FIINDAçAO r.�TOLlD VARGAS FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CPDOC CPDOC TEXTOS CPD o RIO DE JANEIRO EM c TRÊs PERFIS Trajetórias indi�duais e o campo político canoca Américo Freire, Carlos Eduardo Sarmento Marly Silva da Motta Texto Cpdoc nO 35 (1999) Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil Fundação Getulio Vargas Praia de Botafogo. 190 - sala 1117 - Rio de Janeiro - Cep 22253-900 - Telefone (021) 536-9303 Fax (021) 551-2649 Email: [email protected] 981.53 F866r \ fUND'cA: ...... - "H"LlD \.�:;I CI'O'li: J • o RIO DE JANEIRO EM TRÊs PERFIS Trnjetórias indi-viduais e o campo JX>lítico canoca Américo Freire, Carlos Eduardo Sannento Marly Silva da Motta Texto Cpdoc n° 35 (1999) , Conselho Editorial dos Textos CPDOC . Maria Celina D 'Araujo; Helena Maria B.Bomeny e Carlos Eduardo Sannento FUNDAÇÃO C,ÚLlD c. ,.,c W.RGAS sUMÁRIo APRESENTAÇÃO 2 1- AUGUSTO DE VASCONCELOS O DR RAPADURA: Um estudo sobre • liderança e negociação política n a capital federal (AmmCQ Fmre) ....................... .. 5 2 - DE TENENTE CIVIL A PREFEITO DO POVO: A trajetória política de Pedro Sarmento) 3 Ernesto (CmWs EdNardo 23 .............................................. CARLOS LACERDA: TRIBUNO DA CAPITAL da Motta) B. O (MartJ Silva .............................................. 39 2 APRESENTAÇÃO relação dialógica, orientam e definem as formas de atuação política na cidade do Rio de Este volume da série Textos CPDOC apresenta artigos desenvolvidos por três • Pesquisa pesquisadores e do Documentação Centro de de História Contemporânea do Brasil (CPDOC-FGV), vinculados ao Núcleo de EstutÚis Rio de Ja1leiro. desenvolvidos para e Pesquisas tÚi Originariamente a sessão de comunicação coordenada ''Lideranças e identidade política carioca na República", apresentada no XIX Simpósio Nacional de História da ANPUH, realizado em Belo Horizonte no mês de julho de 1997, estes textos refletem algumas das partir autores de um instrumental analítico conceituação presente dos "campos de poder", na obra do sociólogo Pierre Bourdieu. Assumindo a princípio que toda ação human a em sociedade é basicamente relação de poder, Bourdieu definiu o uma conceito de "campo" enquanto na qual se trava entre os atores uma uma discussão acerca dos elementos constitutivos da cultura política carioca, ou seja, de um conjunto de práticas luta concorrencial sociais em tomo de interesses específicos que vêm a configurar a própria área em questão.' Os espaços de ação social podem através de uma bens simbólicos", onde a própria condição de possibilidade de existência de uma relação entre os agentes se dá pela viabilidade do intercâmbio de tais "bens", em tomo dos quais se estabelecem as formas de concorrência. A estruturação destas relações se dá a partir de Américo, Uma copitoi par(l (I &piblittz. (Rio de janeiro, PPGHlS/IFCS/UFRj, 1998, tese de doutorado); MOITA, Marly Silva da O Rio de JfI1Itiro _linu smdtJ...: de ';1'+ozpital (I eJI4tio da G"fI1IfIbarfl. (Niterói, ICHF/UFF, 1997, tese de doutorado) e SARMENTO, Carlos Eduardo B. ANtmumtitJ t par1icipaçao: o pflftido AJIIIJ� do DistrikJ FtderaI • o <tmtpo poIitUo cmWc(l (1933-1937). (Rio de janeiro, PPGHlS/IFCS/UFRj, 1996, dissertação de mestrado). , FREIRE, arena ser definidos como verdadeiros "mercados O núcleo central dos três textos que, os formulado, em grande medida, sobre a de e representações tanto, questões suas teses acadêmicas.' uma Para construíram seus objetos de investigação a desenvolvidas por estes pesquisadores em situa-se em Janeiro: distribuição desigual de 2 um uma qua1ltum social, Sobre o conceito de cultura política tomamos como referência os trabalhos de BERSIEIN, SeIge. "L'historien et Ia culture politique" in Vin!Jiime SUtie - Rtwe d'Hist«n. Paris, (35) Jul-set, 1992 e GEER1Z, Oifford. A i1lkrJnlafiio das adtJmts. Rio de janeiro, Zahar, 1978. 