Ministério da Saúde Direcção Nacional de Assistência Médica Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Junho, 2012 Serviços Integrados para Atendimento às Vitimas de Violência DEDICATÓRIA Esta publicação é dedicada a todas as crianças e mulheres sobreviventes da violência para que mantenham a coragem de lutar contra a violação dos seus direitos humanos. Ministério da Saúde Direcção Nacional de Assistência Médica GUIA para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Serviços Integrados para Atendimento às Vitimas de Violência Junho, 2012 FICHA TÉCNICA Autores Francelina Pinto Romão, MISAU Ana Baptista, Jhpiego Micó Polana, Jhpiego Sidónia Fiosse, Associação Moçambicana de Ginecologistas e Obstetras Revisores Rosa Marlene, MISAU Grupo PRESWAP de Género Virgílio Ceia, MISAU Rómulo Muthemba, MISAU Armando Bucuane, MISAU Fátima Souto, MISAU Aleny Couto,MISAU Lídia Gouveia, MISAU Rui Bastos, MISAU Eugénia Macassa, MISAU Della Correia, CDC Paula Morgan, CDC Natércia Fernandes, Jhpiego Colaboradores: Amélia Kaufman, Consultora Jhpiego Débora Bossemeyer, Jhpiego ©Esta publicação do Ministério da Saúde da República de Moçambique (MISAU) foi realizada com o apoio técnico da Jhpiego/CDC e com os fundos do povo dos Estados Unidos da América, disponibilizados por meio do Plano de Emergência do Presidente para o Alívio do SIDA através dos Centros de Prevenção e Controlo de Doenças (CDC). MOÇAMBICANOS E AMERICANOS JUNTOS NA LUTA CONTRA O HIV/SIDA ÍNDICE Abreviaturas 6 Prefácio 7 I. 9 Introdução e Justificativa II. VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA 1. 2. 13 Protocolo de Atendimento Psicológico para Sobreviventes de Violência de Género 15 Protocolo de Atendimento Social para Vítimas de Violência Sexual 21 2.1 Atendimento Social - Ocorrência de Violência Sexual Imediata ou Remota, Sem Gravidez 21 2.2 Atendimento Social - Mulher com Gravidez decorrente de Violência Sexual 22 3. Comentários Finais 22 III. VIOLÊNCIA FÍSICA 23 1. Protocolo de Atendimento em Sobreviventes de Violência Física IV. VIOLÊNCIA SEXUAL 1. 2. 25 27 Relevância do Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Sexual e Profilaxia Pós Exposição Não Ocupacional do HIV (PPE) 29 Elementos do Atendimento Integrado às VVS em Moçambique 30 2.1 Orientação dos Principais Intervenientes no Atendimento das VVS 31 2.2.1 Consentimento Informado 32 33 2.2.2 História Clinica e das Circunstâncias do Incidente 33 2.2 Avaliação Clinica da Vítima de Violência Sexual 2.2.3 Exame Físico Completo 2.2.4 Exame Genito-Anal Completo 2.2.5 Colheita de Amostras para Exames Médicos e Forenses 2.2.6 Oportunidades Terapêuticas e Profiláticas 2.2.7 Seguimento Clinico e Acompanhamento Psicossocial 34 36 38 39 48 2.2.9 Considerações Especiais - Avaliação da Criança VVS 51 53 3. 55 2.2.8 Registo de Casos Abordagem Integrada do Atendimento às VVS 3.1 Interação com Outros Serviços 56 3.2 Instalações dos SIAVVS 57 3.3 Fluxograma dos SIAVVS 58 4. 59 Considerações Finais 61 ANEXOS Anexo I Ficha de notificação de casos de Violêncais Sexual 62 Anexo II Esquemas Profiláticos Usados em Pediatria de Acordo com as Formulações Pediátrica 63 Anexo III Baterias de Avaliação Psicológica 64 1. Avaliação da ansiedade 64 2. Avaliação do risco de suicídio (aspectos a explorar) 65 3. Escala de depressão 67 Bibliografia Consultada 68 DEDICATÓRIA Esta publicação é dedicada a todas as crianças e mulheres sobreviventes da violência para que mantenham a coragem de lutar contra a violação dos seus direitos humanos. A B R E V I AT U R A S AZT Zidovudina CE Contracepção de Emergência CS CS - Centro de Saúde D4T Stavudina LPV/r Lopinavir combinado com ritonavir HIV Vírus de Imunodeficiência Humana IP Inibidor de Protease ITS Infecção de Transmissão Sexual PPE Profilaxia Pós Exposição Não Ocupacional ao HIV SIAVV Serviços Integrados para Atendimento às Vítimas de Violência Sexual SIDA Síndrome de Imunodeficiência Humana SMI Saúde Materno Infantil 3TC Lamivudina US Unidade Sanitária VS Violência Sexual VVS Vítimas de Violência Sexual P R E FÁ C I O A violência baseada no género é uma violação dos direitos fundamentais do ser humano e constitui um problema sério de saúde pública. Tem impacto profundo na saúde física, sexual e mental da vítima, tanto no momento do acontecimento, como na sua vida futura. A violência, incluindo a sexual, ocorre em todos os cenários culturais e níveis sociais e é uma triste realidade que as mulheres e crianças têm vivido no nosso país. O controlo da violência não é tarefa exclusiva das esferas jurídica, policial e social, mas também da saúde, pois a maioria das vítimas procura estes serviços. Estudos feitos no nosso país mostram que cerca de 54% das mulheres já foram ou são vitímas de violência física e ou sexual. Não se conhece cabalmente a prevalência da violência na criança, mas todos os profissionais de saúde são unanimes na afirmação de haver cada vez mais crianças violentadas procurando os nossos serviços. Implementar serviços de atendimento integrado às vítimas de violência é zelar pelos Direitos Humanos e, valorizar no espaço de saúde, a realização desses Direitos é, neste caso, a melhor forma de garantir a saúde e, os profissionais de saúde estão numa posição privilegiada para a realização desta tarefa. Este guia prático tem como objectivo apoiar os quadros de saúde na organização e gestão dos serviços de saúde de modo que as vitimas recebam os cuidados que precisam, quando precisam, de forma amigável, obtenham os resultados desejados, sem desperdício de recursos, assegurando a uniformização da assistência, tendo em conta não só o trauma físico mas também o trauma psicológico e os aspectos legais. A oferta destes serviços deve ser sensível ao género de modo a reduzir o impacto físico e mental desta experiência traumática, e, ser baseada na aplicação de princípios éticos e de respeito aos direitos das pessoas atingidas por violência. Maputo, aos 21 de Dezembro de 2011 O Ministério da Saúde Alexandre L. Jaime Manguele I Introdução e Justificativa 10 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência O presente guia visa orientar os profissionais de saúde no tratamento físico e psicológico das sobreviventes da violência, bem como as medidas de prevenção ao HIV e outras doenças transmissíveis por via sexual, após violência sexual. Este foi concebido para apoiar o Trabalhador de Saúde na realização do atendimento integrado de vítimas de violência. A implementação e provimento de serviços integrados e de qualidade às vítimas de violência é um dever moral e de saúde pública. A violência constitui um crime contra a integridade física de outrém e, representa um grande risco para a saúde. No caso da violência sexual, há um risco acrescido na transmissão do HIV e de outras infecções de transmissão sexual, podendo resultar numa gravidez indesejada, aborto inseguro e comportamento de risco nas vítimas, para além dos transtornos emocionais e psicológicos (OMS, 2003). Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 11 12 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência II Violência Psicológica 14 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 1. Protocolo de Atendimento Psicológico para Sobreviventes de Violência de Género A principal necessidade imediata da vítima que acaba de sofrer violência de género é de apoio e acolhimento psicológico. Nos casos de violência doméstica, recomenda-se que o atendimento psicológico seja extensivo ao grupo familiar/doméstico da vítima. O atendimento psicológico constitui não só um passo muito importante no pacote de atendimento integrado, bem como, precisa que seja feito no mais curto espaço de tempo (urgência), por diversas razões: 1) A violência psicológica é a forma mais comum de violência, que antecede e/ou acompanha todas as restantes formas de violência. 2) A violência psicológica pode ocasionar diferentes problemas psicológicos, que se podem tornar crónicos se não forem prontamente detectados e tratados. 