PRODUÇÃO DE SEMENTES CRIOULAS DE HORTALIÇAS NOS MUNICIPIOS DE NOVA FRIBURGO, SUMIDOURO, SÃO JOSÉ DO VALE DO RIO PRETO, PATY DO ALFERES, MIGUEL PEREIRA E MAGÉ (RIO DE JANEIRO – BRASIL): DIAGNÓSTICO PRELIMINAR. María Carrascosa García Engenheira Agrônoma. PESAGRO-RIO, Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro. RESUMO Procedeu-se à busca de agricultores/as familiares autoprodutores de sementes de hortaliças nos municípios de Nova Friburgo, Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto, Paty do Alferes, Miguel Pereira e Magé com a finalidade de, por um lado, conhecer seu perfil e técnicas de produção de sementes e, por outro, coletar sementes dos cultivares locais e tradicionais ainda utilizados para a formação de um Banco de Sementes de Hortaliças para a Agricultura Familiar e/ou Ecológica, que servirá como espaço de difusão da agrobiodiversidade do estado. 1. INTRODUÇÃO O estado do Rio de Janeiro passou, ao longo do século XX, por um intenso processo de urbanização e, hoje em dia, está marcado por uma alta metropolização: 96% da população reside em áreas urbanas, sendo que 75% concentrados na região metropolitana do Rio de Janeiro, ou seja, 11,22 milhões de pessoas (Censo Demográfico 2000, IBGE1). A alta degradação da qualidade de vida na metrópole, com índices crescentes de desemprego e violência, situa a agricultura familiar como uma alternativa viável positiva para a população urbana. A história agrícola do estado, como em outras regiões do Brasil e da América Latina, é uma história de escravos/as e imigrantes (europeus/éias, japoneses/as, síriolibaneses/as, brasileiros/as...), desmatamento, monocultura de café e cana-de-açúcar, posterior criação de gado extensivo e urbanização. Isto provocou a degradação dos solos cultivados, a redução do espaço agrícola e, em algumas zonas, a existência de uma cultura camponesa frágil. Segundo dados de 2001 do CIDE2, a participação do setor agrícola no Produto Interno Bruto (PIB) fluminense é inferior a 2%. Aproximadamente 90% dos/as produtores/as de hortaliças do estado do Rio de Janeiro se enquadram na categoria de agricultores/as familiares, sendo os principais responsáveis pela auto-suficiência do estado em quase todas as espécies 1 2 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro. 1 de hortaliças cultivadas (fonte PRONAF3). Encontram-se descapitalizados/as e seu objetivo é obter, a curto prazo, altos rendimentos e produtos com a “qualidade” que demanda o mercado do agronegócio (variedades aptas para a transformação industrial e a grande distribuição). A esmagadora maioria destes/as horticultores/as realiza um manejo convencional, com alto aporte de adubos químicos e agrotóxicos e pouca diversidade de cultivos. Durante o final da década de 90, muitas empresas brasileiras de sementes (como é o caso da Agroceres) foram adquiridas pela Monsanto, Du Pont, Aventis, Dow Agro Science e Sakata Seed Corporation, entre outras (fontes: Rafi 99, German 99, Campo & Lavoura, Zero Hora 09/07/99, EMBRAPA jun 99). Esta invasão de empresas estrangeiras provocou o desaparecimento comercial de muitos cultivares tradicionais da horticultura fluminense, substituídos por uma ampla oferta de híbridos de nova geração. O preço destas sementes é exorbitante para os agricultores/as familiares e as variações na cotação do dólar desequilibram freqüentemente suas previsões, com o seu conseqüente empobrecimento. O abandono das sementes crioulas e das variedades locais supõe a perda de biodiversidade, de autonomia dos agricultores e agricultoras familiares e dos conhecimentos camponeses acumulados durante milhares de anos. Ao deixar de produzir suas próprias sementes e passar a comprá-las, o/a agricultor/a tradicional deixou de ter o controle sobre o manejo do sistema produtivo. Já não seleciona as variedades em função de um objetivo próprio, mas está obrigado a dar ao cultivo as condições de manejo que as empresas de sementes determinam. Esta perspectiva de desaparecimento de variedades adaptadas a condições pedoclimáticas determinadas compromete