3 É denominado "capital social", que determina disputas em seu interior. a conceito de campo político, definido como posição que os agentes efetivamente através do assumem no interior do campo. A maior uma ou menor concentração deste capital nas perceber a dinâmica relacional das forças mãos dos agentes sociais determinaria a políticas concorrentes, entendendo, a partir hierarquização e orientaria as estratégias de dos discursos e das práticas propiciadas por atuação dos segmentos envolvidos. Desta sua forma, se pode formular um programa de intercâmbio investigação orientado pela compreensão propostas, constantemente veiculadas no desta dinâmica intrínseca aos campos (suas interior deste "mercado simbólico". "estrutura estruturante", que se pode própria delimitação, e de as formas reformulação de de ''leis de funcionamento''), cujo objetivo Seguindo esta orientação teórica, os maior é a definição precisa dos agen tes, de suas estratégias e de seus espaços de articulistas procuraram apresentar suas reflexões acerca do campo político carioca atuação. e dos elementos que, em uma perspectiva os referenciais diacrônica, conformariam o conjunto de teóricos formulados por Bourdieu sobre referenciais da cultura política da cidade do um dos campos de poder específicos, o Rio de Janeiro. Como programa comum de campo político, possibilita configurar um investigação, foram eleitas trés trajetórias entendimento mais abrangente dos fatores individuais que conjunturas políticas funcionariam como um instrumento de A interação contribuem constituição com para dos a delimitação padrões de política. O campo político é, própria arena políticas em de embates a e relação priori, a das forças testagem representativas e de funcionamento de três distintas, que avaliação do da campo lógica de político da espaço cidade do Rio de Janeiro. Américo Freire político formal, através da qual se definem recuperou a trajetória do senador Augusto as possibilidades de ação, as estratégias de empregadas para o controle dos fluxos do políticas se firmaram na área rural do Rio capital político, e, consequentemente, a de Janeiro da primeira república, como um lógica norteadora e exemplo do padrão de relação política que concorrência das no articulações Vasconcelos, liderança cujas bases o desenho político-institucional formulado , BOURDIEU, Piem:. O jXJder Jimbó/iaJ. Rio de Janeiro, Bertrand, 1989. para o então Distrito Federal propiciava. 4 Carlos Eduardo Sannento acompanhou a trajetória de Pedro Ernesto no lUo de Janeiro da década de 30, avaliando os diferentes papéis assumidos ao longo de • sua carreira política como explicitações das tensões inerentes a um campo político marcadamente orientado pelo confronto • entre os mecanismos de intervenção federal e as demandas autonomistas. Marly Motta analisou a atuação do governador Carlos Lacerda na Guanabara, evidenciando aspectos do debate entre projeto nacional e atuação local no interior do campo político. Através destes três trabalhos organizadores deste volume os procuraram sistematizar algumas das questões que vêm orientando as investigações conduzidas pelos pesquisadores vinculados ao Estudos e CPDOC, Pesquisas do Rio de nos últimos Núcleo de Jtmeiro, do dois anos, contribuindo para a ampliação do debate historiográfico sobre a política no lUo de Janeiro republicano, como também para uma melhor discussão de questões teóricas e metodológicas que orientam a atividade da pesquisa histórica. Os organizadom C 1-00003043-4 AUGUSTO DE VASCONCELOS - O DR. RAPADURA Um estudo sobre liderança e negociação política na capital federal" é 5 tarefà