FIINDAçAO r.�TOLlD VARGAS
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CPDOC
CPDOC
TEXTOS CPD
o RIO DE JANEIRO EM
c
TRÊs PERFIS
Trajetórias indi�duais e o campo político
canoca
Américo Freire,
Carlos Eduardo Sarmento
Marly Silva da Motta
Texto Cpdoc nO 35
(1999)
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
Fundação Getulio Vargas
Praia de Botafogo. 190 - sala 1117 - Rio de Janeiro
-
Cep 22253-900 - Telefone (021) 536-9303 Fax (021) 551-2649
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981.53
F866r
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fUND'cA:
...... -
"H"LlD
\.�:;I
CI'O'li:
J
•
o RIO DE JANEIRO EM
TRÊs PERFIS
Trnjetórias indi-viduais e o campo JX>lítico
canoca
Américo Freire,
Carlos Eduardo Sannento
Marly Silva da Motta
Texto Cpdoc n° 35
(1999)
,
Conselho Editorial dos Textos CPDOC
.
Maria Celina D 'Araujo; Helena Maria B.Bomeny e Carlos Eduardo Sannento
FUNDAÇÃO C,ÚLlD
c.
,.,c
W.RGAS
sUMÁRIo
APRESENTAÇÃO
2
1- AUGUSTO DE VASCONCELOS­
O DR RAPADURA: Um estudo sobre
•
liderança e negociação política n a capital
federal
(AmmCQ Fmre) .......................
..
5
2
-
DE
TENENTE
CIVIL
A
PREFEITO
DO
POVO: A trajetória política de
Pedro
Sarmento)
3
Ernesto
(CmWs EdNardo
23
..............................................
CARLOS
LACERDA:
TRIBUNO DA CAPITAL
da Motta)
B.
O
(MartJ Silva
..............................................
39
2
APRESENTAÇÃO
relação dialógica, orientam e definem as
formas de atuação política na cidade do Rio
de
Este
volume
da
série
Textos
CPDOC apresenta artigos desenvolvidos
por três
•
Pesquisa
pesquisadores
e
do
Documentação
Centro
de
de História
Contemporânea do Brasil (CPDOC-FGV),
vinculados ao Núcleo de EstutÚis
Rio
de
Ja1leiro.
desenvolvidos
para
e Pesquisas tÚi
Originariamente
a
sessão
de
comunicação coordenada ''Lideranças e
identidade política carioca na República",
apresentada no XIX Simpósio Nacional de
História da ANPUH, realizado em Belo
Horizonte no mês de julho de 1997, estes
textos
refletem
algumas
das
partir
autores
de
um
instrumental
analítico
conceituação
presente
dos "campos de
poder",
na obra do sociólogo
Pierre
Bourdieu. Assumindo a princípio que toda
ação human a em sociedade é basicamente
relação de poder, Bourdieu definiu o
uma
conceito de "campo" enquanto
na qual se trava
entre
os
atores
uma
uma
discussão acerca dos
elementos constitutivos da cultura política
carioca, ou seja, de um conjunto de práticas
luta concorrencial
sociais
em
tomo
de
interesses específicos que vêm a configurar
a própria área em questão.'
Os espaços de ação social podem
através
de
uma
bens
simbólicos",
onde
a
própria
condição de possibilidade de existência de
uma relação entre os agentes se dá pela
viabilidade do intercâmbio de tais "bens",
em tomo dos quais se estabelecem as
formas de concorrência. A estruturação
destas relações se dá a partir de
Américo, Uma copitoi par(l (I &piblittz.
(Rio de janeiro, PPGHlS/IFCS/UFRj, 1998, tese
de doutorado); MOITA, Marly Silva da O Rio de
JfI1Itiro _linu smdtJ...: de ';1'+ozpital (I eJI4tio da
G"fI1IfIbarfl. (Niterói, ICHF/UFF, 1997, tese de
doutorado) e SARMENTO, Carlos Eduardo B.
ANtmumtitJ t par1icipaçao: o pflftido AJIIIJ� do
DistrikJ FtderaI • o <tmtpo poIitUo cmWc(l (1933-1937).
(Rio de janeiro, PPGHlS/IFCS/UFRj, 1996,
dissertação de mestrado).
, FREIRE,
arena
ser definidos como verdadeiros "mercados
O núcleo central dos três textos
que,
os
formulado, em grande medida, sobre a
de
e representações
tanto,
questões
suas teses acadêmicas.'
uma
Para
construíram seus objetos de investigação a
desenvolvidas por estes pesquisadores em
situa-se em
Janeiro:
distribuição desigual de
2
um
uma
qua1ltum social,
Sobre o conceito de cultura política tomamos
como referência os trabalhos de BERSIEIN, SeIge.
"L'historien et Ia culture politique" in Vin!Jiime SUtie
- Rtwe d'Hist«n. Paris, (35) Jul-set, 1992 e
GEER1Z, Oifford. A i1lkrJnlafiio das adtJmts. Rio
de janeiro, Zahar, 1978.
3
É
denominado "capital social", que determina
disputas em seu interior.
a
conceito de campo político, definido como
posição
que os agentes efetivamente
através do
assumem no interior do campo. A maior
uma
ou menor concentração deste capital nas
perceber a dinâmica relacional das forças
mãos dos agentes sociais determinaria a
políticas concorrentes, entendendo, a partir
hierarquização e orientaria as estratégias de
dos discursos e das práticas propiciadas por
atuação dos segmentos envolvidos. Desta
sua
forma, se pode formular um programa de
intercâmbio
investigação orientado pela compreensão
propostas, constantemente veiculadas no
desta dinâmica intrínseca aos campos (suas
interior deste "mercado simbólico".
"estrutura estruturante", que se pode
própria
delimitação,
e
de
as
formas
reformulação
de
de
''leis de funcionamento''), cujo objetivo
Seguindo esta orientação teórica, os
maior é a definição precisa dos agen tes, de
suas estratégias
e de
seus
espaços
de
articulistas
procuraram
apresentar
suas
reflexões acerca do campo político carioca
atuação.
e dos elementos que, em
uma
perspectiva
os referenciais
diacrônica, conformariam o conjunto de
teóricos formulados por Bourdieu sobre
referenciais da cultura política da cidade do
um dos campos de poder específicos, o
Rio de Janeiro. Como programa comum de
campo político, possibilita configurar um
investigação, foram eleitas trés trajetórias
entendimento mais abrangente dos fatores
individuais
que
conjunturas
políticas
funcionariam
como um instrumento de
A interação
contribuem
constituição
com
para
dos
a
delimitação
padrões
de
política. O campo político é,
própria
arena
políticas
em
de
embates
a
e
relação
priori, a
das
forças
testagem
representativas
e
de
funcionamento
de
três
distintas,
que
avaliação
do
da
campo
lógica
de
político
da
espaço
cidade do Rio de Janeiro. Américo Freire
político formal, através da qual se definem
recuperou a trajetória do senador Augusto
as possibilidades de ação, as estratégias
de
empregadas para o controle dos fluxos do
políticas se firmaram na área rural do Rio
capital
político, e, consequentemente,
a
de Janeiro da primeira república, como um
lógica
norteadora
e
exemplo do padrão de relação política que
concorrência
das
no
articulações
Vasconcelos,
liderança
cujas
bases
o desenho político-institucional formulado
, BOURDIEU, Piem:. O jXJder Jimbó/iaJ. Rio de
Janeiro, Bertrand, 1989.
para o então Distrito Federal propiciava.
4
Carlos Eduardo Sannento acompanhou a
trajetória de Pedro Ernesto no lUo de
Janeiro da década de 30, avaliando
os
diferentes papéis assumidos ao longo de
•
sua carreira política como explicitações das
tensões
inerentes a um campo político
marcadamente orientado pelo confronto
•
entre os mecanismos de intervenção federal
e as demandas autonomistas. Marly Motta
analisou a atuação do governador Carlos
Lacerda
na
Guanabara,
evidenciando
aspectos do debate entre projeto nacional e
atuação local no interior do campo político.
Através destes
três
trabalhos
organizadores deste volume
os
procuraram
sistematizar algumas das questões que vêm
orientando
as
investigações
conduzidas
pelos pesquisadores vinculados ao
Estudos
e
CPDOC,
Pesquisas do Rio de
nos
últimos
Núcleo de
Jtmeiro, do
dois
anos,
contribuindo para a ampliação do debate
historiográfico sobre a política no lUo de
Janeiro republicano, como também para
uma melhor discussão de questões teóricas
e metodológicas que orientam a atividade
da pesquisa histórica.
Os organizadom
C 1-00003043-4
AUGUSTO DE VASCONCELOS - O
DR. RAPADURA
Um estudo sobre liderança e
negociação política na capital federal"
é
5
tarefà
das
malS
fáceis,
mas
se
conseguirmos nos desvencilhar do estilo
épico e ressentido presente em alguns de
seus artigos, podemos chegar a conclusão
Américo Freire""
Uma das melhores
•
maneiras
de se
tentar compreender a montagem do Estado
republicano brasileiro, na última década do
século passado, se dá por meio da leitura
do balanço monarquista publicado a partir
de
1899
sob
Republicana."
o
Nesta
COISas,
verifica-se
ordem
imperial
o
nome
"Década
obra, entre
quão
estavam
outras
distantes
as
da
pnnClpals
proposições do novo regime, e ainda a
profundidade (e ousadia) do experimento
federalista que reordenou de cima a baixo o
sistema politico-institucional do país.
No que se refere à capital brasileira,
isto
é
flagrante.
monarquista,
a
capital
Na
concepção
era
a
melhor
expressão do regime; era corte imperial e
pólo civilizador, suas instituições
deveriam ser) modelares; o
era
eram
(e
municipio neutro
administrado com probidade e controle
em lugar do "descalabro republicano". Não
Neste artigo, desenvolvo algumas questões
apresentadas em minha tese de doutorado intitulada
Uf!14 çgpitol partJ tJ RrplÍb5t4. poder federal e forças
locais no campo político carioca. PPGHIS/UFRJ,
1998. Agradeço a colaboração da professora
Rosemeire Medeiros no levantamento de dados
sobre Augústo de Vasconcelos.
•
que realmente muita coisa mudou mesmo"
A começar pelo fàto de que a
República demorou bastante para definir o
que ela queria da capital. Ou mesmo se
tinha interesse em discutir o tema, tamanha
a fragilidade dos debates constituintes, que,
como sabemos, resultaram em medidas
praticamente
impossíveis
de
serem
executadas (como a mudança da capital sem prazo definido - para uma região na
área central do país ainda a ser demarcada),
além
de
muito
pouco
esclarecer sobre
como conciliar a presença dos poderes
centrai e municipal na cidade do Rio de
Janeiro, que permaneceu como capital até a
futura mudança da sede do governo.
A
nova
ordenação
politico-
institucional, inspirada no modelo norte­
amencano,
FuJera�
foi
daí
a
apenas
denominação
esboçada
no
Distrito
texto
constitucional. Não se chegou a nenhuma
conclusão sobre como se daria a tutela
federal e qual seria o desenho do governo
que deveria seria exercido, segundo a nova
- Pesquisador do CPDOC/FGV, professor do
CAp/UFRJ e Doutor em História Social pela UFRJ.
•
Ver, por exemplo, os artigos sobre eleições,
justiça e muniápio da capital reunidos no volume
DictJdtJ Rrpllb5contJ republicado, em 1982, pela
Univer.;idade de Brasília..
.
6
carta,
por
apenas
autoridades
um
tergiversou,
ponto
qual
mUnlap31s.
a
nova
seja
a
carta
da
Em
O resultado de tudo isso foi a
não
conformação de um novo campo político
separação
na capital que, a partir daí, fc
i aria
política entre a capital e o estado do IUo de
por uma intensa disputa entre as diversas
Janeiro, o que resultou na criação de uma
forças e instituições interessadas em manter
bancada
Distrito
ou ampliar o seu quinhão de poder na
Federal de 10 deputados federais e 3
principal cidade do país. Após a crise
senadores. A medida era coerente com a
política de 1897, que colocou em xeque o
concepção
modelo liberal republicano, processou-se
de
representantes
do
dominante
nas
hostes
importante
reman ejamento
nessa
republicanas, que defendia a necessidade de
um
se apartar a capital dos estados para nela
situação, que deu margem à introdução de
criar uma sede de governo com estrutura
uma política de enquadramento da capital,
própria e original.
desfechada
Coube
então
Nacional dar forma
ao
ao
Congresso
Distrito Federal por
presidentes
nas
administrações
Campos
Sales
dos
e Rodrigues
Alves.
Neste
meio da aprovação de uma Lei Orgânica do
texto,
nosso
objetivo
é
município da capital. A nova legislação,
verificar
aprovada em 1892, terminou por aprovar
cruzamento
uma solução de compromisso que buscou
político carioca republicano e a trajetória de
atender tanto ao interesse do poder central
uma de suas principaís lideranças, a do
de exercer de alguma forma o poder na
médico e senador Augusto de Vasconcelos.
sede do governo, como
Carioca, filho de fazendeiros da paróquia
ao
princípio básico
de representação popular. Para dar conta
de
desse compromisso, ficou estabelecida a
perfil de Vasconcelos pouco se coadunou
distribuição
com a vertente republicana radical que
de
atribuições
político­
Campo
entre a constituição do campo
Grande,
ex-monarquista,
o
da
marcou época na vida política da cidade no
presidência da República (o prefeito), o
final do Império e primeira década do novo
Senado Federal (encarregado de apreciar os
regime, e que produziu brilhantes
vetos do prefeito) e o órgão legislativo
como Silva Trovão, Silva Jardim, Irineu
eleito
Machado, Barata IUbeiro, entre outros.
administrativas
pela
Municipal).
entre
o
população
delegado
(o
Conselho
tribunos
Político dos bastidores, mais afeito à guerra
de posições do que a grandes batalhas,
7
Vasconcelos
principalmente
na
avanços na pesquisa, a historiografia ainda
arregimentação
de
permanece presa à concepções de caráter
lideranças políticas. Sua atuação e discurso
generalizantes que terminam por esvaziar o
foram em geral voltados para o interior do
conteúdo político da antiga capital federal.
campo e não para os profanos.'
Sabemos
articulação
atuou
e
na
O principal argumento deste artigo
tambétn
largamente
expressou
geralmente
nenhum
outro
a
pengos
e
dificuldades de utilização de tal método, já
é simples e direto: Augusto de Vasconcelos
como
dos
descritos
pela
relacionados
historiografia,
perda
à
da
ambigüidade do campo político carioca na
capacidade analítica resultante do uso de
Primeira República. Durante sua longa e
lentes
fechadas
no
ascendente trajetória, atuou coerentemente
personagem, que o devir acaba por
girar
em uma estreita faixa que lhe pennitiu
apenas em tomo da ação individual." O
servir de elemento de transição entre a ação
leitor, no entanto, fica alertado de que, pelo
intervencionista
poder
menos na clássica armadilha da troca de
autonomista defendida
identidade do autor com o personagem, eu
central e a
desfechada
tese
pelo
pelos grupos políticos locais.
O
caminho,
trabalho
por
a
muitos
de
tal
formas
procurei não cair, por razões variadas que
segurr
já
segue
trilhado,
o
ficarão claras ao longo do texto.'
de
Em
um
prunerro
momento
construir uma análise mais detida de um
exammaremos a inserção de Augusto de
determinado
Vasconcelos
objeto
acompanhamento
da
por
meto
trajetória
de
do
um
no
campo político carioca
republicano. Logo depois, analisaremos sua
personagem significativo. O método nos
atuação
parece proficuo e estimulante ainda mais
político-institucional
porque pouco, ou quase
A
despeito
momentos
de
redefinição
no Distrito que
se
nada, se sabe
sobre as estruturas políticas cariocas e seus
personagens.
nos
dos
últimos
, . Sobre as noções de: trajetória social e trajetória
ascendenre, ver BOURDIEU, Piure. As rwaJ do
aTU. São Paulo, Companhia das Letras, 1996, pp.
292-298. Sobre a noção de campo político, ver
BOURDIEU, Piecre. A representação política.
Elementos para uma reoria do campo político. In: O
podn- JimbólUo. Lisboa, Difcl, 1990, pp. 162-207.
Neste mesmo artigo, veri1icar ainda o caráter
emprestado pelo autor aos reemos trib1l1lo 'proft11W.
" . Sobre o significado da biografia, ver importante
levantamento de: questões em BOURDIEU, Pie=.
A ilusão biogcifica. In: FERREIRA, Marieta de
Moraes & AMADO, Janaína. UJlJS , A/msos do
História Ora.
CRio de: Janeiro, FGV, 1996. Ver outra
abon\agml1Illlis positiva em Lcvi, Giovanni. Usos
da biografia. In: também abon\agml menos critica
em FERREIRA, Maneta de Moraes & AMADO,
Janaína. UW , AbltSOs da História 0ruI. Rio de
Janeiro, FGV, 1996.
7
Sobre as mnadilhas e caminhos da biografi.a, ver
também LEVILLAIN, Phillippe. Les protagonisres:
de la biografie. In: RÉMOND, Renê (diretion). POlir
1111' Hisfqri, Politiqut. Paris, Éditions du Seuil, 1988.
•
8
acentuaram paralelamente à montagem e
de govemo ficavam a cargo do Conselho
implementação da "política dos estados".
Municipal e da Prefeitura, enquanto
ao
acompanhar
Senado caberia a mediação entre aqueles
Vasconcelos como aliado preferencial do
dois ramos de poder. A República apostou
condestável
alto
Iremos
Finalmente,
gaúcho
na
"República
de
e
praticamente
desconsiderou
o
modelo imperial de capital, em que o único
Pinheiro Machado."
órgão responsável pela administração da
De adesista a cheftpolítiro do "triÓflgu/o"
capital
(a
Câmara
Municipal),
era
subordinado diretamente ao poder central
A elaboração e aprovação da Lei
por meio do Ministério do Império. Foi
Orgânica relativa à capital brasileira se deu
criada portanto uma estrutura muito mais
em
Leal
complexa, em que a tutela do poder central
o
sobre a capital foi dividida entre o Senado e
momento fundador do regune em que os
o delegado do poder executivo federal.
pnncípios
Esses dois novos personagens passariam a
melO
ao
denominou
que
"arrojo
Victor
Nunes
liberal",
isto
é,
descentralizadores
sobrepujaram de longe a chamada razão de
competir
Estado.' Com o decorrer do tempo, essa
também com um legislativo local forte do
situação
República
ponto de vista administrativo (pelas suas
encontraria seu prumo por meio de um
amplas atribuições relacionadas à gestão da
arranjo que tomou por base mais a
cidade),
se
política do
•
•
modificou
e
a
realidade
que os fundamentos e princípios
•
9
naquele
mas
frágil
campo
que
do ponto
contaria
de vista
político, pelo fato da Casa não possuir
poder na apreciação dos vetos do prefeito,
constltuoonatS.
A negociação política foi a marca
atribuição precípua do Senado Federal.lo
da legislação que fundou o Distrito Federal.
O processo de criação e definição
legal
de um modelo político-institucional para o
produziu um peculiar e original desenho
Distrito Federal, conquanto que precário,
político-institucional em que as atribuições
deu fôlego aos grupos políticos locais que
8 . lEAL, VIctor Nunes, Corondismo, E1IXOdo ,
ver LESSA., Renato. A invmfào "f»Ibliama, São
Paulo, Vértice; Rio de Janeiro, IUPERJ, 1988.
lO
Sobre a ordenação do Distrito Federal, ver
análise mais detida em FREIRE, Américo. Uma
capillJipara a &ptíbliaz. poder federal e fotÇaS locais
no campo político carioca (1889-1906). Rio de
Como já
nos
referimos,
o texto
Voto:
o mtmiápio , o ,.gimt rrprnmtatWo ftO BrasiL São Paulo,
Alfa Omega, 1975, pp. 80-81
9 . Estllmos aqui nos referindo diretllmente à
upoütica dos estados" concebida e implementada
por Campos Sales. Sobre o Modelo Campos Sales,
•
9
tra taram de ocupar os órgãos legislativos
Exercendo
rígido
um
controle
municipal e federal. Em pouco tempo,
sobre o seu eleitorado, o "triângulo" se
constituiu-se
a
transformou em uma área estratégica para
liderança de senadores e deputados federais
o controle do partilhado campo político
canocas,
carioca.
eixo
um
que,
principalmente
Federalista
o
de poder,
sob
tendo
por
Partido
Republicano
(PRF),
base
transformou-se
em
Com
apoio
do
grupo,
Tomas
Delfino, principal prócer do PRF carioca,
elegeu-se sucessivamente para o Senado
interlocutor privilegiado do poder central
Federal. Outro dado significativo
na condução política da capital. Durante a
do "triângulo" foi a eleição dos seus três
gestão do presidente Prudente de Morais
principais
(1894-1898),
a agremiação ganhou ainda
líderes
para
a
Câmara
Deputados no pleito federal de
dos
1896.12
a
A ascensão do grupo chamou a
nomeação para a prefeitura de um dos seus
atenção de parte da unprensa que fazia
membros, o médico e deputado federal
oposição
Furquim Werneck."
principais porta-vozes oposicionistas era o
maior
expressão
e
legitimidade com
A força do PRF local advinha tanto
jornal
da
PRF
Cidade do Rio,
canoca.
