Notícia anterior Próxima notícia Classificação do artigo 1 jun 2015 O Globo MARIA ELISA ALVES elisa@ oglobo. com. br RAFAEL GALDO rafael. galdo@ oglobo. com. br DO FLAGELO DO NORTE AO SUL MARAVILHA, UMA RÉPLICA DO BRASIL São Francisco de Itabapoana tem 15,6% de miseráveis, enquanto Resende contabiliza apenas 1,6% São Francisco de Itabapoana, no Norte do estado, tem 15,6% de miseráveis, relatam MARIA ELISA ALVES E RAFAEL GALDO. Na informalidade, salários chegam no máximo a R$ 200. Um contraste com cidades como Resende, no Médio Paraíba, que tem 1,6% na extrema pobreza. Entre São Francisco de Itabapoana, num dos extremos do estado, e Resende, na outra ponta do território fluminense, a distância é muito maior do que sugerem os 480 quilômetros que separam os dois municípios. Enquanto a cidade do Norte Fluminense tem, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, 15,6% de seus moradores na extrema pobreza — o pior índice do estado, comparável aos do Nordeste —, a do Médio Paraíba registra 1,6% de miseráveis — percentual igual ao de Santa Catarina, que tem a menor taxa entre as 27 unidades da federação. A segunda reportagem da série “Os miseráveis” revela os contrastes de um Rio desigual. GUSTAVO STEPHAN Calejado. Em São Francisco de Itabapoana, município do Norte Fluminense que tem o maior percentual de miseráveis no estado, Almir Pereira segue a profissão do avô: corta madeira para fogões a lenha, trabalho que lhe rende R$ 50 ao mês Como O GLOBO mostrou ontem, o estado tem 3,77% de sua população ( 565.135 pessoas) vivendo na pobreza extrema, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ( Ipea). Já o Ministério do Desenvolvimento Social, que dispõe de dados sobre os 92 municípios fluminenses, utiliza critérios diferentes dos do Ipea e contabiliza 1,74% de miseráveis, ou 283 mil pessoas. Perto do petróleo, que na última década alavancou a economia do estado, mas longe da prosperidade vivida por cidades como Macaé e Campos — hoje afetadas pela crise no setor —, São Francisco de Itabapoana tem 41.354 habitantes ( Censo 2010), sendo 6.452 extremamente pobres, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social. E não é difícil entender por que tantos vivem na penúria. De acordo com números do Ministério do Trabalho, no início deste ano, havia apenas 1.878 empregos formais na cidade. O que resta é a informalidade, na qual imperam salários de, no máximo, R$ 200, como o da empregada Jocilene Melo, que não tem carteira assinada nem sonha com os direitos assegurados pela PEC das Domésticas. Na localidade do Valão Seco, o machadeiro Almir Alves Pereira segue a mesma profissão que garantia o sustento do avô, no século passado. Cata madeira seca no mato e a entrega na casa de quem usa fogão a lenha para economizar gás. O trabalho rende R$ 50 por mês: — Pego água para beber na torneira do banheiro de uma venda. Não tenho energia elétrica, nem vela em casa. Acordo com o sol e durmo quando anoitece. Descalço ou com o único par de chinelos surrados, ele segue para o trabalho diário numa bicicleta montada com o que achou na rua, puxando uma carrocinha também feita do que encontrou no lixo. A estrada corta a região mais pobre de São Francisco, que pode até enganar com terras cultivadas de abacaxi, cana e aipim. Mas, com muitas propriedades arrendadas por produtores capixabas, que trazem trabalhadores do Espírito Santo, a roça ali costuma produzir muito suor, mas pouca esperança. A história de Valdir Barreto de Lima, de 45 anos, é um retrato do que ocorre no município, onde mais de 40% dos moradores recebem Bolsa Família. Para ele, não há emprego formal. Uma rotina tão pesada que, não à toa, usa a expressão “bater se” como sinônimo de trabalho. — É trabalho duro, que nem burro aguenta. Até febre dá. O dedo fica duro de tanto bater facão. Mas temos que suportar. Aqui não existe serviço. Quando aparece, é empreitada de cana. Tenho que me “bater” o dia inteiro para conseguir R$ 150 a R$ 200 por mês. O jeito é comprar fiado. Devo R$ 800 no sacolão, R$ 600 numa venda, R$ 500 em outra... E é só de comida — diz Valdir. Numa tentativa de ascensão social, ele chegou a deixar a roça para trabalhar como gari em Cabo Frio, na Região dos Lagos. Mas foi parar no hospital, com dores no coração. Recebeu a recomendação de repouso, que não cumpriu: — Sabe quantos filhos eu tenho? Sete, eu disse ao doutor. Vão sobreviver de quê? Já no Noroeste Fluminense, região com menor PIB do estado, a estrutura de trabalho ainda lembra a do século XIX, quando imigrantes ou ex escravos ficavam presos a propriedades rurais devido às dívidas contraídas com os donos das terras. Hoje, em São José do Ubá, alguns trabalhadores das lavouras de tomate nem veem a cor do dinheiro, porque são os patrões que pagam as dívidas que eles acumulam em mercados e vendas. Mais grave ainda é quando há miséria de um lado e corrupção do outro. Em São Sebastião do Alto, na Região Serrana, que aparece na lista dos piores Índices de Desenvolvimento Humano ( IDH) do estado, em março o então prefeito Mauro Henrique Chagas ( PT) foi preso em flagrante pela Polícia Federal, sob acusação de receber propina de empresa que faria obras nas áreas de saúde e saneamento. Enquanto isso, na zona rural do município, um dos mestres da folia de reis da região, Matozinho José da Silva, de 59 anos, sobrevive com R$ 79 do Bolsa Família, numa casa de estuque que, para pagá la, deu em troca a sanfona, o pandeiro e o violão: — A vida aqui não vai para frente nem para trás. E tem hora que descontrola tudo. De descontrole, o casal Josimar Resende e Nazarini Moura, de Sumidouro, entende. Empregado até seis meses atrás, ele conseguiu construir uma casa com quarto, banheiro e cozinha. Mas, desde que perdeu o emprego, vive com os R$ 128 que a mulher ganha revendendo biscoitos. Semana passada, o almoço do casal era arroz. E uma salsicha. — Só tem essa, vamos ter que dividir — resignou se Nazarini. Privações como esta são raridade em Resende. Estrategicamente localizada entre Rio e São Paulo, viu sua economia deslanchar depois de receber montadoras de automóveis na década de 1990. Foram oferecidos cursos profissionalizantes para qualificar a mão de obra. O resultado é uma cidade com pouca miséria à vista. — As pessoas mais pobres, que iriam para a construção civil, foram para as montadoras, se qualificaram. A cidade mudou de perfil, mas ainda tem clima de interior — diz Kátia Periquito, moradora de um condomínio de luxo na região. Impresso e distribuído por NewpaperDirect | www.newspaperdirect.com, EUA/Can: 1.877.980.4040, Intern: 800.6364.6364 | Copyright protegido pelas leis vigentes. Notícia anterior Próxima notícia