de Matemática, interessava-me encontrar recursos e estratégias
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que pudessem, por um lado, atrair o interesse do aluno e motivá-lo para a continuidade de
seus estudos e, por outro, propiciar a aquisição do conteúdo com compreensão e
significado. Pequenas investidas nessa direção foram realizadas, mas pouca sistematização
efetivada. Entretanto, atribuo a essas experiências a motivação para interessar-me pela
contribuição da escrita na formação do professor de matemática, a ponto de torná-la foco
das pesquisas que compuseram meu doutoramento. Assim, retomo marcas dessa
caminhada:
O envolvimento dos alunos nos diferentes cursos, bem como seu
interesse por algum assunto particular, parece ser reflexo de suas
trajetórias pessoais e das interações estabelecidas ao longo da vida.
Essas interações incluem, além das influências do meio social, as
leituras e todas as reflexões decorrentes. Dentre as múltiplas formas
de dinamizar as interações, destacamos a comunicação escrita
como possibilidade de formar e contribuir para a constituição do
ser humano. (FREITAS, 2006)
Tradicionalmente, existe uma crença de que se aprende a escrever em aulas de
língua portuguesa e a computar (operar) em aulas de matemática. Entretanto, o uso da
escrita tem recebido cada vez mais atenção como recurso ou estratégia didática para
professores e como meio para propiciar a aquisição do conhecimento para os alunos.
ESCRITA E MATEMÁTICA: UM BREVE PANORAMA
As recomendações para os profissionais de ensino, registradas na publicação
americana Standards1, denotam que, desde a década de 1980, pesquisadores mantêm-se
atentos à potencialidade da escrita. Os documentos evidenciam que esta estratégia se
baseia na percepção de que o processo de escrita sobre um determinado tema leva a um
crescente aumento da compreensão e ao desenvolvimento da capacidade de utilizar com
mais fluência a linguagem dos diversos campos.
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National Council of Teachers of Mathematics. Curriculum and Evaluation Standards for School
Mathematics. Reston, Va: NCTM, 1989.
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Existem diferentes tarefas que podem ser utilizadas para inserir a escrita como
estratégia de ensino-aprendizagem de matemática. Andrews (1997) relata uma estratégia
de ensino, denominada K – W – L (Know – Want to Know – Learned), para explicitar o
que se sabe (know), aquilo que se quer compreender (want to know) e o que foi aprendido
(learned). No início de uma unidade, em três colunas nomeadas K, W, L em uma folha de
papel, o professor solicita que os alunos completem as primeiras duas colunas. Pelas
indicações dos alunos, o professor infere as prioridades e os interesses da turma. Ao final
da unidade, os alunos são convidados a completar a terceira coluna que, para o professor,
denota o progresso da aprendizagem.
A proposta acima descrita assemelha-se à estratégia denominada Relatório de
entrada múltipla, citado em Powell e Bairral (2006), que a consideram como ―veículo para
refletir e construir imagens de uma determinada parte da matemática e um meio de
registro, em prosa [...]‖ (p. 79). Os autores destacam a importância da ―meta-reflexão‖
sobre as escritas anteriores dispostas nas respectivas colunas. Nesse sentido, propõem que
na terceira coluna se atente para a revisão e reconsiderem-se as reflexões anteriores. Nesse
trâmite, percebemos a possibilidade de instaurar um processo de metacognição.
Importa compreender que a metacognição trata de uma categoria de aptidão ―que
envolve, por um lado, o conhecimento no que tange ao funcionamento cognitivo de si
próprio;
por
outro
lado,
as
habilidades
relacionadas
à
auto-regulação/auto-
monitoração/metaconsciência do processo cognitivo de si próprio‖ (CORTE, 1996, p. 115).
Uma proposta de tarefa — a ser desenvolvida em duplas — que estimula a escrita
em aulas de matemática tem sido denominada por alguns autores de Pair share –
―Compartilhamento em dupla‖. Parece ser simples e recomendável, quando o professor
percebe que o aluno está com dificuldade em compreender o conteúdo veiculado.
Aconselha-se que o professor faça uma pausa e solicite aos alunos que expliquem em uma
escrita livre o que não compreendem e lhes causa dificuldade. Após esse registro,
compartilham-no com os colegas (BURCHFIELD et al., 1993).
Esses mesmos autores também sugerem a carta como recurso que estimula a escrita
em aulas de matemática. Propõem que o professor especifique o contexto, por exemplo,
solicitando que os estudantes escrevam uma carta para aluno de outra turma que está com
problema com determinado conteúdo.