Um
dos
do jornalista e político
de seu caráter de seção do grande partido
José do Patrocinio. Em inúmeros artigos, o
oficial comandado pelo "general das
ex-líder abolicionista criticou as práticas
21
brigadas", Francisco Glicério, como pela
políticas
sua penetração entre as lideranças de perfil
suas relações ilícitas com o Matadouro de
local, das quais se destacou um grupo que
Santa Cruz. O principal alvo de Patrocinio
acabou por ser conhecido na imprensa
era Augusto
como
"triângulo",
formado
por
intendentes de três distritos rurais cariocas:
Felipe Cardoso (Santa Cruz) e
Raul Barroso (Guaratiba).
de
"triângulo" e denunciou
Vasconcelos,
a
quem
denominava ''Dr. Rapadura", em alusão às
origens rurais de sua família.
os médicos Augusto Vasconcelos (Campo
Grande),
imorais do
A
jornalista
expressava
manifestação
de
prestígio
algo
enfática
como
mais do
que
de
um
Patrocinio
a
mera
denúncia: era também sinal de declínio de
janeiro, PPGHIS da UFRJ, 1998 (tese de
doutorado).
11
Ver criação dos primeiros partidos políticos
cariocas republicanos em VENEU, Marcos Guedes.
"Enrerrujando o sonho: partidos e eleições 00 Rio
de Janeiro, 1889-1895." Dados, vol. 30, 0"1, 1987,
pp.45-72.
algumas lideranças políticas e intelectuais
•
12
Ver 1O.3I0res dados da força eleitoral do
"triângulo" em FRElRE� Américo. «Rastreando o
campo político carioca." Texto apresentado na VI
ANPUH/Rj, 1994.
•
10
No
que tiveram um papel importante no
•
legislativo
municipal
advento republicano mas que, com o
atuação
decorrer do tempo, foram perdendo poder
constantemente
para políticos de perfil mais local, com
pronunciamentos sobre variados
clientelas
que abordavam desde o crônico problema
seguras
e
com
experiência
política. Este processo de
renovação
destaque.
teve
de
na
do abastecimento
Esteve
tribuna
fazendo
temas,
da carne verde até
política ficou claro no pleito federal de
questões de natureza político-institucional.
1 896, em que dos 1 1 representantes eleitos
Manteve uma posição discreta em relação
(1 senador e 1 0 deputados federais), 6 eram
aos prefeitos Barata Ribeiro e Henrique
ex-intendentes."
Valadares, não engrossando o coro dos
Como vunos, um dos membros
dessa
nova
safra
foi
Augusto
Segundo
em
nosso
Dunshee
de
dos mesmos
quanto ao problema do
a nos
repasse de recursos da União para a
protagonista.
municipalidade do Distrito Federal." Por
Abranches,
algumas vezes, foi alvo de denúncias de
Vasconcelos. Comecemos então
concentrar
de
intendentes que criticavam a falta de pulso
Vasconcelos nasceu em 1 856 na cidade do
)Om31S
Rio de Janeiro.
apontavam irregularidades nas eleições em
formou-se
Filho de fazendeiros,
médico
pela
Faculdade
de
e
de
outros
intendentes
que
seu clistrito.
Meclicina do Rio de Janeiro. Durante o
A mais séria dessas denúncias veio
Império manteve ligações com o Partido
do intendente Pereira Lopes que o acusou,
Lberal, exercendo o cargo de delegado de
na seção de 4 de abril de 1 893, de obrigar o
higiene
Na
eleitorado de sua freguesia a votar em
República, obteve o seu primeiro mandato
células coloridas no canclidato ao Senado
parlamentar
Aristides
durante
em
aquele
outubro
regune.
de
1892,
elegendo-se intendente municipal
pelo
distrito de Campo Grande."
Lobo,
"somente
para
fazer
conhecer a sua influência local." Lopes
afirma ainda que as eleições em Campo
Grande eram em geral realizadas "a bico de
U
. Verificar perfil das bancadas cariocas na Câmara
dos Deputados e no Senado Federn! em
ABRANCHES, Dunsbee de. Govmws e Co"lJWfJS do
ReplÍblico dos Estados Unidos do BrasiL2 v. São Paulo,
1918.
14 . ABRANOffiS, Dunsbee de. op. ato v.l., pp.
654-655.
15 . Sobre o confronto entre prere;tuIa e legislativo
nas gestões de Barata Ribeiro e Henrique Valadares,
ver BASTOS, Ana Marta R O Cottselho de J1fInIIibttig
Mmticipal: fIIItmromia e instabilidade 1889-1892. Rio de
Janeiro, CEH/FCRB, 1984. Ver ainda WElD,
Elizabeth Von der. O prifeiUJ ",,,,o i.lm1teaório mm O
11
pena",
e
que
Vasconcelos,
que
se
Vasconcelos
dizia-se
atksista
um
apresentava como "republicano genuíno",
repllblita1/0
fora na realidade "um dedicado servidor da
Tinha
monarqwa,
mais
estados, o novo regime não fechara as
todos
portas às antigas lideranças monarquistas
importantes
ocupando
da
sua
os
lugares
paróquia,
6
conseguidos a base de favores." 1
e não se preocupava com isso.
consciência
de
que,
em
vários
dispostas a colaborar com a República. Nos
Em seu pronunciamento do dia
anos iniciais republicanos, o que realmente
seguinte, Vasconcelos responde a todos
contava era a capacidade de vencer os
esses ataques. Nega a fraude eleitoral e
pleitos e ocupar o espaço político que ora
assinala o caráter insubmisso do eleitorado
se apresentava. Desde a primeira eleição
de
referidas
municipal, Vasconcelos disse a que veio:
eleições, "não se submeteu à força da
foi o intendente mais votado da capital. No
polícia e que teve independência para reagir
pleito senatorial de 1892, reafirmou sua
contra
Pereira
liderança e a eficácia dos seus métodos em
Lopes desconhecia a lei e não poderia
telegrama confidencial enviado ao chefe de
provar
polícia
Campo
ela".
Grande
que,
nas
Afirma ainda
nenhuma
que
irregularidade.
Em
carioca,
no
qual
apresenta
os
seguida, procura deixar clara a sua posição
seguintes números: "Aristides [Lobo] 525,
política perante o novo regime. Afirma que
sendo 432 em células vermelhas minhas."I'
nunca
Em Santa Cruz, outro dominio do grupo
fora
republicano
histórico;
"eu
do
quero ser o que sou". E conclui:
"triângulo",
favorável
Aceitei a República e a ela tenho
servido com dedicação e lealdade. O
que não posso é, adotando a República,
dizer publicamen te que sou republicano,
e
nos
meus
atos
manifestar-me
inteiramente contrário a ela.
nao posso faz er nem faço. 17
É
isto que
dúvidas
a
o
Lobo
quanto
à
resultado
eleitoral
também
não
extensão
da
deixa
fraude
promovida por Vasconcelos e seus aliados:
Lobo
obteve
327 dos 329 votos dos
eleitores do distrito.
O "triângulo" era a única fortaleza
política da capital. Foi nessa condição que
Vasconcelos, aliado desde muito cedo de
importantes
poderfederal t o poder rmmitipal na capital da Reptiblica.
Rio de Janeiro, CEH/FCRB, 1984.
16 AlIais do Constlho MJl1tüipal, sessão de 4 de abril
de 1893.
1 7 AlIais do Constlho Mtmicipal, sessão de 5 de abril
de 1893.
•
.
lideranças
do
radicalismo
republicano que ajudou a eleger, como
Aristides Lobo
e Tomas Delfino, teve
12
condições de se transfoanar em um dos
Interior, passou a nomear funcionários em
pnnopatS
posições
estratégicas
anuência
do
chefes da cidade na segunda
metade da década de 1890.
mesmo
Crise, cwptoção e resistincia
Em
dezembro
de
1896,
em
policiais.
momento
requisitou
ao
ampliar
as
Iniciava-se
intervenção
política
a Câmara Federal. Durante todo o ano de
prolongaria ainda por muitos anos, pelo
1897, discursou apenas em 2 momentos
menos
estratégicos, isto é, no final de agosto para
Rodrigues Alves.
PRF nacional de Francisco Glicério,
até
a
Estava
afirmar a sua condição de oposicionista e
ao
Distrito
de
naquele
Vasconcelos foi eleito pelo PRF local para
fiel
no
a
ao
para
processo
um
sem
Municipal,
que
recursos
diligências
justiça
Conselho
tempo
Congresso
na
Federal
gestão
claro
do
para
que
se
presidente
os
grupos
políticos locais que o poder central partira
e em novembro, dias depois do atentado
para
contra o presidente Prudente de Morais,
nomeação de cargos, seja pela coerção
para desligar-se daquele mesmo partido.
policial,
Nos parece que não há necessidade neste
controle
breve texto de examinarmos os principais
poderia
componentes da crise política de 1897 que,
posições
como sabemos, colocou em rota de colisão
denunciar tudo isso e impedir a debandada,
o presidente Prudente de Morais e a facção
nada melhor do que a voz insuspeita de
do PRF liderada por Francisco Glicério.
Vasconcelos, uma liderança com trânsito
Vejamos apenas como esse confronto se
junto
desdobrou no campo político carioCa.'9
ligações com o republicanismo mais radical
Como
O
PRF local se manteve fiel a
o
confronto
estava
e
aberto.
aberta
a
cooptação
do
PRF
ao poder central
e
local.
com
que
as
Para
antigas
expresso na liderança de Tomas Delfino e
no jacobinismo de parlamentares
movimentar no sentido de ocupar espaços
lrineu
na capital. Por intermédio do Ministro do
Timóteo da Costa.
Machado,
Em
•
o
de
sobremaneira
Glicério, Prudente de Morais começou a se
". VENEU, Man:os G. up. áL p. 61.
19 Sobre a crise política de 1897, ver o clássico de
ABRANCHES, Dunshee de. Como se JIZ?i=
proidntUs. Rio de Janeiro, José Olympio, 1973. Ver
ainda a análise de CAMPOS SALES, M.F. Da
propagando liproidiluia. Brasília, unS, 1983.
pela
temporada
política,
enfraquecer
políticas
Seja
Alcindo
como
Guanabara
e
seu pronunciamento de agosto,
Vasconcelos
cumpriu
bem
esse
papel,
batendo duro no governo federal. Segundo
ele, o poder central, por meio do Ministro
13
do Interior, estava invadindo atribuições
munloprus.
O
Distrito
afirma,
Federal,
controle da prefeitura com a exoneração de
Furquim Werneck."
Três dias depois do
''hospeda o Governo da União; e era de
incidente, Vasconcelos retomou à tribuna
esperar que o Governo tratasse-o como um
para, em
pai
uma
do PRF local. Defende o poder constituido
madrasta histérica (grifo nosso), é um
e afirma que deseja cumprir seu mandato
carinhoso;
do
perseguidor
não,
mas
Distrito
quer
política,
economicamente."
ele
é
Federal,
quer
administrativa
e
20
Vasconcelos
arrto
pronunciamento, desligar-se
sern nenhum compromisso partidário.
A
eleição
de
Campos
Sales
significou o aprofundamento da tendência
denuncia
ainda
que
intervencionista
aama
referida.
Em
"os lords-protetores do Governo, chefes
dezernbro de 1898, um pouco mais de um
políticos
mês após a posse do novo presidente,
de
estados
longínquos,
que
foram
Capital
importantes alterações na Lei Orgânica da
Federal,
incorporadores
Governo."
constituidos
do
21 Em
tal
seu
aqui
no
capital que, ern linhas gerais, terminaram
Partido
pronunciamento,
Vasconcelos defende os líderes do
mas
ern
aprovadas
Congresso
nenhuma ligação têm com a política da
por fortalecer o papel tutelar da presidência
PRF
da República, em detrimento da posição
ern nenhum momento se coloca como
arbitral do Senado. O novo chefe do poder
dirigem
executivo municipal passaria a ser nomeado
do
livremente pelo presidente da República,
fechamento do espaço político carioca à
sem a aprovação da Câmara Alta, e ficaria
invasão externa.
no cargo apenas "enquanto bem servisse"
tal.
Suas
palavras
fundamentalmente
se
na
defesa
A situação política acabou por se
ao chefe do executivo federal. Ao mesmo
deteriorar em novembro daquele mesmo
tempo, foram introduzidos mecanismos no
ano,
com
o
frustrado
presidente
Prudente
pnnopats
lideranças
de
atentado
ao
sistema eleitoral que favoreceram a eleição
Morais.
As
de candidatos da minoria e portanto fora
jacobinas
foram
do esquema dominante do PRF local.
processadas, presas ou neutralizadas, o que
afetou substancialmente o poderio do PRF
nacional e local, que perderia também o
2D
Alrois da Cámora dos DtplllOdas, seção de 30 de
agosto de 1897.
•
21.
idem.
Sobre o episódio do atentado e seus
desdobramentos políticos, ver QUEIROZ. Suely
RR Os rOlÍcois da &pliblica. São Paulo, Brasiliense,
1986.
Z2
14
Estas
refonnas
foram
debatidas
inteirarnente
desarticulada
após
os
mals na imprensa do que no Congresso.
episódios de novembro de 1897; não havia
Originalmente, o projeto do governo
era
portanto clirna político para se conter a
ainda mais radical, chegando inclusive a
ação da maioria que terminou por aprovar
defender
um texto que aparou as tendências mais
a
suspensão
temporária
do
..
Conselho Municipal após o término do
intervencionistas
mandato dos intendentes, o que ocorreria
Severino Vieira.
do projeto original de
em dezembro daquele mesmo ano. O texto
No poder, Campos Sales adotou
do projeto, apresentado pelo parlamentar
um política sistemática de desmontagem da
baiano Severino Vieira, mais tarde Ministro
estrutura
da Viação de Campos Sales, propunha
locais durante a década de 1890. Para isso,
ainda assegurar plenos poderes ao prefeito,
en tre outras coisas, procurou romper com
salvo "às intervenções corretivas conferidas
a
ao governo fiederal."2J
Coube a outro
fundamentava a força desses grupos, ou
parlamentar
Rui
seja, a das lideranças republicanas radicais
baiano,
Barbosa,
ffialS
criada
pelos
grupos
importante
políticos
que
aliança
adversário político de Vieira, combater o
(constituída de gliceristas
projeto,
com o "triângulo". Nas eleições federais de
VIsto
inconstitucional,
por
1899, Sales obteve não apenas o apoio
querer o impossível, isto é, "transformar a
político de Vasconcelos e Irineu Machado,
cidade do Rio de Janeiro em Washington",
corno também interferiu diretamente no
a
reconhecimento
do
governo
simples
corno
fato
florianistas)
de
sede
pelo
ele
e
norte-americano
e
melhor expressão de capital neutralizada.2'
No Congresso, o debate foi morno,
apesar
dos
esforços
de
alguns
refonnas.
A
no
sentido
oposição
de
barrar
as
encontrava-se
Xavier
da
de
Barata
Silveira,
candidato
do
PRF
10cal.2S
Corno
expressão
desse
novo
equilibrio de forças na capital, surgiu uma
nova
agremiação
governo
2l. Gazw de Notícias, 8/10/1898.
,. . Ves: importante artigo de Rui Barbosa sobre o
tema em seu jornal Impmtsade 11/10/1 898. Sobre a
capitaI norte-americana, ver o dásssico de GREEN,
Constance McLaughlin. Washingtll1l: A His/Qry of m,
Capital,
1800-1950. Princeton, New Jersey,
Princeton University PIe", 1962.
eleição
Ribeiro para o Senado, em detrimento de
parlamentares cariocas, entre eles Augusto
Vasconcelos,
da
2S
federal,
política,
que
próxima
ao
gradativamente
Sobre a intervenção de Campos Sales na política
da capital, ver ABRANCHES, D. ÚJtm! SI fl1:(jam
pmidenr.s. Rio de Janeiro, José Olympio, 1973, pp.
297-298. Ver ainda FREIRE, Américo. "Campos
Sales e a República Carioca", in: l..oat.s: miJlo de
bistório,J.m de Fora, vo12, n.1, pp.9-20.
•
15
de
Municipal e deu carta branca ao novo
gravidade da política local: era o Partido
prefeito, o engenheiro Pereira Passos, para
Republicano do Distrito Federal (PRDF).
desenvolver a mais importante reforma
Como o seu antecessor, o PDRF nasceu
urbana do país até então. Foram também
oficialista mas logo descambaria para a
introduzidas mudanças no estatuto político
oposição.
da capital que ampliaram
substituiria
o
PRF
como
centro
Isto porque, na estratégia de
o leque de
desmonte promovida pelo governo federal,
atribuições do prefeito em detrimento do
não havia espaço para mais um ator
papel político-administrativo do Conselho
político nesse jogo. Para implementar sua
Municipal.
Pari PasSII
política para a capital, Sales indicou para a
à execução da reforma
prefeitura e para a chefia de polícia, nomes
urbana, ganhou força a tese de que a capital
de sua estrita confiança e sem vínculos
deveria ser administrada segundo critérios
partidários, que imprimiram políticas duras
técnicos e não políticos. Grande parte da
no que se refere à questões orçamentárias e
imprensa destacava a atuação de Passos na
determinados
prefeitura, que era visto como homem
momentos, Campos Sales chegou inclusive
enérgico e intransigente, e defendia a
segurança.
de
da
necessidade de se manter a cidade afastada
imprensa que freqüentemente denunciavam
das "intrigas políticas". A despeito disso,
a
eleições
chegou-se a um acordo em que possível a
cariocas. Para corroborar com essa tese,
reab ertura do Conselho, em junho de 1903.
pressionou (com êxito) o Poder Judiciário
Seja
no sentido de anular o pleito municipal de
prefeito, seja pela luta dos intendentes em
1902.""
conquistar maior espaço político, o fato é
a
fazer coro
Em
existência
com
de
alguns
fraudes
setores
nas
Foi, no entanto, na presidência
pelo
estilo
"desassombrado"
do
que os poderes executivo e legislativo
este
quase nunca se entenderam e viveriam às
processo de intervenção política na capital
turras ainda por um bom tempo, inclusive
se definiu com maior clareza. Para mudar a
depois da saída de Passos da prefeitura em
face física da cidade do Rio de Janeiro -
1906.27
Rodrigues Alves
(1902-1906)
que
projeto central da sua administração -,
27 Sobre a gestão de Pereira Passos na prefêitura,
ver BENOfIMOL, Jaime Larry. p.,.;,." P= N11I
•
Alves fechou por seis meses o Conselho
América. Campos Sales e a República
Carioca, up. at. pp. 17·20.
"" . FREIRE,
HIZItSS11IIZ1In Tropiç"f: " mrO!!afÕO Nr/J""" da <idade do Rio
de Jmti", no ;1tÍ<iO do JinúIJ XX. Rio de Janeiro,
Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e
Esportes, 1992.(Co1eção BiblioreC3 Carioca).
16
Em
meIO
fogo
ao
cruzado,
os
Também não foram anos fáceis
grupos políticos locais trataram de recuar.
para
O antigo PRF perdeu expressão, enquanto
retirada, procurou manter-se afastado do
que o PRDF se manteve na linha da
tiroteio político. Na gestão de Campos
oposição sem confronto ou contestação. A
Sales (1898-1902), pouco subiu à tribuna.
melhor prova desse recuo foi o fato de que
Em
nenhuma
expressão
liderança
teve
política
participação
Vasconcelos
seus
que,
sem
pronunciamentos
bater
na
em
Câmara
canoca
de
Federal, passou a priorizar certos temas
direta
na
locais,
como
o
etemo
problema
do
conspiração político-militar que resultou na
abastecimento de água na cidade do Rio de
Revolta da Vacina de 1904. De todos os
Janeiro.lO Na administração de Rodrigues
parlamentares cariocas, a única exceção
Alves (1902-1906), atuou ainda de forma
nesse caso foi a do senador Lauro Sodré,
discreta
que havia sido eleito pelo Distrito Federal
participar dos debates que resultaram na
no
significativa
ano
anterior
à
revolta.