das malS fáceis, mas se conseguirmos nos desvencilhar do estilo épico e ressentido presente em alguns de seus artigos, podemos chegar a conclusão Américo Freire"" Uma das melhores • maneiras de se tentar compreender a montagem do Estado republicano brasileiro, na última década do século passado, se dá por meio da leitura do balanço monarquista publicado a partir de 1899 sob Republicana." o Nesta COISas, verifica-se ordem imperial o nome "Década obra, entre quão estavam outras distantes as da pnnClpals proposições do novo regime, e ainda a profundidade (e ousadia) do experimento federalista que reordenou de cima a baixo o sistema politico-institucional do país. No que se refere à capital brasileira, isto é flagrante. monarquista, a capital Na concepção era a melhor expressão do regime; era corte imperial e pólo civilizador, suas instituições deveriam ser) modelares; o era eram (e municipio neutro administrado com probidade e controle em lugar do "descalabro republicano". Não Neste artigo, desenvolvo algumas questões apresentadas em minha tese de doutorado intitulada Uf!14 çgpitol partJ tJ RrplÍb5t4. poder federal e forças locais no campo político carioca. PPGHIS/UFRJ, 1998. Agradeço a colaboração da professora Rosemeire Medeiros no levantamento de dados sobre Augústo de Vasconcelos. • que realmente muita coisa mudou mesmo" A começar pelo fàto de que a República demorou bastante para definir o que ela queria da capital. Ou mesmo se tinha interesse em discutir o tema, tamanha a fragilidade dos debates constituintes, que, como sabemos, resultaram em medidas praticamente impossíveis de serem executadas (como a mudança da capital sem prazo definido - para uma região na área central do país ainda a ser demarcada), além de muito pouco esclarecer sobre como conciliar a presença dos poderes centrai e municipal na cidade do Rio de Janeiro, que permaneceu como capital até a futura mudança da sede do governo. A nova ordenação politico- institucional, inspirada no modelo norte amencano, FuJera� foi daí a apenas denominação esboçada no Distrito texto constitucional. Não se chegou a nenhuma conclusão sobre como se daria a tutela federal e qual seria o desenho do governo que deveria seria exercido, segundo a nova - Pesquisador do CPDOC/FGV, professor do CAp/UFRJ e Doutor em História Social pela UFRJ. • Ver, por exemplo, os artigos sobre eleições, justiça e muniápio da capital reunidos no volume DictJdtJ Rrpllb5contJ republicado, em 1982, pela Univer.;idade de Brasília.. . 6 carta, por apenas autoridades um tergiversou, ponto qual mUnlap31s. a nova seja a carta da Em O resultado de tudo isso foi a não conformação de um novo campo político separação na capital que, a partir daí, fc i aria política entre a capital e o estado do IUo de por uma intensa disputa entre as diversas Janeiro, o que resultou na criação de uma forças e instituições interessadas em manter bancada Distrito ou ampliar o seu quinhão de poder na Federal de 10 deputados federais e 3 principal cidade do país. Após a crise senadores. A medida era coerente com a política de 1897, que colocou em xeque o concepção modelo liberal republicano, processou-se de representantes do dominante nas hostes importante reman ejamento nessa republicanas, que defendia a necessidade de um se apartar a capital dos estados para nela situação, que deu margem à introdução de criar uma sede de governo com estrutura uma política de enquadramento da capital, própria e original. desfechada Coube então Nacional dar forma ao ao Congresso Distrito Federal por presidentes nas administrações Campos Sales dos e Rodrigues Alves. Neste meio da aprovação de uma Lei Orgânica do texto, nosso objetivo é município da capital. A nova legislação, verificar