Imagens do Corpo: Interfaces com a Tecnologia1 Maria Teresa Santoro2 Universidade São Judas Tadeu Resumo Este paper sobre as imagens do corpo humano e suas interfaces com a tecnologia pesquisa e discute algumas das atuais formas de criação, amplificação, extensão, representação e transformação do corpo humano, tanto em sua forma interna quanto externa, operadas através das tecnologias contemporâneas, à luz de dois exemplos: o corpo extendido e remodelado pelas tecnologias digitais do artista Stelarc e o corpo digitalizado do projeto Voxel Man. Palavras-chave tecnologia; corpo humano; híbrido; cyborg; virtualidade. Ao que tudo indica, alguns sonhos humanos, como o de construção de um homemautômato, ou o sonho de total extensão dos sentidos humanos para máquinas, estão, hoje, se tornando uma realidade. Graças às descobertas e invenções científicas e tecnológicas nos campos da biologia, da medicina, da robótica, da computação etc., podemos atualmente intervir e modificar nossos corpos de forma crescente e até criar vida artificial.3 Ao olharmos para a história do homem, verificamos que a aspiração de construção ou de extensão de algumas capacidades do corpo humano já aparece na ficção antiga. Santoro 1 Trabalho apresentado ao NP 08 – Tecnologia da Informação e da Comunicação, do IV Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom. 2 Doutora em Comunicação e Semiótica pela Universidade Técnica de Berlim; Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP; Professora de Comunicação e Linguagem do Departamento de Ciências Sociais da Universidade São Judas Tadeu, em São Paulo. Seus estudos se concentram na percepção e nos modos de apresentação e representação do corpo humano. Publicou o livro ‘Semiótica do Medicamento’ e os artigos ‘Os Cadáveres Plastificados do Dr. Von Hagens. As Formas da Morte’, ‘O Fantástico Mundo de Matthew Barney’ e ‘Vida Artificial. Os Descendentes de Frankenstein’. 3 Maria Teresa Santoro e Rejane Cantoni, Os Descendentes de Frankenstein, www.uol.com.br/tropico, 2003. 1 & Cantoni4 descrevem algumas versões de um homem sobre-humano, como a do gigante de bronze, Talos, forjado por Hefaístos para proteger a ilha de Creta; ou a figura de Golem, o homem de barro a quem um rabino soprou um hálito de vida através da palavra. Outros robôs são apontados por Popper e Eccles5 , sobre duas passagens no Livro 18 da Ilíada, nas quais: ‘Hefesto, o famoso artífice’, é descrito como sendo o criador de máquinas-robôs (O termo ‘robô’ foi introduzido por Karel Capek.). Na primeira dessas duas passagens, Hefesto está construindo símiles de garçons automáticos (ou carrinhos de chá). Na segunda, ele é assistido no seu trabalho por moças inteligentes que ele havia forjado em ouro, metal que possuía poderes peculiares. Mais modernamente, a conhecida ficção de Mary Shelley Frankenstein ou o Moderno Prometeu, de 1818, aponta para um homem construído com partes de cadáveres e animado por procedimentos científicos - o galvanismo, a ciência em voga da época. Dos antigos sonhos literários e cinematográficos às tecnologias que contemporaneamente invadem e remodelam externa e internamente o corpo humano, ou o projetam nas atuais máquinas, observa-se uma nova apresentação da realidade desse corpo e de seu sujeito, o que coloca em crise as tradicionais formas de apresentação e representação de um corpo unificado, universal, estável e individualizado. A noção de corpo ‘sujeito’, uno e indivisível, em sua nova relação com as tecnologias contemporâneas transformou-se no conceito de corpo ‘objeto’, relacionado com a realidade de corpos possíveis, múltiplos, reconstruíveis, modeláveis e recriáveis. O que constatamos é, hoje, uma realidade já circundada por criaturas híbridas, seres biônicos, cyborgs, ciberorgânicos, cibernéticos etc., que habitam a arte, a mídia, a ciência e a medicina, entre outros. Essas apresentações e representações de corpos fragmentados, expandidos, reconstruídos, corpos artificiais etc. atestam que o corpo humano nunca foi visto como um fenômeno simplesmente ‘natural’. As atuais relações do corpo humano com as tecnologias refletem, portanto, uma percepção do corpo enquanto um objeto, que está em sintonia com um programa organicista operado pela medicina atual, com os suportes técnicos desenvolvidos pela ciência para sua observação e manipulação, bem como com a transformação e simulação desse corpo, permitidas pelas mídias e pela arte. O corpo serve, hoje, a um jogo de 4 Ibd, p. 1. 