3) Um bom atendimento psicológico apoiará a vítima a seguir os conselhos médicos e cumprir com os protocolos. O atendimento é dividido em três momentos distintos, que não são necessariamente três únicos atendimentos, mas sim diretrizes que podem orientar o atendimento às pessoas atingidas por violência. O primeiro momento propõe avaliar, orientar e lidar com as emoções e reações da mulher (ou criança), bem como a de seus familiares ou acompanhantes, logo após a vivência da agressão seja ela física, emocional ou sexual. Os profissionais que fazem o primeiro atendimento às vítimas nos postos policiais, devem preocupar-se com a urgência no atendimento médico, prestar um acolhimento solidário e digno, mais humanizado e, além disso, tomar as cabíveis providências de ordem policial. Portanto, tais profissionais, devem ser sensíveis e lembrar sem- Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 15 pre que, a vítima que sofreu a violência foi e está muito humilhada e que é provável que ela não queira se expôr ainda mais, inclusive porque está amedrontada e confusa. Pensar na agressão desperta muitas emoções e reações diferentes. Vivenciar esta situação significa potencializar estas emoções e reviver, sejam elas quais forem: a) medo, b) raiva, c) revolta, d) culpa, e) ansiedade, bem como calma ou apatia, não havendo portanto, um padrão de comportamento comum. No caso da violência sexual, a "invasão da intimidade sexual" pode causar uma destruturação na organização psíquica, na auto-estima e na vida pessoal, havendo necessidade de cuidados nesse sentido. Mecanismos de defesa inconscientes como: 1) negação, 2) isolamento e repressão, podem ser observados em função do sofrimento psíquico e da estrutura da personalidade. O atendimento inicial deve ser feito por provedores de sexo femenina, em lugar próprio e reservado, que garanta privacidade, para que a vítima possa relatar a ocorrência com maior liberdade e segurança. São muito importantes a procura pelo médico, o uso de medicações específicas, o respeito para com os sentimentos presentes e as limitações relacionadas à situação vivida. O aconselhamento sobre prevenção de ITS/HIV/SIDA, orientação sobre anticoncepção de emergência, ou sobre a possibilidade de realização de interrupção da gravidez são conteúdos necessários para que a vítima tenha informação que a ajudem a desmistificar as fantasias relacionadas com estes aspectos e enfrentar conscientemente cada situação. É necessário abordar o tema relacionado com os mitos e tabus da virgindade, orientando a respeito do assunto, com o objetivo de desvincular a violência sofrida da primeira relação sexual. Podem ser observados sintomas físicos como: dores generalizadas, irritação gastro-intestinal, cefaléia, insônia, irritabilidade e distúrbios ginecológico-urinário, a curto ou a longo prazo, havendo a necessidade de descartar uma possível causa orgânica ou de origem psicossomática. Observa-se também sentimento de medo relacionado à discriminação social das mulheres vítimas de violência. A idéia de que "a 16 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência mulher que é violentada é aquela que dá motivos ou provoca a situação" ou "só é considerado violência de verdade aquele em que a vítima é espancada, fisicamente machucada ou até morta" são preocupações mencionadas, que acabam interferindo no processo de elaboração da vivência traumática. É bastante importante o apoio e compreensão dos familiares e das pessoas próximas e, para que isso ocorra de maneira adequada, faz-se necessária à avaliação e orientação psicológica destes. Nem sempre é possível a abordagem de todos os aspectos mencionados acima e nem todas as pacientes são receptivas ao atendimento psicológico que lhes é oferecido e não imposto. Contudo, em todas as ocasiões é oferecida a possibilidade de retorno para continuidade deste tipo de atendimento. No entanto, comumente observa-se resistência por parte das pacientes que manifestam a idéia de que se não falarem no assunto irão esquecê-lo mais rapidamente, demonstrando dificuldade que provoca angústia e sofrimento, e o desejo "mágico" de afastá-los se não expressar verbalmente os conteúdos e emoções relacionados ao assunto. O profissional de saúde deve como parte do atendimento, ouvir e validar a informação prestada pela vítima, mostrando empatia e compreensão. A - Primeiro Momento n Avaliação dos sentimentos predominantes (medo, revolta, rai- va, culpa, ansiedade, angústia, calma). n Avaliação do grau de desorganização da vida pessoal. n Avaliação da organização psíquica e mecanismos. n Reações psicossomáticas. n Reações do grupo social em que está inserida (acolhimento e apoio, críticas, discriminação, revolta, expulsão). n Aconselhamento sobre ITS/HIV/SIDA. n Importância da paciente respeitar o estado emocional em que se encontra e suas limitações. n Apoio emocional. Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 17 n Entrevista psicológica com acompanhante ou familiar. Geralmente, a partir da segunda semana após o acto de violência, observa-se o início do progresso de elaboração psíquica da violência sofrida e reorganização da vida pessoal. A mulher apresenta-se mais integrada. Os sentimentos de medo e insegurança continuam presentes, porém de uma forma menos intensa e persecutória, sendo possível a reinserção nas actividades quotidianas. O retorno à rotina diária é fortalecedor e ajuda a recuperação da auto-estima da paciente. Nos casos de violência sexual, as dificuldades frente à figura masculina e retorno à actividade sexual, frequentemente despertam ansiedade e são relatadas em função das lembranças da violência sofrida. Em alguns casos é necessária a convocação para entrevista psicológica do parceiro sexual para avaliação e orientação a respeito do assunto. B - Segundo Momento n Reorganização da vida após a violência sofrida (retorno ao tra- balho, à escola, às actividades desenvolvidas). n Prevenção de futuras consequências na vida pessoal (estado depressivo, escolhas de relacionamentos, perpetuação da violência). n Recuperação da auto-estima. n Encaminhamento para avaliação psiquiátrica, caso seja necessário. n Repercussões no sentimento frente à figura masculina. n Apoio emocional. n Sentimentos persecutórios provenientes da violência sofrida. No segundo momento, a importância da avaliação psicológica é dada em função do processo da elaboração psíquica não acontecer de uma forma linear, mas de maneira dinâmica e pessoal, havendo muitas vezes recaídas ou até a manifestação de quadros 18 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência psicopatológicos como distúrbios depressivos e fóbicos. Deve ser avaliada a necessidade ou não de encaminhamento para avaliação psiquiátrica. Na situação específica da violência sexual, considera-se como segundo momento quando resulta em gravidez. Nesta situação, devem ser abordados aspectos particulares. A avaliação dos sentimentos relacionados com a constatação da gravidez, o levantamento dos princípios morais e religiosos, as fantasias relacionadas à gravidez e `sua interrupção, a condição sócio-econômica e o apoio ou falta deste por parte dos familiares e pessoas afins são os principais aspectos levados em consideração no momento desta "difícil decisão". A opção pela continuidade da gestação ou pela interrupção da gravidez está permeada por sentimentos de angústia, ambivalência e culpa frente a esta decisão. É fundamental que a mulher que vive esta situação possa se sentir livre, sem preconceitos e julgamentos para decidir a sua opção e sinta-se acolhida dentro da instituição, qualquer que seja a sua escolha. É necessário atendimento psicológico durante o período de decisão (pela interrupção da gestação ou continuidade desta); durante o internamento (caso a mulher opte pela interrupção); durante a fase pré-natal, parto e puerpério (caso decida dar continuidade à gestação). É importante a garantia de ser dada continuidade ao atendimento psicológico, caso haja necessidade. C - Terceiro Momento (na violência sexual) Casos em que ocorre gravidez: n Sentimentos relacionados à constatação da gravidez fruto da violência sexual (ambivalência, culpa, rejeição, aprovação). n Levantamento dos princípios morais e religiosos que podem interferir na decisão e não pela interrupção da gravidez. n Fantasias relacionadas com a gravidez e com a interrupção da gravidez. n Acompanhamento psicológico no decorrer do internamento para interrupção legal da gestação, havendo a possibilidade de Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 19 dar continuidade ao ambulatório. n Apoio psicológico relativamente às outras opções e não à inter- rupção. Em nenhum momento a vítima de violência sexual deve ser incumbida de entregar notificações ou intimações ao seu agressor. 20 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 2. Protocolo de Atendimento Social para Vítimas de Violência Sexual 2.1. Atendimento Social - Ocorrência de Violência Sexual Imediata ou Remota, Sem Gravidez. O Serviço Social realiza esse atendimento, através de entrevista para levantamento dos dados a fim de viabilizar o conhecimento do caso e promover o apoio psicossocial. A intervenção social não ocorre apenas com a vítima, é extensiva aos familiares e/ou colaterais, quando necessário. A entrevista é o instrumento utilizado para a intervenção social, visando: n Conhecer a história da vítima, com data e local do estupro; n Orientar sobre a importância do boletim de ocorrência, esclare- cendo não ser condição para o atendimento e encaminhar para essa providência, se for desejo da usuária. n Identificar a demanda social trazida pela usuária, decorrente ou não da situação de violência, tais como: direitos previdenciários e trabalhistas, desemprego, relacionamento familiar e/ ou conjugal, direitos da usuária com observação do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Declaração dos Direitos Humanos, etc..; n Identificar o apoio familiar e/ou da rede de relacionamentos da usuária, frente ao ocorrido; n Reforçar a importância do atendimento médico e psicológico, enfatizando o acompanhamento nos Ambulatórios de Ginecologia e Moléstias Infecto-contagiosas; n Esclarecer a usuária quanto aos recursos da instituição: trans- porte e medicação, quando necessário; n Orientar e encaminhar para os recursos da comunidade, tais como: Ministério da Mulher e da Acção Social, Postos de Saúde, Associações e Organizações não Governamentais que prestam serviços afins. O Serviço Social também tem constatado a importância do entrosamento com outros órgãos públicos envolvidos nesta problemática, visando socializar as informações sobre a importância do Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 21 atendimento médico imediato nas ocorrências de violência sexual, com objectivo de maior eficácia no atendimento. 