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Essa estratégia de escrita de carta em aulas de matemática tem sido utilizada por
Santos (2005) em diferentes disciplinas do terceiro grau. Esta autora evidencia que os
alunos, ―ao converterem para a escrita em prosa a simbologia usual em matemática, tantas
vezes permeada de ‗hieróglifos‘ e abreviações‖, tendem a aprofundar-se nos
procedimentos e nos significados do tema abordado (p. 131). Entretanto, Santos alerta para
a dificuldade de atribuir critério de avaliação para esse tipo de proposta.
Segundo Phillips e Crespo (1996), várias estratégias têm sido propostas no sentido
de encorajar os alunos a ler, escrever e discutir as ideias relacionadas à matemática e, de
acordo com essas autoras, entre todas as formas, a comunicação escrita é especialmente
importante, porque ―proporciona aos alunos um registro de seus próprios pensamentos e
ideias em desenvolvimento‖ (1996, p. 15). Além disso, segundo Pimm (apud PHILLIPS;
CRESPO, 1996, p. 15), a escrita ―externa o pensamento ainda mais que a fala, por exigir
uma expressão mais acurada de idéias”. Esses autores parecem atribuir à escrita a
capacidade de auxiliar os alunos a tornar explícitos seus conhecimentos e pensamentos
tácitos e de propiciar, assim, uma reflexão sobre esses conhecimentos e pensamentos.
Sob o título Comunicação em Matemática: do ensino infantil ao ensino médio e
além, a publicação anual de 1996 do NCTM abordou temas que ressaltam a comunicação
no ensino de matemática. Este anuário traz, em sua primeira parte, uma conversa com
Mary Lindquist, presidente do NCTM no período de 1992 a 1994; ali se evidenciam ideias
sobre o papel da comunicação para uma mudança na Educação Matemática.
Em recente pesquisa realizada no Curso de Matemática foi possível evidenciar que
a exploração intencional da leitura e da escrita, no processo de
ensinar e aprender Matemática na Licenciatura, como uma forma
potencial que amplia o poder de compreensão e reflexão dos
futuros professores sobre a Matemática enquanto objeto de ensino e
aprendizagem, assim promovendo a constituição pessoal e
profissional do futuro professor de Matemática (FREITAS;
FIORENTINI, 2007, p. 140)
Feres (2009), levantando o questionamento ―por que escrever nas aulas de
matemática?‖, identifica possibilidades na utilização do recurso da escrita aliado ao
processo de ensino-aprendizagem de matemática. Em sua pesquisa, percebeu que
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a metodologia de escrever nas aulas de matemática pode
desempenhar um grande papel na formação de um fazer
matemático significativo, tanto para o aluno como para a
professora. Uma metodologia que pode estimular o aluno a ter
confiança na sua capacidade de pensar e comunicar
matematicamente (p.48).
Feres (2009) percebeu que, além de contribuir para o desenvolvimento da
autonomia e do pensamento, o recurso da escrita, em processos de ensino-aprendizagem de
matemática, propicia contribuições para estimular novos diálogos entre os alunos; para que
estes se libertem do transcrever; para que registrem e sintetizem um saber para si próprios;
e para ―desempacotar‖ o conhecimento matemático. O processo de (re)escrita também foi
identificado como possibilidade de movimentar e (re)significar o pensamento matemático.
Nesse movimento de encontrar estratégias para incentivar a escrita em aulas de
matemática, há de se levar em conta que a leitura também será potencializada, uma vez que
a escrita demanda uma leitura daquele que escreve e o autor espera o retorno de seus
leitores. Nesse sentido, ―a leitura e a escrita podem, na medida em que se configuram como
experiência, [...] desempenhar importante papel na formação‖ (KRAMER, 2001, p. 110).
Nessa perspectiva, consideramos que a mediação do professor ocupa um papel
fundamental, pois esse movimento, além de contar com a oralidade permeando todo o
processo, precisa do envolvimento da escrita do professor e do aluno, o que ajuda a
promover o diálogo e as interações em sala de aula, bem como o processo de produção e
negociação de significados. Percebe-se, nesse contexto, que será imprescindível que o
professor ouça seu aluno, seja pela sua fala, seja pela leitura de sua escrita; e que este, por
sua vez, ouça o professor, quando ele propõe tarefas e dá retorno a respeito das que foram
realizadas. Assim, esse trâmite que se estabelece por meio da mediação escrita ou oral do
professor demanda necessariamente a leitura.
PONTOS A DESTACAR
Merece ser salientado que nesse contexto, em que a escrita se sobressai em aulas
de matemática, a ―intervenção do professor é fundamental para que o aluno amplie seu
vocabulário matemático, ousando mais na escrita, soltando-se, posicionando-se‖
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(NACARATO et al., 2009, p. 52). Portanto, alertamos para a necessidade da leitura de todo
o material escrito pelo aluno e do retorno esperado. Essa relação caracteriza-se como uma
relação de ensino-aprendizagem, em que todos os protagonistas ganham no processo.
