Texto acessado de www.wcaanet.org/events/webinar como parte do seminário virtual
EASA/ABA/AAA/CASCA de 2013.
Começo de conversa. Breve comentário sobre os textos de Bruna
Franchetto e Christine Jourdan
Omar Ribeiro Thomaz (Unicamp)
I
O texto de Brina Franchetto – “O monolinguismo é uma doença” – é instigante e, sobretudo,
provocativo. Destaque-se que Bruna é uma das especialistas neste universo vasto que denominamos de
“línguas indígenas” no Brasil, parte das quais definidas a partir da eminência do seu desaparecimento. Com
efeito, no que diz respeito ao número de línguas indígenas existentes no Brasil, o superlativo não deixa de
impressionar: trata-se de uma porcentagem mínima da população total do território que, entretanto, é
detentora de um conhecimento. A famosa frase – “muita terra prá pouco índio” – caberia aqui para as línguas
– “muita língua prá pouco falante”. Tantas línguas que parecem ser esmagadas por um gigante que se
percebe como monoglota como o Brasil! Não foram poucas as vezes em que, ao comentar regiões
reconhecidamente poliglotas – como qualquer país africano ou europeu – deparei com a reação de colegas
brasileiros: “por aqui não temos destes ‘problemas’: do Oiapoque ao Chuí, todos falamos ‘português’”.
A assertiva é recorrente entre colegas da academia, muitas vezes exasperados com meu fascínio por
contextos poliglotas como a Espanha ou a Guiné-Bissau, ou pela minha insistência nos ‘direitos’ das línguas
minoritárias europeias. Recorrente e profundamente perturbadora, e faço eco aqui ao texto de Bruna
Franchetto: o Brasil e os brasileiros continuam a aparecer como uma espécie de substância que,
profundamente sedutora, tenderia a se alimentar, e eliminar, qualquer diversidade passível de desfazer seu
encanto.
Os acadêmicos – entre os quais não pouco antropólogos – parecem profundamente satisfeitos com
um gigante que se quer deitado em berço esplêndido, mas que na verdade é profundamente violento com
aquilo que se quer autorrepresentar como diversidade orgulhosa de si. O suposto monolinguísmo existente do
Oiapoque ao Chuí deve ser compreendido de distintas maneiras:
De um lado, ele não existe: para além das 160 línguas indígenas “ainda sobreviventes” no Brasil, não
foram poucas as comunidades que resistiram á ditadura assimilacionista, e no Brasil encontramos número
significativo de falantes de variantes do alemão, do italiano e do japonês, para ficarmos com as línguas
minoritárias que mais se destacam;
Tampouco o ‘português’ pode ser percebido como um todo homogêneo, como bem destaca o texto
de Bruna Franchetto: para além do fato de nos distanciarmos de forma radical do português standart europeu
– a ponto de comprometer de fato a compreensão mútua (ou seja, “em português não nos entendemos”) –
ouso dizer que a diversidade interna existente no Brasil não tem sido objeto da devida atenção por parte de
antropólogos e outros cientistas sociais. Aqui o modelo paulistano / carioca parece tudo querer engolir, e
variantes regionais e de classe surgem sempre marcadas pelo estigma, como algo que deveria desaparecer,
pelo menos de espaços percebidos como ‘cultos’ em meio a elites profundamente ignorantes. A diversidade
de falares no Brasil é antes de tudo um motor de reprodutor de desigualdade e a incomunicabilidade sequer
perturba: há muitos que parecem não ter o que dizer; suas vozes (com seus vocabulários específicos, suas
concordâncias particulares, seus sotaques) são francamente silenciadas em meio a uma geleia nacional que
não se cansa de afirmar orgulhosamente como portadora de algo como uma brasilidade (seja lá o que isso
quer dizer);
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Por fim, é difícil não manifestarmos surpresa diante do orgulho do genocídio ou da repressão. O
autoritarismo linguístico aqui aparece como uma assimilacionismo sedutor – afinal quem não quer falar a
doce língua portuguesa do Brasil? Quem não quer merece morrer ou ser silenciado. Trata-se de um
movimento no mínimo desconcertante já que, filhos e filhas do século passado, deveríamos ter incorporado
minimamente a crítica às distintas formas de genocídio e etnocídio que encontramos alhures.
