CASO 1
Menino de 10 anos, com queixa de dores “por todo corpo”, acompanhado pelo serviço de Psicologia do Hospital. Mãe analfabeta,
submissa ao pai que, por sua vez, é catador de lixo reciclado, bastante manipulador, desde os 6 anos teve que aprender a se virar sozinho.
Casaram-se contra a vontade da família de ambos, ela com 12 anos e ele com 20 anos. Fugiram para casar. As primeiras 3 gestações do
casal resultaram em bebês mortos, sendo a terceira um filho com paralisia cerebral que faleceu aos 4 anos devido a uma pneumonia. A
irmã do paciente era dois anos mais velha e nasceu prematura (8 meses). O paciente e a irmã sempre foram muito ligados, estudavam no
mesmo colégio desde a primeira série da irmã. As dores de L o impedem de fazer suas atividades escolares. Mãe relata que ele não tem
contato com amigos ou familiares, ficando apenas em casa, brincando sozinho. O pai não permite que a família tenha contatos com as
demais pessoas, sejam parentes ou vizinhos. Ele também não permite que a mãe saia sozinha, mesmo que seja para fazer compra no
mercado, por exemplo. L só tem a irmã e vice-versa. A irmã é descrita como calma, ao contrário de L que é retratado como nervoso, assim
como seu pai. Não foram encontradas causas físicas para a dor de L, sendo usado inclusive um placebo para confirmação de diagnóstico.
Percebeu-se que suas queixas denunciavam uma dinâmica familiar bastante precária e dominadora, sem muita estimulação que
favorecesse um crescimento normal e saudável.
UNIDADE DE PRODUÇÃO 1
O João e sua mãe
O João e o pé de feijão. Ai meu Deus (pausa). Eu não consigo pensar em alguma coisa. Tinha um pé no céu, que tinha um
castelo e o João viu o pé, e subiu até o céu para ver onde ia. Quando ele subiu, ele viu um castelo lá em cima. “Tá” ruim pensar com dor. E
a mãe do João viu que ele subiu, e pela janela ela viu o pé enorme no céu. E ela viu que o João sumiu e ela foi até o pé e subiu também.
Daí ela viu castelo também, quando ela entrou viu o filho dela conversando com um gigante. E a mãe dele chamou ele pra ir embora. E a
mãe do João e o João desceram e cortaram o pé. E foram para casa.
Inquérito:
Porque você não desenhou as pessoas? Não “tô” com cabeça para desenhar.
Porque a mãe não queria que João ficasse no castelo? Não sei, só inventei, mas não sei.
O que aconteceu depois que foram embora? Não sei, juro.
UNIDADE DE PRODUÇÃO 2
O carro
Era uma vez um carro que estava sozinho na pista. Ele não tinha dono, andava sozinho. Ele tinha “zóio”, tinha boca, falava e
ouvia. Na pista furou o pneu, furou porque tinha uma pedra no caminho. E o carro capotou e ele sentiu muita dor, as dores ficava, ficava. E
ele pensou e foi na borracharia, arrumar seu carro. Depois que ele arrumou o carro continuou com uma dor insuportável, que incomodava.
E aí ele não agüentou e foi na sucata.
Inquérito:
Porque ele sentia muita dor? Porque ele capotou, capotou sozinho.
Porque foi na sucata? Porque ele não agüentava andar e nada.
O que aconteceu na sucata? O guincho consertou ele e a dor foi embora, e ele ficou andando sozinho e foi para casa na
garagem.
Ele estava feliz? Estava. Acabou.
UNIDADE DE PRODUÇÃO 3
A bola perdida
Era uma vez uma criança que estava jogando bola, e a bola caiu no meio da grama. E a bola ficou parada, não andava mais,
ficou, ficou, até ele achar. E o dono achou ela, pegou e levou para casa. E jogou mais e não sumiu mais.
Inquérito:
O que aconteceu quando a criança perdeu a bola? Ele ficou procurando.
O que mais ele gostava de fazer? Só jogar.
E o que aconteceu depois? Pegou a bola e foi jogar com os amigos e nunca mais sumiu. Só.