a biodiversidade de forma irreversível e a sustentabilidade da agricultura familiar e dos sistemas produtivos do estado. Neste contexto se acredita que um Banco de Sementes de cultivares tradicionais e locais seria de grande utilidade para a agricultura familiar fluminense. Muitos agricultores e agricultoras estão interessados (em sua maioria por razões econômicas) em cultivar variedades não híbridas. Mas hoje em dia, e sobretudo em certas espécies como o pimentão e o tomate, é muito difícil encontrar variedades tradicionais em bom estado produtivo. O Banco ofereceria sementes ecológicas de cultivares tradicionais e locais do estado do Rio de Janeiro a agricultores/as familiares e/ou ecológicos/as, que depois poderiam multiplicar e selecionar em suas propriedades, difundindo assim o uso da agrobiodiversidade local. Com base ao exposto, o presente trabalho tem como objetivos: • • • • 3 Contatar os/as agricultores familiares que ainda produzem suas próprias sementes de hortaliças nas zonas produtoras do estado do Rio de Janeiro. Conhecer o perfil do agricultor e da agricultora autoprodutores de sementes. Compilar o conhecimento camponês relacionado à produção de sementes de hortaliças. Coletar sementes das variedades locais e tradicionais ainda cultivadas para a formação de um Banco de Sementes de Hortaliças para a Agricultura Familiar e/ou Ecológica, que servirá como espaço de difusão da agrobiodiversidade do estado. Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. 2 2. MATERIAL E MÉTODOS 2.1. Características das regiões visitadas Mapa 1. Estado do Rio de Janeiro. O município de Nova Friburgo, situado na região serrana do Rio de Janeiro, conta com um relevo acidentado e altitudes elevadas (acima dos 700 metros). A horticultura se destaca por diversos fatores, entre eles o clima suave, solo com bom conteúdo em matéria orgânica e alta disponibilidade hídrica. Há uma forte presença de agricultores/as familiares descendentes de imigrantes europeus que se instalaram na região no fim do século XIX para o cultivo do café. Neste município há um grupo relativamente grande de horticultores/as ecológicos/as que vendem seus produtos em feiras locais e para empresas de distribuição. Também se encontra na região serrana o município de Sumidouro. Com uma altitude de uns 300 metros, caracteriza-se por ter grande atividade agrícola, sendo que 98% dos estabelecimentos agropecuários se dedicam à produção de hortaliças (fonte: Censo Agropecuário 95/96, IBGE). O último município visitado na região serrana é São José do Vale do Rio Preto. Cerca de 80% da população vive na zona rural e as principais atividades agrícolas são a avicultura e a horticultura (fonte: Censo Agropecuário 95/96, IBGE). Há uma forte presença de agricultores/as ecológicos/as: a Associação de Produtores Orgânicos de São José do Vale do Rio Preto, criada em 1999, reúne 63 agricultores ecológicos que vendem sua produção em feiras e supermercados, sob a marca “Horta Orgânica”. Magé está situado na região metropolitana a 5 metros de altitude. 3 Caracteriza-se por ter clima tropical, úmido e temperaturas elevadas. Existem diferentes históricos de ocupação da terra: imigrantes de outras regiões, descendentes de escravos/as dos latifúndios de cana-de-açúcar e colonos/as japoneses que deram um grande impulso à produção de hortaliças, que se mantém expressiva apesar do alto índice de urbanização. Espécies como a cana-de-açúcar, a banana e a batata-doce são amplamente cultivadas na região (fonte: Censo Agropecuário 95/96, IBGE). Na região centro-sul do estado foram visitados dois municípios: Miguel Pereira e Paty do Alferes. O cultivo do café em grandes fazendas exerceu uma forte influência na região. Com a decadência da agricultura, estas propriedades passaram a dedicar-se ao gado leiteiro e à produção de hortaliças, como o pimentão e o tomate, em grandes áreas. Hoje em dia a maioria dos/as produtores/as desta região são meeiros ou arrendatários. Os solos destes municípios são de fertilidade média e bastante sensíveis à erosão. Paty do Alferes