Sodré,
no
entanto, era uma figura à parte do jogo
sem,
no
entanto,
redução
do
deixar
papel
de
político­
administrativo do Conselho Municipal.
político local. Era um político de projeção
Ao que tudo indica, nesses anos de
nacional que, conduzido à Câmara Alta por
turbulência, Vasconcelos procurou firmar
uma frente oposicionista congregada em
bases políticas para futuros vôos. Para isso,
tomo do
jogou todas as
contava com o apoio do deputado federal
suas fichas no sucesso da revolta do qual
Sá Freire, sobrinho e sucessor político de
foi um dos principais líderes. Derrotado,
Felipe Cardoso no distrito de Santa Cruz,
pôde voltar ao Senado e ao término do seu
um dos vértices do "triângulo". Freire era
mandato como senador pela capital, em
advogado de renome e logo substituiria o
1912, voltou a eleger-se pelo Pará, seu
líder de Campo Grande como porta-voz
estado natal. Por tudo isso, Sodré nunca
daquele
deitou raizes políticas mais profundas no
perrnan ecena mais
Rio de Janeiro. Invariavehnente, manteve­
articulação.
Comio da Manhã,
se como livre atirador.28
grupo
político.
na
Vasconcelos
penumbra
e
na
O declínio de Rodrigues Alves na
presidência se confundiu, como sabemos,
28 Sobre o contexto polilico-partidário na capital
durante a Revolta da Vacina, ver FREIRE,
Américo. Entn (1 insllrnifiio e a institllciolla/izOfão:
LotmJ SodTi t a República carioca. Rio de Janeiro,
Textos CPDOC, 1997.
.
com a ascensão de Pinheiro Machado no
17
panorama nacional. A vitória de Monso
1910),
Pena selaria a emergência de
Rivadávia Corrêa (1914-1916).30
pacto
político
que
políticos
desdobramentos
reorganização
teve
dos
um
novo
grupos
a
políticos
Ribeiro
(1910-1914)
e
O quadro político-institucional da
importantes
para
Bento
capital
também
alterações
até
não
o
sofreria
término
da
maiores
Primeira
cariocas. O mais importante deles foi a
República. O Consellio Municipal, mesmo
fusão,
grupos
limitado em seu raio de ação, continuou a
nova agremiação também
exercer as suas atribuições administrativas
em
1906,
políticos em
um
denominada
dos
Partido
antigos
Republicano
do
e,
por
ISSO
mesmo,
Distrito Federal (PRDF). Eleito senador
influência
em
máquina governamental.
Janetro
daquele
mesmo
ano,
política
na
manteve
certa
composição
da
concorrendo contra o seu antigo aliado
Este novo quadro terminou por
chegara ao
mostrar-se bastante favorável aos grupos
topo de sua carreira política. Suas fortes
políticos cariocas reunidos em tomo do
ligações com Pinheiro Machado llie davam
PRDF. A agremiação tomou-se o pólo de
Tomas Delfino, Vasconcelos
manobra.
atração de diversas lideranças e manteve-se
Começava a fase pinheirista na vida política
como principal elemento de coesão política
canoca.
na
amplo
agora
espaço
de
capital
até as
mortes
de
Pinheiro
Machado e Augusto Vasconcelos, ambas
o Senat/qr Rapadura
no
ano
de
1915.
Durante
quase
década, Machado exerceu forte
Na Prefeitura do Distrito Federal
uma
influência
na política da capital. Com seu prestígio, foi
das ações
responsável pela indicação do nome de
espetaculares dos anos de Pereira Passos.
Rivadávia Corrêa para a prefeitura carioca
O novo prefeito, Souza Aguiar, adotou
em 1914. Não por acaso, o PRDF, sob a
uma postura mais discreta em sua gestão
batuta de Vasconcelos, se transformou em
chegara ao
(1906-1909),
fim o momento
voltando-se
principalmente
para questões do dia-a-dia administrativo.
O mesmo
se
daria nas
administrações
posteriores de Serzedelo Correia (190929
•
Ver
pronunciamentos
Vasconcelos sobre o tema em
de
Augusto
de
Anais do Câmara dos
DeplltoÓJi, sessões de 31/10/1900 e 21/11/1900.
30
•
Sobre a atuação dos prefeitos cariocas da
NORONHA SANTOS,
F.A A= do Org,tmiZOfiíQ MmrúipaI e doi prifeitos do
DistnJo Federal Rio de Janeiro, O GWBO, 1945;
ver ainda REIS, José de Oliveira O Rio de JlZ1Ieiro e
setl.S prif
eifDS: evobJçiíQ uriJ01IÍs1i<a do ddode. Rio de
Janeiro, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro,
1977.
Primeira República, ver
18
Mais
seção do Partido Republicano Conservador
fechamento pelo poder central.
(PRC), agremiação nacional concebida e
durante a gestão de Hermes da Fonseca
criada pelo
senador gaúcho "
(1910-1914), o episódio resultou em um
preço desse alinhamento direto
sério conflito de competências entre os
(e original) com o poder central foi bem
poderes executivo e judiciário no plano
alto.
federal."
O
Grande parte
da imprensa
era
tarde,
contrária a Pinheiro Machado; e como já
Este episódio ocorreu em plena
ocorrera em meados da década de 1890,
campanha presidencial de 1909/10, em
Vasconcelos se tomaria alvo constante de
que, pela primeira vez na República, houve
jornais e políticos oposicionistas. Voltaria o
ares de disputa eleitoral. Aproveitando-se
apelido - "rapadura"-, agora acrescido
da popularidade obtida por Rui Barbosa na
da nobre função pública senatoriaL
capital,
algumas
lideranças
canocas,
Vasconcelos ficou no Senado por
capitaneadas pelo deputado federal Irineu
quase 10 anos. Inicialmente, manteve sua
Machado, perceberam que havia chegado o
postura moderada e também propositiva
momento de se buscar
quanto
à
organização política da capital.
uma
alternativa
à
hegemonia do pinheirismo na capital."
Nos anos de 1906 e 1908, pronunciou-se
Constituiu-se então
algumas vezes contra os vetos do prefeito
civilista que, entre 1910 e 1915, disputou
apostos em relação
acirradamente
ao
orçamento votado
pelo Conselho Municipal. A partir de 1909,
começou
porém,
consideravelmente
sua
a
nos
corrente política
controle
do
campo
político carioca com o pinheirismo.
No
reduzir
presença
o
uma
Vasconcelos
pleito
mais
federal
uma
de
1915,
vez confirmou sua
debates políticos. Naquele ano, seu único
liderança se reelegendo para o Senado.
pronunciamento
ao
Desde o "episódio do Conselho Municipal,
Municipal",
o ex-líder do "triângulo" praticamente
acontecimento que envolveu a duplicação
abandonara a tribuna- Não fez nenhum
daquela casa legislativa e o seu posterior
pronunciamento de expressão em seu
"caso
do
político
Conselho
referiu-se
11
Sobre a força politica do lider gaúcho na
Primeira República, ver ENDERS, AnneIJe. PoJllJtJirs
tt ftderalismt 011 Broi1 (1889-1930). Paris, Univeml!!
de Paris IV - Sorbonne, 1993, pp. 350-413. Sobre a
influência de Pinheiro na capital fedetal, ver
CASTRO, Sertório de. A &plÍb5ca qMt a &voÚlçiio
Dtstnliu. Brasília, UnB, 1982, p. 232.
•
12
. Ver o Hcaso do Conselho Municipal" em
FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Um tstadista da
RrplÍb5ca. Rio de Janeiro, José Olympio, 1955, v. 11,
pp. 688-690.
}l . Sobre a campanha civilista na capital, ver
CASTRO, Sertório de. OI. tit. pp. 171-175.
19
último ano de mandato como senador pela
n o quadro das lideranças políticas cariocas
capital da República.
na década de 1920."
A morte de Vasconcelos, no final
daquele mesmo ano, produziu importantes
ComentárioIftnois
mudanças no cenário político local. A mais
•
importante delas foi a superação da referida
Não nos parece que valha a pena
polarização existente entre o pinheirismo e
retomarmos
o civilismo que, a partir de agora, deixava
nestas palavras finais. Esperamos apenas
de fazer sentido. Foi possíve� então, a
que tenha ficado claro para o leitor que
criação de uma nova agremiação partidária,
estamos lidando com um tipo de liderança
a Aliança Republicana que, como
política
o PRDF, foi capaz
O
PRF e
todo
que
o
nosso
influiu
argumento
sobremaneira
na
de reunir diversas
ordenação do campo político carioca na
lideranças políticas cariocas em tomo de
Primeira República. Isso posto, tratemos
um programa de caráter autonomista. A
agora de ampliar um pouco mais o escopo
principal liderança do novo partido coube
de nossa análise por meio de algumas
ao
proposições. Vamos a elas.
engenheiro
e
professor
Paulo
de
Frontin, antigo aliado de Vasconcelos.
A ordenação política canoca até
então
se
baseava
estrito
do localismo e da "política miúda" na
eleito�
maior e mais importante cidade brasileira
grupos
naquele começo do século. A capi� palco
interessados em manter e garantir suas
da política nacion� produziria tribunos e
posições políticas. Em
função disso, o
rebeldes, mas fundava a sua política, como
eleitorado do Distrito Federal se mantinha
os demais estados, na atividade política de
muito pequeno, quando comparado aos
ocupação
demais
arregimentação
controle
do
promovido
pelas
estados
também
no
1. Vasconcelos expressou a força
alistamento
lideranças
brasileiros.
e
Com
o
desaparecimento de Vasconcelos, houve
melliores
condições
políticas
para
espaços
eleitoral
públicos,
forçada
na
e
na
fraude.
que
promovesse uma expressiva ampliação do
de
Os
prmClpals
grupos
que
dominaram a República mantiveram uma
corpo eleitoral da capital. Não é dificil de
se imaginar que a medida esteja na origem
da importante renovação que se processou
l-4
Sobre a nova dinimica política carioca da década
de 1920, ver CONNIF, MichaeJ. UrlJan Palites in
Bra:dJ.· Ih, rir, of pof»dism (1920.1945). Pittsbutgh
Press, 1981.
•
. .-
.,--- -----
"'
fI!,
1"'t,C�
-
1
"
.
.
"
-
.....,...-
.,
20
2.
atitude dúbia em relação à permanência da
um
esse "lado obscuro" da política carioca, a
a questão
não ser para reafrrmar a tese de que tudo
como algo inerente ao regime; formou-se
aquilo era, nada mais, nada menos, do que
então
nos
a expressão de um fenômeno mais geral
moldes das oligarquias regionais. Após a
relacionado à forma pela qual a República
crise de 1897, adotou-se uma nova política
encaminhou (ou desencaminhou) a questão
baseada na
da cidadania política no pais."
capital
como
político.
wms
primeiro momento, trataram
•
Em
A historiografia pouco abordou
uma estrutura política
ocupação
de
local
espaços
pelo
Em
poder central e no descrédito do JOgo
relação
a
Vasconcelos,
político local. O modelo de neutralização
acontece mais ou menos a mesma coisa.
baseado
Há poucas referências à sua liderança na
na experiência norte-americana
a
historiografia e, quando existem, assumem
ser
em geral um tom que resvala mais para a
inteiramente aplicado em nossa legislação.
caricatura. Afonso Arinos, por exemplo,
Finalmente, chegou-se a um certo ponto de
em passagem sobre O referido "caso do
equihbrio
Conselho
nos
moldes
de
mas
rondar,
Washington
nunca
em
que
chegou
chegou
as
a
forças
locais
Municipal",
em
que
ficaram
de
frente a fren te Hermes da Fonseca e Rui
de
Barbosa, chega a chamar o líder político
manter os pequenos espaços políticos até
carioca, que formou com Hermes e lhe
então conquistados.
dava sustentação política na capital, de o
reconheceram
a
reversão
quadro,
desse
impossibilidade
e
trataram
Nessa estratégia defensiva, foi de
fundamental
importância
uma
liderança
"velho soba do sertão carioca", ou seja,
uma reminiscência
de
liderança
africana
com o perfil de Vasconcelos, que conseguia
presente nos arredores da capital do pais.
reuntr o apoio do condestável Pinheiro
Na
Machado e de significativas bases locais.
Vasconcelos era a melhor expressão das
Com o desaparecimento de Vasconcelos, a
trevas,
situação
maIOres
contraponto perfeito à razão expressa pela
modificações até o término da Primeira
força do Direito defendida na ocasião pelo
República. Manteve-se, ainda por muitos
conselheiro Rui Barbosa. Infelizmente, o
anos,
historiador mineiro não produz qualquer
política
não
o octrrício do dissenso.
sofreu
coerente
da
narrativa
ignorância,
do
enfim,
autor,
um
21
análise sobre a personagem em questão,
sucessivamente
valendo-se apenas de uma boa expressão.36
áreas urbanas da cidade do Rio de Janeiro.
Após
•
deputado
envolver-se
federal
pelas
diretamente
na
3. Neste texto procuramos mostrar
conspiração contra o governo de Prudente
a história não foi nem tão simples e nem se
de Morais, passou a adotar uma ação de
resume a esquemas analíticos
caráter mais moderada, tomando-se aliado,
marcados
pelo velho problema da dicotomia. O jogo
em
político na capital nos pareceu bem mais
comandada por Vasconcelos. Devido as
complexo. Por mais sufocante que fosse a
suas
presença do poder centrai em sua sede,
transformou-se
houve
em
civilista, assumindo a vanguarda da luta
estruturas
contra O hermismo e o pinheirismo na
expressão
capital até a morte do polêmico prócer
caso, chama a
gaúcho. Mais tarde, envolveu-se no famoso
possibilidade
determinados
políticas
de
se
cnar,
momentos,
locais
com
política e social.
razoável
Nesse
certos
momentos,
com
relações
em
da
corrente
Barbosa,
Rui
líder
da
corrente
atenção o papel de Vasconcelos e de outros
caso
membros do "triângulo", como agentes
Bemardes, O que lhe rendeu a "degola" nas
importantes
eleições senatoriais de 1924. Eleito senador
na
destas
constituição
estruturas.
de
lideranças
nacionalizado
político
que
canoca.
tomavam
"cartas
falsas"
contra
Artur
em 1 926, terminou a vida política apoiando
O mesmo, no entanto, não se pode
dizer
das
de
Em
maIS
Na Primeira República brasileira,
campo
esta conduta errática não foi exceção nem
perfil
atuavam
no
geral,
o governo de Washington Luís."
estes
se
regra. Estava inteiramente enquadrada ao
padrão político da época, marcado
ainda
U1capazes de permanecerem fiéis mesmo
fortemente
pelos
aos
constantes
tênues
livre-atiradores,
liames
ollUiders,
partidários.
Nesse
pelo
personalismo
desequilíbrios
e
JOgo
do
sentido, o exemplo mais expressivo, dentre
oligárquico.
muitos
e
perfil congênere, Machado, sem tnalores
professor lrineu Machado. Jacobino de
problemas, conciliava a prática política das
"primeira
clientelas
outros,
foi
água",
o
do
advogado
Machado
elegeu-se
Como
com
o
outros
políticos
desabrido
de
discurso
oposicionista e antioligárquico.
l5
. Ver, por exemplo, CARVALHO, José M. OS
bestia/iZados: o Rio '" ](/11aro , o Replib/ico qM' não foi.
São Paulo, Cia das Letras, 1987.
,. . ARINOS, Afonso Arinos de Melo. op. rito p. 689.
Ver trajetória política de lrineu Machado em
CONNIF, M. op. rit. p. 81.
J7
•
22
Sem o mesmo capital político e sem
•
pesqutsas:
Vasconcelos
Serta
a
o mesmo carisma, lideranças como a de
expressão de uma
Vasconcelos
política formal na cidade do Rio de Janeiro,
diverso.
•
futuras
segwram
A
entrada
um
na
caminho
vida
pública
tradifÕo conJlitulivo
que se caracterizou por
condliar,
Je111
da
grandeJ
costumava ocorrer por duas vias: pelos
embaraçoJ, a poUlica clienteliJfa e a eJtr1Ituração
contatos
partidária.
por
"cima",
mas
também
e
Esta
tradição,
possivelmente
principalmente pela consistência de uma
inaugurada no império, deitou raízes na
base eleitoral segura em seu distrito de
República e até hoje marca fortemente a
origem. Os mesmos atributos, além de uma
cultura política carioca.
capacidade de granjear apoios em outros
distritos, poderiam garantir cargos federais
no futuro. Este foi o caso de Vasconcelos.
Se
adotannos
a
classificação
adotada por Robert Dahl, pode-se afirmar
que
Vasconcelos
foi
inegável
e
coerentemente um "político negociador" ."
Não há traços de radicalização em seu
discurso ou mesmo de defesa intransigente
de princípios.
Pari pasJU
à sua ascensão na
vida política, afasta-se também da tribuna,
passando
política
cada vez mais a adotar uma
de
bastidores.
Em
nenhum
momento, perde o controle sobre as suas
bases eleitorais e sempre procura manter as
portas abertas para a negoCiação com
O
governo federal.
4.
Para
concluir,
poderíamos
avançar um pouco mais no sentido de
sugerir a seguinte e últirrta proposição para
" . Ver Robert Dahl, Análirt polítito motimIo,
Brasilia, Editora da Universidade de Brasília, 1988,
pp. 115-117.
C I - 00003049-3
23
DE TENENTE
CIVIL A PREFEITO
das caracteristicas fundamentais da vida
política da então mais importante cidade
DO POVO
brasileira.
A trajetória política de Pedro Ernesto
Pedro
Carlos Eduardo B.
A
Sarmento"
política carioca nos anos 30 tem
wn
claramente
sucessIvas
norteador:
eo<o
alterações
em
seu
as
estatuto
político provocadas pelas mudanças nos
rumos do projeto político de Vargas na
presidência. Capital da República e centro
nervoso
de
sua vida política, o
então
Distrito Federal oscilava entre propostas de
abertura de seu campo político, embutidas
nas
plataformas
cerceamento
locais
da
através
autonomistas,
atuação
da
ação
das
e
de
lideranças
interventiva
do
governo federal. Podemos identificar como
ponto
deste
referencial
política
trajetória
itinerário
do
a
médico,
revolucionário, interventor e prefeito da
cidade Pedro Ernesto Batista. Em tomo de
sua liderança política o campo político
canoca
buscou
tomando-o
wn
VIas
de
organização,
dos ícones da memória
política da cidade. Observar o percurso
político de Pedro Ernesto durante a década
em
questão
toma-se,
portanto,
wn
exercício de reflexão imprescindível acerca
" Pesquisador do CPOOC/FGV, Mestre em
História Social pelo PPGHIS/IFCS/UFRJ e
capital
Ernesto
Batista nasceu
pernambucana
setembro
de
no
dia
na
25
de
1884. Pertencente a uma
família de pequenos comerciantes, desde
cedo decidira-se pela carreira médica, em
seu entender uma atividade "sublime" que
aproximava os homens de seus iguais.
A
vinculação de seu pai, Modesto do Rego
Batista, aos meios maçônicos recifenses
teria sido uma das mais fortes influências
na formação da personalidade de Pedro
Ernesto,
levando-o
a
uma
escolher
profissão que o aproximasse de wn ideal
humanitário
assistencialista. 40
Tendo
concluído sua formação escolar básica em
Recife,
.
.
mgressana
na
Faculdade
de
Medicina da Bahia, de onde posteriormente
se transferiria para a Capital Federal, em
busca de
wn
melhor ensino e de maiores
possibilidades para o início de sua carreira.
Doutorando em História Social na mesma
instituição.
40
Sobre esta posição ver os comentários
manuscritos de uma tentativa de esboço
autobiográfico de Pedro Emesto DO dossiê
FragmtnlJJJ de aJltobiografta de P,dro Enre.rtIJ - Asquivo
Pedro Emesto - DOe. PEB-MemóDas-DP.
CPDOC/FGY. .Alguns dos dados biográficos
foram obtidos em BELOCH, IsaeJ & ABREU,
Ditionário Histári�biogrófoo
AIzira .Alves (org.)
Brariki,. 1930-1983. &0 de Janeiro, CPDOC­
FINEP-Forense Uoiversicíria, 1984. e WAINER,
SamueJ. "Pedro Ernesto - sua vida de cirurgião e
revolucionário" in Rn.isto Dirttri'(!J, 15. Nov. 1942
pp. 3-22.