aprovada em 1892, terminou por aprovar cruzamento uma solução de compromisso que buscou político carioca republicano e a trajetória de atender tanto ao interesse do poder central uma de suas principaís lideranças, a do de exercer de alguma forma o poder na médico e senador Augusto de Vasconcelos. sede do governo, como Carioca, filho de fazendeiros da paróquia ao princípio básico de representação popular. Para dar conta de desse compromisso, ficou estabelecida a perfil de Vasconcelos pouco se coadunou distribuição com a vertente republicana radical que de atribuições político Campo entre a constituição do campo Grande, ex-monarquista, o da marcou época na vida política da cidade no presidência da República (o prefeito), o final do Império e primeira década do novo Senado Federal (encarregado de apreciar os regime, e que produziu brilhantes vetos do prefeito) e o órgão legislativo como Silva Trovão, Silva Jardim, Irineu eleito Machado, Barata IUbeiro, entre outros. administrativas pela Municipal). entre o população delegado (o Conselho tribunos Político dos bastidores, mais afeito à guerra de posições do que a grandes batalhas, 7 Vasconcelos principalmente na avanços na pesquisa, a historiografia ainda arregimentação de permanece presa à concepções de caráter lideranças políticas. Sua atuação e discurso generalizantes que terminam por esvaziar o foram em geral voltados para o interior do conteúdo político da antiga capital federal. campo e não para os profanos.' Sabemos articulação atuou e na O principal argumento deste artigo tambétn largamente expressou geralmente nenhum outro a pengos e dificuldades de utilização de tal método, já é simples e direto: Augusto de Vasconcelos como dos descritos pela relacionados historiografia, perda à da ambigüidade do campo político carioca na capacidade analítica resultante do uso de Primeira República. Durante sua longa e lentes fechadas no ascendente trajetória, atuou coerentemente personagem, que o devir acaba por girar em uma estreita faixa que lhe pennitiu apenas em tomo da ação individual." O servir de elemento de transição entre a ação leitor, no entanto, fica alertado de que, pelo intervencionista poder menos na clássica armadilha da troca de autonomista defendida identidade do autor com o personagem, eu central e a desfechada tese pelo pelos grupos políticos locais. O caminho, trabalho por a muitos de tal formas procurei não cair, por razões variadas que segurr já segue trilhado, o ficarão claras ao longo do texto.' de Em um prunerro momento construir uma análise mais detida de um exammaremos a inserção de Augusto de determinado Vasconcelos objeto acompanhamento da por meto trajetória de do um no campo político carioca republicano. Logo depois, analisaremos sua personagem significativo. O método nos atuação parece proficuo e estimulante ainda mais político-institucional porque pouco, ou quase A despeito momentos de redefinição no Distrito que se nada, se sabe sobre as estruturas políticas cariocas e seus personagens. nos dos últimos , . Sobre as noções de: trajetória social e trajetória ascendenre, ver BOURDIEU, Piure. As rwaJ do aTU. São Paulo, Companhia das Letras, 1996, pp. 292-298. Sobre a noção de campo político, ver BOURDIEU, Piecre. A representação política. Elementos para uma reoria do campo político. In: O podn- JimbólUo. Lisboa, Difcl, 1990, pp. 162-207. Neste mesmo artigo, veri1icar ainda o caráter emprestado pelo autor aos reemos trib1l1lo 'proft11W. " . Sobre o significado da biografia, ver importante levantamento de: questões em BOURDIEU, Pie=. A ilusão biogcifica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes & AMADO, Janaína. UJlJS , A/msos do História Ora. CRio de: Janeiro, FGV, 1996. Ver outra abon\agml1Illlis positiva em Lcvi, Giovanni. Usos da biografia. In: também abon\agml menos critica em FERREIRA, Maneta de Moraes & AMADO, Janaína. UW , AbltSOs da História 0ruI. Rio de Janeiro, FGV, 1996. 