2.2. Atendimento Social - Mulher com Gravidez, decorrente de Violência Sexual O Serviço Social realiza este atendimento, através de entrevista para promover o acolhimento da usuária e sua rede de relacionamento, seguindo a mesma rotina do atendimento às vítimas de violência sexual sem gravidez. Porém, tais entrevistas abordam ainda, aspectos específicos inerentes a essa situação, visando: n Identificar o desejo de interrupção ou não da gravidez, os valo- res morais e religiosos e discutir as alternativas como: prénatal e doação do recém-nascido; n Orientar quanto ao protocolo da instituição para atendimento dessa problemática; n Esclarecer seus direitos e encaminhar para os trâmites legais exigidos pela instituição, a fim de viabilizar a interrupção da gravidez; n Orientar quanto à necessidade de atendimento médico para constatação da idade gestacional. O atendimento social às vítimas de violência não se encerra numa única entrevista; o acompanhamento dos casos ocorre espontaneamente, conforme necessidades manifestadas pelas usuárias e ou detectadas pelo profissional de saúde. 3. Comentários finais Cabe ressaltar a importância do atendimento multidisciplinar à mulheres vítimas de violência e a necessidade de que um número maior de instituições se estruture para facilitar o atendimento a esta população, que poderá ser poupada de um desgaste e grande exposição, caso receba o atendimento adequado próximo à sua moradia ou local em que foi violentada. 22 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência III Violência Física 24 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 1. Protocolo de Atendimento em Sobrevivente de Violência Física Se a vítima estiver acompanhada, deve-se pedir para que o acompanhante se retire do gabinete médico para deixar a paciente à vontade. Fazer o registo demográfico completo da vítima no processo clínico (nome, idade, sexo, morada, estado civil), e o registo dos acontecimentos. Após confirmação da violência, proceder de acordo com as seguintes normas: Violência sexual em crianças 1. Encaminhar a vítima à consulta médica; 2. Dar apoio emocional/psicológico, acompanhado de explicação sobre os direitos que a vítima tem; 3. Instituir o tratamento físico e mental de acordo com o diagnóstico; 4. Comunicar o evento às autoridades policiais; 5. Se se tratar de violação sexual deve-se seguir as instruções da violência sexual descritas acima. Violência Doméstica 1. Instituir o tratamento físico de acordo com o diagnóstico; 2. Encorajar a vítima a participar nas sessões terapêuticas e outros serviços de apoio psicológicos ou nas organizações/serviços que prestam apoio à comunidade durante os seis (6) meses seguintes; 3. Aconselhá-la a denunciar o caso às autoridades policiais, pois a agressão é um crime punido por lei; 4. Comunicar o facto às autoridades policiais; 5. Elaborar relatório médico-legal destinado às autoridades policiais; Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 25 6. Estabelecer comunicação regular com as autoridades para fazer seguimento dos casos. 7. Marcar consultas de seguimento. Conselhos Gerais l Nos gabinetes médicos e policiais deve haver confi- dencialidade; l Grande sensibilidade e empatia por parte dos profis- sionais de saúde; l O pessoal de saúde deve testemunhar sempre que chamado ao tribunal; l Educar as vítimas para que denunciem a agres- são/violação, pois é um crime que é punido por lei; l Documentar as respostas no processo clínico e guar- dar em local seguro e registar o diagnóstic l Apoiar, isto é, não ser crítico, ser sensível e compre- ensivo; l Trabalhar em coordenação com outros parceiros envolvidos na assistência das vítimas, tanto do governo como da sociedade civil. 26 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência IV Violência Sexual 28 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 1. Relevância do Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Sexual e Profilaxia Pós Exposição Não Ocupacional ao HIV (PPE) A violência sexual, pode ser entendida como "penetração física forçada na vulva, ânus ou cavidade oral, usando o pênis ou outras partes do corpo ou objectos" (OMS, 2003). O atendimento integrado às vítimas de violência sexual torna-se uma necessidade na sociedade moçambicana, onde os níveis de violência são crescentes, afectando de maneira preocupante crianças e mulheres (WLSA, 2008). No Hospital Central de Maputo, entre 2005 a 2008, foram assistidas na Urgência de Ginecologia, 1.496 vítimas de violência sexual (2% do total de atendimentos). Destes, 7% eram crianças dos 0 aos 5 anos e 46% tinham entre 12 e 19 anos. Cerca de 6% apresentavam lesões profundas que necessitaram de correcção cirúrgica, 0.5% necessitavam de internamento em cuidados intensivos e 0.1% foram óbito1 (HCM, 2008). Os mitos conduzem a práticas que elevam a violência sexual contra as crianças e as mulheres, contribuindo para prevalência crescente do HIV e de outras doenças transmissíveis por via sexual. As consultas de Clínica Geral, de SMI e Banco de Socorros constituem as principais portas de entrada das vítimas da violência sexual. Porém, o resultado da deficiência no diagnóstico atempado e do encaminhamento adequado é o aparecimento de infecções sexualmente transmissíveis como HIV, o aborto inseguro e danos psicológicos irreversíveis. A violência sexual aumenta a vulnerabilidade ao HIV/SIDA, por isso, a Profilaxia Pós Exposição Não Ocupacional ao HIV (PPE), parte importante do manejo clínico das vítimas de violência sexual, é de extrema importância, uma vez que visa reduzir a transmissão do HIV. 1 Dados de relatório de casos de violência sexual assistidas na Urgência de Ginecologia - HCM Maputo, 2008 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 29 As evidências mostram benefícios da Profilaxia Pós Exposição ao HIV, para redução do risco de transmissão do HIV em exposiçoes não ocupacionais, onde é possível observar uma redução na transmissão do HIV em 81% dos casos em regimes contendo Zidovudina. 2. Elementos do Atendimento Integrado às VVS em Moçambique A abordagem integrada ao atendimento de vítimas de violência sexual deve contar com os seguintes elementos: n Orientação dos principais intervenientes no atendimento das vítimas de violência sexual sobre os procedimentos a tomar: è Avaliação da vítima de violência sexual; è Terapias profiláticas (Profilaxia Pós Exposição ao HIV e outras ITS' e contracepção de emergência); è Seguimento dos casos de exposição não ocupacional ao HIV; è Registo e notificação dos casos . Os serviços que prestam atendimento integrado às vítimas de violência sexual devem incluir sempre os seguintes elementos: Tabela 1- Atendimento integrado de vítimas de violência sexual Avaliação Clínica Aconselhamento e apoio psicológico l Avaliação das lesões l Seguimentos pós l Avaliação do l Avaliação Médica exposição l Terapias preventivas l Abordagem legal l Colheita de amostras 30 Seguimento Clínica Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência estado m e n t a l familiar l Reintegração 2.1 Orientação dos Principais Intervenientes no Atendimento das VVS As actividades de formação devem ser orientadas para potenciar os serviços existentes e garantir transferência de competências, de modo a integrar as acções de prevenção ao HIV para vítimas de violência sexual na política nacional de controlo do SIDA. O atendimento das VVS deve fazer parte do pacote de serviços básicos prestados aos utentes desde o nível primário de atenção.As competências requeridas para oferecer um serviço de qualidade em todos os níveis de atenção são as seguintes: Tabela 2 - Competências Requeridas nos Diferentes Níveis de Atenção Intervenientes Nível Conselho Comunitário de luta contra violência Comunitário Enfermeira de SMI das US periféricas Atenção primária Competência Requerida l Reconhecer situações de violência incluindo a sexual; l Estabelecer com a US de referência um sistema de encaminhamento dos casos; l Criar núcleos de luta contra violência contra mulher e criança; l Apoiar a reintegração social da vítima através de grupos de apoio e educação de pares. l Saber identificar sinais físicos e psico- lógicos básicos da violência incluindo a sexual; l Fazer exame físico para identificar lesões; l Fazer profilaxia pós exposição para as ITS; l Fazer o rastreio da gravidez, aconselhamento e testagem para HIV; l Possibilitar a contracepção de emergência; l Identificar sinais de perigo; l Fazer a referência dos casos graves. Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 31 Intervenientes Nível Competência Requerida Enf. SMI da US, Téc. de Medicina, Téc. de Psiquiatria, Médico Generalista da sede distrital ou CS Urbano ou CS tipo II Comunitário l Saber identificar sinais físicos e Médico Generalista Técnico superior de Cirurgia Hospitais rural e distrital Hospitais Gerais e Centrais 32 psicológicos básicos da violência sexual; l Fazer exame detalhado para identificar lesões físicas e mentais com importância médico legal; l Fazer profilaxia pós exposição para as ITS, PPE, aconselhamento e testagem para o HIV; l Fazer o Rastreio da gravidez; l Possibilitar a contracepção de emergência; l Realizar cuidados pós aborto, despiste e tratamento das ITS; l Promover a reabilitação psicológica; l Identificar os sinais de perigo; l Fazer a referência para nível secundário dos casos graves. Referência Primária l Saber identificar sinais físicos e psicológicos da violência sexual; l Fazer exame físico detalhado para identificar lesões com importância médico legal; l Fazer profilaxia pós exposição para as ITS, PPE, aconselhamento e testagem para o HIV; l Fazer o rastreio da gravidez, cuidados pós aborto, despiste e tratamento das ITS l Possibilitar a contracepção de emergência; l Promover a reabilitação psicológica; l Identificar sinais de perigo; l Fazer a referência dos casos graves ao nível terciário l Oferecer Serviços Integrados de Atendimento às Vítimas da Violência. Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 2.2 Avaliação Clínica da Vítima de Violência Sexual As VVS podem se apresentar apartir de qualquer porta de entrada das unidades sanitárias. No entanto, os serviços de urgência e de saúde materno-infantil recebem a maioria dos casos. Seja qual for a entrada da vítima na US, esta deve ter acesso imediato à serviços integrados que contem com pessoal formado. A avalição clínica da VVS deve sempre incluir: 1. Consentimento Informado; 2. História clínica e das circunstâncias do incidente; 3. Exame físico completo; 4. Exame genito-anal completo; 5. Colheita de exames médicos legais; 6. Oportunidades terapêuticas e profilácticas; 7. Seguimento clinico e psicossocial; 8. Registo dos casos 2.2.1 Consentimento Informado A avaliação deve iniciar com o consentimento da vítima após explicação do profissional de saúde sobre o exame físico e os procedimentos necessários. Tanto o profissional de saúde como a vítima devem dar informações verdadeiras, precisas e claras. O ideal é que a vítima seja entrevistada sozinha, e se vítima for menor de idade e não puder comunicar pode ser solicitada a presença de acompanhante. 2.2.2 História Clínica e das Circunstâncias do Incidente O objectivo da história clínica é obter o máximo de informação capaz de auxiliar o provedor na tomada de decisão terapêutica ou profilática, de acordo com a situação. Os aspectos a seguir devem ser sempre considerados para o levantamento de uma adequada história clínica: Antecedentes Médicos n História pregressa de patologia crônica e outros incidentes de violência n Uso de medicação habitual e alergias. Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 33 História Ginecológica n Menarca; n Data da última menstruação; n História sexual e uso de preservativo no último mês; n Paridade; n História de gravidez; n História de contracepção. História sobre o incidente Quando iniciar a entrevista peça para que o utente explique, por suas palavras o que aconteceu, sem o interromper. Se precisar de esclarecer algum detalhe aguarde até ao final do depoimento. Deve-se investigar a data e local da agressão, número de agressores, natureza de contacto físico, tipo de coito e uso de preservativo. 2.2.3 Exame Físico Completo Antes de qualquer exame ou procedimento, devem ser explicados à vítima ou seus tutores, todos os procedimentos a serem realizados. O uso das precauções básicas para o controlo de infecções deve ser sempre respeitado pelos trabalhadores de saúde durante o exame. O exame deve ser feito dos pés à cabeça e, todas as lesões devem ser registadas. I – Exame da vítima: 6 5 n O exame deve ser efectuado num gabinete médico, em ambiente bem recatado para preservar a privacidade da vítima, sempre que possível na presença de um familiar. O perito deve ser auxiliado por uma enfermeira. 7 4 8 3 9 2 1 9 10 Figura: Vitima despida para um exame clínico completo da cabeça aos pés. 34 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência n O exame clínico deve ser completo, devendo o perito observar o estado geral de saúde; estado de consciência, de orientação no tempo e espaço; estado psicológico e o desenvolvimento físico de acordo com a idade (púbere ou não). n A vítima deve estar completamente despida e deve-se descrever as lesões traumáticas extra genitais. II - Exame do perpetrador: n O exame clínico deve ser efectuado o mais cedo possível. n O exame deve ser completo, dando particular atenção ao estado psicológico e de desenvolvimento físico; n Observação físicoa a fim evidenciar lesões de ataque/defesa nos membros, tronco; órgãos genitais, nos dedos/unhas e peças de vestuário para colheita de amostras/manchas/pêlos para exame laboratorial. Figura: Sinais de defesa nos membros superiores n III- Exame em casos de pratica de sexo oral: n Introdução do pénis na cavidade oral: os sinais que podem ser encontrados são: escoriações ou abrasões nos lábios; equimoses na mucosa labial; tumefacção e/ou equimoses na abóbada palatina. n A pesquisa do sémen deve ser feita por meio de uma zaragatoa na região alvéolo-gengival ou vestibular, precocemente antes de se completar 1 hora após o acto libidinoso. Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 35 Introdução da língua na cavidade vulvo-vaginal: é um acto de manifestação libidinosa (mais frequente em adolescentes, aliciados por mulheres adultas) em que os sinais ou lesões apareceram tardiamente como por exemplo a manifestação de uma ITS. Figura: abrasões nos lábios 2.2.4 Exame Genito-Anal Completo O exame genito-anal deve ser feito através da visualização directa das lesões genito-anais. Este, deve incluir a inspecção da região genital ou outra parte do corpo envolvida no acto de violência sexual. Uma vez que as vítimas podem apresentar lesões de vários graus de severidade, devem ser também avaliados os sinais e evidências de penetração e extensão das lesões. Estas lesões podem ser genitais e não genitais, e, dependendo do grau de severidade das mesmas, podem levar à morte da vítima. É fundamental efectuar também o registo cuidadoso das lesões, indicando o seu grau de severidade e localização. IV - Exame em casos de sexo anal: Sodomia passiva: é a introdução de um pénis ou de um objecto contundente ou ponta aguda de diversa natureza (dedos, pénis artificial, etc.) no ânus de um individuo. 1. Sodomia passiva recente (violenta): n Contractura dolorosa do esfíncter anal com ou sem hemorragia. 36 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência n Feridas ou fissuras com congestão e equimose na mucosa ano-rectal. n Tenesmo (dor ao defecar). Figura: herpes simples e ulceração da vulva 2. Sodomia passiva não recente (habitual): n Ânus de forma infundibular. (em forma de funil) n Relaxamento do esfíncter anal. n Desaparecimento das pregas ano-rectais. A pesquisa de sémen deve ser precocemente (máximo até 24 horas) após o acto libidinoso. No perpetrador deve-se pesquisar partículas de fezes no pénis/região púbica e roupa. V - Exame em casos de sexo vaginal: Hímen virgem: o diagnóstico é feito pela integridade da membrana himenial, isto é, quando não existe nenhuma solução de continuidade entre o bordo livre e o bordo aderente. 1. Sinais de desfloramento recente: n Solução de continuidade (laceração) com bordos desiguais, equimóticos e edemaciados com/sem exsudado. n Hemorragia vaginal n Equimose na região vulvo-vaginal Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 37 2. Sinais de desfloramento não recente. n Solução de continuidade (laceração) com bordos desiguais, coaptáveis sem alteração da cor (idêntica à da membrana himenial). 3. Sinais de cópula vaginal recente: n Equimoses nas paredes vulvo-vaginal. 