5 Karl Popper e John C. Eccles. O Eu e Seu Cérebro, São Paulo, Papirus Editora, 1995, p. 20. 2 combinações, composições e experimentações úteis, em primeiro lugar, para a sua sobrevivência e sua perpetuação, para seu estudo e seu aprimoramento, bem como para a sua exibição e culto. As atuais relações do corpo humano com as tecnologias são ainda o resultado de uma maior afinidade entre o mundo úmido analógico dos processos biológicos e o mundo digital tecnológico. Em seu limite, o que conhecemos hoje sobre o corpo humano e sobre a atual tecnologia nos permite apontar para um futuro (e não se trata de uma ficção) em que seres biológicos serão misturas biotecnológicas, serão criaturas mais sintéticas etc. No mundo científico, artístico e midiático essas misturas de seres, que se situam na fronteira entre o humano e o não-humano, ou seja, o pós-biológico, o híbrido, o artificial etc. têm seu modo de comunicação intensificado nas últimas décadas e hoje esses “corpos trans-formados" através das novas tecnologias, da ciência, da arte e da produção midiática habitam nosso cotidiano, o real e o imaginário. Assim, as atuais tecnologias biomédicas e de comunicação, por exemplo, nos permitem transformar o corpo humano tanto em sua forma, quanto em sua capacidade de perpetuação. Tentando responder a pergunta-título do livro “Que corpo é esse?”, em seu artigo ‘Corpo e risco’ Paulo Vaz observa que Hoje, porém, o corpo começa a habitar o campo de nossa liberdade; podemos transformálo em sua forma e em sua capacidade de perseverar no ser. Pensemos, a partir do que já está sendo posto em prática, nos desdobramentos possíveis da engenharia genética, da imunologia, da cirurgia plástica e das próteses e nos espantaremos em o quanto o corpo passa a depender de nossa ação tecnologicamente potencializada.6 Mediadas pela ciência e pelas tecnologias de informação e de comunicação, essas e outras experiências, além de modificarem nossos corpos, vêm afetando nossa percepção do corpo humano e pondo em discussão a unicidade desse corpo, apontando para uma conscientização do corpo como lugar de construção, como aqueles corpos extendidos ou reconfigurados pela medicina plástica, pela medicina esportiva, regenerativa, corpos cyborgs ideais, construídos na arte, na mídia e na ficção, além de outros corpos criados à semelhança da idéia do corpo humano “uno” tradicional. 6 Paulo Vaz. Corpo e Risco, em Nízia Villaça, Fred Góes e Éster Kosovski (org.), Que Corpo é Esse?, Rio de Janeiro, Mauad, 1999, pp. 159-175 3 Machado chama a atenção para as transformações não só dos corpos humanos, mas para a duplicação ou “mimetização” de sistemas vivos em outros sistemas, como as redes neurais, que simulam o processamento paralelo do cérebro e o diálogo entre os neurônios: os algoritmos genéticos, que mimetizam a reprodução sexual e a seleção natural; e os vírus de computador, que imitam os vírus da vida real no modo como se reproduzem e infetam os organismos.7 Ele conclui que “no futuro, os seres artificiais não serão tão distintos ou desconectados dos seres ‘orgânicos’”. 