se caracteriza por uma alta produção de hortaliças, particularmente de tomate. Das 250 propriedades recenseadas pelo IBGE em 1996, em 114 o tomate era o cultivo principal. Em Miguel Pereira a atividade agrícola é muito menor. Conta com 93 estabelecimentos agropecuários onde se destacam o cultivo da banana e o gado bovino (Censo Agropecuário 95/96, IBGE). Devido à expansão do turismo proveniente da cidade do Rio de Janeiro, produziu-se nos últimos anos uma redução considerável das áreas cultivadas por agricultores/as familiares no município para sua utilização como espaços de lazer. Quanto à estrutura das propriedades rurais dos municípios visitados, na tabela seguinte se mostram algumas características. Município Nova Friburgo Sumidouro São José do Vale do Rio Preto Magé Paty do Alferes Miguel Pereira Número total de propriedades % de propriedades menores de 10 ha Área média das propriedades menores de 10 ha % de propriedades entre 10 e 50 ha Área média de propriedades entre 10 e 50 ha 1832 64 3,42 30 21.8 1507 69 3,41 24 21.6 692 82 3,19 14 19.1 1045 92 1,78 6 21.9 250 59 3,93 27 32.7 93 66 4,13 15 25.1 Fonte: Censo Agropecuário 95/96 do IBGE. Tabela 1. Algumas características das propriedades rurais dos municípios visitados. 2.2. Metodologia utilizada Durante os meses de abril, maio, julho e agosto de 2003, realizaram-se viagens de dois dias, duas vezes por mês, a algumas das regiões produtoras de hortaliças do estado do Rio de Janeiro, visitando produtores/as familiares (ecológicos/as ou convencionais) que produzem suas próprias sementes. O 4 levantamento foi realizado em pequenas comunidades de agricultores/as dos municípios de Nova Friburgo, Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto, Miguel Pereira, Paty do Alferes e Magé. 2.2.1. Entrevista Devido ao fato de não se conhecerem agricultores/as que produzissem suas próprias sementes, a metodologia seguida para contatá-los foi pesquisar nas estações e escritórios da PESAGRO-RIO e da EMATER-RIO (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Rio de Janeiro) e percorrer os municípios perguntando diretamente aos/às produtores/as, até encontrar aqueles que produzem suas sementes. Cada agricultor e agricultora visitado foi entrevistado, com a profundidade possível em função da sua disponibilidade de tempo, através de um questionário previamente elaborado. O objetivo foi reunir o maior número de informações sobre as características da propriedade, o manejo, a produção de sementes e o posicionamento do/a produtor/a em relação à perda de autonomia e biodiversidade. No anexo 1 se encontra o questionário utilizado nas entrevistas. 2.2.2. Coleta de sementes Na coleta de sementes foram considerados prioritários cultivares e populações locais e tradicionais de tomate, pimentão, couve-flor, batata-doce, ervilha e feijão de vagem. As três primeiras espécies são importantes já que a utilização de híbridos é muito grande.Por outro lado, o feijão de vagem, a ervilha e a batata-doce são culturas típicas de diferentes zonas do estado, os dois primeiros na região serrana e o terceiro na metropolitana (fonte: Censo Agropecuário 95/96, IBGE). Além destas espécies, foram coletadas sementes de outras hortaliças de interesse agronômico, econômico e cultural, como o quiabo e o jiló. Ainda que o objetivo da coleta fosse os cultivares locais e tradicionais, dada sua reduzida utilização coletaram-se também sementes de variedades comerciais e inclusive linhas que alguns agricultores selecionaram a partir de híbridos, por considerar que estes cultivares sofreram uma evolução positiva e interessante depois de vários anos de seleção camponesa. Foram coletadas tanto sementes produzidas pelos agricultores entrevistados como por outros encontrados e não entrevistados. A quantidade de sementes coletada foi variável, sendo o produtor ou produtora doador/a quem a determinou, em função de seu estoque pessoal. O peso de cada acesso oscilou de 2-32 g, no caso da couve-flor, 20-90 g da ervilha, 14-115 g do feijão de vagem, 2,5-7 g do pimentão e 0,1-2,6 g do tomate, entre outros. Cada acesso foi guardado num saquinho de papel, onde se anotou a espécie, cultivar, data e lugar da coleta e nome do produtor. Uma vez pesadas e anotadas no “Livro de Entradas” da Estação Experimental de Seropédica (EES) da PESAGRO-RIO, foram armazenadas na câmara de sementes. Esta câmara possui 2,5 x 1,5 x 2,2m, é revestida de isopor e tem um aparelho de ar condicionado mantendo a temperatura entre 12 e 15 ºC e a umidade relativa do ar entre 70 e 75%. 