2.2.5 Colheita de Amostras para Exames Médicos A colheita de amostras de secreções deve ser feita de forma minuciosa e atraumática. Estas devem ser etiquetadas e embaladas com clara indicação do conteúdo, hora e data da colheita, número de identificação da vítima, pessoa que colhe a amostra e o destino. As amostras devem ser transportadas em soro fisiológico para o laboratório até 24 horas após a colheita. As secreções devem ser colhidas com zaragatoas secas vaginal, anal ou oral, de acordo com a história de penetração ou tentativa de penetração. Estas amostras são de interesse médico legal e, tem objectivo de provar a ocorrência de penetração através da visualização de espermatozóides por exame directo. O resultado negativo não exclui a ocorrência de violência sexual. Este teste é viável até 6 horas após o contacto sexual sem uso do preservativo. O exame em crianças vítimas de VS pode ser muito desconfortável e, por isso não é recomendado . A pesquisa do sémen deve ser efectuada no fundo de saco de Douglas num período que não exceda 48 horas. 38 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência No perpetrador deve-se pesquisar secreção vaginal no pénis, região púbica e roupa. O atendimento as vítimas de violação sexual deve ser imediato e deve considerar os aspectos médicos, jurídicos e psicológicos que a condição envolve. Deve-se proceder à documentação e tratamento do trauma físico, das ITS, HIV/SIDA, avaliação do risco de gravidez, colheita de exames de interesse forense e intervenção sobre o processo de crime. Perante uma queixa de violação sexual é necessário obter da vítima uma boa história clínica e fazer um bom exame físico. Deve se ter atenção a esta utente e não esquecer que é uma vítima e portanto deve ser tratada com carinho e muito cuidado. Considerar os constrangimentos que a situação acarreta. Figura: pesquisa de sémen 2.2.6 Oportunidades Terapêuticas e Profiláticas Tratamento das Lesões: n Lesões genitais e extragenitais As vítimas com lesões graves devem ser referidas para tratamento de urgência, enquanto que as que apresentam lesões menos severas, podem ser tratadas localmente. As lesões Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 39 Tabela 3 - Padrões de lesões extragenitais Lesões Possíveis Local Pescoço, Face e Couro cabeludo Face l Mordeduras, abrasões e petéquias por sucção l Trauma laríngeo, alteração do timbre da voz l Hematomas, lacerações l Fracturas,trauma dental, abrasões intraora- is com lesão do frenulo l Hematom a periorbitário, hemorragia sub- conjuntival Tronco l Lacerações nos mamilos , abrasões e denta- das l Fractura das costelas Membros superiores (MS) l Equimoses na face latero externa dos MS e na face interna dos MI, fracturas Membros inferiores (MI) Após uma violência sexual, as lesões do períneo podem ser superficiais e não necessitar de intervenção, ou então, podem envolver lacerações da vagina e/ou vulva com comprometimento de vasos sanguíneos que necessitam de intervenção cirúrgica, para controlar hemorragia ou restaurar a integridade de estruturas pélvicas. As vítimas com estes tipos de lesões devem ser referidas para uma US com capacidade cirúrgica. Os objectivos da avaliação das lesões genito-anais são: a) Controlar hemorragia, b) Aliviar a dor e, c) Detectar e corrigir lesões pélvicas d) Registo de lesões no processo clínico O acto de penetração forçada na vulva ou ânus pode causar lesões. As características destas lesões dependem de: n Estado dos tecidos (Tamanho e lubrificação); n Tamanho e características do objecto penetrante; n Quantidade de força usada; n Grau de relaxamento da musculatura pélvica; n Posição do agressor e ângulo de penetração. 40 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Terapias Profiláticas n Contracepção de emergência (CE) Consiste na administração de hormonas que bloqueiam ou atrasam a ovulação, interferem com a fertilização e implantação. Não é uma terapia abortiva. Portanto, não afecta uma gravidez pré existente. Os critérios de elegibilidade são : Para vítimas do sexo feminino com mais de 11 anos e que já tenham tido a menarca, sempre que tenha tido exposição genital ao sêmen, correm o risco de gravidez indesejada. Nesta circunstância a contracepção de emergência deve ser sempre administrada. n Apresentação até 72 horas após a exposição; n Teste negativo para gravidez, se for disponível; n Vítimas de sexo femenino maiores de 11 anos ou que já tenha tido a menarca, sem história de gravidez. A CE deve ser feita sempre que a utente em idade reprodutiva seja exposta ao sémen. É efectiva quando efectuada até 72 horas após a exposição. A primeira dose deve ser administrada preferencialmente dentro de 6 horas após a exposição, e a segunda dose 12 horas após a primeira dose. Quanto mais cedo se iniciar a contracepção mais efectiva será a terapia profilática, com taxas de sucesso de até 89%.(CDC, 2010). Existem 2 opções, de acordo com a disponibilidade: Orientação à Vítima de Violência Sexual antes da CE Microgyinon 4 comp 12/12h - por 1 dia Lo-feminal 4 comp 12/12h - por 1 dia n A CE não é 100% efectiva; n A CE não é abortiva; n Procurar ajuda se tiver: dor abdominal, torácica ou cefaleia severa, dificuldade respiratória, visão borrada ou cegueira repentina. O período menstrual seguinte pode aparecer na data prevista ou antes e, se tal não acontecer, deverá ser feito teste de gravidez. Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 41 O uso de preservativo em todas as relações sexuais, bem como a escolha de um método de contracepção deve sempre fazer parte da orientação das vítimas de violência sexual. n Profilaxia para ITS As infecções de transmissão sexual são comuns na população moçambicana, com prevalências de até 51% em mulheres grávidas em áreas rurais2 . A profilaxia medicamentosa das ITS deve ser prescrita enquanto se aguarda pelos resultados dos exames laboratoriais colhidos. Todas as vítimas de violência sexual devem ser rastreadas para ITS, especialmente infecção por N. gonorroheae e C. trachomatis, HIV e Sífilis, de acordo com a capacidade diagnóstica de cada US. Independentemente do resultado do rastreio, o tratamento presuntivo deve ser feito a todas as vítimas de VS. O tratamento presuntivo para ITS, com a excepção de HIV e Hepatite B, é feito com um cocktail de antibióticos capazes de inibir a replicação bacteriana. Os exames laboratoriais básicos a serem feitos antes de qualquer interveção profilática, e de acordo com a capacidade diagnóstica de cada US são: n Teste rápido para o HIV; n Teste rápido para sífilis; A profilaxia para IT's deve ser feita de acordo com o esquema descrito abaixo. 3 Penincilina Benzantínica 2.4 milhões IM dose única*** Ciprofloxacina 500mg V.O. dose única* Metronidazol 2g V.O. dose única** Azitromicina 1g V.O. dose única* 2 3 42 Prevalência de ITS em áreas rurais em Moçambique. B Vuylsteke, R Bastos, J Barreto, T Crucitti, E Folgosa, J Mondlane, T Dusauchoit, P Piot, and M Laga, 1993 Em caso de gravidez use cefixime 400mg V.O dose única no lugar de ciprofloxacina, em crianças use ceftriaxona 80 mg/kg IM D.U.. **Não use metronidazol no primeiro trimestre de gravidez.*** No caso de alergia á penincilina use doxicilina por 14 dias Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência n Profilaxia para Hepatite B As VVS estão em risco de adquirir Hepatite B. Por isso, deve-lhes ser sempre oferecido o rastreio e imunização de acordo com as situações descritas na tabela 4 abaixo. Tabela 4 - Conduta para imunização para hepatite B de acordo com estado imunológico Estado Imunológico Conduta Vítima não vacinada para Hepatite B Administrar a primeira dose na primeira visita, segunda dose no 1° mês e, terceira dose no 6º mês Vítima com calendário de vaci nação incompleto Completar o calendário vacinal Vítima com vacinação completa Não necessita de vacinação De acordo com a disponibilidade, pode ser aplicada também a Imunoglobulina (HIB 0,06-0,08 mg/Kg IM). NOTA: A imunoglobulina está contraindicada na gravidez. A vacinação antitetânica deve ser administratada à todas a vítimas com feridas contamiadas e sem história de vacinação completa. n Profilaxia Pós Exposição Não Ocupacional ao HIV (PPE) A profilaxia pós exposição ao HIV é um o coktail de antiretrovirais oferecido às vítimas de violência sexual para reduzir as hipóteses de transmissão do HIV. Esta deve ser administrada quando há risco de transmissão do HIV e, deve ser iniciada até 72 horas após a ocorrência, de preferência nas primeiras 6 horas. Este tratamento profilático deve estar sempre disponível no ponto de entrada da vítima na unidade sanitária que presta os cuidados. Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 43 A exposição não ocupacional ao HIV é classificada da seguinte maneira: Tabela 5 - Classificação da exposição não ocupacional ao HIV Exposição com baixo risco de transmissão do HIV Exposição com alto risco de transmissão do HIV n Exposição na: vagina, recto, boca, outra mucosa ou pele não intacta; n Quando houver contacto com: sangue, sémen, secreções vaginais, retais ou outros fluidos contaminados; n Quando o indivíduo fonte é positivo ou não se conhece seu status serológico. n Quando houver contacto com : saliva, urina, suor, lágrimas, quando não contaminados com sangue; n Independentemente do status sorológico do indivíduo fonte. Tabela 6 - Risco médio de transmissão do HIV após exposição não ocupacional ao HIV por via sexual4 Risco por cada 10,000 Exposição Partilha de seringas 67 Sexo anal receptivo 50 Picada de agulha 30 Sexo vaginal receptivo 10 Sexo anal insertivo 6.5 Sexo vaginal insertivo 5 Sexo oral receptivo 1 Sexo oral insertivo 0.5 1 10 20 30 40 50 60 70 80 O risco médio de transmissão do HIV, após exposição não ocupacional ao HIV por via sexual, difere de acordo com o tipo de exposição, descritos na tabela acima. 