24
•
com
financeiramente
Sustentando-se
Fátima.
identificado
Sendo
como
muitas dificuldades, recebeu o convite para
benemérito
tomar-se auxiliar no consultório do médico
Ernesto passaria a receber doações dos
Augusto do Amaral Peixoto como a grande
ricos comerciantes portugueses, o que lhe
oportunidade
meios
propiciou a construção de uma nova casa
profissionais, sendo muito bem sucedido
de saúde, situada à rua Henrique Valadares,
em seu primeiro oficio médico. Além do
inaugurada em 1924. Paralelamente à sua
caráter estritamente profissional,
contato
atividade médica começaria neste período a
com a família Amaral Peixoto também
se envolver mais diretamente com o clima
marcaria a introdução de Pedro Ernesto na
de agitação política que marcaria a década
vida
à
de 1920. Em junho de 1922, através do
amizade que estabeleceria então com os
proselitismo do capitão José Aníbal Duarte,
filhos do Dr. Augusto, Ernani e Augusto
primo de sua esposa e ajudan te-de-ordens
Jr.,
que
de Hermes da Fonseca, Pedro Ernesto
posteriormente ligar-se-iam aos setores da
travou conhecimento com o levante do
de
política,
nos
principalmente
Jovens
oposição
inserir-se
oficiais
militar
da
ao
O
devido
armada
governo
Artur
para
Ernesto
sublevados.
se
casana
com
Maria
colônia
lusitana,
Pedro
Forte de Copacabana, lançando-se às
Bemardes. Forman do-se em 1908, Pedro
logo
da
assoaar-se
aos
Não
Jovens
consegwu,
ruas
tenentes
contudo,
Evangelina Duarte, entusiasmado com a
participar das ações daquele 5 de julho,
promissora carreira que se lhe abria. Sete
chegando ao bairro litor-âneo pouco depois
anos após
do fim trágico da marcha heróica dos
sua formatura era nomeado
diretor da clínica cirúrgica da Policlínica de
rebelados.
o
Botafogo, de onde sairia para montar sua
Copacabana
marcaria
própria casa de saúde, especializada em
médico,
obstetricia, cirurgia e ginecologia.
atentamente os movimentos rebeldes da
Médico
reputação
ern
conceituado,
com
grande
toda a cidade, Pedro Ernesto
desenvolvia em sua clínica
um
serviço de
Pedro
pobre
aImirante
de
Janeiro,
atendendo
areias
de
profundamente
passana
a
o
acompanhar
governo federal.
participar
Rio
nas
jovem oficialidade e a oposição civil ao
assistência médica gratuita à população
do
que
sangue
Ernesto,
do
levante
Protógenes
que
chegou
liderado
Guimarães,
a
pelo
sena
principalmente a comunidade de imigrantes
preso ao fim da rebelião de julho de 1924,
portugueses pobres da região do Bairro de
cumprindo assim o seu rito de passagem,
25
ingressando
definitivamente nas
revolucionárias.
Valendo-se
da
linhas
por parte das forças de repressão ao
infra­
movimento.
estrutura propiciada por sua casa de saúde,
viria
o médico
a organizar uma rede de
apoio aos militares
•
afinados
com
as
às
vésperas do
para a deflagração do
dia
marcado
3 de
levante,
outubro, a polícia do Distrito Federal
descobriria o transporte de armamentos em
das
propostas tenentistas na cidade do Rio de
uma
Janeiro.
Pedro Ernesto, o que o forçaria a deixar o
feridos,
Socorrendo
dando
transportando
abrigo
armas
revolucionários
a
fugitivos
e
em suas ambulâncias,
Pedro Ernesto seria ironicamente apelidado
Rio
ambulâncias da Casa de Saúde
rumo
a
Belo
Horizonte,
onde
organizaria o corpo auxiliar de médicos das
forças revolucionárias.
A
de "mãe dos "tenentes", mas consolidava
chegada de Vargas ao poder
assim a sua posição de elemento articulador
estabeleceria novos rumos para a carreira
entre os militares revolucionários e as
política
lideranças civis, vetor este que só viria a ser
reconhecimento
consolidado através da Aliança Liberal.
conspirações revolucionárias, receberia a
Tendo
da
patente de tenente-médico da reserva do
campanha presidencial de 1930, após a
exército brasileiro, tomando-se assim o que
derrota da chapa aliancista nas umas Pedro
se convencionou denominar de "tenente­
Ernesto seria um dos elementos de contato
civil".
entre os políticos que integravam a Aliança
honorífico, consubstanciava a aproximação
e os tenentes, estabelecendo as bases
do médico pernambucano com os antigos
participado
ativamente
de
Pedro
ao
Em
Ernesto.
seu
papel
nas
Esta insígnia, quase um título
a ser o movimento
tenentes, os revolucionários da década
revolucionário que deporia o presidente
anterior que ele admirara e com os quais
Washington Luis em outubro daquele
VIera
mesmo ano. Mantendo comunicações com
designação estava consolidada aquela que
Oswaldo Aranha, Lindolfo Collor e Virgílio
tinha sido a principal contribuição de
de
Pedro
daquele que
Melo
viria
Franco,
Pedro
Ernesto
a
atuar
politicamente.
Ernesto
ao
Nesta
movimento,
a
transformava-se em elemento estratégico
aproXlffiação e o diálogo entre elementos
na articulação golpista, principalmente por
OVlS
não ser reconhecidamente um político de
mesmas percepções quanto
oposição, o que levantava poucas suspeitas
oligárquico da República Velha e aspiravam
em relação
a
à
sua conduta na capital federal
e militares que comungavam das
uma
completa
ao
regime
reformulação
das
26
estruturas políticas brasileiras. Nos anos
a interventoria no Distrito Federal, levando
seguintes o "tenente-civil" levaria adiante a
para o Paço Municipal o desejo dos antigos
sua
ponte
tenentes de melhor se fazer representar na
simbólica entre a tradição dos tenentes e as
esfera política e as esperanças de Vargas na
lideranças políticas civis, mesmo que alguns
consolidação de sua base de apoio entre as
elementos
forças
missão,
uma
estabelecendo
da
cotporação,
como
Góes
políticas
da
cidade
do
Rio
de
Monteiro, vissem com maus olhos esta sua
Janeiro. Figura de inteira confiança do
fonna de atuação. De qualquet maneira
chefe do governo provisório e um dos mais
Pedro Ernesto conquistara a confiança e o
articulados lídetes do grupo "outubrista",
respeito do chefe do governo provisório e
Pedro Ernesto tivera uma carreira onde a
sena
excelência profissional como cirurgião se
peça
fundamental
nas
futuras
mesclava com um vibrante engajamento às
articulações entre Vargas e os tenentes.
Enquanto
nomeado
por
o
primeiro
Vargas
para
interventor
propostas encaminhadas pelos tenentes. A
o
maior de todas as cirurgias que ele jamais
Distrito
se
realizara estava prestes a se iniciar então:
incompatibilizando com os detnais chefes
Opetar os eixos norteadores da vida política
políticos
carioca, do pulsante "coração do Brasil".
Federal,
Adolfo
canocas
Betgamini,
por
sua
vinha
política
de
represália e revanchismo em relação aos
grupos
locais
hegemônicos
na primeira
A missão de Pedro Ernesto não eta,
de fonna alguma, simples. Inicialmente
à
república, o Executivo Municipal da capital
preCISava
era diretamente pretendido por elementos
administração da capital do país e depois
ligados à corrente tenentista. No dia 24 de
mantet contato
setembro de 1931 o governo provisório
política do Distrito Federal, estabelecendo
afastaria
da
liames que possibilitassem o diálogo e o
interventoria carioca e nomearia para o seu
apoio recíproco entre o governo fedetal e
lugar o coronel Julião Freire Esteves, que
os diferentes grupos e lideranças políticas
assumiria o cargo intetinamente, enquanto
da cidade. Os dois maiores
trunfos
os "outubristas" acertavam os detalhes da
interventor então dispunha
etam
ascensão de Pedro Ernesto. Finalmente,
integral do presidente da república, o que
em 30 de setembro deste mesmo ano, o
possibilitava uma maior autonomia de ação
médico
no espaço da cidade, principalmente no
o
chamuscado
pernambucano
Bergamini
Pedro
Ernesto
Batista receberia sua nomeação para ocupar
sustentar-se
com
frente
da
a complexa vida
que tangia à assimilação
das
que o
o apoio
redes
de
27
e a reputação
patronagem/ clientela,
o Distrito Federal é e será sempre a
de
no
adquirira na prática médica-assistencialista.
governo
federal,
explicitando
assim
chefe
do
) Tenho confiança
..
governo
provisório,
conheço as suas intenções e as suas
palavras para com o Distrito Federal,
Embora seu nome fosse indicado pelo
•
Brasil (.
cabeça do
honestidade e seriedade que Pedro Ernesto
por
a
ISSO
penso que a autonomia é uma
questão de pouco tempo.
41
pennan ência do esquema interventivo, é
Com base no discurso autonomista,
tmportante notar que a escolha presidencial
recaira em um indivíduo que, apesar de
haver nascido na capital pernambucana,
tinha estabelecido laços de socialização no
espaço
do
Distrito
contrariamente
escolha
de
ao
Federal
que
Adolfo
e
que,
acontecera
Bergamini
para
na
o
Executivo Municipal, o nome de Pedro
Ernesto, por não estar diretamente ligado à
prática da política local,
resistência
forças
inicial
políticas
conturbado
não
conhecia
na interação
da
período
cidade.
com
as
Após
o
Bergamini,
Pedro
Ernesto surgia como um amistoso aceno
por parte do governo federal, um convite
irrestrito
à
cooperação
lançado
aos
diferentes setores da vida política carioca,
que
pareCIa
indicar
em
direção
ao
cumprtmento de uma das mais constantes
reivin dicações
canocas.
o
próprio
interventor, colocando-se como verdadeiro
porta-voz
da
presidência,
declararia
a
viabilidade da concretização da autonomia
em sua entrevista de final de ano:
Pedro Ernesto conduziria à eleição para a
Assembléia
Nacional
Constituinte
uma
frente integrada por elementos tenentistas e
jovens lideranças locais organizados em
tomo da legenda do Partido Autonomista
do Distrito Federal. A maioria conquistada
pelo novo partido nas umas confirmava a
tmportância
indicava
política
os
rumos
do
da
interventor
proposta
e
de
agregação das lideranças políticas cariocas
em tomo do eixo agregador do partido
capitaneado por Pedro Ernesto. Com a
aproximação de novas eleições, marcadas
para outubro de 1934, que escolheriam os
representantes
que
comporiam
o
Legislativo Municipal, que por consegumte
teriam a incumbência de votar em colégio
eleitoral para a escolha dos nomes dos
novos senadores e do prefeito da cidade do
Rio de Janeiro, as antigas chefias políticas
da
cidade
se
viam
diante do
impasse
enunciado pelos resultados do pleito de
1 933. Com o alargamento da base eleitoral,
devido às alterações no alistamento de
41 lomaldo Brasil. 01/01/1933. p. 6.
28
projeto
Além de acenar com uma estrutura
muitas
capaz de promover esta coesão dentro do
possibilidades eletivas distante da estrutura
espaço agora autônomo do Rio de Janeiro,
do Partido Autonomista, que então
Pedro
eleitores
e
a
efetivação
autonomista,
não
do
havia
já
se
Ernesto
detinha
as
chaves
que
mostrava como hegemônico agregador de
possibilitavam o acesso à cargos e serviços
forças situado próximo às esferas decisórias
públicos
do
o
fator na consolidação de clientelas políticas.
agrupamento das redes de clientela no eixo
Estas ofertas atraíam os chefes políticos
do partido permitiria o alcance de um
como a luz às mariposas,
coeficiente
necessitavam de tais fatores básicos de
"
poder
conduzir
municipal.
eleitoral
os
chefes
Somente
suficiente
políticos
para
locais
à
da
negociação
municipalidade,
política
para
importante
já
que estes
efetivar
suas
Câmara Municipal. As lideranças políticas,
lideranças diante das respectivas clientelas,
concorrendo
pela
e que consolidariam assim o pacto com a
Partido
estrutura do Partido Autonomista. Diante
Democrático-Economista, agremiação que
da oferta de uma maior coesão política e de
surgira da fusão destes antigos partidos
um mais amplo acesso a cargos públicos, a
após a promulgação da Constituição, não
maioria
teria condição de formar e manter por
tendeu a ingressar efetivamente no partido.
conta própria uma rede de clientela grande
Neste sentido toma-se compreensível a
o bastante que pudesse superar os índices
filiação de poderosos chefes políticos como
que
Edgard Romero, que dominava a região de
legenda
autonomamente
do
recém-criado
ou
provavelmente seriam obtidos
por
dos
chefes
políticos
canocas
Pedro Ernesto e seu partido, símbolos da
Madureira e
vitória autonomista.
Jacarepaguá, Campinho e Cascadura e Júlio
Ingressar na chapa
Irajá;
Emani
Cardoso, de
autonomista era assim a principal opção
Cesário
para estas lideranças, no sentido de garantir
(como era conhecida a região de Guaratiba,
sua sobrevivência política, uma vez que
Campo Grande e Santa Cruz), ao Partido
jun tariam
Autonomista ao longo do ano de 1934.
forças
e
seriam
capazes
de
"puxar a chapa" com as demais chefias
de Melo, o "rei do triângulo"
Explicitava-se,
desta
maneira,
a
autonomista
de
políticas, atingindo assím um número de
condução
votos alto o bastante para eleger o maior
alteração do eixo gravitacional do campo
número possível de representantes dentro
político carioca. Controlando efetivamente
da chapa do partido.
a distribuição do capital político no interior
da
proposta
29
deste campo, Pedro Ernesto utilizava-se da
conteúdo doutrinário de suas propostas,
estrutura do partido como vetor de diálogo
investindo no aprimoramento das redes
com
as
forças
políticas
A
locais.
mumoprus
de
saúde
e
educação.
A
concorrência política passava asSlffi a ser
proposta de "elevação" das massas urbanas
configurada por este eixo básico, em tomo
à condição de cidadania se constituiria
do
enquanto marca da
qual
se
articulavam
os
grupos
e
à
prática política
lideranças da cidade, buscando auferir uma
Pedro Ernesto
maior
Municipal da Capital Federal. Se por um
acumulação
portanto
vital
deste
para
aproximação com
O
capital.
estes
Era
segmentos
partido, na medida
frente
do
de
Executivo
a
lado tal projeto político correspondeu a um
em
conjunto de medidas que viabilizaria o
que a garantia de sobrevivência política no
acesso
interior
população aos bens e serviços públicos,
do
campo
estava
diretamente
de
camadas
marginalizadas
da
relacionada à proximidade com o centro de
por
outro representou
um
esforço
ordenação e distribuição do capital político
estrutura partidária do
seu
partido em
em seu interior. Fora do partido, distante
incorporar
portanto deste .eixo, mesmo os grupos que
mesmos setores tradicionalmente postos ao
haviam granjeado ao longo dos anos uma
largo pela política republicana. Durante o
considerável deste quan tum encontravam
ano de 1934 se verificou um febril processo
então
de alistamento de
dificuldades
forças
diante
da
em
reequilibrar
posição
suas
privilegiada
à
vida
anteriormente
política
eleitores
ativa
da
estes
em regiões
praticamente
ignoradas
O
pelos antigos chefes políticos. Enquanto
partido se apresentava como verdadeiro
Pedro Ernesto iniciava um processo de
alicerce de coesão política destas forças
visitas semanais às favelas e aos bairros do
assumida
pela
frente
autonomista.
em
disputa dentro do campo, consolidando a
subúrbio,
sua posição hegemônica, e Pedro Ernesto
"comissões pró-melhoramentos" e ouvia as
ganhava
reivindicações das comunidades, a estrutura
articulador
destaque
deste
como
sutil
principal
exercicio
de
arquitetura política.
Paralelamente à construção das redes
onde
se
encontrava
com
as
dos diretórios autonomistas se direcionava
a estas
áreas, realizando
novos alistamentos
de eleitores num processo de visita porta-a­
de apoio das principais lideranças locais ao
porta que resultou
partido, Pedro Ernesto iniciaria no ano de
aumento do contingente eleitoral da cidade,
1 934 um processo de melhor definição do
às
vésperas das
em
um significativo
eleições
legislativas
de
30
"
outubro de 1 934. Nada menos que 1 10.000
tecnológicos, estavam ao alcance através de
eleitores estavam inscritos e habilitados
novas
para votar neste pleito, um crescimento da
exercicio político. O rádio, que seria o
ordem de 57% em relação ao contingente
grande símbolo da política de massas, em
eleitoral do ano anterior. 42
todo o mundo, alargou as possibilidades de
técnicas
de
comunicação
e
do
Além das incorporações das massas
alcance dos discursos, integrou as massas
urbanas à vida política, o ano de 1 934
urbanas em tomo do eixo agregador da
marcaria a política do partido autonomista
radiodifusão
e possibilitou
uma
por dois experimentos
inovadores.
eficácia
contato
os
deles
dos
sena
uso
com
grandes
contingentes populacionais, que a partir de
comunicação de massa, como o jornal e,
então seriam integrantes da vida política
principalmente,
brasileira. Outro significativo experimento
o
Através
rádio,
do
meiOS
no
de
eleitoral.
o
Um
mamr
na
rádio,
campanha
que
sendo
utilizado
sistematicamente
Anísio
Teixeira,
diretor
instrução
pública,
estava
político que gostaríamos de assinalar seria o
por
direcionamento de determinados setores
municipal
em
de
atividades
do
partido
classistas,
em
direção
visando
associações
às
conquistar
O
voto
educacionais de massa, Pedro Ernesto fazia
proletário.
veicular os números de sua administração e
tivesse sido praticada no pleito de 1 933,
abria espaço para discursos de políticos do
através da circulação de Jones Rocha entre
Partido Autonomista, por intermédio da
algumas associações e uniões trabalhistas, a
sintonia
partir de 1 934 Pedro Ernesto conseguiu
da
Escola
V";ga.4l
�
Maynn
. k
'
propaganda
Rádio
A
política
e
da
Rádio
experiênCIa
V1a
da
radiodifusão
Ernbora
lflcorporar
entre
o
um
aproximação
tal
contingente
eleitorado
já
significativo
das
"classes
demarcaria um divisor de águas na vida
trabalhadoras".
política brasileira, posto que pela primeira
fenômeno
vez
política de aproximação com as massas do
preocupava-se
atingir um
eleitores,
e
decisivamente
contingente mais amplo
que
devido
aos
em
de
avanços
CONNIFF, Mich.e! L UriJan politia in Brtr:(j1: lhe
me ofpopJdimt. Pimbwgh, Univ=ity of Pimbwgh
Press, 1981 . p.1 14.
4l
Arquivo Anisio TWcira - DOC AT-PL
33.00.00/1 - CPDOC/FGV e CONNIFF,
Michael . Op. CiL p.105.
42
está
Se
por
um
relacionado
interventor carioca, podemos
também
como
uma
eficaz
lado
tal
própria
à
entendê-lo
estratégia
política que soube tirar proveito do estado
de fragmentação dos partidos operários no
Distrito
Federal,
assimilando
este
contingente eleitoral no largo espectro do
31
Tal
políticas no interior no partido era possível
fenômeno pode ser observado na atuação
devido justamente a esta certa indefinição
da Liga Eleitoral Proletária (L.E.P.) durante
programática,
a campanha eleitoral de 1934. Esta união
sobrevivência política das diversas redes de
de associações classistas funcionava como
clientela e patronagem. que a proximidade
um
com
discurso
programático
elo
do
partido.
entre
a
estrutura
do
Autonomista e
o
movimento
Partido
o
além
Executivo
das
condições
Municipal
de
garantia.
operário,
Enquanto massa votante os contingentes
conseguindo o apoio de diversos setores do
proletários eram bem assimilados por esta
politicamente
estrutura, porém, não existia condição de
organizados, tais como as categorias dos
incorporação destas lideranças sindicais à
operários
estrutura
urbano
proletariado
da
construção
civil,
dos
organizacional
do
partido,
na
marítimos e rodoviários, dos feirantes e dos
medida em que isto implicaria em um novo
empregados no comércio que aderiam à
arranjo de forças e, conseqüentemente, em
L.E.P., apoiando a chapa de candidatos
uma
apresentada pelo Partido Autonomista.44 O
plataforma
apoio
operariado
Autonomista. A Liga Eleitoral Proletária
carioca reforçaria o caráter multi-classe que
surgia então como um braço do partido
a estrutura do partido assumiria, mas tal
direcionado a estes segmentos, um eixo de
fator, curiosamente, não correspondeu à
contato que, no entanto, transgredia a
filiação
própria estrutura e os limites do partido
destes
de
segmentos
nenhum
do
líder
operário
nas
enquanto
fileiras do partido.
Compreendemos
através
redefinição
este
fenômeno
da própria estrutura in tema do
do
discurso
programática
tal.
do
A possível
e
da
Partido
resistência
à
incorporação destes novos atores políticos
nos
foros
decisórios
organização
partido, que se apresen tava como uma
partidária
grande
frente
políticas
Ernesto a promover este contato e esta
canocas
organizada em
do
eIXo
integração com os movimentos sindicais e
gravitacional estabelecido a partir do capital
trabalhistas através deste "apêndice", desta
político
interventor no
organização política paralela, que indicava,
campo político da cidade. Norteado por
por esta sua caracterização, um dos claros
uma
limites à estabilidade do partido diante da
de
lideranças
amealhado
plataforma
convivência
pelo
tomo
difusa
destas
e
tênue,
diferentes
a
forças
perspectiva
estabelecida,
da
política
levaria
adotada
Pedro
pelo
interventor e das futuras transformações a
... jornoldo Brasil16/09/1934. p.7.
32
serem
empreendidas
do
de empregos públicos, capazes de saciar o
quadro relacional de forças do Distrito
apetite voraz do empreguismo clientelista.