7 Sobre as mnadilhas e caminhos da biografi.a, ver também LEVILLAIN, Phillippe. Les protagonisres: de la biografie. In: RÉMOND, Renê (diretion). POlir 1111' Hisfqri, Politiqut. Paris, Éditions du Seuil, 1988. • 8 acentuaram paralelamente à montagem e de govemo ficavam a cargo do Conselho implementação da "política dos estados". Municipal e da Prefeitura, enquanto ao acompanhar Senado caberia a mediação entre aqueles Vasconcelos como aliado preferencial do dois ramos de poder. A República apostou condestável alto Iremos Finalmente, gaúcho na "República de e praticamente desconsiderou o modelo imperial de capital, em que o único Pinheiro Machado." órgão responsável pela administração da De adesista a cheftpolítiro do "triÓflgu/o" capital (a Câmara Municipal), era subordinado diretamente ao poder central A elaboração e aprovação da Lei por meio do Ministério do Império. Foi Orgânica relativa à capital brasileira se deu criada portanto uma estrutura muito mais em Leal complexa, em que a tutela do poder central o sobre a capital foi dividida entre o Senado e momento fundador do regune em que os o delegado do poder executivo federal. pnncípios Esses dois novos personagens passariam a melO ao denominou que "arrojo Victor Nunes liberal", isto é, descentralizadores sobrepujaram de longe a chamada razão de competir Estado.' Com o decorrer do tempo, essa também com um legislativo local forte do situação República ponto de vista administrativo (pelas suas encontraria seu prumo por meio de um amplas atribuições relacionadas à gestão da arranjo que tomou por base mais a cidade), se política do • • modificou e a realidade que os fundamentos e princípios • 9 naquele mas frágil campo que do ponto contaria de vista político, pelo fato da Casa não possuir poder na apreciação dos vetos do prefeito, constltuoonatS. A negociação política foi a marca atribuição precípua do Senado Federal.lo da legislação que fundou o Distrito Federal. O processo de criação e definição legal de um modelo político-institucional para o produziu um peculiar e original desenho Distrito Federal, conquanto que precário, político-institucional em que as atribuições deu fôlego aos grupos políticos locais que 8 . lEAL, VIctor Nunes, Corondismo, E1IXOdo , ver LESSA., Renato. A invmfào "f»Ibliama, São Paulo, Vértice; Rio de Janeiro, IUPERJ, 1988. lO Sobre a ordenação do Distrito Federal, ver análise mais detida em FREIRE, Américo. Uma capillJipara a &ptíbliaz. poder federal e fotÇaS locais no campo político carioca (1889-1906). Rio de Como já nos referimos, o texto Voto: o mtmiápio , o ,.gimt rrprnmtatWo ftO BrasiL São Paulo, Alfa Omega, 1975, pp. 80-81 9 . Estllmos aqui nos referindo diretllmente à upoütica dos estados" concebida e implementada por Campos Sales. Sobre o Modelo Campos Sales, • 9 tra taram de ocupar os órgãos legislativos Exercendo rígido um controle municipal e federal. Em pouco tempo, sobre o seu eleitorado, o "triângulo" se constituiu-se a transformou em uma área estratégica para liderança de senadores e deputados federais o controle do partilhado campo político canocas, carioca. eixo um que, principalmente Federalista o de poder, sob tendo por Partido Republicano (PRF), base transformou-se em Com apoio do grupo, Tomas Delfino, principal prócer do PRF carioca, elegeu-se sucessivamente para o Senado interlocutor privilegiado do poder central Federal. Outro dado significativo na condução política da capital. Durante a do "triângulo" foi a eleição dos seus três gestão do presidente Prudente de Morais