8 Frente a essas constatações, é nossa intenção apresentar dois exemplos de corpos humanos construídos e reconstruídos através das tecnologias hoje disponíveis, e observar o que essas propostas desenvolvem. O Corpo Obsoleto de Stelarc No primeiro exemplo, abordamos o corpo criado pelo artista-performer australiano Stelarc. Trata-se de um trabalho artístico-performático em várias versões, que Stelarc apresenta em shows, festivais de dança e teatros experimentais, onde ele utiliza instrumentos médicos, próteses, procedimentos de robótica, sistemas de realidade virtual e Internet para explorar as interfaces criadas entre as tecnologias e seu corpo. Encarnando o híbrido homem-máquina, em suas performances Stelarc tem seu corpo amplificado, inserindo seus olhos laser, seu braço automático, sua sombra vídeo etc. Seu interesse é alterar, introjetar e provocar experiências involuntárias com o corpo a fim de perceber as alterações perceptivas que essas experiências provocam. Em seu site9 , o artista afirma que “Corpos são tanto zumbis quanto cyborgs. Nós nunca tivemos uma idéia de nós mesmos”. Perseguindo a concepção mcluhiana de que a extensão de um órgão dos sentidos altera a maneira como pensamos e nos comportamos, o artista utiliza recursos/instrumentos tecnológicos - por exemplo, a terceira mão robótica, uma tecnologia feita de acrílico que Stelarc fixa sobre seu braço direito e que é controlada por sinais dos músculos abdominais e da perna - afirmando que se trata de “tomar consciência... de que as 7 Arlindo Machado. O Quarto Iconoclasmo e Outros Ensaios Hereges, Rio de Janeiro, Rios Ambiciosos, 2001, p. 75 8 ibd. http://www.stelarc.va.com.au 9 4 estruturas fisiológicas do corpo determinam sua inteligência e suas sensações, e se se modifica essa estrutura, obtém-se uma percepção alterada da realidade.” · Na performance em que usa esse manipulador robótico, a mão se agita freneticamente e seus dedos de aço se contraem no vazio. A mão pode beliscar, agarrar, soltar e girar seu punho 290 graus em ambas as direções, e possui um sistema de retroalimentação tátil que procura um sentido de tato mediante estimulação de eletrodos fixados no braço do artista, segundo Dery.10 Em outra apresentação Atuação/Rotação: Evento para um Corpo Virtual, de 1993, Stelarc usa um sistema de detectação magnético Polhemus, cujos sensores estavam fixos em sua cabeça, no tórax e nas extremidades, que permitiram uma interatuação com um dublê digital que imitava cada um de seus gestos. O dublê aparecia em um monitor de vídeo, alternando suas aparições na forma ora de esqueleto, ora de manequim de carne. Conforme descreve Dery, 10 Ibd, p. 176. 5 Simultaneamente, câmeras de vídeo transmitiam ao sistema as imagens ao vivo do corpo de Stelarc, e o ponto de vista gerado pelo coordenador – a câmera virtual – estava coreografando por si mesma, gerando assim, montagens com corpos de carne e osso e corpos fantasmas.11 O artista também trabalha com os sons gerados por seu corpo, como os batimentos cardíacos, amplificados por meio de um eletrocardiógrafo, ou o abrir e fechar das válvulas do coração e o som do fluxo sanguíneo que são captados por conversores Doppler ultra-sônicos. Operando com e sobre a tecnologia, Stelarc intervém com a produção sonora de seu corpo, na medida em que se contorciona, comprime a mão ou a distende, produzindo diferentes freqüências sonoras. Sintetizadores analógicos produzem sons dos sinais elétricos de seu ritmo cardíaco, de sua tensão muscular e de suas ondas cerebrais. Stelarc constrói ainda um ciberespaço com seu braço virtual. Trata-se de um manipulador universal que reproduz em desenho animado digital uma extremidade humanóide, controlada pelos gestos de um ciberator. Esse braço pode girar o punho de maneira contínua, esticar ao infinito, fazer brotar novas mãos, traçar linhas e esferas com a ponta dos dedos etc. Como escreve Dery, “na sinergia cibernética de Stelarc, a separação entre o que controla e o que é controlado se torna indistinta: Stelarc é prolongado por seu sistema de alta tecnologia, mas constitui-se, por sua vez, uma prolongação do próprio sistema.”12 Pode-se dizer que Stelarc cria um novo homem exteriorizado, expandido e, ao mesmo tempo, introjetado na tecnologia que utiliza. Em seu site, Stelarc anuncia que “o corpo está obsoleto”, referindo-se ao corpo humano em sua forma biológica atual, que ele considera inadequada. Discutindo que a força