II
O texto de Christine Jourdan levanta múltiplos aspectos que não poderão se desenvolvidos nesta
breve nota. Destacarei apenas que aquilo que a autora destaca para o caso do francês é passível de ser
transportado para outras fonias, como, por exemplo, contextos (supostamente) lusófonos, mas por vezes em
direção oposta, no que diz respeito ao eixo ex-metrópole / ex-colônia.
No caso da língua portuguesa, é com surpresa que os falantes da variação brasileira reagem quando,
ao chegarem a Portugal, descobrem que falam ‘brasileiro’. Afinal, aprende-se que no Brasil falamos e
escrevemos em português e que os portugueses falariam português ‘com sotaque’ (na maioria das vezes
incompreensível para os originários do Brasil);
Da mesma forma que apontado por Jourdan, os crioulos de matriz portuguesa ou falados em antigas
colônias, como Cabo Verde e Guiné-Bissau (ou Brasil?), são percebidos como patrimônio moral, histórico e
linguístico de Portugal e dos portugueses. De tal forma, que é razoável um português não falar crioulo na
Guiné ou mesmo aportuguesa-lo sem a menor cerimônia, o mesmo não sendo permitido para os oriundos de
outras paragens. Poderíamos falar o mesmo para o kreyòl haitiano com relação à França que insiste no fato
do Haiti ser um país francófono (sic).
Mas creio que o que o texto de Jourdan destaca é um certo desconforto daqueles que, crentes de que
falam uma língua internacional (como o francês e o português) percebem que, em determinados contextos,
sua língua não é tão internacional assim, sobretudo quando estamos no mundo universitário onde o inglês
parece se impor numa velocidade incrível – pelo menos naqueles contextos não lusófonos ou francófonos.
Demandas com relação a estas duas línguas, que seriam oprimidas (sic) pelo inglês, ignoram sua própria
impaciência com relação a línguas classificadas como minoritárias (com relação ao inglês ou ao mandarim o
francês e o português são certamente minoritários). No caso das línguas francesa e portuguesa não apenas
nas antigas colônias, mas em terreno metropolitano.
Fiquemos com o caso francês. Não deixa de ser surpreendente a sensibilidade de Paris diante do
avanço do inglês quando a própria língua francesa foi e é imposta cotidianamente aos habitantes da república
(e em nome da república). Assim, o catalão, o basco, o corso ou variantes do alemão que apresentam certa
vitalidade em território francês são constantemente submetidos à impiedade jacobina de Paris, que ora as
ignora, ora as reprime, ora as despreza. Em outros países não é diferente, e não são poucas as escaramuças
entre catalães e espanhóis (sic) – recentemente, o Ministro da Educação do governo espanhol declarou sua
pretensão de espanholizar as crianças catalãs, assumindo assim sua não hispanidade, o que não fez mais do
que alimentar desejos secessionistas catalães. O que é minoritário em determinados contextos (o francês no
Quebec diante do inglês) é majoritário em outros (o francês na França, por mais que este francês sinta-se
histericamente ameaçado pelo inglês).
No que diz respeito à produção antropológica, creio que subsumir ao inglês pode representar uma
libertação diante de outras línguas francamente repressivas como o francês, o português e o castelhano em
distintos continentes. O antropólogo poderia escrever, assim, em inglês e em kreyòl, sem a necessidade de
passar de passar pelo francês; em inglês e em catalão, sem a necessidade de passar pelo castelhano e pelo
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francês; e em inglês e em ronga (língua perfeitamente letrada do sul de Moçambique graças aos esforços
seculares dos missionários protestantes); ou em inglês e em guarani, sem a mediação do português ou do
espanhol.
Enfim, é mais uma vez a geleia nacional, sem sua vertente republicana ou chinfrim-tropicalista, que
se apresenta como problema para as línguas minoritárias. Geleia nacional travestida de suposta maioriadade.
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