4 44 Adaptado do www.hivwebstudy.com Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência O risco de transmissão é mais alto quando houver: n Exposição a fluidos de pessoa fonte com SIDA terminal; n Presença de infecção de transmissão sexual na pessoa fonte e na pessoa exposta; n Violência sexual com trauma severo da mucosa; n Múltiplos agressores; n Relação sexual traumática. A avaliação da vítima deve ser feita o mais rápido possível, até 72 horas após o incidente. No entanto, devido ao carácter da exposição ao HIV por violência sexual, esta é quase sempre considerada como exposição massiva ou seja, com alto risco de transmissão. Ilustração 1 - Algoritimo para avaliação e tratamento profilático em exposições ao HIV por via sexual Exposição ao HIV Exposição com risco nigligencível de transmissão do HIV Exposição com alto risco de transmissão Menos de 72 horas após exposição Pessoa Fonte seropositiva Mais de 72 horas após exposição PPE não recomendado PPE não recomendado Pessoa Fonte seroestado desconhecido Iniciar PPE Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 45 A decisão de início do PPE deverá ter como base a avaliação do risco de transmissão, o resultado do teste da pessoa exposta e sempre que possível da pessoa fonte. A testagem rápida para o HIV deverá seguir o protocolo do MISAU que consiste em: n Teste de rastreio: Determine; n Teste confirmatório: Unigold 5 A avaliação de risco descreve um conjunto de acções capazes de orientar o provedor para tomada de decisão em relação ao PPE. O principio chave para o manejo do paciente exposto ao HIV é: Identificar a elegibilidade ao PPE o mais rápidamente possível. As questões levantadas na avaliação de risco devem incluir : Tabela 7 - Avaliação de risco de transmissão do HIV por contacto sexual Aspectos Relacionados à Exposição Pessoa Fonte Exposição < 72 horas; Status serológico para HIV; Sexo anal ou vaginal receptivo; Estadio avançado da doença; Sexo anal ou vaginal insertivo; Prima infecção; Sexo oral com ejaculação. Pessoa Exposta Presença de ITS activa anterior á exposição; Status serológico para HIV; Carga Viral Alta; Trauma associado à exposição; Desconhecido; Passividade. Presença de ITS. O tratamento profilático recomendado para os casos de exposição ao HIV por violência sexual é com regime triplo de antiretrovirais potentes, capazes de inibir a replicação e disseminação do HIV. 5 46 Nota: Se a pessoa exposta for seropositiva não se inicia o PPE, regista-se o caso e faz-se o seguimento, seguir Guião Estratégico Operacional para Implementação das Unidades de Aconselhamento e Testagem em Saúde (UATS)- MISAU, Junho 2008 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Em adultos, está recomendada a seguinte combinação: 1 comprimido AZT 300mg + 3TC 150mg 2 comprimidos LPV/r 200mg/50mg de 12 em 12 horas Por 4 semanas Recomendações Importantes antes de iniciar PPE Deve ser colhido o consentimento informado para prosseguir com o tratamento. As VVS estão sob forte stress emocional no momento da abordagem. Esta condição dificulta a obtenção de informação relevante para o início do tratamento. Por isso, o clinico responsável pode prescrever o kit PPE e, marcar a visita seguinte para um intervalo de 15 dias. A vítima deve ser orientada sobre o risco de adquirir o HIV. É importante verificar as contraindicações e possíveis interações medicamentosas. Deve-se suspender o aleitamento materno durante o período de profilaxia até ao sexto mês de seguimento clínico, sempre que possível. A adesão à PPE é descrita como pobre entre as VVS. Por isso, devem ser implementadas estratégias para reforçar a adesão, tais como: oferecer medicação auxiliar para os efeitos colaterais (por exemplo: antieméticos), sempre que necessário e explicar os efeitos colaterais possíveis, a importância da profilaxia e seu tempo de duração. Nota: O uso do Efavirenze está contraindicado no primeiro trimestre de gravidez. Em pacientes HIV positivos não use a quimioprofilaxia. Lembre-se que o Lopinavir/ ritonavir deve ser tomado com alimentos. Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 47 2.2.7 Seguimento Clínico e Acompanhamento Psicossocial a) Seguimento Clínico O seguimento clínico das vítimas de violência sexual é primordial para sua recuperação efectiva. Evita a transmissão de infecções de transmissão sexual, gravidez indesejada e, fornece apoio psicológico necessário. Todos os utentes que procuram os serviços devem ser testados para o HIV no início do tratamento, 4ª e 6ª semanas e, ao 3º e 6º meses de seguimento. Deve-lhes ser dada informação detalhada acerca dos efeitos adversos dos fármacos a serem administrados, para que a pessoa não pense que está a ocorrer uma possível seroconversão. A todos os utentes em PPE devem ter monitorados a sua função hepática e os parâmetros hematológicos, como hemoglobina. Tabela 8 - Seguimento do utente após violência sexual Inicial 2ª 4ª 6ª Semana Semana Semana 3º Mês 6º Mês X X X X X X X X Data Seguimento Laboratorial HIV X Hemograma X Transaminases X Hepatite B X Sífilis X Teste Gravidez X X X X X X Seguimento Clínico 48 Vacinação Hep B X X Aconselhamento X X X X X X Avaliação Psicológica X X X X X X Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência X Nas unidades sanitárias sem capacidade laboratorial, o seguimento deve ser baseado na avaliação clínica periódica. b) Acompanhamento Psicossocial O apoio psicológico visa proporcionar uma experiência terapêutica à vítima e/ou seus familiares, para minimizar os efeitos negativos do impacto do acontecimento traumático. Este, pode ser individual, isto é, entre o profissional e uma só pessoa (por exemplo, só a vítima, ou só a mãe, ou só o pai, ou só a avó, etc.) ou de grupo, ou seja, entre o profissional e um grupo de pessoas envolvidas (por exemplo, o esposo, o pai, a mãe, outros familiares de outras vítimas, etc.), no qual não participará a vítima. De uma forma geral, o apoio psicológico desenvolve-se num número extenso de sessões, que é previamente acordado com o/os participante/s. O aconselhamento é a pedra angular para os cuidados pósviolência sexual e, as sessões de aconselhamento devem coincidir com as consultas clínicas, para reduzir as constantes visitas da vítima e aumentar a adesão ao tratamento profilático e outras intervenções . O aconselhamento para testagem do HIV no momento de crise, muitas vezes é um desafio para o acesso ao PPE. A abordagem inicial deve cingir-se à prevenção do trauma e envolvimento da família para o suporte da vítima. O aconselhamento deve ser centrado no utente como tentativa de reduzir o trauma imediato da agressão e transtorno do stress pós-traumático a longo prazo. O aconselhamento pós teste deve abranger as estratégias de redução de risco, tais como: o uso de preservativo durante o seguimento e adopção de comportamentos mais seguros após o PPE. O apoio psicológico diz respeito às necessidades que a vítima e seus familiares teem em relação à violência sofrida. Todos poderão necessitar de receber apoio psicológico. Neste apoio, o único profissional que pode intervir é o psicólogo, técnico de psiquiatria ou o psicoterapeuta, contudo nas US sem estes técnicos o clínico geral. técnico de medicina ou outro profissional formado podem prestar estes serviços . As consequências psicológicas podem ser típicas e não típicas e, muitas vezes variam de indivíduo para indivíduo. As mais comuns Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 49 são: n Síndrome de estresse pós trauma, n Depressão, n Fobia social, n Ansiedade, n Ideias suicidas. A longo prazo, as consequências podem ser: cefaleia crônica, fadiga, distúrbios do sono e da sexualidade. c) Síndrome pós violência sexual A fase aguda é caracterizada por desorientação, onde a vítima pode apresentar sinais discordantes em relação ao facto real. Contudo, na maioria das vezes, apresenta frigidez emocional que pode mascarar os sentimentos, podendo estar calma ou agitada ou, experimentar emoções de amplitudes opostas como o riso e choro. Na fase crônica os sintomas dependem da idade, circunstâncias da violência sexual, traços de personalidade da vítima ou da qualidade do apoio prestado na fase aguda. d) Apoio Social O apoio social é da competência de profissionais da área da Assistência Social e, visa esclarecer a situação da vítima: n No seu contexto relacional, designadamente com os seus fami- liares e/ou amigos; n No seu contexto social (por exemplo, meio ambiente em que vive, as condições socio-económicas da família, que escola frequenta, se tem actividades fora do meio escolar, etc.); n E do seu contexto institucional (por exemplo, se já tinha pedido ajuda alguma vez anterior, se já foi apresentada denúncia ou queixa-crime na Polícia, etc.). Este apoio procura identificar as necessidades peculiares de cada vítima, de modo a proceder a um adequado encaminhamento para outros serviços e instituições. É possível obter, por exemplo, apoio em bens (ex: apoio monetário, roupas, alimentos, etc.) ou serviços (ex: a realização de exames médicos, a obtenção de documentos, etc.) que facilitem a resolução rápida do problema. 