planetária determinante não é mais a força da gravidade (que moldou a forma e a estrutura do corpo em sua evolução nesse planeta), mas a do fluxo de informações, o artista chega à conclusão de que é esse fluxo de informações o responsável pela expansão do corpo para além de si mesmo e de sua biosfera. Tal corpo precisa, segundo o artista, ser remodelado e readaptado para transcender através da tecnologia: é necessário, portanto, um corpo objetivizado. Segundo o artista, o corpo ideal para as funções que o futuro tecnológico acena, seria um corpo endurecido e 11 12 Ibd, p. 177. Ibd. 6 desidratado para poder ser um receptáculo melhor para a tecnologia. Sua pele deveria ser sintética, capaz de converter a luz em elementos químicos nutritivos e de absorver, através dos poros, todo o oxigênio necessário para a vida. Dery relata a descrição que Stelarc faz do corpo do futuro pós-humano: Destripado e reestruturado com componentes modulares de fácil reposição, provido de uma armadura e de músculos eletrificados por seu exo-esqueleto robótico; dotado de múltiplas antenas que amplificam sua vista e seu ouvido; capaz, mediante um chip implantado ou mediante manipulação genética, de aumentar a capacidade de processamento cerebral até o nível de um supercomputador -o ser pós-humano de Stelarc viveria em um sistema fisiológico pan-planetário, duradouro, flexível e capaz de funcionar em condições atmosféricas diversas e em campos gravitacionais e eletromagnéticos.13 O corpo projetado por Stelarc é um corpo manipulável e analisável, que pode ser submetido e melhorado, transformado em um potente cyborg. O ideal do artista são pessoas reconstruídas e reconectadas planetariamente, ou seja, o mito cyborg de Stelarc é um super-herói humano metamorfoseado. Pensando nesses seres pós-humanos, Stelarc profetiza estar vivendo os últimos dias do humano, em um mundo pós-frankensteiniano, no qual as fronteiras entre humanos e máquinas já não estão mais distintas. O Projeto Voxel Man A proposta de um corpo digitalizado e recriado em computador, intitulada de projeto “Voxel Man”, é o segundo modelo de análise abordado. Nesse exemplo, um modelo de cérebro projetado por Leonardo da Vinci foi reconstruído no computador e preenchido com dados colhidos de três fontes: 1- de um projeto anterior de corpo digitalizado, o de simulação do corpo do prisioneiro Joseph Paul Jennigan, projeto chamado de “Homem Visível”; 2- de dados de material do sistema vascular, gerado através de imagens de ressonância magnética de um paciente; 3- de material de cenas especiais mostrando a morfologia de ossos, tomado de dados obtidos através da tomografia computadorizada de um cadáver. Voxel Man foi produzido por um grupo de cientistas do Instituto de Matemática e Ciências da Computação em Medicina da Universidade de Hamburgo-Eppendorf, em 2001. Pode-se dizer que a comunicação produzida em Voxel Man é uma síntese do 13 ibd, p. 184. 7 avanço científico e tecnológico do não visível (é o interior do corpo que se desenvolve para fora da superfície) e que se iniciou com a invenção do Raio X, por Wolhelm Conrad Röntgen, em 1895. São imagens de um corpo virtual, pós-humano, modelado pela técnica e produzido de forma artificial. Em Voxel Man, a anatomia humana transforma-se em bits e bytes. Trata-se de um atlas anatômico e radiológico de cérebro humano que pode ser interna e externamente navegado através do mouse, ou seja, é uma imagem 3D de um cérebro que pode ser virtualmente navegado. Voxel Man possibilita tal invasão porque é formado por pixels tridimensionais, voxels – ou pequenos blocos retangulares – que simulam o volume dos elementos, por onde se entra-navega. Voxel Man é um aprimoramento do primeiro projeto nesse gênero, “O Humano Visível”, de 1994, quando o prisioneiro Joseph Paul Jennigan, que havia doado seu corpo para esse projeto, foi executado. No projeto, o corpo de Jennigan foi cortado em 1878 fatias milimétricas, que foram, por sua vez, retrabalhadas (elas foram acondicionadas em blocos de gelatina, seus orifícios preenchidos com látex colorido, essas fatias foram congeladas e passaram ainda por outros procedimentos de limpeza e conservação), a fim de produzir um modelo exato, visualizável e transparente dessas partes. Este modelo foi então fotografado, ‘escaneado’ e introduzido, ou traduzido em dados para o computador. Este foi o primeiro modelo computadorizado do corpo humano. Pode-se pensar em uma recriação de Jennigan, ou um Frankenstein virtualmente ressuscitado? 