principais (1894-1898), a agremiação ganhou ainda líderes para a Câmara Deputados no pleito federal de dos 1896.12 a A ascensão do grupo chamou a nomeação para a prefeitura de um dos seus atenção de parte da unprensa que fazia membros, o médico e deputado federal oposição Furquim Werneck." principais porta-vozes oposicionistas era o maior expressão e legitimidade com A força do PRF local advinha tanto jornal da PRF Cidade do Rio, canoca. Um dos do jornalista e político de seu caráter de seção do grande partido José do Patrocinio. Em inúmeros artigos, o oficial comandado pelo "general das ex-líder abolicionista criticou as práticas 21 brigadas", Francisco Glicério, como pela políticas sua penetração entre as lideranças de perfil suas relações ilícitas com o Matadouro de local, das quais se destacou um grupo que Santa Cruz. O principal alvo de Patrocinio acabou por ser conhecido na imprensa era Augusto como "triângulo", formado por intendentes de três distritos rurais cariocas: Felipe Cardoso (Santa Cruz) e Raul Barroso (Guaratiba). de "triângulo" e denunciou Vasconcelos, a quem denominava ''Dr. Rapadura", em alusão às origens rurais de sua família. os médicos Augusto Vasconcelos (Campo Grande), imorais do A jornalista expressava manifestação de prestígio algo enfática como mais do que de um Patrocinio a mera denúncia: era também sinal de declínio de janeiro, PPGHIS da UFRJ, 1998 (tese de doutorado). 11 Ver criação dos primeiros partidos políticos cariocas republicanos em VENEU, Marcos Guedes. "Enrerrujando o sonho: partidos e eleições 00 Rio de Janeiro, 1889-1895." Dados, vol. 30, 0"1, 1987, pp.45-72. algumas lideranças políticas e intelectuais • 12 Ver 1O.3I0res dados da força eleitoral do "triângulo" em FRElRE� Américo. «Rastreando o campo político carioca." Texto apresentado na VI ANPUH/Rj, 1994. • 10 No que tiveram um papel importante no • legislativo municipal advento republicano mas que, com o atuação decorrer do tempo, foram perdendo poder constantemente para políticos de perfil mais local, com pronunciamentos sobre variados clientelas que abordavam desde o crônico problema seguras e com experiência política. Este processo de renovação destaque. teve de na do abastecimento Esteve tribuna fazendo temas, da carne verde até política ficou claro no pleito federal de questões de natureza político-institucional. 1 896, em que dos 1 1 representantes eleitos Manteve uma posição discreta em relação (1 senador e 1 0 deputados federais), 6 eram aos prefeitos Barata Ribeiro e Henrique ex-intendentes." Valadares, não engrossando o coro dos Como vunos, um dos membros dessa nova safra foi Augusto Segundo em nosso Dunshee de dos mesmos quanto ao problema do a nos repasse de recursos da União para a protagonista. municipalidade do Distrito Federal." Por Abranches, algumas vezes, foi alvo de denúncias de Vasconcelos. Comecemos então concentrar de intendentes que criticavam a falta de pulso Vasconcelos nasceu em 1 856 na cidade do )Om31S Rio de Janeiro. apontavam irregularidades nas eleições em formou-se Filho de fazendeiros, médico pela Faculdade de e de outros intendentes que seu clistrito. Meclicina do Rio de Janeiro. Durante o A mais séria dessas denúncias veio Império manteve ligações com o Partido do intendente Pereira Lopes que o acusou, Lberal, exercendo o cargo de delegado de na seção de 4 de abril de 1 893, de obrigar o higiene Na eleitorado de sua freguesia a votar em República, obteve o seu primeiro mandato células coloridas no canclidato ao Senado parlamentar Aristides durante em aquele outubro regune. de 1892, elegendo-se intendente municipal pelo distrito de Campo Grande." Lobo, "somente para fazer conhecer a sua influência local." Lopes afirma ainda que as eleições em Campo Grande eram em geral realizadas "a bico de U . Verificar perfil das bancadas cariocas na Câmara dos Deputados e no Senado Federn! em ABRANCHES, Dunsbee de. Govmws e Co"lJWfJS do ReplÍblico dos Estados Unidos do BrasiL2 v. São Paulo, 1918. 