5 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. Contexto Foram entrevistados 28 agricultores e 3 agricultoras familiares, com a seguinte distribuição geográfica: 15 em Nova Friburgo, 4 em Sumidouro, 4 em São José do Vale do Rio Preto, 1 em Miguel Pereira, 3 em Paty do Alferes e 4 em Magé. Em Nova Friburgo foi possível entrevistar um maior número de produtores/as graças à participação de um pesquisador da PESAGRO-RIO conhecedor dos produtores da região. Além disso, esta é uma região produtora de couve-flor (cultura prioritária na coleta) em que, graças à produção de sementes crioulas, ainda se conserva o cultivar tradicional “Bola de Neve”, de grande importância cultural e econômica. Dos 31 agricultores/as entrevistados/as, 29 realizam um manejo convencional e dois, ecológico (um de Miguel Pereira e outro de São José do Vale do Rio Preto). Diferenciam-se dois grupos, em função da atividade econômica principal desenvolvida: • • Horticultores/as: 29 entrevistados/as cultivam todo tipo de hortaliças - couve-flor, pimentão, tomate, chuchu, berinjela, jiló, quiabo, batata-doce, feijão de vagem, ervilha, repolho, abóbora, etc.- e condimentos - salsa, cebolinha. Nos municípios com temperaturas mais elevadas, como Magé, também se cultivam aipim, banana e/ou maracujá. Produtores de mudas de hortaliças: atividade exercida por 2 agricultores convencionais. Nenhum dos agricultores entrevistados cria gado. 3.2. Descrição geral da propriedade rural: propriedade da terra, superfície cultivada e UTH. Diferenciam-se quatro tipos de relação entre os/as entrevistados/as e a terra em que trabalham, sendo que neste grupo de produtores podem-se distinguir: • • • • • 17 proprietários e 3 proprietárias 4 meeiros 4 arrendatários 1assalariado 2 sem informação O acesso à terra se deu de diferentes maneiras: alguns/mas agricultores/as herdaram ou compraram uma pequena propriedade e em certos casos se capitalizaram, ampliando a propriedade; outros são imigrantes do nordeste brasileiro, que trabalham terras alheias como meeiros ou arrendatários, etc. Dos 29 agricultores e agricultoras cuja atividade econômica é a produção e venda de hortaliças, só se conhecem a área da propriedade e a mão-de-obra de 23 deles (não se levou em conta os produtores de mudas de hortaliças para venda). Na tabela seguinte foram estabelecidos seis grupos em função da área 6 cultivada, mostrando a área média que cada UTH trabalha e a relação com a terra. Área cultivada (ha) Total de produtores Ha/UTH média Número de proprietários Número de arrendatários S ≤ 0,5 1 ≤ S<1,5 2,5 ≤ S <4 4≤S≤6 S = 10 30 ≥ S ≥ 20 3 4 5 7 2 2 0,3 0,6 1,2 2,1 2,8 3,1 1 0 5 7 1 2 1 2 0 0 1 0 Número de meeiros 1 2 0 0 0 0 Tabela 2. Distribuição dos agricultores/as entrevistados/as em função da área da propriedades. Em propriedades menores de 1,5 ha só foi realizada uma entrevista com o proprietário, ou seja, o grupo está composto por meeiros (3) e arrendatários (3). Nas maiores ou iguais a 2,5 ha são todos proprietários/as, menos um agricultor que tem 10 ha arrendados. Ainda que não se tenha informação sobre a área cultivada por 6 agricultores, sabe-se que todos eles são proprietários. De maneira geral se observa que ao aumentar a área total cultivada aumenta o número de ha/UTH. A média encontrada no grupo entrevistado é de 1,56 ha/UTH, inferior à media da horticultura fluminense de 2,27 ha/UTH (fonte: Censo Agropecuário 95/96, IBGE). A este nível se encontraram situações muito diferentes e às vezes extremas. A menor relação ha/UTH se deu numa propriedade de 0,5 ha cultivada por duas pessoas (casal de meeiros) e a maior se encontrou em outra de 30 ha que emprega 6 trabalhadores rurais. Alguns exemplos de situação intermediária seriam uma propriedade de 1,4 ha cultivada por um casal de meeiros, outra de 3,17 ha cultivada por uma dupla de proprietários e outra de 20 ha que tem contratados 16 operários/as rurais. 