Federal
Podemos perceber a tensão sobre a qual se
após
a
na
definição
eleição
legislativa
de
outubro deste ano.
situava
Visto sob um outro pnsma, se as
...
referidas
"máquinas
intencionalmente
instrumento
de
políticas"
utilizadas
distribuição
do
o
prefeito
carioca,
procurando
conduzir por um lado uma política social
eram
pautada em um rigoroso programa sócio­
como
político e tendo que atender por outro lado
capital
às demandas clientelísticas dos grupos que
político, este era inequivocamente amplo,
o
de
claras
prefeito, que vivenciou todos os impasses
insatisfações entre as forças concorrenciais
da carreira política de seu pai, guardaria
que então gravitavam em torno do eIXO
deste periodo a nítida impressão de que
básico do partido visando
auferir uma
Pedro Ernesto lutava para se equilibrar
parcela deste capital. A possibilidade de
entre seu projeto social e as reivindicações
barganhar um número realmente grande de
dos diferentes grupos que o apoiavam.
maneira
que
não
provocava
apoiavam.
Odilon Baptista,
filho
do
cargos com os políticos de seu partido foi o
Meu pai deu um apoio muito grande
fator que propiciou a Pedro Ernesto a
às decisões de Anísio (Teixeira),
manutenção de um certo equilíbrio dentro
das
fileiras
autonomistas.
oposicionistas
dão
a
justa
As
criticas
noção
políticos
de que o apoIo a seu governo e a seu
direta
do
estana na dependência
atendimento
das
demandas
básicas de caráter clientelístico oriundas das
diferentes lideranças agregadas ao partido.
Dentro deste raciocínio perde-se um pouco
o referencial da política social de Pedro
Ernesto, que no entendimento de seus
opositores nada
mais
seria
do
que
o
pretexto para a abertura de novas ofertas
que
queriam
emprego,
num
foco
Enquanto
papai
ficou
resistiu a isto.
municipal, onde o interventor tinha clareza
político
foi
transformar a
secretaria, uma secretaria que dá muito
do
ambiente que circundava a administração
projeto
mas
muito combatido por esse grupo de
A
45
condução
da
de
na
política.
prefeitura
política
social
intentada pelo prefeito carioca esbarrava
em um impasse inerente à montagem do
partido autonomista, na medida em que as
próprias estruturas de sustentação de seu
projeto acabavam por ínterferir em sua
plena execução. Pedro Ernesto tinha então
de
procurar
conciliar
as
necessidades
33
Com
próprias à montagem de uma rede escolar e
•
ampla
tnalona
na
Câmara
hospitalar com as deman das clientelísticas
Municipal eleita em 1 934, Pedro Ernesto
que podiam interferir negativamente na
seria
otinúzação da estrutura assistencialista e
vereadores para o cargo de prefeito da
educacional planejada. Se este aspecto era
cidade. Em sua posse, realizada em 8 de
tão gritante na composição dos quadros da
abril de 1 935, marcaria claramente a sua
instrução e da saúde públicas, ainda era
posição
m31S grave
massas urbanas, definindo os rumos de seu
na
composição
da
Guarda
eleito
indiretamente
preferencial
A
pelos
pela
importância
novos
política
simbólica
das
Municipal, projeto do interventor carioca
governo.
do
que foi o alvo privilegiado das mais ásperas
"discurso da sacada" reside exatamente na
criticas.
identificação precisa dos interlocutores de
Premido en tre a articulação de seu
suas propostas, a própria população da
projeto político e a manutenção das redes
capital da República, chamada por Pedro
de patronagem/ clientela que lhe apoiavam,
Ernesto a se integrar em um programa
o interventor procurava articular as linhas­
político que visava trazer a estes setores as
mestras de seu projeto de ampliação de
condições
bens e serviços públicos com as demandas
conseqüentemente, de sua incorporação à
imediatas
por
vida
empregos
públicos.
favores
clientelísticos
Adolfo
e
Bergamini,
de
sua
política.
elevação
Diferente
social
de
e,
muitos
pronunciamentos e declarações públicas,
liderando setores da oposição ao chefe do
tal
Executivo
verdadeiro manifesto, foi elaborado para
Municipal,
sintetizaria
este
dilema em uma feroz critica:
discurso,
antes
de
mais
nada
um
alcançar as massas, demarcando bem as
prioridades da administração municipal. A
o que se tem feito é a ampliação
dos quadros, com finalidade eleitoral para
a nomeação de cabos, cabinhos e cabetes
dos
chefes,
chefinhos
e chefetes
que
possam, próxima ou remotamente, dar
ensejo a aumento de votação em prol dos
candidatos do Dr. Pedro Ernesto. '"
preocupação
inter-relações
em
demonstrar
com
a
causa
as
nítidas
pública
se
destaca logo na primeira parte do texto,
onde,
de
forma
geral,
Pedro
Ernesto
procurou assumir que a função do Estado
seria exercer o poder em proveito das
camadas populares .
.. Depoimento Odilon Baptista depositado no Setor
de História Oral CPOOC/FGV
'" Anais da Cómara t/Qs Deputados. 1934, Vol.1. p.252.
34
As atribuições que o poder confere
justificam-se
•
porque
delas
precisa
rrullS equitativa e rrullS compatível com as
o
necessidades do trabalhador moderno. A
Estado para servir o bem coletivo (...).
segunda é a de que o Estado não se pode
Para isso, é mister que a política a que o
conservar
poder
na
atitude
de
simples
bases
espectador ou policiador do progresso
incontestavelmente populares, de modo
humano, mas deve ser nessa fase de sua
que o público veja e sinta pela ideologia e
evolução histórica o regulador da vida da
pelos atos, que os seus interesses e as suas
comunidade."
serve
se
aspirações
estão
defendidos.
47
apoie
sendo
em
promovidos
e
Declaração
Marca-se assim de maneira bastante
clara
a
posição
do
direcionamento
"político" da administração Pedro Ernesto,
voltado para os "interesses" e "aspirações"
da coletividade e a implementação
das
mesmas em políticas públicas. A postura
adotada
pela
sua
administração
visava
inserir a sociedade carioca (e por que não
principios
que
se
completa com a percepção do momento
histórico e com a real possibilidade de
transformação
da
sociedade
que
se
colocava em pauta:
das "bases populares", sendo o Estado o
legítimo intermediário entre as aspirações
de
Hoje, tudo mudou. Grande já se vai
tomando o nosso poder de construir a
sociedade pela ciência e pela técnica e,
por conseguinte, de eliminar do seu seio a
miséria,
a
pobreza,
os
aspectos
degradantes da inferioridade. Nada disso
pode ser rrullS recebido e aceito como
imposições do destino."
dizer a sociedade brasileira) nos quadros da
Desta
modernidade observada em outros países,
como afirmaria de forma definitiva em um
dos trechos rrullS significativos do mesmo
recém­
empossado aproximar-se-ia perigosamente
do
arquétipo
associado
discurso:
forma, o prefeito
pelo
esquerdizan te,
núcleo
de
sendo
poder
que
graVItava em tomo de Vargas com os
Apesar da relativa dificuldade de
extrair
das
doutrinas
político-sociais
contemporâneas, o que seja realmente
incontrovertido, duas observações, pelo
menos, escapam a quaísquer dúvidas. A
primeira é que o aperfeiçoamento dos
meios de produção tornou possível, pelo
augmen to
da
riqueza
social,
uma
redistribuição de bens e comodidades,
47 BAPTISTA, Pedro Ernesto. DisC1lfYO dt posse.
Arquivo Pedro Emesto CPDOC/FGV. pp.3-4.
-
mOVImentos
Nacional
conspiratórios
Libertadora
e
da
do
Aliança
Partido
Comunista. Após a tentativa de levante
armado de novembro de 1 935, a situação
de Pedro Ernesto tornava-se insustentável.
No dia 4 de abril de
de Janeiro
1936
amanheceria
a cidade do Rio
sob o impacto da
.. BAPTISTA, Pedro Emesto. Op. 01. pp.4-5.
35
notícia
•
da
prisão
do
prefeito
Pedro
através da qual ele exagerara em cartas e
intemos da A.NL. o apOIo
Ernesto, suspeito de envolvimento com a
documentos
conspiração
levante
do prefeito ao movimento, com a intenção
armado de novembro anterior. Segundo as
de animar seus companheiros;" aliada aos
primeiras notas divulgadas a respeito, a
depoimentos
prisão, que ocorrera às oito e meia da noite
Manuel
do
comprovanam
dia
que
resultara
anterior,
se
no
tomara
necessária
de oficiais
Rabelo
e
militares
Cristóvão
a
como
Barcelos,
superficialidade
das
devido à quantidade de provas que haviam
acusações iniciais e a injustificada prisão de
sido
Pedro
recolhidas
durante as
prisões
dos
Ernesto,
líderes comunistas, que apontavam então
entanto
para a
aguardando
efetiva participação
do
prefeito
que
dezoito
permaneceria
meses
julgamento,
na
no
prisão
indicando
que
carioca na tentativa de golpe de 1935.50 A
existiam razões além das então enunciadas
principal
que influiram na condução
prova
conjunto
de
de
acusação
cartas
sena
encontradas
o
no
canoca ao carcere.
apartamento de Luís Carlos Prestes em
Ipanema que
Prestes
através
e Ivo
do
Meirelles
contato entre
explicitavam
o
do prefeito
52
•
afirmar,
Podemos
a
partir destes
indicativos, que a prisão de Pedro Ernesto,
apesar
da
justificação
momento
Aliança Nacional Lbertadora. O desenrolar
comunistas,
do processo contra Pedro Ernesto acabaria
outra ordem de razões políticas. A sua
indicar
que
apesar
da
manifesta
saída
caça
foi
do
aos
no
apoio e a contribuição de Pedro Ernesto à
por
de
encontrada
conspiradores
condicionada
cenário
por
político
uma
nacional
simpatia que este nutria pelo movimento da
correspondia à eliminação de um possível
A.N .L., jamais esteve próximo da ala de
foco
elementos comunistas que de dentro desta
Estado
organização
também
articularam
e
desferiram
o
de
resistência
autoritário
da
à
no
arena
implantação
Brasil,
uma
do
afastando
das
forças
à liderança
golpe armado. A longa carta-depoimento
potencialmente concorrentes
de Eliezer Magalhães, militante da Aliança
nacional de Vargas. O próprio presidente
e irmão do governador da Bahia Juracy
alinharia
Magalhães,
detalhando
os
em
seus
Diários
alguns
contatos
mantidos com Pedro Ernesto e a forma
.9 BAPTISTA., Pedro Ernesto. Op. Gt. p.7.
50 Jornal diJ Brasil 04/04/1936. p.7.
51
Arquivo Pedro Emesto
DOe. PEB
36.04.01/CPDOC/FGV.
52 CAMARGO, Aspásia (org). O Golpe Silmeioso: as
origms da &ptib/ica corporativa. Rio de Janeiro. Rio
Fundo, 1989. pp.68·71.
-
36
•
comen cicios acerca da extrema dificuldade
Representa desta forma uma tradição de
de se compreender o grau de complexidade
total interferência dos poderes federais
das propostas que o prefeito do Distrito
sobre os assuntos internos da capital do
Federal trouxera aos fóruns de discussão
país, sendo o arauto e o implementador de
nacIOnaIS:
discursos
e
práticas
especificamente
construídas para a condução da política do
No dia combinado realizou-se a
prisão de Pedro Ernesto. Ernbora as
circunstâncias me forçassem a consentir
nesta prisão, confesso que fiz com pesar.
Há uma crise na minha consciência.
Tenho dúvidas se este homem é um
extraviado
traído,
um
ou
um
incompreendido ou um ludibriado.
Talvez o futuro esclareça. "
Distrito.
Inserido
neste
administrador
local
interferências
federais,
modelo
de
subordinado
às
Pedro
Ernesto
trouxe uma sensível alteração aos rumos da
política interventiva ao capitanear o projeto
de
obtenção
da
autonomia política e
administrativa para a capital. Devemos, no
A ostracização de Pedro Ernesto o
entanto, observar que tal proposta se
afastaria definitivarnente do proscênio da
coadunava com os projetos do governo
política nacional, deixando na cidade do
Vargas em relação ao controle mais efetivo
Rio de Janeiro os vesógios de sua passagem
sobre a dinâmica política da cidade. Desta
pela
prefeitura.
Se
trajetória
forma, o interventor se toma o arauto da
multifacetada fora de difícil assimilação
autonomia, inserindo a proposta de um
para seus contemporâneos, julgamos que
novo padrão de relação a ser estabelecido
podemos explicitar a partir dela alguns dos
entre as lideranças políticas cariocas e o
pnnClp31S
governo Vargas.54
cultura
elementos
política
Conduzido
à
sua
constitutivos
da
canoca
nos
anos
chefia
do
Executivo
30.
articulações
As
autonomia
e,
em
torno
conseqüentemente,
da
dos
municipal do Distrito Federal por suas
arranjos
ligações com as lideranças tenentistas e
político carioca em tomo de um eixo de
com o própno Vargas, Pedro Ernesto
agregação, conduziram
configura-se inicialmente como o arquétipo
papel de efetivo negociador dos pactos
da política interventiva do governo federal
políticos
sobre
a
cidade
do
Rio
de
das forças atuantes no campo
a
serem
O
interventor ao
estabelecidos.
Pedro
Janeiro.
53
VARGAS, Getúlio. Diários. Rio de Janeiro,
Siciliano/FGV, 1995. p.494.
.. Sobre a ambigüidade da proposta de autonomia e
das perspectivas de controle que V:ugas aspirava
que Pedro Emesto exercesse ver SARMENTO,
Carlos Eduardo. Op. OI. Em especial o capítulo 2.
37
Ernesto
função
•
passava
a asswrur
e ganhava
também
nova
wna
wna
maior
A
deste
condução
evidenciaria
wna
projeto
terceira face do prisma de
projeção. Abandonava-se assim o perfil do
sua trajetória. Privilegiando as massas como
mero interventor para tomar-se o arquiteto
interlocutores principais de suas propostas
da estrutura política de coesão do Rio de
de reequa1ização social e política do país,
Janeiro autônomo. Para isto, foi necessário
Pedro Ernesto faria inserir na pauta das
que se inserisse nas redes de patronagem
discussões
que sustentavam as principais lideranças
ascensão
políticas da cidade, articulando-as em um
necessidade de definição de instrumentos
arranj o
que pudesse viabilizar a assimilação
de controle e diálogo com estes novos
destes eixos à estrutura maior do Partido
atores políticos. Nos últimos dois anos de
Autonomista. Revelava-se assim as bases
sua passagem pela prefeitura do Rio de
da estruturação política do Distrito Federal,
Janeiro,
Pedro
e
esforços
e
passava-se
a
adotar uma postura de
do
período
das
massas
o
urbanas
Ernesto
seu
problema
e
conduziu
discurso
da
da
seus
para
o
diálogo com tais lideranças, viabilizando
estabelecimento de bases de contato com
acordos
a
este novo cenário político. As experiências
sobrevivência e consistência destas relações
da Liga Eleitoral Proletária e da União
de
Trabalhista do Distrito Federal sintetizam
e
cunho
pactos
que
clientelístico.
propiciassem
Pedro
assumia assim o papel de
Ernesto
patrono-mor
no
perfeitamente o esforço de aproximação
interior desta rede plural de interrelações,
com as massas, dentro de um projeto que
possibilitando o acesso e a distribuição do
também tinha como aspectos marcantes a
capital
diferentes
política de investimento no aprimoramento
partido.
das ofertas de bens e serviços públicos para
político
lideranças
entre
agregadas
Tomava-se
visível
as
ao
a
seu
escala
micro
das
estes segmentos da sociedade. Ovacionado
relações políticas estabelecidas no interior
pela
do campo
discurso de posse e recebido como herói
político
carioca e definia-se
multidão
durante
o
seu
célebre
também o eixo semântico em tomo do
após
qual se
encarcerado, Pedro Ernesto operava sua
estabelecia o diálogo
entre as
ter
passado
dezoito
diversas redes de patronagem incorporadas
última
aos
imagem do líder popular.55
pilares
de
sustentação
do
projeto
metamorfose:
a
meses
construção
da
político de Pedro Ernesto.
55
Sobre o caráter de líder popular assumido por
Pedro Ernesto ver o interessante depoimento do
38
Sufocado pelo Estado Novo e
morto poucos anos após o início da efetiva
ditadura de Vargas, Pedro Ernesto deixou
no
•
imaginário
político
referenciais
brasileiro
bastante
alguns
significativos.
Procuramos neste texto analisar como sua
trajetória política, de
,
do Pow,
explicita
Tenente Ovii a Prrfeito
alguns
dos
:
aspectos
fundamentais da cultura política carioca.
Situando-se em um ponto de inflexão entre
uma
determinada tradição da política local
e os experimentos que consolidariam as
bases das futuras relações políticas a serem
estabelecidas
com as
urbanas,
itinerário
o
crescentes
massas
percorrido
pelo
médico recifense no interior do campo
político
carioca
investigador,
toma-se, nas mãos
um
mapa
deste
do
mesmo
campo. Um instrumento indiscutivelmente
eficaz para a compreensão das principais
linhas direcionadoras da política carioca e
para
a
análise
da
relação
dialógica
estabelecida entre a ação individual de
•
um
ator político e os balizamentos estruturais
de seu tempo.
sambista carioca Paulo da Portcla acerca das
tdações do pteteito com as massas uroanas citado
em Sn..VA, MariIia Barl>oza da & SANTOS, Lygia.
pOJIÚJ da PoruJa: lrOfO '" JI1IÍÕo mtrt dNas CNltllras. Rio de
Janeiro, FUNARlE, 1979.
-
�.---
.
_0
.
_
..-1
_
C 1 -00003047-7
CARLOS
39
só no papel de "excelente governador". O
LACERDA, O TRIBUNO
líder udenista tem um lugar especial no
DA CAPITAL
imaginário político nacional como o temido
"
Marly Silva da Motta
demolidor de presidentes. Não por acaso, o
longo processo que em
A propósito da passagem dos 30
•
anos do fim do governo Carlos Lacerda no
antigo
estado
dezembro de
da Guanabara
1965
-
4 de
, a revista V�
lá-Rio,
-
1992
resultou no
do presidente Collor colocou
impeacbment
em foco, significativamente, a sua
figura de
tribuno implacável. Simbolizando um tipo
de
oposição
política
marcada
pela
suplemento local da revista V�o, dedicou,
virulência dos ataques e pelo desamor à
além
estabilidade dos mecanismos democráticos,
da
reportagem
de
capa,
sugestivamente intitulada "3D anos
Lacerda",
uma
longa
matéria,
sem
bastante
elogiosa, à figura do primeiro governador
que
lembrar
"3D
mudava
anos
sem
Lacerda"? A resposta parece ligar-se ao
presente de crise e dificuldades vivenciado
hoje em dia pela cidade do Rio de Janeiro,
particularmente
associada
a
administração do elogiado governador. Sua
montagem de uma estrutura considerada
ágil e técnica no recém-criado estado da
Guanabara, bem como
O
seu programa de
construção de escolas, hospitais, adutoras,
viadutos e túneis, são reconhecidos por
admiradores e rivais como indicativos de
um governo competente.
alvo
sem
giratória
parar
de
que
atirar,
Lacerda foi então lembrado, ao mesmo
com
"corajosa"
saudade,
e
pela
atuação
"destemida",
e
inquietação, pelos estragos que
com
poderia
causar à "frágil" estrutura institucional do
país "
Supervalorizando
que teria tido no passado uma "idade de
ouro",57
metralhadora
de
tempo
eleito diretamente pelos cariocas.
Por
verdadeira
o
dominio
da
linguagem e da retórica, indispensável na
relação
do
político
com
o
eleitorado,
Lacerda pouco investiu na capacidade de
"debater", necessária nas relações entre os
pares, como nos ensina Pierre Bourdieu:
" (...) o
do político supõe
uma preparação especial. E, em primeiro
bobitus
lugar, toda a aprendizagem necessária
para adquirir o
corpus (...)
mais geraís tais como
O
das capacidades
dominio de urna
Carlos Lacerda, no entanto, não está
certa linguagem e de uma certa retórica
presente apenas na memória carioca, e nem
política, a do tribuno, indispensável nas
56 Pesquisadora do CPDOC/FGV, Doutora em
História pela UFF.
51Estamos tomando de empréstimo o conceito
desenvolvido por Raoul Girardet em Mitos ,
mitologias políticas, São Paulo, Companhia das Letras,
1987.
relações
com
os
profanos,
ou
a
do
entrevista ao Jornal do Brasil, os ex-ministros
Célio Borja e Marálio Marques Moreira referiram-se
aos "riscos" que uma ação "lacerdista" poderia
acarretar às instituições brasileiras. Ver Jornal do
Brasil, 18/06/1992 e 21/06/1992, respectivamente.