8 Voxel Man é, portanto, a apresentação de um modelo virtual de homem, reconfigurado por novas tecnologias computacionais, que permitem a visão 3D interior do corpo físico sem interferir fisicamente. Ao apresentar o corpo interno visível, Voxel Man se torna um modelo transparente do conhecimento e do reconhecimento científico e tecnológico. Os objetos do modelo voxel são representados por coleções de pontos, ou seja, aquilo que é percebido como quadro análogo do corpo humano é uma composição de dados que o computador adapta em um sistema de coordenadas. Essa “pele técnica” do corpo faz com que o modelo do corpo objetivo, buscado pela Renascença, tenha sido finalmente alcançado, mas fique agora descontextualizado, pois o corpo humano é tomado e gravado enquanto dados modelares. Tal codificação tem como efeito novas formas de significação, seja pela “tatilidade” do olho ao percorrer a tela do computador, porque permite entrar e explorar o corpo internamente e estudar sua forma de funcionamento, seja pela incorporação de suas formas interiores no cotidiano do receptor, uma vez que o interior do corpo humano, neste e em outros projetos, se desenvolve para fora de sua superfície. 9 Santaella14 , em ‘Cultura Tecnológica & O Corpo Biocibernético’, de 1998, diz que: “o destino biotecnológico do ser humano, hoje manifesto nas mesclas do carbono com o silício, já estava inscrito no programa genétic o da espécie, no momento em que se deu, na biosfera, esse acontecimento único, a emergência humana, abrindo caminho para o advento de um novo reino, noológico, semiosférico, reino dos signos e da cultura, predestinado a crescer e se multiplicar. (...) No limiar do século XXI, quando as fronteiras entre ambiente externo (mídias tecnológicas) e ambiente interno (percepção, cognição, modelização) caminham para uma radical abolição, um olhar semiótico pode funcionar como uma chave para a compreensão do inextricável imbricamento da tecnologia e cultura (semiosfera) na natureza (bio e ecoesfera), imbricamento a que estamos assistindo e de que somos participantes.” A comunicação do corpo, de seu destino ou de suas ressignificações contemporâneas, na sua virtualização, recriação, modelação, codificação, até sua transformação em código binário, de sua desconstrução/construção e no apontar para corpos possíveis, além da recepção desses corpos por um sujeito marcado pela convivência com a realidade virtual nos mostra um corpo objeto. Suas antigas fronteiras simbólicas são rompidas, pois esse atual corpo e suas representações nos mostram um jogo de armar, de combinar vida e morte, de desentranhar suas partes e remontá-las, expondo um corpo experimental em uma posição ambígua e, por vezes, inusitada e surpreendente. Dentro dessa inusitada perspectiva, desmonta-se a unidade do corpo e, conseqüentemente, de seu sujeito. Pode-se dizer que a comunicação contemporânea do corpo humano, na ciência, na mídia e na arte aponta para a conscientização de um corpo que se tornou um modelo, ou um sistema, ou um ponto de partida para a sua expansão, remodelação, multiplicação, ou seja, percebe-se hoje a comunicação de um corpo objetivo espacialmente separado, que vai se reencontrar unido em outro parâmetro, em um novo signo. A comunicação de um corpo construção concretiza ainda, através das mídias, uma reaproximação da ciência com a tecnologia e com a arte, anunciada e perseguida desde a Renascença de Leonardo da Vinci. 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