3.3. Manejo Dos 31 agricultores/as que participaram da pesquisa, apenas 2 são ecológicos. Apesar de se ter contatado as diferentes associações de produtores/as ecológicos/as das regiões visitadas, constatou-se que, em geral, estes/as agricultores/as não produzem suas próprias sementes. São grupos relativamente jovens que concentraram esforços nas técnicas de manejo ecológico e comercialização da produção ecológica, deixando para um momento posterior as sementes crioulas. Dos 29 que realizam um manejo convencional, um deles utiliza várias práticas agroecológicas e outro deixou de ser ecológico por falta de contatos para vender seus produtos. “Não encontrei saída para meus produtos”, conta. As rotações das culturas são curtas, em geral, de no máximo um ano. Só um produtor realiza rotação de 3 anos. Ainda que os consórcios de cultivos não são uma prática difundida entre os/as agricultores/as do grupo, encontraram-se duas experiências interessantes de 7 consórcio de quiabo e feijão de vagem, e de milho com inhame. Foto 1. Consórcio milho e inhame. A semeadura direta, prática muito valiosa do ponto de vista da conservação do solo, infelizmente não está muito disseminada entre os/as produtores/as fluminenses, sendo que nas regiões serranas é habitual o cultivo colina abaixo. Mesmo sem discutir especificamente essa questão com todos os produtores e produtoras entrevistados, um deles comentou que planta diretamente couve-flor sobre o resto da cultura de tomate. Os/as produtores/as convencionais utilizam grande quantidade de agrotóxicos para o controle de pragas e doenças. Por serem produtos muito caros, alguns deles utilizam também técnicas alternativas. Quatro agricultores comentaram que, além dos produtos convencionais, usam também urina de vaca para controlar os problemas fito-sanitários. Já os agricultores ecológicos utilizam biofertilizantes como Agrobio, urina de vaca e calda sulfocálcica e bordalesa. A fertilização é feita à base de fertilizantes químicos. Três agricultores convencionais entrevistados comentaram que incorporam ao solo o resto da cultura de milho e aipim, esterco de galinha e/ou farinha de osso. Os agricultores ecológicos utilizam basicamente o esterco compostado de galinha e cavalo e biofertilizantes. Com relação ao sistema de irrigação utilizado (só se dispõe da informação de 15 produtores), a situação encontrada é a seguinte: • 9 situados em Sumidouro, Nova Friburgo e Miguel Pereira, têm instalada 8 • • • aspersão móvil. 2 de Magé não regam seus cultivos mas estão situados numa zona com o lençol freático a 1,5 m de profundidade e cultivam espécies adaptadas ao calor e à falta de água como o aipim, o jiló, o quiabo, o feijão de corda ou a batata-doce. 2 de Paty do Alferes, 1 de Magé e 1 de Nova Friburgo, por falta de capital para investimento, utilizam a mangueira para regar suas culturas. Nas duas estufas visitadas para a produção de mudas estava instalada a irrigação por gotejamento. 3.4. Mercado utilizado para a comercialização Diferenciam-se três grupos: • • • Os agricultores ecológicos entrevistados formam parte de associações ou cooperativas de produtores ecológicos. Vendem seus produtos diretamente nas feiras de produtores/as das cidades da região, nos supermercados do Rio de Janeiro ou Arcozelo ou ainda nas Centrais de Abastecimento (CEASA) como produto convencional. Os produtores de mudas (2) vendem diretamente aos agricultores/as da região. Também têm algumas estufas para a produção de hortaliças que vendem diretamente nas Centrais de Abastecimento. Os 27 agricultores/as restantes vendem seus produtos nas Centrais de Abastecimento direta ou indiretamente, dependendo se têm ou não caminhão próprio para levar a mercadoria. Sabe-se que pelo menos seis entre os produtores e produtoras entrevistados têm caminhão próprio. Os que não o têm dependem dos intermediários que vão às suas propriedades recolher os produtos para revendê-los posteriormente nas CEASAs, o que diminui drasticamente o lucro destes produtores e produtoras familiares. Um agricultor comenta: “O intermediário fica com o dinheiro todo!”