58 Em
40
debater, necessária nas relações entre
profissionais. ,,59
rotina da vida democrática era monótona,
triste, melancólica, a um ponto quase
exasperante."61
Era
com
orgulho
que
Lacerda
No fundo, a questão que está em
admitia o "desprezo" que sempre teve pela
"conversa
"acordos"
política",
de
pé
pelos
do
demorados
ouvido,
também
JOgo é a pequena disposição de Lacerda
para a "barganha" política, tal como a
Pizzomo.62
define
integrantes da vida parlamentar:
"Sempre tive um certo desprezo
pela política, quer dizer, a política do
basicamente
Envolvendo
negociação/troca
uma
de
poderes, onde cada ator tem que abrir mão
favor pessoal (.. .) . Mais do que isso: a
de parte
conversa
"barganha" é um exercício não-radical da
política
extremamente
sempre
monótona,
me
foi
porque
nos
meus momentos de ócio tenho muito
mais conversa do que isso, e quando
estou trabalhando não tenho tempo para
conversar política. De maneira que talvez
até tenha cometido um erro. Desprezei
muito a política nesse sentido."'"
de sua própria autonomia, a
política. Membro de uma geração marcada
por uma concepção autoritária de política e
envolvido
por
uma
das
fortes
rruus
tradições da capital federal, para Lacerda,
democracia era O lugar da polarização, da
radicalização. Daí O desamor pela rotina
Prestados a apenas um mês da sua
morte,
esses
depoimentos
indicam
que
Lacerda se manteve fiel à idéia da política
dos procedimentos democráticos, por ele
considerada
e
triste
melancólica" .
Esse
como o palco dos grandes debates e dos
grandes temas, onde pontuavam a figura do
"monótona,
trabalho
tem
por
objetivo
discutir as iniciativas de Lacerda no campo
ator político e da opinião pública em um
da política local, tentanto criar uma nova
clima de tensão e crise. Senão vejamos:
estrutura político-partidária que substiruísse
"Não tenho nenhuma saudade da
vida pública 'democrática'. Tenho, sim,
certo
crise,
orgulho
quando
daqueles
então
momentos
a
de
democracia
funcionava e a opinião pública existia.
Então a gente
processo
sentia a grandeza
democrático.
Mas
do
nos
a herdada do ex-Distrito Federal. Interessa­
nos, sobretudo, verificar de que maneira
uma
liderança
nacional,
de
como
perfil
Lacerda,
carismático
e
conduziu
a
montagem de uma base política local. Vale
dizer
que
buscamos
analisar
suas
momentos em que não havia crises, a
59 Pierre Bounlieu, "A representação política.
Elementos para uma teoria do campo político", em
O poIkr si",bóliro, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil,
1989, p. 169 (grifos no original).
60 Carlos Lacerda, DepuimmUJ, Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 1978, p. 236-37.
61 Idem. ib., p. 238.
62
Ver Alessandro Pizzomo. "State. society and
representation: lhe changing relationship", em
Suzanne Berger (ed.), Dr"tmi<fng inunst.r in We.rtm1
E1ffUjJ<: pÚlralism, rorporatism and the trtmJjomrution oI
poliria, Cambridge, Cambridge University Press,
1981.
41
uma
estrutura de
de outubro de 1954. Na Câmara Federal,
poder no estado da Guanabara, capaz de,
onde permaneceu de 1955 a 1960, Carlos
ao mesmo tempo, garantir a permanência
Lacerda foi o tribuno implacável, temido
da sua corrente política no âmbito estadual,
pelos rivaís e adorado pelos seguidores.
e llie fornecer um sólido suporte para sua
Dono de uma voz sonante e de uma
dificuldades em montar
campanha
à
presidência da República em
1965.
oratória demolidora, sua palavra, como diz
.
um contemporaneo, " cortava os ares como
rajadas de fogo"."'
o tribuno nas águas da política local
Em
1960, Lacerda se lançou para
conquistar
Em
maIS
uma
tribuna
1947, dono da coluna "Na
parlamentar, e sim a administração do
tribuna da imprensa" publicada no Comio
antigo Distrito Federal, palco de sua vida
do M(J1/hã, Lacerda se elegeu como o
política, e que então se transformara no
vereador mais votado da Câmara Municipal
do antigo Distrito Federal, pela legenda da
estado da Guanabara. Para tanto, Lacerda
.
.
.
preasava cnar uma nova Imagem, pOIS
União Democrática Nacional (UDN). Dois
aquela de "tribuno da capital" não seria a
anos depois, fundava seu próprio jornal, a
maís adequada para quem postulava um
Tribuna do Imprensa, que
cargo
iria
se transformar
na principal base de sustentação de sua
de
administrador
público.
futura carreira política. Da Tribuna, Lacerda
Parafraseando Bourdieu, Lacerda teria que
adquirir a capacidade de " debater".
comandou implacáveis campanhas contra o
Seria nas águas pouco familiares das
segundo
governo
Vargas
(1950-54),
articulações
disparando denúncias e ataques contra
campanha
colaboradores,
Guanabara
arrugos
e
parentes
presiden te, que foram decisivas para o
do
fim
antecipado do seu governo.
..
não
da
política
lacerdista
local
ao
enfrentaria
que
governo
seus
a
da
tnalores
desafios. Desafios oriundos, em grande
parte, do conhecido "desprezo" que o
Agosto de 1954 não foi uma marca
candidato nutria pela
"monotonia
da
definitiva apenas na trajetória política e
conversa política", resultado de sua filiação
pessoal de Lacerda. Os tiros de agosto -
à concepção
primeiro, aqueles que o atingiram quando
apostava na valorização das instituições
chegava
a
seu
apartarnento
na
rua
autoritária da política, que não
democráticas.
Toneleros; depois, o único que Vargas
disparou contra o próprio peito - mudaram
o país. Apesar do epíteto de "assassino de
Vargas", Lacerda conseguiu ser o deputado
federal mais votado na capital nas eleições
'" Dario de Almeida Magalhães, cirado por José
Honório Rodrigues. "Introdução", em Carlos
Lacerda, Cor/os I...mrda/Diralrsos Parlommra=, Rio
de Janeiro, Nova Fronteira, 1982.
42
A
escolha do lugar por onde Lacerda
local, como os vereadores Miécimo da Silva
iniciaria a campanha é um forte indicativo
(Campo Grande) e Ubaldo
da sua preocupação com as articulações da
(Santa Cruz), dividiam com os pequenos
política local e com as resistências que o
partidos
seu
eleitores do "sertão carioca".
nome
populares.
despertava
Embora
o
nos
setores
lançamento
da
A
a
preferência
dos
de Oliveira
numerosos
situação de desvantagem da UDN
candidatura estivesse previsto para uma
em região tão estratégica era, ao mesmo
favela,
chamado
tempo, um desafio e uma atração para o
"sertão carioca", que corresponde hoje à
candidato do partido ao primeiro governo
zona oeste, ou seja, Campo Grande, Santa
da Guanabara. Não por acaso, Lacerda fez
Cruz e Guaratiba.
uma visita solene à família Caldeira de
o evento ocorreu no
Um
conjunto
explicar essa
de
escolha.
fatores
pode
Alvarenga, uma das lideranças do antigo
pela
"triângulo", poderoso grupo da política
começar
A
grande concentração de eleitores na
1 5'
zona eleitoral, a mais numerosa do estado,
97.925
com
massa
de
votantes.
votos
Dessa
oriundos
expressiva
de
setores
canoca
da
Primeira
República,
cuJo
prestígio se mantivera ao longo das décadas
seguintes. O marco do início da campanha
estava
lançado:
Lacerda,
o
político
no
nacional, precisava agora ancorar bases na
entanto, tradicionalmente se dirigia à UDN.
política local, e escolhera para isso um dos
Os
seus mais poderosos e tradicionais redutos.
populares,
só
uma
candidatos
pequena
do
Partido
parte,
Trabalhista
forte
O esforço de articular e aglutinar as
penetração na zona rural em função de um
forças da política local levou Lacerda a se
desempenho que contemplava, ao mesmo
aproximar dos pequenos partidos, obtendo,
tempo,
do
até meados de junho de
os
da homologação de sua candidatura, o
Brasileiro
(lYfB)
as
sindicalismo
tinham
bandeiras
e
do
tradicionais
recursos
clientelismo,
ligados,
uma
modemas
nacionalismo,
de
e
patronagem
principalmente,
e
ao
apoio de
Partido
1960,
às vésperas
pelo menos quatro
Republicano
(PR),
o
deles:
Partido
controle da máquina previdenciária.64 O
Lbertador
Partido Social Democrático (PSD), graças à
Cristão
presença na máquina
Nacional (I'Tl'.') . Com uma bancada de
administrativa
da
(PL),
(pDq
o
Partido
o
Democrata
e o Partido Trabalhista
1958,
12
prefeitura do Distrito Federal, e o Partido
vereadores eleitos em
Social Progressista (PSP), que abriu espaços
mesmo
em sua legenda para lideranças de cunho
partidária marcante, contavam com nomes
não
possuindo
esses partidos,
uma identidade
que tinham um eleitorado fiel, de base
64
Ver Maria Celina D'Araujo, Sindicatos, ct11ismo
t
poh: o PTB til 1945-65, Rio de Janeiro, Editora da
FGV, 1996, capo 7.
nitidamente local.
43
Tendo em vista que o compromisso
de implantar uma administração técnica,
assegurar
abastecimento, dotar a cidade
O
de água suficiente, de energia bastante, de
telefones,
de
transportes,
restar-me-ia
apartada das negociações políticas, era uma
sempre um serviço do qual ninguém me
das principais peças de propaganda de sua
pode privar senão Deus - e não hesitarei
campanha, Lacerda procurou, de algum
modo, estabelecer a moeda de troca pelos
apoIos
políticos
então
recebidos.
Se
determinadas normas foram estabelecidas,
como
o
atributo
técnico
para
administradores
regionais,
isso
não
impedia, no entanto, que a negociação se
fizesse em cima de pessoas indicadas pelos
partidos.
A abertura de espaço para nomes
como o do sociólogo ] osé Artur Rios (PL),
ou ainda, a possibilidade de indicação dos
das
administradores
regiões
administrativas, os futuros "prefeitinhos"
da Guanabara, colocaram nas mãos de
Lacerda
importantes
recursos
de
negociação política.·s
tarefa,
transformar o
governo numa labareda para atear fogo
aos
castelos
de papelão dos políticos
desonestos.. ." "
o
secretariado, ou ainda, a origem local para
os
em lançar mão dele: concentrar-me por
inteiro numa só
Este trecho do discurso pronunciado
por Carlos Lacerda na cerimônia ern que
recebeu o cargo de governador é bem
ilustrativo da dupla face que imprimiria ao
seu futuro governo: de um lado, a ênfase
dada à administração, corporificada em
projetos de construir escolas e indústrias,
adutoras e viadutos; de outro, o destaque
conferido à atuação na esfera política, por
ele entendida como um campo de luta. Era
reconhecida,
e
sobretudo
temida,
a
capacidade po1arizadora de Lacerda, para
quem a política era sempre uma guerra,
com vencidos e vencedores, o que tomava
As
dificuldades
do
tribuno
na
Assembléia
•
careço
da
negociação
para
fazer
escolas,
fazer
funcionar devidamente os hospitais, atrair
capaz
de
garan or
democrática.
estabilidade
"Se não me dessem os recursos de
que
muito dificil a possibilidade da barganha,
competências
especificas
profissionais
da
requeridas
política,
como
a
Das
aos
quer
e fixar indústrias dentro de um plano de
Bourdieu - a retórica do tribuno e a
fomento
capacidade de debater -, Lacerda tinha de
da
iniciativa
privada
e
de
planejamento da administração pública,
sobra da primeira o quanto lhe faltava da
segunda.
.5 "Partido libertador aprova boje a candidarura de
Carlos Lacetda", Triblma da Impmz.ra, 3/3/19(fJ; "PR
com Lacema", Tribll1ta da Impmz.ra, 4-S/6/19(fJ;
"Carlos Lacerda no PTN: minha candidarura é de
todas classes", Tri""na da Impmt.ra, 13/6/19(fJ;
"PDC está com Lacerda", Tribllna do Impmzso.
lS/6/19(fJ.
.. Carlos Lacem., Discurso pronunciado na
cerimônia de transmissão do cargo de governador
(S/12/19(fJ), citado por Guita Grin Debert, IdtolJJgia
, pupu5smo: A. dt Bams; M Am2ts; C I..omria; L
Bri<f>Ia, São Paulo, T. A. Queiroz, 1979, p. 188.
44
que, para se eleger governador, deveria
largar o
mostrar
"bordão", ou seja,
capaz
de
costurar
deveria se
alianças
e
compor interesses divergentes, enfim, de
debater com a oposição.
•
A
promessa de
"transformar o governo numa labareda"
não parecia, no entanto, um bom começo
para quem precisava mostrar disposição de
negociar, uma vez que este era um dos
fatores
primordiais para o
sucesso
do
projeto de estadualização da antiga capital
federal.
Essa incompatibilidade de Lacerda
com
o
que
articulação
costuma
se
política
é
chamar
confirmada
de
por
políticos que lhe foram muito próximos.
Nesse sentido - e a comparação é sempre
citada - Lacerda seria o contraponto do
mineiro Tancredo Neves.
É
o que afirma
Mauro Magalhães, antigo líder do governo
passava
fazia
grandes
campanhas,
detestava
ITllllS
radical quanto à "incapacidade política" de
Lacerda:
"Para mim, ele foi maior como
jornalista do que como administrador ou
político. Penso que, em política, ele não
era muito hábil pelo seu temperamento,
pelo seu feitio. Ele não era homem capaz
de se movimentar com grande habilidade
.
11
no setor políoco. 68
O depoimento do ex-deputado Paulo
Duque, que iniciou sua vida parlamentar
em 1962, quando se elegeu para a ALEG
pelo Partido Republicano, vai na mesma
direção,
comparando
Lacerda
ao
ex­
governador Chagas Freitas:
"Chagas Freitas fazia questão de
governador Carlos Lacerda não
por
cima,
que
atropelava quem estivesse na sua frente,
que
advogado Sobral Pinto foi
.
"Tudo porque ele [Lacerda] era um
que
O
ouvir, de atender os deputados (. .).
na Assembléia Legislativa:
trator,
esse jogo político que o Carlos sernpre
detestou."67
e
fazer
memoráveis
o
que
se
chama de política. Nunca, aliás, escondeu
O
fazia
questão nenhuma disso; pelo contrário,
não gostava (...). Carlos Lacerda chamou
somente Celio Borja, Lopo Coelho
e
Raimundo de Brito para seu secretariado;
isso mostra um desapreço pela classe
política. ,,69
isso de ninguém. Não era uma postura da
boca para fora; ele não dizia isso apenas
para fazer tipo.
O
fato é que nunca fez
essa política de conversa, do disse-que­
disse. Ele era o oposto do Tancredo
Neves (...) . Não estou com isso querendo
dizer que o Tancredo seja mau político,
mas o Tancredo era mineiro e fazia uma
política mineira,
chamada
política
cochicho, política de bastidores.
do
Fazia
O
livro
do ex-deputado
estadual
Mauro Magalhães é pródigo em revelações
que, em parte, podem explicar o difícil
relacionamento que o governador teve com
67 Mauro Magalhães, CoriIJs ÚJcmio: o so1lhador
pragmlÍliro, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1993, p. 80 e 125 .
.. Gtado por Mauro Magalh�s, op. cit, p. 131.
69 Paulo Duque, Depammfl>.1994, Rio de Janeiro,
História OraljCPDOC-FGV, 1994, Fita frA.
45
o Legislativo local. Conta Magalhães que
30
Lacerda
Assembléia
não
se
furtava
a
criticar
os
constituintes passaram a compor a
Legislativa
deputados em plena votação de projetos de
Guanabara. Apesar de a
interesse do governo:
de
"Aconteceu
durante
wna votação
importante na Assembléia. Eu já tinha
obtido apoio suficiente para aprovar um
projeto de interesse do governo, e só a
oposição mais radical estava disposta a
endurecer.
De
oposICIonista
repente,
começou
esse
a
grupo
esticar
discussão, adiando a votação. Não foi
ligaram um aparelho de televisão que
sintonizava
uma entrevista de
Carlos
Lacerda. Fiquei preocupado, pois não era
a
primeira
vez
que
um
ataque
do
governador à Assembléia ou a alguns
deputados botava tudo a perder. ,,70
Estado
da
Tribuna da Imprensa
de abril anunciar que o Executivo
14
começava a se entender com o Legislativo,
um mês depois este ainda não votara as 21
mensagens encaminhadas pelo govemador,
deixando evidente que as relações entre os
dois poderes não seriam das melhores."
Alertado pelos deputados udenistas
a
difícil perceber a jogada. Na sala ao lado,
do
de
que
dedicava
pouca
atenção
aos
parlamentares, o que estaria provocando
insatisfações
generalizadas na ALEG
conseqüentemente,
atrasando
a
e,
votação
dos projetos do governo, Lacerda decidiu
responder a diversos requerimentos - do
líder do PTB, Saldanha Coelho, sobre o
Em um outro episódio narrado por
de vagas no Banco do
preenchimento
Magalhães, fica evidente o "desprezo" que
Estado da Guanabara (BEG); do deputado
Lacerda
Hércules
devotava
Legislativo,
em
aos
membros
do
especial
àqueles
que
Corrêa,
sobre
empresttmos
concedidos pelo BEG; do deputado Levi
considerava "políticos com p minúsculo".
Neves,
Nesse rol, estava incluído o deputado do
Caetano e sobre o fornecimento de passes
PTB, José Talarico. Ao ser citado o nome
de bonde aos funcionários do estado; do
de Talarico em um programa de entrevista
deputado
na televisão, Lacerda se saíra com esta:
homologado em
"Mas tem deputado chamado Talarico?"
Policia Especial; do deputado Frota Aguiar,
Pior
não
sobre licença para construção de edifício
Magalhães,
em Vigário Geral e sobre concurso para
que
absorve
xingamento,
desprezo,
ilustrando
as
indisposição
do
o
político
conclui
dificuldades
governador ao
que
a
diálogo
causava às negociações na Assembléia.71
27
de março de
70 Mauro Magalhães, op. cit, p. 20-21.
71 Idem, ih., p. 39.
1961,
estagiário
1958;
obras
Sami
de
Jorge,
1959
no
Teatro
sobre
João
concurso
para ingresso na
enfermagem realizado
em
e do deputado Gonzaga da Gama
Filho, sobre o crédito aberto durante a
Encerrada a votação da Constituição
da Guanabara em
sobre
vigência do estado de calamidade pública.13
os
72 Tribtma da lmpmtsa, 15/5/1%1.
"Govemador responde à Assembléia", Tribll11Q do
Impmtsa, 20/6/1%1.
73
46
Toda essa tentativa de diálogo com o
Legislativo
não
deu,
resultados esperados.
no
O
entanto,
votos.'"
tradicional estilo
lacerdista voltou com toda força,
•
os
balança", embora possuísse apenas nove
Não é dificil prever que o preço
e o
cobrado por tanta "independência" seria
governador bateu duro na Assembléia. Em
especialmente alto para um governador
Tribuna da Imprensa
como Lacerda, que precisava contar com
26
de julho de
1961,
a
deu manchete para o desabafo indignado
apOIo
de Lacerda: "Movidos por ressentimentos
entanto, qualquer embaraço à imagem de
pessOlus
austeridade do
muitos
deputados
estão
parlamentar
sem
provocar,
no
candidato à presidência.
retardando o andamento dos trabalhos, dos
Afinal, se nos dois primeiros anos do seu
quais
governo, quando se dedicara especialmente
depende
o
desenvolvimento
do
estado."
à
tarefa
de
estadualizar
a
Guanabara,
Lacerda não conseguira estabelecer bases
As contas do governador
estáveis
de
apoio na ALEG,
agora
a
situação tendia a se agravar, na medida em
A
composição da nova ALEG, eleita
em outubro de
montagem
de
governista.
..
1962,
em nada favorecia a
uma
Tendo
a
sólida
UDN
malOna
que, de olho em
a dinâmica da política local à estratégia que
traçara para chegar ao Planalto.
um
apenas
1965, precisaria subordinar
A
persistência das dificuldades
de
deputado a mais que o PTB, era premente
relacionamento
a
nos
Lacerda e as lideranças políticas locais nos
pequenos partidos, que cedo perceberam o
leva a refletir sobre as semelhanças e as
poder de barganha que tinham nas mãos.
diferenças que aproximavam e separavam,
Excluídos da formação da mesa diretora,
ao mesmo tempo, os campos políticos do
que resultou de um entendimento entre
antigo Distrito Federal e do então estado
necessidade
de
Saldanha
Coelho,
udenista
Raul
buscar
PTB,
governador
o
da
conduzido
à
personalização e a polarização continuavam
presidência da Casa, alguns dos pequenos
presentes, bem como se mantinha forte a
partidos - PDC, PL, PRT e MTR -
interferência dos grandes debates nacionais
resolveram firmar um "protocolo de ação
na discussão
conjunta
estado. Embora tivesse perdido o direito de
forman do
de
o
Brunini,
posição
chamado
do
o
e
e
líder
apolO
entre
independente",
"Bloco
dos
Intocáveis", que aspirava a ser o "fiel da
Guanabara.
indicar o
Senão
vejamos.
dos assuntos
chefe do
internos
Executivo
local,
A
do
o
governo federal ainda desfrutava de uma
sólida
influência
política
na
ex-capital,
1<1
"Assembléia Legislativa inicia sua segunda
legislatura hoje". TTi!JJma da Impmtsa, 1/2/1963.