Quantos anos tinham esses amigos? Cinco.
O que mais eles faziam juntos? Não faziam bastante coisas juntos. Gostavam de jogar, só faziam isso. Eles só gostavam de
jogar.
UNIDADE DE PRODUÇÃO 4
Bandeira do Brasil
Era uma vez uma bandeira famosa. Ela ficava no mundo todo. Ela não gostava de ser famosa. A bandeira tinha um nome no
meio da bola, escrito Brasil (escreveu “Brasil” no desenho). Só
Inquérito:
Porque não gostava de ser famosa? Porque todos ficavam com ela na mão e ela não gostava.
Porque? Não sei.
Fale um pouco mais sobre a bandeira. Não “tô” com cabeça.
Do que você lembra quando vê a bandeira? Brasil, jogo.
Você gosta de jogo? Eu odeio jogo, eu torço para o Brasil mas acho jogo chato. Não tenho mais nada para falar.
UNIDADE DE PRODUÇÃO 5
A mão que formiga
Eu não sei nada sobre esse desenho. Era uma vez uma mão, ai eu não sei mais, eu não “tô” com cabeça. Essa mão formigava,
era a minha mão que formigava, ela formiga mesmo, dói fazer com a mão, formigava. E a mão não gostava de escrever porque formigava
mais. Essa é a minha mão, não tem força para fechar. Não gosto de escrever porque dói mais. Só, acabou.
Inquérito:
O que a mão acha disso? Fraqueza. Ela acha ruim. E queria que parasse, era o que ela mais queria.
Porque ela sente essas dores? Ah não sei. Ah não sei, não tenho idéia. Não sei mais nada.
E se ela tomar remédio será que passaria? Não. Ela tomou, tomou remédio e não passa. Só, não tenho mais nada.
AS QUATRO FAMÍLIASUMA FAMILIA QUALQUER
UP1: Sem nome.
Não consigo contar uma história, as dores estão incomodando, eu não consigo pensar. Era uma vez quatro pessoas, eu fiz
minha família, não fiz eu. Fiz minha mãe, minha irmã e meu pai.
Era uma vez três pessoas que é da minha família, minha mãe, minha irmã e meu pai, e são as pessoas que eu mais amo. Eles
estavam na casa deles, na nossa casa, conversando. Só, não tem mais nada.
Inquérito:
Que lugar é esse? A casa.
E onde está a casa? (riu). Esqueci da casa com a dor que eu estou. (desenhou a casa). Eles estavam sentados na cadeira
assistindo TV.
Porque você não está no desenho? Faz de conta que eu nem existo. Não quero por na história. A pessoa que eu mais gosto aí é
minha irmã, e minha mãe, mais a minha mãe, não a minha irmã, e minha mãe, mais a mãe, não a irmã. Na verdade, os três, meu pai
também.
Porque você gosta mais da sua mãe e irmã? Não, é dos três. Eu juro.
O que essa família gosta de fazer? Meu pai gosta de trabalhar, trabalha bem. Minha mãe faz serviço de casa e minha irmã
estuda.
O que gostam de fazer? Gostam de ficar em casa, assistir TV, conversar.
E você? Eu não existo, eu nem quero mais... ah nada, deixa...
Você não quer o que? Não, não. (pausa). Nem queria mais existir, por causa das dores, saudade da minha irmã.
E você gosta de estar em casa com sua família? Sim.
E porque você não desenhou você? Porque... ah. (Apagou a casa, aumentou e desenhou ele). Deixa eu fazer eu triste. Os três
estão felizes, eu não, eu tenho saudade, estou triste, queria conversar com alguém, com a minha irmã e meu pai.
Não quero dar nenhum nome ao desenho e estória.
FAMILIA QUE GOSTARIA DE TER
UP2 : Os dois casais
(inicialmente recusou-se a fazer, dizendo que já tinha a família que gostaria, que era perfeita e não queria outra, com insistência
ele desenhou.)
Era uma vez meu pai e minha mãe que se gostavam muito. Que eu queria que fosse assim e é. Ainda bem. Eles estavam na
nossa casa no sofá, no nosso quarto. Eles “tão” felizes. Eles gostavam um do outro, gostavam não, gostam.