Algumas potencialidades do registro, compreendidas como registro escrito, são
elencadas por Nacarato et al. (2009), que ilustram situações de ensino em que esse recurso
possibilita identificar estratégias utilizadas — ora pelos alunos, para resolver situações
problemas, ora pelo professor, para identificar questões que precisam ser retomadas ou
trabalhadas; ou, ainda, para refletir sobre crenças que necessitam clarificação.
No contexto da formação de professores, em Freitas (2006) evidenciamos que
a inserção da escrita discursiva em diferentes momentos da
formação e o lembrar e narrar por escrito (ou oralmente) histórias
da trajetória formativa experienciada pelos protagonistas
contribuíram para que os alunos/professores se desenvolvessem
profissionalmente, tornando-se agenciadores de suas reflexões e
autores de suas imagens e conceitos (2006, p. 272).
Considerando ainda o contexto da formação do professor de matemática, Passos
(2009) recupera o papel dos diários reflexivos nos momentos de formação inicial como
uma das ―práticas formativas que ampliam a visão sobre o que deve saber o professor de
Matemática para ingressar com sucesso na profissão‖ (p. 134).
Powell e Bairral (2006, p. 12), acreditando que ―a utilização da escrita, seja nas
aulas de matemática, nos projetos de formação docente ou na investigação, deve ser vista
como um processo que transforma continuamente a cognição e o aprendizado de quem a
produz‖, apresentam a escrita no cenário virtual, desenvolvida em diferentes espaços
comunicativos. Analisando diferentes experiências nos ambientes virtuais, observam, entre
outras contribuições, a explicitação e a justificação dos pensamentos por aquele que
escreve. Os autores atentam para a expectativa de resposta por parte de quem escreve no
contexto do discurso eletrônico, confirmando, mais uma vez, a importância da leitura e da
interação para o aproveitamento das potencialidades desse recurso.
Acredito que a incorporação da escrita em aulas de matemática pelos professores
intenciona instigar e ajudar os alunos a refletir sobre o próprio processo de aprendizagem;
a aprofundar seus conhecimentos, apresentando exemplos com palavras de sua autoria; e a
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propiciar possibilidades de conexão da matemática que aprendem com aplicações na vida
real. Assim, percebo a escrita em aulas de matemática como possibilidade de ganho para
ambos – aluno e professor —, pois, nesse processo que envolve recursivamente a leitura e
a escrita, as possibilidades de construção de conhecimento com significado mostram-se
potencializadas. Embora nem sempre a introdução dessa prática seja algo fácil, os esforços
revelam-se compensadores ao longo do tempo.
REFERÊNCIAS
ANDREWS, S. E. Writing to learn in content area reading class. Journal of Adolescent and
Adult Literacy, v. 41, 2 Ed, p. 141-142, out. 1997.
BURCHFIELD, P. C. et al. Writing in the Mathematics Curriculum. Disponível em:
<http://www.woodrow.org/teachers/math/institutes/1993/37burc.html>. Acesso em: 29 abr.
2010.
FERES, S. A. C. A escrita nas aulas de matemática do ensino médio: o pensamento
matemático em movimento (2009). 207 p. Dissertação (Mestrado) – Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Educação da Universidade de São Francisco, Itatiba.
FREITAS, M. T. M. A escrita no processo de formação contínua do professor de
matemática. 2006. 300 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Faculdade de
Educação, Unicamp, Campinas, 2006.
KRAMER, S. Escrita, experiência e formação - múltiplas possibilidades de criação de
escrita. In: CANDAU, V. M. E. (Org.). Linguagens, espaços e tempos no ensinar e
aprender. Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (Endipe) - RJ: DP&A, 2000.
p. 5- 24.
PASSOS, C. L. B. Processos de leitura e de escritas nas aulas de matemática revelados
pelos diários reflexivos e relatórios de futuros professores. In: LOPES, Celi Espasandin;
NACARATO, Adair Mendes. (Org.). Educação Matemática, leitura e escrita: armadilhas,
utopias e realidade. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2009. v. 1, p. 111-136.
PHILLIPS, E.; CRESPO, S. Developing written communication in mathematics through
Math penpal letters. In: For the Learning of Mathematics, v.16, n. 1, p. 15-22. Vancouver,
British Columbia, Canada: FLM: Publishing Association, 1996.
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POWELL, A.; BAIRRAL, M. A escrita e o pensamento matemático: interações e
potencialidades. Campinas, SP. Papirus, 2006. (Coleção Perspectivas em Educação
Matemática: SBEM).
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