. 3.5. Produção de sementes crioulas: Autonomia A maioria dos agricultores e agricultoras entrevistados produzem sementes apenas de algumas espécies e variedades que cultivam. Na tabela seguinte estão agrupados/as em função do número de espécies ou cultivares dos que produzem sementes. Os grupos A e B estão formados por agricultores/as que produzem sementes de uma única variedade de cada espécie e os dos grupos C e D são autônomos em sementes de mais de uma variedade por espécie. 9 Número de espécies 1 2 Número de variedades 3 4 5 6 7 Grupo A B Grupo C D Número de produtores/as 9 5 Número de produtores/as 9 6 Tabela 3. Distribuição dos agricultores e agricultoras entrevistados por grupos em função do número de espécies ou variedades das que produzem sementes. Os dois produtores que faltam para completar as 31 entrevistas são os que produzem mudas para venda e atualmente não produzem suas próprias sementes. Por razões econômicas, uma prática comum na agricultura familiar das regiões visitadas, sobretudo em cultivos como o pimentão e o tomate, é ressemear um híbrido numa safra e voltar a comprar sementes para a seguinte. No grupo pesquisado há 10 agricultores que há muito tempo semeiam uma vez as sementes extraídas de um híbrido: quatro o fazem com tomate, cinco com pimentão e um com pepino. Estas sementes não foram consideradas crioulas e, portanto, não aparecem na contagem de cultivares. A maior parte dos agricultores e agricultoras entrevistados só produz sementes de uma espécie, sobretudo de feijão de vagem e ervilha. No gráfico a seguir se mostra a porcentagem de agricultores do grupo A que produz sementes de cada espécie. 11% 34% Ervilha 22% Feijão de vagem Couve-flor "Bola de Neve" Jiló 33% Gráfico 1. Distribuição percentual dos agricultores do grupo A por espécie de que produzem sementes. No grupo B, formado por quatro agricultores e uma agricultora que produzem sementes de duas espécies diferentes, encontramos uma experiência significativa. Movido por graves problemas econômicos, falta de cultivares disponíveis no mercado e um grande espírito empreendedor, um agricultor está fazendo um teste de 10 ressemeadura de um pimentão híbrido (“Magali R”) e quer tentar, através da seleção, obter uma nova linha. Mesmo sendo prematura uma avaliação de resultados, já que a experiência se encontra na fase de cultivo do F3, até agora e segundo este produtor, têm sido positivos. No gráfico seguinte se apresenta a porcentagem de produtores/as deste grupo que produz sementes de cada espécie. 10% Ervilha 10% 30% Feijão de vagem Couve-flor "Bola de Neve" 10% Abóbora "Portuguesa" Jiló 10% Pimentão (teste de ressemear híbrido) 20% 10% Milho Gráfico 2. Distribuição percentual dos agricultores do grupo B por espécie de que produzem sementes. O grupo C está formado por sete agricultores e duas agricultoras que produzem suas próprias sementes de 3 ou 4 espécies ou cultivares diferentes. Um deles (ecológico) selecionou uma linha “cereja” de um tomate híbrido (“Débora”) com bons resultados (já está cultivando o F4). A distribuição percentual por espécie deste grupo se apresenta no gráfico seguinte. Ervilha 4% 4% 4% Feijão de vagem 17% Couve-flor "Bola de Neve" 11% Mostarda Batata-doce Jiló 11% 24% Tomate Quiabo 7% 4% Maracujá 14% Milho (híbrido ressemeado várias gerações) Gráfico 3. Distribuição percentual dos agricultores do grupo C por espécie de que produzem sementes. 