14 . ABRANOffiS, Dunsbee de. op. ato v.l., pp. 654-655. 15 . Sobre o confronto entre prere;tuIa e legislativo nas gestões de Barata Ribeiro e Henrique Valadares, ver BASTOS, Ana Marta R O Cottselho de J1fInIIibttig Mmticipal: fIIItmromia e instabilidade 1889-1892. Rio de Janeiro, CEH/FCRB, 1984. Ver ainda WElD, Elizabeth Von der. O prifeiUJ ",,,,o i.lm1teaório mm O 11 pena", e que Vasconcelos, que se Vasconcelos dizia-se atksista um apresentava como "republicano genuíno", repllblita1/0 fora na realidade "um dedicado servidor da Tinha monarqwa, mais estados, o novo regime não fechara as todos portas às antigas lideranças monarquistas importantes ocupando da sua os lugares paróquia, 6 conseguidos a base de favores." 1 e não se preocupava com isso. consciência de que, em vários dispostas a colaborar com a República. Nos Em seu pronunciamento do dia anos iniciais republicanos, o que realmente seguinte, Vasconcelos responde a todos contava era a capacidade de vencer os esses ataques. Nega a fraude eleitoral e pleitos e ocupar o espaço político que ora assinala o caráter insubmisso do eleitorado se apresentava. Desde a primeira eleição de referidas municipal, Vasconcelos disse a que veio: eleições, "não se submeteu à força da foi o intendente mais votado da capital. No polícia e que teve independência para reagir pleito senatorial de 1892, reafirmou sua contra Pereira liderança e a eficácia dos seus métodos em Lopes desconhecia a lei e não poderia telegrama confidencial enviado ao chefe de provar polícia Campo ela". Grande que, nas Afirma ainda nenhuma que irregularidade. Em carioca, no qual apresenta os seguida, procura deixar clara a sua posição seguintes números: "Aristides [Lobo] 525, política perante o novo regime. Afirma que sendo 432 em células vermelhas minhas."I' nunca Em Santa Cruz, outro dominio do grupo fora republicano histórico; "eu do quero ser o que sou". E conclui: "triângulo", favorável Aceitei a República e a ela tenho servido com dedicação e lealdade. O que não posso é, adotando a República, dizer publicamen te que sou republicano, e nos meus atos manifestar-me inteiramente contrário a ela. nao posso faz er nem faço. 17 É isto que dúvidas a o Lobo quanto à resultado eleitoral também não extensão da deixa fraude promovida por Vasconcelos e seus aliados: Lobo obteve 327 dos 329 votos dos eleitores do distrito. O "triângulo" era a única fortaleza política da capital. Foi nessa condição que Vasconcelos, aliado desde muito cedo de importantes poderfederal t o poder rmmitipal na capital da Reptiblica. Rio de Janeiro, CEH/FCRB, 1984. 16 AlIais do Constlho MJl1tüipal, sessão de 4 de abril de 1893. 1 7 AlIais do Constlho Mtmicipal, sessão de 5 de abril de 1893. • . lideranças do radicalismo republicano que ajudou a eleger, como Aristides Lobo e Tomas Delfino, teve 12 condições de se transfoanar em um dos Interior, passou a nomear funcionários em pnnopatS posições estratégicas anuência do chefes da cidade na segunda metade da década de 1890. mesmo Crise, cwptoção e resistincia Em dezembro de 1896, em policiais. momento requisitou ao ampliar as Iniciava-se intervenção política a Câmara Federal. Durante todo o ano de prolongaria ainda por muitos anos, pelo 1897, discursou apenas em 2 momentos menos estratégicos, isto é, no final de agosto para Rodrigues Alves. PRF nacional de Francisco Glicério, até a Estava afirmar a sua condição de oposicionista e ao Distrito de naquele Vasconcelos foi eleito pelo PRF local