50 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência O apoio social exige que o profissional contacte com vários outros profissionais, de outros serviços e instituições, procurando accionar todos os mecanismos de cooperação para congregar participações no processo de apoio. Este poderá tornar-se, assim, mais rápido e eficiente na apresentação de propostas de resolução do problema. O apoio social garante a adesão á profilaxia e outras medidas. 2.2.8 Registo dos Casos A confidencialidade do sisttema de registo e informação de dados deve ser garantida incondicionalmente e, as quebras de sigilo são reguladas segundo a lei vigente. Os processos clínicos devem ser guardados em locais seguros e o preenchimento destes deve ser minuncioso, para salvaguardar a sua importância judicial. Os casos serão registados nas US que recebem as VVS, na ficha de registo apresentada no Anexo I. Os dados deverão ser reportados através de registos disponíveis para o PPE nas unidades sanitárias. Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 51 52 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 2.2.9 Considerações Especiais - Avaliação da Criança Vítima de Violência Sexual Em caso de avaliação da criança vítima de abuso sexual, a entrevista deve ser conduzida por pessoal formado e capaz de conduzir a avaliação do modo menos traumático possível. Esta entrevista visa obter mais informação sobre a alegada ou suspeitada violência sexual sofrida pela criança, mediante uma conversa com a mesma. Antes de iniciar a entrevista o provedor deve lembrar-se de que: n Toda a criança deve ser abordada com extrema sensibilidade; n Estabelecer uma atmosfera neutra durante a entrevista; n Fazer perguntas de acordo com a idade da criança; n Perguntar se sabe porquê veio à US; n Iniciar a entrevista com questões abertas com ilustra a Tabela 9; n Estabelecer as regras da entrevista e a diferença entre verda- de e mentira. Tabela 9 - Informação relevante Informação Relevante Quando Exemplo de Modo de Inquirir Quando você diz que aconteceu ? Você se lembra de quando aconteceu pela primeira vez? Natureza do Abuso Sexual Que parte do seu corpo foi tocada ou mago ada? Dor vaginal ou anal Você sente dor quando faz chichi ou cócó? O exame fisico da criança vítima de violência sexual deve ser feito sempre na presença de seus pais ou tutores. O exame na posição genopeitoral permite melhor visualização de lesões genito anais. Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 53 Tabela 10 – Sinais físicos e comportamentais que devem levar a suspeita de abuso sexual em crianças Sinais de Abuso Sexual Sinais Físicos Lesão genital inexplicada Vulvovaginite recorrente Enurese repentina Dor ao urinar Infecções urinárias Queixas anais (sangramento, dor, fissuras) Sinais Comportamentais Regressão nas aptidões Erotização Comportamento agressivo Irritabilidade Problemas de aprendizagem escolar e de socialização Perda de auto estima Depressão Isolamento A colheita da história clínica da criança é muito importante, tanto para a continuidade da investigação criminal, como para lhe prestar apoio directo. O facto de ser ouvida e compreendida por alguém, que a protegerá da violência sofrida, pode ser para ela um factor muito positivo na resolução dos sentimentos de medo, vergonha, culpa, dúvida, etc. Antes de se iniciar a colheita da história clínica é importante que o profissional conheça, o melhor possível, a situação de violência sexual sofrida pela criança. Poderá fazê-lo consultando as informações escritas disponíveis sobre a criança (ex: processo clínico, etc.), conversando com os seus familiares e/ou outros profissionais. Todas as informações poderão ser importantes, por mais insignificantes que possam parecer à primeira vista. n Regimes profiláticos para crianças Em crianças, as escolhas devem ser as mesmas que dos adultos, tendo em conta o peso da criança e disponibilidade de antiretrovirais solicitados, na formulação pediátrica. Na falta do AZT +3TC (Duovir Baby) na formulação pediátrica, pode ser usado o D4T+3TC (Lamivir S Baby) e, ainda, na falta do LPV/r, pode-se usar Efavirenz em comprimidos de 200 mg, apenas para crianças com mais de 10 Kg, de acordo com o peso da criança. (Vide Anexo II).~ 54 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência A profilaxia para ITS em crianças vítimas de violência sexual deve ser feita de acordo com o esquema descrito abaixo: Penicilina Benzatínica: 50 000 UI/kg IM, dose única Azitromicina: 20 mg/kg dose única oral Ceftriaxona: 80 mg/kg única IM Metronidazol: 15 mg/kg/dia de 8/8h,7 dias oral 3. Abordagem Integrada do Atendimento às VVS A implementação de um serviço integrado de apoio às vítimas de violência sexual (SIAVVS) requer uma coordenação eficaz com os diferentes serviços da US, com o serviço de apoio psico social e com o sistema jurídico forense, para que não se percam oportunidades terapêuticas e profiláticas. Diante da suspeita de violência sexual, todas as medidas devem ser tomadas de modo a proteger a vítima e evitar a exposição desnessária da mesma ou dos familiares para que não se quebre a relação de confiança. A orientação médico legal, jurídica e psicológica inicial devem ser feitas assim que se confirme a ocorrência. A coordenação entre vários actores que intervêm no processo é primordial para o sucesso das intervenções preventivas e curativas conforme a ilustração 3 abaixo. Ilustração 3 - A coordenação entre vários actores intervenientes: Apoio Psico Social Sistema Jurídico Forense SIVVS Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 55 As características de um SIAVVS ideal n Atenção focalizada no utente; n Uso de estratégia de paragem única em que os serviços neces- sários sejam providenciados em simultâneo; n Articulação entre os serviços para melhorar o desempenho; 3.1 Interacção com Outros Serviços O provimento de serviços de qualidade depende de articulação entre os diversos intervenientes. Ilustração 4 - Interação entre os serviços no atendimento às VVS ACO Apoio Psico Social Serviços Clínicos Laboratório Avaliação Forense Apoio Psicossocial: Deve ter conselheiros treinados para assistir, fornecer informações e serviços sociais às vítimas. Este, pode ser oferecido por médicos, enfermeiros, assistentes sociais, técnicos de psiquiatria, psicólogos ou grupos de organizações de base comunitária. Laboratório: São responsáveis pela análise laboratorial das amostras colhidas, de preferência, devem se localizar na US que oferece os serviços. Serviços clínicos: Onde se encontram os provedores de terapias curativas e profiláticas às VVS. Avaliação forense: Fazem a ligação entre o sistema de saúde e o judicial no atendimento às VVS. 56 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 3.2 Instalações dos SIAVVS As instalações para o SIAVVS devem ter sinalização, acessibilidade, segurança e privacidade. Muitas vezes o sexo do examinador é uma questão crítica e a presença de examinadores do sexo feminino deve ser considerada se a vítima for do sexo femenino. Os equipamentos devem ser organizados em kit's para melhor funcionamento dos serviços. Tabela 11 - Itens necessários para funcionamento dos SIAVVS Objectivo/Local Instalações Exame médico Tratamento e Pro filaxia Pós Exposi ção Itens necessários Marquesa de exame, cadeira, mesa, gambiarra ou outra fonte de luz, local de higiene das mãos, refrigerador e balança. Torniquete, seringas, zaragatoas estéreis, tubos de colecta de sangue, espéculos de vários tamanhos, luvas de exame, teste de gravidez, lubrificante (à base de água), caixa incineradora, sacos de plástico para acondicionar amostras (Secos) Testes rápidos para sífilis e HIV. Kit completo para PPE,2 doses de Contracepção de emergência, profilaxia para as ITS, antieméticos analgésicos, vacinação antitetânica,vacinação para Hepatite B, Kit de sutura e Kit de penso. Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 57 3.3 Fluxograma dos SIAVVS O fluxograma dos SIAVVS indica a sequência dos procedimentos a serem efectuados a partir do momento que a vítima procura os serviços de saúde. Ilustração 5 - Fluxograma a ser usado na US para o atendimento às vítimas de violência sexual Atendimento de urgência PPE/Aconselhamento/Exa me físico/registo/colheita de amostras e testagem so HIV Apoio a vitima suporte psicológico de crise/análises iniciais Seguimento Clinico/apoio psicossocial 58 Entrada da vítima na US Aconselhamento Unidade de Cuidados e Tratamento Laboratório Apoio psicológico Reitegração social Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 4. Considerações Finais O tratamento da vítima e provimento de terapias profiláticas e curativas, preservação da sua dignidade e cuidados em relação ao bem estar da vítima, devem ser prioridade no atendimento. A ética e a deontologia profissional devem sempre nortear o provimento dos serviços. Os serviços de qualidade devem ser prestados em local estratégico da US de onde a vítima pode ter acesso ao máximo de serviços 24h por dia. A segurança e a privacidade são factores importantes na provisão destes serviços. A porta de entrada da vítima pode ser por qualquer ponto na US. Todos os provedores devem ter habilidades para reconhecer, tratar e encaminhar as VVS. No entanto, para uma melhor assistência, o ideal é que as vítimas tenham uma única porta de entrada. Para prevenção de perda de oportunidades profiláticas, o exame físico e abordagem inicial devem ser feitos o mais rápidamente possível. Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 59 60 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência V ANEXOS Anexo I 62 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Anexo II Esquemas Profiláticos Usados em Pediatria de Acordo com as Formulações Pediátricas (AZT + 3TC) Douvir 6 Baby em comprimidos dispersíveis Peso (Kg) Manhã Noite 3-5,9 1 1 6-9,9 1,5 1,5 10-13,9 2 2 (AZT + 3TC) Douvir 7 em comprimidos 14-16,9 1 0,5 17-24,9 1 0,5 > 25 1 1 Intervalo de peso (kg) Dose de solução Pediátrica Dose de comprimidos para criança Dose de comprimidos para criança LPV/r 80/20mg LPV/r 100/25mg LPV/r 200/50mg Manhã Noite Manhã Noite Manhã Noite 10-13,9 2 1 14-16,9 2 2 17-24,9 3 2 25-29,9 2 1 > 30 2 2 3-5,9 1,5 ml 1,5 ml 6-9,9 1,5 ml 1,5 ml 6 Na falta de AZT + 3TC e em casos de anemia com hemoglobina < 8 b/dL pode ser usado D4T +3TC na formulação pediátrica 7 Na falta de Lopinavir/ritonavir pode ser administrado Efavirenz somente a crianças com 10 Kg e mais de 10 anos. Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 63 Anexo III – Baterias de Avaliação psicológica 1. AVALIAÇÃO DA ANSIEDADE H1 Sentiu-se excessivamente inquieto, ansio- Não so? Sim 1 H2 Têm dificuldades em controlar essas preo- Não cupações (ansiedade) ou ela(s) impede(m)o de se concentrar no que têm a fazer? Sim 2 H3 Desde que se sente preocupado, inquieto, Não ansioso, frequentemente: Sim 3 a. Sente-se agitada, tensa, com os nervos a Não flôr da pele? Sim 4 b. Fica com os músculos tensos? Não Sim 5 c. Sente-se cansada, fraca e facilmente exa- Não usta? Sim 6 d. Tem dificuldades em concentrar-se ou tem Não esquecimentos devido à ansiedade? Sim 7 e. Fica particularmente irritável? Não Sim 8 f. Tem problemas de sono? Não Sim Adaptação: CEPAEP baseado no Mini international Neuropsychiatric Interview(versão 4.4) Cotação Há pelo menos 3 resposta sim em H3? Ansiedade Generalizada 64 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 2. AVALIAÇÃO DO RISCO DE SUICÍDIO (aspectos a explorar) Nº Questão N1 Ja tentou matar-se/ acabar com a sua vida? N2 Quis/ desejou/ teve vontade de estar morto? N3 Quis/ desejou/ teve vontade de fazer mal a si próprio? N4 Pensou em matar-se/ acabar com sua vida? N5 Pensou em alguma maneira de matar-se/ acabar com sua vida? N6 Tentou matar-se/ acabar com sua vida? Não Sim Total Avaliação do risco do suicídio – Adaptação: CEPAEP baseado no Mini international Neuropsychiatric Interview(versão 4.4) a) Orientação para preenchimento Sim – em caso afirmativo - colocando 1 na coluna referente ao sim, Não – caso não tenha acontecido - colocando 0 na coluna referente ao não, A primeira questão (N1) relaciona-se a ocorrência do acontecimento ao longo da sua vida, e as restantes (N2 - N6) relacionam-se a ocorrência dos acontecimentos durante o último mês. b) Grelha de Interpretação: n Se o total for zero, ou seja, se o paciente evidenci- ar/responder não a todas as questões, não apresenta riscos de suicídio. n Se o paciente evidenciar/responder sim a N1 ou N2 ou N3, apresenta risco de suicídio ligeiro. Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 65 n Se o paciente evidenciar/responder sim a N4 ou N1 e N3(N1 + N3), apresenta risco de suicídio médio. n Se o paciente evidenciar/responder Sim a N5 ou N6 ou N1 e N4 (N1 + N4), apresenta risco de suicídio elevado. c) Outros aspectos a explorar pelo clínico 1. Tempo em que iniciaram os pensamentos de "acabar com a vida"; 2. Com que frequência pensa em "matar-se"; 3. Que conforto/consolo ou bem estar parecem ter estes pensamentos; 4. Têm presentemente algum plano para se matar (nível de premeditação); 5. Têm meios para concretizar esse plano (acesso a comprimidos, armas, etc); 6. Identificação das razões/motivos/conflitos subjacentes. 66 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 3. ESCALA DE DEPRESSÃO Pouco Às vezes Muitas vezes Sempre Sentir-se em baixo e abatido (sem energia) De manhã sente-se melhor Choro fácil Comer muito, mais do que o habitual Com problemas de dormir Anda a perder peso O coração bate mais depressa do que o habitual Sofro de prisão de ventre Sente-se cansado sem muito esforço Não é fácil cumprir com as tarefas habituais Sente-se impaciente, agitado ou não consegue ficar quieto Sem esperança no futuro Mais irritável do que o habitual Sentimentos de inutilidade Sem vontade de trabalhar, estudar Tristeza Pensar em desistir de tudo Adaptado de Zung(1988): CEPAEP(2009) Grelha para a cotação Pouco - 0 pts Às vezes - 1 pt Muitas vezes - 2 pts Sempre - 3 pts Níveis de depressão significativa – total ? 24 Níveis de Depressão patológica – total ? 34 e/ou + de 4/5 sempre. Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 67 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Artur, M. J. Osório, C (2009): Proposta para a criação do Atendimento Integrado no Combate à Violência Contra a Mulher Associação das Mulheres na Comunicação Social, et al, (2008): A violência Doméstica não é amor! BASTA! Maputo. Associação Moçambicana das Mulheres de Carreira Jurídica, (2001): Principais Instrumentos Internacionais de Defesa dos Direitos da Mulher e da Criança. Maputo. Conselho Nacional de Combate ao HIV/SIDA, (2004): Plano Estratégico Nacional de Combate ao HIV/SIDA. Livro I: Análise da Situação, Maputo. Faculdade de Medicina USP (2003): o que devem saber os profissionais de saúde para promover os direitos e a saúde das mulheres em situação de violência doméstica. Brasil. Fórum Mulher, (2005): Para Além das Desigualdades: a Mulher em Moçambique, Maputo. Fórum Mulher, (2007): A violência doméstica é uma violação dos direitos humanos das mulheres. Anteprojecto de lei contra a violência doméstica. Maputo. Graeve, Hilde de (OMS) (2006): O primeiro passo para uma Resposta de Saúde Pública contra a Violência Sexual em Moçambique. Maputo. Innocenti Digest (UNICEF) (2000): Violência Doméstica contra as Mulheres e Raparigas, Número 6, Julho de 2000, p.7. Ministério da Mulher e da Acção Social, (2004): Inquérito sobre violência contra a mulher, Maputo. Ministério da Saúde – Programa Nacional de Combate às ITS/HIV/SIDA (2006): Guia para tratamento e controlo das Infecções de Transmissão Sexual (ITS), Vol II, Maputo. 68 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência Ministério da Saúde – Departamento de Prevenção e Controlo da Incapacidade e Doenças não Transmissíveis (2007): Plano Estratégico para Prevenção e Controlo do Trauma e Violência do Ministério da Saúde 2008-2014. Moreno, Garcia (OMS) (2002) – Violência contra as Mulheres, Genebra. Nações Unidas (1993) – Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, Resolução da Assembleia Geral, Dezembro de 1993. Organização Mundial da Saúde (2002): Relatório mundial sobre violência e saúde. Genebra. Organização Mundial da Saúde (2003): Guidelines for medical-legal care for victims of sexual violence, Geneve. Ministério da Mulher e da Acção Social, (2004): Inquérito sobre violência contra a mulher, Maputo. Ministério da Saúde – Departamento de Prevenção e Controlo da Incapacidade e Doenças não Transmissíveis (2007): Plano Estratégico para Prevenção e Controlo do Trauma e Violência do Ministério da Saúde 2008-2014. Moreno, Garcia (OMS) (2002) - Violência contra as Mulheres. Generva. Nações Unidas (1993) - Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, Resolução da Assembleia Geral. Organização Mundial da Saúde, (2002): Relatório mundial sobre violência e saúde. Genebra. UNFPA (2001): a Practical Approach to Gender-Baesd Violence: A Programme Guide for Health Care Providers & Managers, New York. Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência 69 70 Guia para Atendimento Integrado às Vítimas de Violência