47
representada sobretudo pelo controle sobre
governo na ALEG passava, de fato, pela
a
Secretaria de Governo, entregue a Raphael
enorme
máquina
administrativa
que
mantinha no Rio de Janeiro.
Quanto às
diferenças, destacam-se
as
especialmente
•
de Almeida Magalhães, a quem Lacerda
possibilidades
estava
preparando
para
sucedê-lo
governo da Guanabara. Esse papel
no
de
diferenciadas que prefeitos e governadores
negociador político exercido pelo secretário
possuíam de organizar a política local. Em
mais chegado a Lacerda é confirmado pelos
princípio,
os
sérias
depoimentos de vários ex-deputados, como
limitações
para
máquina
Raul Brunini, Mauro Magalhães e Paulo
política estáve� trazidas pela indefinição do
Duque. O "jogo sujo" do toma-lá-dá-cá
tempo que permaneceriam no cargo, pela
ficaria a cargo de Raphael, que prometia
escassa
cargos e indicações para conseguir o voto
prefeitos
tiveram
montar
de
margem
uma
interferência
na
indicação do sucessor, e pela presença do
do parlamentar,
Senado no julgamento dos seus
muitas vezes, impedido
vetos.
mas,
segundo Brunini, era,
de cumprir as
Tudo isso junto impedia o acúmulo de um
promessas pela negativa de Lacerda em
cacife suficientemente forte nas mãos do
respeitar o acordo firmado.'·
prefeito
capaz
no
No entanto, era na própria UDN que
principal banqueiro do pesado jogo político
residiam as maiores dificuldades para a
carioca. Já um governador eleito, como
articulação
de uma base governista na
Lacerda, não sofria tais limitações e, em
ALEG .
Procurando
pnncíplO,
"despolitização" da administração Lacerda,
políticos
de
usufruía
capazes
transformá-lo
de
de
instrumentos
aglutinar
uma
importante base de apoio político.
1963, Lacerda
criou a Secretaria Sem Pasta, entregando-a
ao candidato derrotado a vice-governador,
Lopo
Coelho,
conhecia
bem
do
PSD,
os
meandros
partido
que
político­
administrativos da ALEG.75 Apesar dessa
indicação
formal,
a negociação
a
Brunini caracteriza a "áspera" relação do
governador com seu partido:
Para se encarregar das relações com
o Legislativo empossado em
ressaltar
para
a
"A própria UDN, às vezes, entrava
em choque com ele, porque ele dizia o
seguinte: 'Tem aqui um posto para ser
preenchido; eu aceito o nome da UDN,
desde que a UDN seja a melhor escolha
para o lugar. Por ser da UDN, não. Nada
de favorzinho' (...). Os partidos foram
ouvidos, as sugestões aceitas,
mas
os
homens eram escolhidos pelo Lacerda."77
aprovação dos projetos de interesse do
75 Sobre a força do PSD no Legislativo carioca, ver
Erasmo Martins Pedro, Depoimmfb.1991, Rio de
Janeiro, História OrnljCPDOC-FGV, 1991, fita 2B.
7. Raul Brunini Filho, Depoimmfb.1994, Rio de
Janeiro, História OrnljCPDOC-FGV, 1994, Fita :;..
A
77 Raul Brunini, op. cit., fita 3-A
48
Pode-se pOIS observar que, se por
Insatisfeito por ter recebido a liderança do
um lado, as concessões políticas eram
governo, quando queria a presidência da
indispensáveis
a
Assernbléia que ficou com Brunini, Nunes
especial
culpou o governador pela impossibilidade
aquela numerosa bancada que dependia de
de a UDN formar um bloco majoritário na
engrenagem
•
•
votos
para
fazer
caminhar
parlamentar,
em
sobreviver
para
cativos
que
fora
conseguido
Esta,
sob
o
pela
politicamente, por outro, era indispensável
oposição.
que essa troca de favores não desfalcasse
Saldanha Coelho, aglutinara 28 deputados,
um dos principais elementos do capital
juntando PTB (13), PSB (3), PST (4), PTN
político
o
(2), PSD (2), PR (2) e PSP (2).79 Sempre é
propagado horror ao clientelismo. Nesse
bom lembrar que o PTB tinha acesso à
sentido,
máquina
do
governador-candidato,
o
Magalhães
depoimento
é
de
bastante
Mauro
esclarecedor,
ressaltando a "ausência" de Lacerda das
negociações
onde
foram
comando
administrativa
de
federal,
especialmente rica na oferta de cargos na
ex-capital.
Isentando-se
quebrados
de
qualquer
responsabilidade por esse fracasso, Danilo
"princípios básicos":
Nunes se apressou em acusar Lacerda que,
" Foi nessa ocasião que consegut
aprovar na Assembléia a reforma
na composição do governo, não teria
tributária, que só passou porque - e não
levado
é com alegria que conto - alguns
prinClplOS básicos. Aproveitamos a
ausência do Lacerda e a decisão do
Raphael de, pelo menos daquela vez,
cumprir os acordos acertados. ,,78
reclamos do Legislativo:
em
conta o
atendimento
dos
"Prevaleceu o principio de que a
formação do governo deve ser um
privilégio exclusivo do senhor Carlos
Lacerda contra o bom senso político que
aconselha ao governo manter sua posição
majoritária nas decisões do Legislativo, do
qual depende o êxito de seu plano de
obras."SO
A essa "ausência" do principal fiador
do pacto político entre o governo e a
•
o
ALEG,
Assembléia acrescente-se uma dose elevada
de personalização administrativa e uma
Apostando
forte presença política do governo federal e
nas
realizações
ter-se-á um clima bastante desfavorável à
administrativas como a principal mola
articulação de uma base
à
promulsora da sua futura trajetória política
administração Lacerda. Nesse sentido, a
- afinal, tinha que provar que, além de
posição
demolidor
deputado
do
novo
Danilo
de apoio
líder
do
governo,
Nunes,
é
exemplar.
79
80
78 Mauro Maga1hães, op. cit., p. 298.
de
presidentes,
TTibtmo do Impmuo, 5/4/1963.
era
um
"Governo perde maioria na Assembléia", Tribll119
do Imprmso, 9/4/1963.
49
o
construtor de estados - o governador
política levavam ao impasse, é certo que a
buscava capitalizar, em termos pessoais,
matriz autoritária da formação política de
todas as obras espalhadas pela Guanabara.
Lacerda não
Desse
problema.
modo,
tirava
dos
deputados,
favoreceu a resolução do
especialmente da poderosa bancada dona
A demora do Tribunal em examinar
de votos concentrados, a principal moeda
as contas do estado levou Lacerda a um
de troca com os seus eleitores. Mais uma
dos
vez, o depoimento do ex-deputado Mauro
levantando suspeitas sobre a isenção dos
Magalhães, n arran do sua experiência na
ministros "que exercem atividades políticas
liderança do governo na ALEG, é bastante
e
reveladoro
cargos de confiança da Guanabara"." Em
"Com o orçamento na mão e as
informações dos órgãos do governo em
primeira mão, eu sabia com razoável
antecedência tudo o que iria ser feito:
uma escola nova, a reforma de um posto
de saúde, o calçamento de uma
rua.
De
posse dessas informações, eu ia conversar
com os deputados
que representavam
algumas das regiões a serem beneficiadas
por obras do governo. Ü1amava, por
exernplo, o Miécimo da Silva, de Campo
Grande, o Ubaldo de Oliveira, de Bangu,
e lhes dizia: vou lhes dar um presente. A
história era simples: eles obtinham dos
moradores
um
apresentavam
abaixo-assinado
na
Assembléia
e
uma
indicação, sugerindo esta ou aquela obra.
O fato é que essas obras seriam feitas
realmente pouco tempo depois.
E,
no dia
em que isso acontecia, eles ficavam na
maior alegria.
'.
1181
Esse fraco desempenho na condução
da política local em
1963,
resultou em um
sério desastre político para o governador,
que não conseguiu aprovar as contas do
seus
costumeiros ataques de
procuram
influir nas
nomeações
8!
Mauro Magalhães, op. tiL, p. 30.
de
outras ocasiões, o governador não perdera
a oportunidade de acusar "a burocracia
nefasta" do TCE pelo atraso na realização
de obras importantes para o estado." O
Tribunal não se fez de rogado, e o ministro
João Lyra Filho declarou que o governador
poderia ser responsabilizado politicamente
pela
Assembléia
"em
virtude
de
sua
contabilidade confusa e omissa"."
Percebendo o pengo que poderia
representar
para
a
sua
candidatura
a
rejeição das contas do estado, Lacerda
enviou sinais aos pequenos partidos de que
estaria disposto a negociar em favor de
votos para a "aprovação dos projetos do
governo". A
Tribuna da lmp�nsa soltou
editorial,
sugestivamente
um
intitulado
"Lacerda deixa filosofia de lado garantindo
a maioria", comentando a disposição do
governador em recuar na "filosofia de
governo" até então adotada:
estado nem no Tribunal de Contas e nem
na ALEG. Se as injunções da conjuntura
furia,
1!2 Jornal do Brasil, 4/7/1 %3.
83 Ver Mauro Magalhães, op. tiL, p. 93.
84 Jornal do Brasil, 25/7/1963.
50
"Lacerda convenceu-se de que, a esta
altura, é prudente um recuo na filosofia
de governo que vinha adotando, não só
como garantia à sua obra administrativa,
como para proporcionar à liderança de
sua bancada maiores condições de luta na
•
defesa dos interesses da situação
(...). É
preciso atender a todas as reivindicações
de ordem administrativa reclamadas pelos
deputados que compõem o bloco."R'
absorvido pelas sucessIvas coses com o
governo
Goulart,
Lacerda
teria
que
enfrentar, dentro de casa, um duplo desafio
que,
se
não
resolvido,
traria
sérias
dificuldades à sua campanha. Em primeiro
lugar,
precisava
arrancar
da
ALEG
a
aprovação da reforma tributária, de onde
adviriam os recursos para prosseguir na
•
De Danilo Nunes, líder do governo,
partiu o alerta de que a falta de composição
político-partidária
capaz
de
garantir
a
maioria na ALEG era um "perigo" para
Lacerda, que enfrentava, ao mesmo tempo,
uma complicada avaliação de suas contas e
uma séria crise com o governo federal em
tomo
do
controle
do
endividamento
externo da Guanabara. O resultado dessa
"composição"
não se
fez esperar, e o
deputado Cesário de Melo, nome de peso
na zona rural, trocou o PL pela UD I,
aumentando
governista
a
para
bancada
do
partido
deputados.R•
15
No
entanto, o acirramento da crise com o
governo federal alimentou a polarização
anti-Lacerda
na
Assembléia
e,
em
setembro, o líder Danilo Nunes alertava
•
que o governador teria dificuldade
aprovar suas
contas,
"porque não
em
está
prestigiando e nem procurando ajuda nos
deputados governistas".R7
Viajando por todo o país em busca
de apoios à sua candidarura, totalmente
R' "Lacerda deixa filosofia de lado garantindo a
maioria", TribJl1lo da lmprmsa, 12/7/1963.
86 Idem, ib.
87 Tribtmo da lmprmso, 3/9/1963.
execução
das
espalhavam
inúmeras
pelo
obras
estado,
que
se
causando
transtornos para o cotidiano da população.
Para O eleitor, pior que obra não realizada é
obra não acabada.
O segundo desafio era conseguir a
aprovação
ALEG.
das
Se
contas
o
do
político
governo
Carlos
na
Lacerda
levantava polêmicas e despertava reações
de
amor
e
ódio,
sobre
a
figura
do
governante não poderia pairar qualquer
suspeita de improbidade e mau uso de
recursos
públicos,
sob
pena
de
ser
destruído o pilar mais sólido da identidade
por
ele
construída
no
governo
da
Guanabara, a de administrador austero.
Afinal, era com essa nova unagem que
Lacerda esperava neutralizar as barreiras
ideológicas e as antipatias pessoais à sua
candidarura em
1965.
No final de ourubro, ao contrário do
que era previsto, o parecer do deputado
João
Machado
(MTR),
favorável
à
aprovação das contas, foi rejeitado pela
Comissão
de
Finanças,
ficando
o
julgamento final a cargo do plenário, onde
o governo teria que conqwstar a maioria
51
simples
de
Profundamente
leia-se que, s e quisesse s e manter n a corrida
irritado, Lacerda acusou Nunes, Brunini e
presidencial, o governador deveria investir
Amaral Neto de estarem mais preocupados
na
com a sucessão estadual do que com a
parlamentar mais sólida. Para chegar
defesa do governo e do partido. Danilo
Planalto, talvez não bastassem a oratória
Nunes renunciou à liderança, deixando o
retumbante do tribuno e a austeridade do
cargo
administrador,
nas
votos."
28
mãos
do
vice,
o
deputado
Vitorino James."
desenvolver
Como foi bem avaliado pelo editorial
da
Tribuna da Imprensa, Lacerda se via diante
de
uma
de
uma
base
político­
Lacerda
preosava
outra
uma
ao
capacidade
indispensável aos profissionais da política,
a de negociar, a de debater com os iguais.
dupla linha de fogo: de um lado, a
O
da
reconhecimento
"bancada JK", e de outro, a Assembléia,
impossibilidade de conseguir no plenário a
desejosa de dar uma demonstração de força
aprovação das contas levou o governo a
ao governador "arrogante":
mudar a estratégia de luta. Por um lado,
"Enquanto
para
a
'bancada
JK',
abriu ampla negociação com a Oposição
liderada por Gama Filho, a rejeição das
para obter a aprovação do orçamento para
contas significa o alijamento temporário
1964,
de Carlos Lacerda, visto que,
com a
negativa, se expõe a um enquadramento
que
tramitava
na
ALEG
desde
agosto. Com alterações em vários pontos,
na Lei de Crimes de Responsabilidade,
principalmente
para
autonomia ao governador para aumentar
a Assembléia,
o não
às
contas
implica demonstração de força.
Carlos
que fazer administração
Lacerda terá
e política, senão
os oposicionistas terão
oportunidade de rasgar
sagradas
bandeiras
uma
das mais
do governo:
a
da
honestidade."go
ALEG pesaram fatores "externos", vale
dizer, as pressões de Goulart e Juscelino,
in teressados em passar uma rasteira em
Lacerda, é preciso levar em conta
recado da
Tribuna.
O
sutil
Onde estava escrito que
"Carlos Lacerda terá que fazer política",
naqueles
que
impostos e criar novas ta.xas,
conferiam
O
orçamento
foi aprovado em 29 de novembro.
Já com relação às contas, Lacerda
resolveu apostar no decurso de prazo, pois
caso não
Se é fato que sobre a decisão da
•
formação
fossem
dezembro,
data
parlamentar,
rejeitadas
do
senam
até
início
do
de
15
recesso
automaticamente
aprovadas. A questão agora era de tempo, e
a Oposição apresentou um requerimento
assinado
por 28
deputados
adiando
o
recesso para o dia 31. Usando o poder de
presidente
da
Assembléia,
Brunini
não
colocava a análise das contas na ordem do
dia, na esperança de se esgotar o prazo
88
Trib1ma da lmpmr.ra, 31/10/1963.
•9 Trib1ma da lmpmua, 1/11 /1963.
90 Trib1ma da lmpmr.ra, 5/11 /1963 (grifo nosso) .
regulamentar.
52
o último dia de 1963 foi dramático
do governador com a ALEG, "depurada"
na ALEG. Confoone o relato de Brunini,
pelas cassações do Ato Institucional nO 1 de
ele não podia sequer ir ao banheiro, pois a
alguns dos deputados que
primeira
cerrada
vice-presidência
e
a
primeira­
oposição.
Além
do
lhe moviam
mais,
esse
secretaria eram ocupadas, respectivamente,
instrumento repressor - a
pelos petebistas José Talarico e Hércules
mandato e a suspensão por dez anos dos
Corrêa. Os ânimos se acirraram a tal ponto
direitos políticos - podria funcionar como
que o deputado Edson Guimarães, militar
uma espécie de ameaça constante sobre os
da UDN, deu um tiro para o alto. A sessão
outros parlamentares, tornando-os, talvez,
foi encerrada à meia-noite, e, para terminar,
mais receptivos à aprovação dos projetos
um grupo de deputados tocou fogo nos
de interesse do governo.
papéis espalhados pela Assembléia. No dia
seguinte,
O Globo
cassação
do
Apesar do razoável "entendimento"
publicava uma foto do
com a ALEG - o governo conseguiu, em
incêndio, anunciando que aquela tinha sido
setembro de 1964, aprovar finalmente as
a "Noite de São Bartolomeu" da ALEG."
contas de 1962, pendentes desde 31 de
As contas de Lacerda foram arquivadas, e
dezembro de 1963 , a relação de Lacerda
só vieram a ser aprovadas em setembro do
com os deputados do seu partido não se
ano seguinte, em uma ALEG bastante
tomara um mar de rosas. O primeiro teste
"depurada"
foi
pelas
cassações
do
Ato
Institucional nO l .
e
a
eleição
Magalhães
Desprezando a rotina da articulação
política,
-
apostando
nos
elementos
clássicos do campo político carioca - a
de
para
Raphael
o
cargo
de
Almeida
de
VIce­
governador, vago desde a cassação de Eloy
Dutra.
Menos do que a cadeira de VIce, o
a
que estava em jogo era a sucessão de
nacionalização - Lacerda não foi capaz de
Lacerda no governo carioca. A indicação
acumular capital suficiente para se tomar o
de Raphael era uma clara evidência de que
mediador dos
locais,
o governador já definira o seu candidato
preferindo se manter na posição de livre­
para 1965. A oposição maior ao nome
atirador, onde melhor sabia atuar.
indicado por Lacerda ficou a cargo da
personalização,
a
polarização
conflitos
políticos
e
própria UDN, na figura do presidente da
A
ALEG, Vitorino James, que demorava a
dupla derrota
agendar a eleição. Com viagem marcada
O
golpe
de
1 964
a
para o exterior no final de abril, Lacerda
possibilidade de um melhor relacionamento
tinha pressa. Segundo Mauro Magalhães, a
91 Raul Brunini, op. cit., Fita 4-A
abriu
esse mesmo
episódio, ver Mauro Magalhães, op. cit., p. 74-76.
Sobre
demora de James deveu-se ao fato de ser
ele o primeiro na linha de sucessão: com o
53
adiamento da eleição do vice, contava ficar
convenção da
no lugar de governador pelo menos por
presidente Castelo, que não escondia seu
algum tempo. Percebendo a jogada do
desagrado
presidente da ALEG, Lacerda comunicou­
candidatura
lhe secamente, por telefone, que passaria o
presidencial prevista para 1966,
governo diretamente para o desembargador
acabou sendo suspensa em outubro de
Vicente
1965:'
Faria
Coelho,
presidente
do
diante
de
"açodamento "
do
à
Lacerda
da
eleição
mas
que
Tribunal de Justiça. James pediu licença por
Uma outra estocada no governador
alguns dias, não presidiu a eleição indireta
partiu do presidente da ALEG, Vitorino
de
James, que não perdeu a oportunidade de
Raphae�
e
jamais
reatou
com
o
retribuir a "ofensa" recebida em a� por
governador:'
A instalação na ALEG, em outubro
ocasião da eleição do vice-governador. De
de 1964, da CPI sobre a Sursan, o principal
maneira intencional, James não publicava
órgão
as
encarregado
das
obras,
teve
o
significado de um grito de guerra da UDN
emendas
enviada
pelo
à
proposta
orçamentária
governador
em
agosto,
PTB
impedindo, desse modo, sua votação. O
domesticado, essa CPI só teve condições
impasse acabou levando à saída de Nina
de se concretizar pela decisão de um grupo
Ribeiro
de
substituído
contra
o
governador."
deputados
desgaste
Com
udenistas
político
a
de
O
tmpor
Lacerda,
um
da
liderança
pelo
do
vice-líder,
o
governo,
deputado
totalmente
Mauro Magalhães, para quem o clima na
envolvido com a próxima realização da
ALEG era tão desfavorável ao governo,
convenção da UDN nacional, marcada para
que este só conseguia garantir o apoio de
o início de novembro.
sete dos 55 deputados:'
As
•
UDN pareaa agradar o
entendimento
Em virtude das antigas e persistentes
en tre Lacerda e seu partido foram num
dificuldades de relacionamento de Lacerda
crescendo, engrossadas pela disputa em
com a UDN carioca, é fácil prever que a
tomo da sucessão estadual e pela divisão
missão de indicar o candidato do partido à
interna provocada pela rivalidade entre o
sucessão estadual seria bastante espinhosa.
governador carioca e o governo Castelo
Espinhos locais e naCton3.1S que, temia
Branco.
dificuldades
A
de
perspectiva
de um Lacerda
Lacerda, poderiam ferir de morte suas
Planalto em 1966.
enfraquecido pelos "escândalos na Sursan"
pretensões de chegar
pleitear a confirmação de sua indicação na
Fragilizado politicamente dentro da UDN
92
94 "CL
Sll
Mauro Magalhães, op.