11 Dos nove agricultores/as, há dois que dos três cultivares diferentes que produzem, dois em um caso e todos no outro, são da mesma espécie (feijão de vagem e jiló, respectivamente). No caso da batata-doce foram registrados dois métodos de reprodução: por estacas e, em certas ocasiões, por tubérculos. Os seis agricultores restantes são autônomos em sementes de cinco, seis ou sete espécies ou cultivares diferentes. Como no grupo anterior, há agricultores que produzem sementes de um número menor de espécies por fazê-lo de vários cultivares da mesma espécie. Neste caso, há um que das cinco variedades que produz, duas são de bata doce, outros dois que produzem sementes de três cultivares diferentes de feijão de vagem (além de outras três espécies) e, por último, um agricultor que utiliza suas próprias sementes de 7 cultivares diferentes de tomate, e compra do resto de espécies. Um dos produtores já está na geração F4 de um híbrido de pimentão. Os resultados deste grupo se mostram no gráfico seguinte. Ervilha Feijão de vagem Feijão de corda 4% 4% 4% Couve-flor "Bola de Neve" 8% Quiabo 4% 18% 4% Cará Batata-doce Jiló 4% 4% 8% 4% 4% 4% 13% 13% Pimentão Tomate Batata Maxixe Chuchu Aipim Milho Gráfico 4. Distribuição percentual dos agricultores do grupo D por espécie de que produzem sementes. A multiplicação do cará é feita por tubérculos, a do aipim por manivas e a do chuchu por fruto. A origem das sementes multiplicadas pelos agricultores e agricultoras entrevistados em espécies como a couve-flor, a ervilha, o feijão de vagem, a batatadoce, a mostarda, o quiabo e o jiló (exceto o caso de uma criação varietal) é familiar ou de outro produtor amigo. Já no caso do pimentão e do tomate, 72% das sementes que os produtores e produtoras ressemeiam são de origem comercial. Na tabela seguinte se mostra o tempo médio há que os agricultores e agricultoras entrevistados produzem sementes de cada espécie. 12 Espécie Ervilha Feijão de vagem Couve-flor Mostarda Pimentão Tomate Jiló Quiabo Tempo médio (anos) 23 18 15 30 3 2,5 14 10 Tabela 4. Tempo médio em anos há que os/as agricultores/as entrevistados/as produzem sementes de cada espécie. Na tabela anterior se observa que os/as agricultores/as entrevistados/as produzem as suas próprias sementes de tomate e pimentão há menos tempo. Estes/as produtores/as começaram a fazê-lo por falta de recursos econômicos para comprar híbridos. 3.6. Coleta: Construção do Banco de Sementes Foram coletados 91 acessos de 13 espécies diferentes: 10 de ervilha, 17 de feijão de vagem, 3 de feijão de corda, 20 de couve-flor “Bola de Neve”, 1 de mostarda, 1 de maxixe, 1 de quiabo, 12 de jiló, 11 de tomate, 5 de pimentão, 8 de batata-doce, 1 de cará e 1 de milho. Na Tabela 6 se mostra o resultado detalhado da coleta, mostrando as espécies, cultivares, número de acessos/cultivar, tipo de material coletado e município onde se realizou a coleta. Está sendo realizado um trabalho de descrição e caracterização dos acessos coletados para conhecer os cultivares, levando em conta que seus nomes podem variar de região para região, de uma família para outra e talvez várias acessos com diferentes nomes sejam do mesmo cultivar ou vice-versa. Dos 31 agricultores/as entrevistados, 29 contribuíram para a criação do Banco com um punhado de sementes de diferentes espécies e variedades. Não foi possível coletar acessos de todos os cultivares dos que produzem sementes já que em muitos casos já tinham feito o plantio utilizando todas as sementes de que dispunham (está previsto o retorno quando possível para coletar essas sementes). Dois produtores de mudas para venda em Nova Friburgo (apenas um deles foi entrevistado) proporcionaram 13 acessos de couve-flor “Bola de Neve” e um de jiló que diferentes agricultores tinham deixado com eles para a produção de mudas. Cinco agricultores de Magé, um de São José do Vale do Rio Preto e dois de Sumidouro não puderam ser entrevistados por estarem muito ocupados, mas deram para o Banco uma amostra de suas sementes – ervilha, feijão de vagem, feijão de corda, pimentão, jiló e maxixe. A EMATER-Rio Preto participou ativamente no projeto definindo e acompanhando as visitas em São José do Vale do Rio Preto e proporcionando sementes de três variedades diferentes de tomate que a Secretaria de Agricultura do município multiplica há muito tempo. 13