Inquérito:
Onde estão você e sua irmã? Eu e minha irmã estamos no outro quarto.
O que seus pais estão fazendo? Estão conversando, não sei o que estão conversando.
O que eles gostam de fazer? Se dão bem com você e sua irmã? Eles gostam de ficar em casa conversando, gostam de casa.
Gostam de mim e da minha irmã. Esqueci o que mais eles gostam.
O que mais eles fazem? Um monte de coisas, mas já esqueci. Eles mais conversam.
O que gostam de fazer com você e sua irmã? Conversar, brincar, um monte de coisas.
Que monte de coisas? Esqueci, nem sei direito, não “tô” lembrado.
FAMILIA ONDE ALGUEM NÃO ESTÁ BEM
UP3; A pessoa doente
(riu muito quando eu dei as instruções desta produção, disse que estava rindo à toa, sem querer. Disso que ia fazer a família
dele, a irmã primeiro porque gostava de conversar com ela. Disse que desenharia sua família porque ele está doente mesmo, e disse que
o faria sentado porque não agüenta ficar em pé.)
Era uma ver, tinha quatro pessoas na família... tinha uma pessoa doente, ele sofria muito, sentia dor, dor e não passava. A
família pensou em procurar um médico na mesma cidade. Foram ao médico, passou remédio e não passou a dor. Foi de novo no médico e
não deu. Foi em Maringá, e não adiantou, foram cinco vezes, voltaram e desistiram, depois ficou internado, voltou para a casa nem sei que
dia, e foi um momento feliz, mas a dor não passou. Ficou feliz porque passou a saudade, mas a dor não melhorou porque não descobria o
que era, não melhorava, não dava remédio.
Inquérito:
Como era a família antes da dor? Era boa, não tinha nada de problema. Antes meu pai trabalhava bem, sem se preocupar,
minha mãe “tava” bem, não precisava sair muito. Eu brincava, fazia tudo, agora a dor não deixa eu brincar, estudar, comer, dormir, a dor
incomodava muito.
E porque começou a dor? Aconteceu alguma coisa? Lembra de algum motivo? No começo do ano começou a dor, do nada, e fez
exames para descobrir, mas não deu nada. Não lembro se aconteceu algo para começar.
E sua família te ajuda? A minha irmã ajuda, a mãe ajuda, todos da família ajudam. Mas não melhora nada.
O que você acha que pode melhorar essa dor? Nada pode melhorar essa dor pra passar, não sei o que pode passar.
SUA FAMILIA
UP4 Quatro família sem sorte
(L perguntou se precisava desenhá-lo, dizendo que achava que só precisava desenhara família e não ele. Perguntei se ele fazia
parte da família, ele fez uma expressão que não, mas disse que sim.)
Era uma vez uma família muito inteligente, tinha quatro pessoas. Você já sabe, não preciso falar, tinha dor. Você sabe tudo.
Então tinha quatro pessoas...Eles se gostavam muito. A minha irmã estuda, meu pai trabalha, o irmão “tá” internado e mãe junto.
Inquérito:
O que essa família faz no final de semana, quando estão todos juntos? Saímos, não não, não saímos não. Não sei direito.
Esqueci. Ficamos em casa só, vendo TV, meu pai faz compra, minha mãe faz serviço, minha irmã brinca de boneca, eu fico deitado, não
faço quase nada agora que estou assim.
Você e sua irmã brincam juntos? Agora não brincamos de nada, só conversamos. Antes de pega-pega, esconde-esconde.
Você brinca com primos ou amigos? Não, antes brincava, andava de bicicleta, de tudo, mas agora não ando, não faço nada. Não
saio pra rua, nem para o terreno, a dor não deixa, as pernas.
E como está essa família agora? “Tá” todo mundo preocupado, de cabeça quente. Não tenho mais nada pra falar, eu juro. Quero
falar uma coisa com a minha mãe, já eu volto.
Só diz o título e já vai acabar. Tudo bem... quatro família sem sorte.
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Resumo caso