"CPI
investiga
aplicação das verbas da
1/10/1964.
ciL, p. 303-04.
supostas
irregularidades
na
Sursan", Triblma do Imprmsa,
ao
denuncia contra-revolução na Assembléia",
Tribuna do Imprmsa, 6/10/1964.
95
"'Nina deixou liderança
Imprmsa, 14-15/11/1964.
da UDN". TnobJl71o da
54
•
carioca, Lacerda acabou tendo que engolir
atribuiu o resultado do pleito ao alto grau
a candidatura do secretário de Educação,
de rejeição das "classes pobres" a Lacerda."'
Flexa Ribeiro, que lhe foi imposta pelo
A reflexão de Couno tomou-se a principal
partido.
referência
Lembrando
o
episódio,
sobre
o
assunto,
e tanto
o
Brunini conta que o govemador resolveu
historiador
aceitar qualquer nome que a UDN lhe
Landers, quanto a cientista política Izabel
indicasse."
Picaluga,
A
candidatura
de
político
Flexa,
UDN
norte-americano
que
na
fizeram
estudos
Guanabara,
Clifford
sobre
consideram
a
o
inexperiente e sogro de seu filho Sebastião,
"enfrentamento
preocupava
Lacerda,
que
divergentes" o principal motivo da derrota
clareza
profunda
relação
da
tinha
plena
entre
as
de
de Lacerda em 1965.
forças
SoctalS
"
eleições de 1965 e as de 1966. Somente a
A distribuição dos votos por zonas
vitória na Guanabara poderia sustentar sua
eleitorais confirma a ampla derrota imposta
candidatura a presidente, ou seja, apenas
por Negrão de Lima a Flexa Ribeiro nos
com a aprovação explícita do eleitorado
populosos subúrbios e na zona rural. Senão
canoca,
as
vejamos. Na 22', 23' e 24' zonas eleitorais,
resistências que, dentro do seu partido e
abrangendo Irajá, Vigário Geral, Pavuna,
fora dele, se apresentavam ao seu nome
Anchieta, Padre Migue� Bangu, Senador
para a sucessão de Castelo.
Camará,
poderia
Lacerda
O título do editorial da
29
de
de
vencer
Tribuna da
setembro
Santissimo,
a
votação
do
candidato oposicionista foi quase o triplo
"O
da que recebeu o candidato de Lacerda. Na
de
12', 13', 1 5' e 25' zonas, onde votaram os
deu bem o tom
eleitores de Bento Ribeiro, Rocha Miranda,
das sombrias perspectivas de derrota do
Marechal Hermes, Madureira, Jacarepaguá,
O resultado das
Deodoro, Realengo, Santa Cruz, Campo
umas só veio confirmá-las. Ao contrário da
Grande, Sepetiba e Guaratiba, N egrão teve
estreita margem conseguida por Lacerda
mais do dobro dos votos destinados a
sobre Sergio Magalhães em 1960, cinco
Flexa. A diferença que o candidato de
anos depois o candidato da coligação PSD­
Lacerda obteve na zona sul (3', 4', 5', 1 6',
PTB ganhou do candidato da UDN por
17' e 18' zonas), e ainda na Tijuca, Vila
Imp17!nsa
desesperado
e
decepcionante
votar em Flexa Ribeiro"
candidato
•
Raul
de Lacerda.
dever
uma diferença de 12 pontos percentuais:
49,5% contra 37,6%.
A análise
do jornalista Pedro do
Couno, feita ainda sob o calor das umas,
97Francisco Pedro do Coutto, O IIOto e o povo, Rio de
Janeiro, Gvilização Brasileira, 1966.
98 Izabel F. PicaJuga, PortidM e tÚllitS sotioiJ: a UDN
na GMIZ1tabara, Petrópolis, Vozes, 1980, p. 103;
Oifford Landers, Tbt Uniiio D<11locrá!ico NaciONal iN
lhe S!OU of GNtlltabara: QN attitnal
tIdi SÚlt!J of POf!)
membmhip, ROIic!a, University of Rorida, 1971, p
312 (ph. D., mimeo).
.
.. Raul Brunini,
op. cit, 6ta 3-B.
55
Isabel e Grajaú
19' zonas)
não
PTB,
seguido
do
PSD,
agora com
O
conseguiu compensar a montanha de votos
reforço de Olagas Freitas, estabelecera nos
que Negrão recebeu da "Praça da Bandeira
subúrbios cariocas. O fracasso do projeto
pra lá" ...
lacerdista de conquista desses votos pode
Feita
•
rr- e
a
constatação,
cabem
as
ser explicado por
conjW1ção de três
uma
perguntas: por que Lacerda não conseguira,
fatores: não incorporou lideranças locaís
após cinco anos de governo, avançar da
tradicionaís e nem favoreceu a em�cia
"Praça da Bandeira pra lá"? Por que em
de novas, assim como não transformou em
1965
votos
se teria repetido, nessa populosa
as
políticas
região da cidade-estado, a mesma fraca
implementadas.
atuação eleitoral já observada nos pleitos de
No
primeiro
públicas
caso,
aí
exemplo
wn
1960 e 1962? Mesmo levando em conta a
paradigmático
forte presença de Vargas no imaginário
Antônio Cesário de Melo, representante da
dessa população, bem como
impacto
zona rural. e herdeiro político de Júlio
perguntas
Cesário de Melo, antigo intendente do
eleitoral
daí
resultante,
as
O
é
o
do
deputado
José
não
Distrito Federal e poderoso chefe da região
conseguira anular a pecha de "assassino do
de Campo Grande e Santa Cruz. Em julho
paí dos pobres"? Por que não transformara
de 1963, José Antônio Cesário de Melq,
em dividendos eleitoraís as obras realizadas
que ingressara na ALEG em 1 962, pela
nos subúrbios?
legenda do Partido Libertador (PL), passou
continuam:
por
que
Lacerda
para a UDN como
o "tribuno da capital" na política do
estado da Guanabara
único representante
O
de Santa Cruz na sigla .governista. ",pesar
de ser portador de
expressivo potencial
wn
de votos, Cesário foi isolado politicamente
A
manutenção,
e
mesmo
O
agravamento, da rejeição a Lacerda e à
•
UD
nos
subúrbios
e
na
zona
rural
e não conseguiu espaços de atuação no seu
novo
novo
partido.
Sem
o
necessário
respaldo partidário, e tendo que enfrentar a
indicam que ficou praticamente intocada a
concorrência
estrutura político-partidária que vigorava na
partidos, Cesário fracassou em montar na
região desde os anos 50. Embora dispondo
região
do poderoso cacife de ser govemo Lacerda
.•
falhou
na
tentativa
de
mudar
a
uma
de
lideran.ças
de
outros
rede de a,poio ao .governador.
Lacerda
tampouco
emergência de novos
conseguira quebrar a hegemonia que o
iniciativa de começar por Campo Grande a
.. Ver Izabel F. Picaluga, op. cito
<:om a m·
· di
.. caça
-0
parecia
locaís, ao
contrário
das
que
líderes
a
predisposição desse eleitorado, já que não
experiência
do
favoreceu
regiões
apontar
a
administrativas,
d
.
. o "prel
c
et·tm
· · h
o"
· o pnmeU'
56
da
Guanabara,
Bastante
o
diferente
Romeu
cIr.
que
pode ser dividido em dois momentos, com
tinham um caráter eleitoral bem marcado,
lógicas e interesses específicos. Nos dois
os
primeiros anos, 1961 e 1 962, privil�ou a
administradores
dos
o govemo Lacerda na Guanabara
Loures.
prefeitos,
re.gionais
traziam
a
função original, que estava no próprio
montl!gem
do
arcabouço
nome, de "administração". Se possuíam
institucional
desse
estado
alguma autonomia, esta tinha um sentido e
"estado
urna esfera de
que
época. Dentro dos limites dados pela sua
conseguiam furar o esquema
concepção radical de política, Lacerda se
personalista e centralizador de Lacerda.
esforçou para negociar com a Assembléia
Desprovidos de efetiva representatividade
Legislativa e com as forças políticas locais.
política, não tiveram força para substituir
Apesar
os esquemas de controle eleitoral herdados
panorama
do Distrito Federal.
reforçar o elemento estado do binômio
raramente
atuação
limitados,
Essa falta de base político-partidária
de
sua
especial,
como se
poderosa
político
um
dizia à
atuação
nacional,
no
procurou
estado-cidade.
nas zonas rural e suburbana é responsável,
Candidato
assumido
eleição
à
em boa parte, pelo fato de as iniciativas do
presidencial prevista para 1 965 Lacerda, a
governo, especialmente no campo escolar,
partir de 1 963, não só relegou a segundo
praticamente eliminando o déficit de vagas
plano o processo de estadualização como
na rede pública primária, não terem se
reforçou
transformado em votos para o candidato
campo político
indicado por Lacerda. Quanto à política
personalização,
habitacional,
manifestação
•
bossa nova",
político-
houve
de
urna
explícita
rejeição
dos
antIgos
que
foram
moradores
das
favelas
transferidos
para
os
novos
.•
.•
os
elementos
tradicionais
da ex-ca,pital
a
federal:
polarização
e
do
a
a
nacionalização. Seu projeto de fazer da
Guanabara um
pnmetro
estado-capital,
plano
a
colocando em
ca,pitalidade
ainda
conjuntos
exercida de fato pela cidade do Rio de
habitacionais: foi justamente na 24" zona
Janeiro, tinha um objetivo e teve um efeito.
eleitoral, onde se localizavam a Vila Aliança
Como
e a Vila Kennedy, que
ser, tal como
egrão conseguiu
estado·capital,
a Guanabara deveria
Rio de Janeiro fora no
O
estabelecer a maior vantl!gem relativa sobre
passado,
Flexa.
subúrbios
candidato-governador pretendia expor os
distantes, mal servidos por comércio e
feitos de sua administração. Por outro lado,
metos de transporte, gerou insatisfação e
ao
votos para o candidato de oposição a
exercido
Lacerda.
chamada de "belacap", o .governo Lacerda
A
transferência
para
não
a
vitrine
reafirmar
pela
conseguiu
o
da
papel
cidade.
nação,
onde
o
tradicionalmente
não
estabelecer
.por
os
acaso
alicerces
57
fundadores capazes de sustentar wna nova
identidade política para o Rio de Janeiro, a
Lacerda
de estado federativo.
processo
A maneira como concebia a política
pode
explicar,
em
alguma
a
de
se
fez
escolha
presente
dos
no
secretários,
marcado, desde o início, pelos critérios da
"impessoalidade"
e
da
"despolitização".
Tratava-se sobretudo de deixar de lado
processo de criação de wna nova estrutura
qualquer nome que pudesse vir a disputar a
política na Guanabara. Para o "tribuno da
cena política com
capital", política era guerra,
custa
conflito.
era
de
Essa concepção ia na direção contrária da
exemplo é
atividade rotineira e cotidiana requerida
prometida
para
Cardoso,
a
constituição
de
uma
estrutura
apoios
O
O
.governador, mesmo à
relevantes.
Um
bom
da Secretaria de Justiça que,
ao
deputado
uma
das
Adauto
figuras
de
Lúcio
maIor
político-partidária nova e duradoura. Desse
expressão da UDN, acabou nas mãos de
modo, ao contrário do chaguismo e do
um "téOlico'" o advo.gado Alcino Salazar,
amaralismo,
que
até então wn desconhecido procurador da
calcadas no
azeitado
simbolizaram
políticas
funcionamento de
Justiça do ex-Distrito Federal.
máquina de longa permanência, o
Por outro lado, sob o pretexto de
lacerdismo se sustentou na identificação
pôr fim à "politiqgem", a composição do
pessoal e imediata com o líder carismático.
secretariado
Eram
de
resultou
da
"políticos
disposição do ,governador de incorporar
que maIS
de perto
quadros da UD
conseguiam incorporar as
pessoaIs
raramente
como
entendidos
lacerdistas" aqueles
•
medida,
também
dificuldade de Lacerda em comandar o
wna
•
Esse acen tuado viés personalista de
Lacerda,
caracteristicas
como
Sandra
ou de prestigiar a AlEG.
As exceções ficaram por conta de Celio
Borja,
indicado
pela
bancada
udenista
Cavalcanti e Raul Brunini.'oo Vale ainda
carioca para substituir Raphael de Almeida
lembrar que sua posição no acirrado e
Magalhães na Secretaria de Governo, e
polarizado debate político-ideológico que
Lapo Coelho, membro do PSD e ex­
marcou
os
anos
60,
como
principal
presiden te da Assembléia, que assumiu a
liderança civil do anticomunismo, favorecia
Secretaria
identificações radicais
justamente para
lacerdistas
x
anti­
Sem
Pasta no
tentar
fim
de
1962
inutilmente, é
lacerdistas , que reduziam as possibilidades
verdade articular o ,governo com a AlEG.
de entendimento em tomo de wn projeto
Em
comwn para o novo estado da Guanabara.
udenistas que participaram do secretariado
sua
grande
maioria,
os
políticos
tinham, sobretudo, wna ligação pessoal
com
100
Ver
Marly
SiI.... da
Motta,
.As bam milDfóJjcas 00
/omrJismo, Texto apresentado no XX Encontro
Anual da ANPOCS, Caxambu, 1996 (mimeo).
Lacerda: é o caso de Raul Brunini
(Sem Pasta), Sandra Cavalcanti (Serviços
58
Sociais) e Raphael de Almeida Magalhães
capitalidade de fato do Rio de Janeiro era
(Governo).
um fator favorável aos interesses de sua
Outro elemento que complicou a
campanha para presidente da República.
"Cidade dividida", "cidade partida",
criação de uma nova estrutura de poder na
do
são expressões freqüentemente empregadas
seu partido. Lacerda
hoje em dia para definir o Rio de Janeiro,
construíra sua trajetória política apostando
em geral para expressar a tensão entre
mais no acúmulo de capital pessoal do que
regiões distintas da cidade que convivem
naquele que lhe poderia ser delegado pela
lado a lado.
Guanabara
•
'
.
foi
a
governador com
O
difícil
via
relação
lO!
No entanto, a tensão mais
fonte
profunda é que se manifesta na ambígua
impulsionadora de sua carreira política.
identidade política do Rio de Janeiro, ainda
Eleito governador, buscou montar dentro
às voltas com
da
político
Em pauta, o antigo debate que mistura
formado basicamente por deputados de
passado, presente e futuro: a cidade pode
prunetro
voltar a ser capital
UDN,
que
UDN
ele
não
carioca
um
mandato.
como
grupo
Para
ocupar
o
O
dilema de ser ou não ser.
do Brasil, que se
estratégico cargo de líder do governo na
transformar
Assembléia
Guanabara, ou, finalmente, pretende se
Legislativa,
Lacerda
indicou
outra
vez
em
estado
da
cinco deputados sem nenhuma experiência
integrar de vez ao estado
parlamentar anterior:
Janeiro? As cartas contmuam na mesa,
Celio Borja, Nina
Ribeiro, Vitorino ]ames, Mac Dowell de
Castro e Mauro Magalhães.
do
Rio de
indicando que o jo.go ainda não acabou.
Deputados
mais experientes e que conheciam melhor
os meandros da máquina partidária, como
Raul Brunini, foram escolhidos menos por
essa experiência, e mais pela fidelidade
pessoal que dedicavam ao governador.
•
Se o perfil político de Lacerda não o
credenciava
para
a
tarefa
delicada
de
montar uma estrutura de estado federativo
•
na Guanabara, é preciso levar em conta
também o peso da atuação do governo
federal nesse espaço político. Essa presença
do governo federal se acentuou na medida
em que Lacerda incentivou o componente
nacionalizador
da
convencido
que
de
política
a
canoca,
manutenção
da
101
Um bom
Venrura,
exemplo é o livro do jomalista Zuenir
Odode pmtidB, São Paulo, Companhia <Ias
Lett1lS, 1993.
TEXTOS CPDOC JÁ PUBLICADOS
0 1 . Mônica Pimenta Velloso. 1987. A brasilidade verde-amarela: nacionalismo e regionalismo
paulista (2& ed. - 1 990)
02.
Dulce Chaves Pandolii & Mário Grynszpan.
1987. Da revolução de 30 ao golpe de 37: a
depuração das elites (2& ed. - 1 997)
•
03.
Angela Maria de Castro Gomes
& Maria Celina S. D'Araújo.
1987. Getulismo e
trabalhismo: tensões e dimensões do Partido Trabalhista Brasileiro.
04. Mônica Pimenta Velloso. 1987. Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo.
05. Angela Maria de Castro Gomes
& Marieta de Moraes Ferreira.
1988. Industrialização e
c/asse trabalhadora no Rio de Janeiro: novas perspectivas de análise.
06. Ricardo Benzaquen de Araújo. 1 988. In medio virtus: urna análise da obra integralista de
Miguel Reale.
07. Marieta de Moraes Ferreira. 1988. Conflito regional e crise política: a reação republicana
no Rio de Janeiro. (2& ed. - 1 990)
08. Maria Celina Soares D' Araújo. 1988. O PTB de São Paulo: de Vargas a Ivete.
09. Lucia Lippi Oliveira. 1988. Caminhos cruzados: trajetória individual e geração.
1 0. Hugo Lovisolo. 1 989. A tradição desafortunada: Anisio Teixeira, velhos textos e idéias
atuais.
1 1 . Vanda Maria Ribeiro Costa. 1 989. A experiência corporativa em São Paulo: proposta de
análise.
1 2. Mônica Hirst. 1 990. O pragmatismo impossível: a política externa do Segundo Governo
Vargas ( 1 95 1 - 1 954)
1 3 . Regina Luz Moreira. 1 990. Arranjo e descrição em arquivos privados pessoais: ainda urna
estratégia a ser definida?
14. Gerson Moura. 1 990. O alinhamento sem recompensa: a política externa do Governo
Dutra.
1 5. Angela Maria de Castro Gomes. 1 99 1 . República, trabalho e cidodonia.
1 6 . Maria Celina D'Araújo. 1 99 1 . O Partido Trabalhista Brasileiro e os dilemas dos partidos
c/assistas.
1 7 . Vanda Maria Ribeiro Costa. 1 99 1 . Origens do corporativismo brasileiro.
1 8 . Hugo Lovisolo. 1 99 1 . Positivismo na Argentina e no Brasil; influências e interpretações.
19. Ken Serbin. 1 99 1 . Igreja, Estado e a ajudo financeira pública no Brasil, 1 930-1 964:
estudos de três casos chaves.
20. Monique Augras. 1 992. Medalhas e Brasões: a história do Brasil no samba.
,
2 1 . André Luis Farias Couto. 1 992. O suplemento literário do Diário de Notícia nos anos 50.
22. Sílvia Pantoja. 1 992. As raízes do pessedismofluminense (a política do interventor: 1 9371 945).
23. Alexandra de Mello e Silva. A política externa de JK: a Operação Pan-Americana.
24. Carlos Eduardo Sarmento Barbosa. Vozes da Cidade: Pedro Ernesto, a Câmara Municipal
do Distrito Federal e os impasses da política carioca ( 1 93 5 - 1 937).
25. Marly Silva da Motta. A Estratégia da Ameaça: as relações entre o governo federal e a
Guanabara durante o governo Carlos Lacerda (1960-65).
26. Américo Freire. Entre a insurreição e a institucionalização Lauro Sodré e a República
carioca.
27. Helena Bomeny. Dois amigos e uma cidade: a propósito dos modernistas e do centenário
de Belo Horizonte.
28. Ludmila da Silva Catela. Argentina: do autoritarismo à democracia, da repressão ao mal­
estar castrense 1976-1989.
29. Alexandra de Mello e Silva. Idéias e Política Externa: a atuação brasileira na liga
das
nações e na Onu.
30. Maria Celina D' Araujo e Celso Castro. Changing military and security arrangements in
the Mercosur: the possible role ofthe European Union.
3 1 . Helena M.B.Bomeny. "Raízes e Asas " do irrvestimento empresarial em educação.
32. Carlos Sávio Teixeira. "A idéia de integração e o Mercosul".
3 3 . Ludmila da Silva Catela.
"Argentina: militares e consolidação durante o governo
Menem ".
34. Leila Bianclú Aguiar. "Não se trata de uma ameaça, mas... ". Um estudo
dos ministros militares durante o governo Sarney ".
das declarações
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