para fiel no a ao para processo um sem Municipal, que recursos diligências justiça Conselho tempo Congresso na Federal gestão claro do para que se presidente os grupos políticos locais que o poder central partira e em novembro, dias depois do atentado para contra o presidente Prudente de Morais, nomeação de cargos, seja pela coerção para desligar-se daquele mesmo partido. policial, Nos parece que não há necessidade neste controle breve texto de examinarmos os principais poderia componentes da crise política de 1897 que, posições como sabemos, colocou em rota de colisão denunciar tudo isso e impedir a debandada, o presidente Prudente de Morais e a facção nada melhor do que a voz insuspeita de do PRF liderada por Francisco Glicério. Vasconcelos, uma liderança com trânsito Vejamos apenas como esse confronto se junto desdobrou no campo político carioCa.'9 ligações com o republicanismo mais radical Como O PRF local se manteve fiel a o confronto estava e aberto. aberta a cooptação do PRF ao poder central e local. com que as Para antigas expresso na liderança de Tomas Delfino e no jacobinismo de parlamentares movimentar no sentido de ocupar espaços lrineu na capital. Por intermédio do Ministro do Timóteo da Costa. Machado, Em • o de sobremaneira Glicério, Prudente de Morais começou a se ". VENEU, Man:os G. up. áL p. 61. 19 Sobre a crise política de 1897, ver o clássico de ABRANCHES, Dunshee de. Como se JIZ?i= proidntUs. Rio de Janeiro, José Olympio, 1973. Ver ainda a análise de CAMPOS SALES, M.F. Da propagando liproidiluia. Brasília, unS, 1983. pela temporada política, enfraquecer políticas Seja Alcindo como Guanabara e seu pronunciamento de agosto, Vasconcelos cumpriu bem esse papel, batendo duro no governo federal. Segundo ele, o poder central, por meio do Ministro 13 do Interior, estava invadindo atribuições munloprus. O Distrito afirma, Federal, controle da prefeitura com a exoneração de Furquim Werneck." Três dias depois do ''hospeda o Governo da União; e era de incidente, Vasconcelos retomou à tribuna esperar que o Governo tratasse-o como um para, em pai uma do PRF local. Defende o poder constituido madrasta histérica (grifo nosso), é um e afirma que deseja cumprir seu mandato carinhoso; do perseguidor não, mas Distrito quer política, economicamente." ele é Federal, quer administrativa e 20 Vasconcelos arrto pronunciamento, desligar-se sern nenhum compromisso partidário. A eleição de Campos Sales significou o aprofundamento da tendência denuncia ainda que intervencionista aama referida. Em "os lords-protetores do Governo, chefes dezernbro de 1898, um pouco mais de um políticos mês após a posse do novo presidente, de estados longínquos, que foram Capital importantes alterações na Lei Orgânica da Federal, incorporadores Governo." constituidos do 21 Em tal seu aqui no capital que, ern linhas gerais, terminaram Partido pronunciamento, Vasconcelos defende os líderes do mas ern aprovadas Congresso nenhuma ligação têm com a política da por fortalecer o papel tutelar da presidência PRF da República, em detrimento da posição ern nenhum momento se coloca como arbitral do Senado. O novo chefe do poder dirigem executivo municipal passaria a ser nomeado do livremente pelo presidente da República, fechamento do espaço político carioca à sem a aprovação da Câmara Alta, e ficaria invasão externa. no cargo apenas "enquanto bem servisse" tal. Suas palavras fundamentalmente se na defesa A situação política acabou por se ao chefe do executivo federal. Ao mesmo deteriorar em novembro daquele mesmo tempo, foram introduzidos mecanismos no ano, com o frustrado presidente Prudente pnnopats lideranças de atentado ao sistema eleitoral que favoreceram a eleição Morais. As de candidatos da minoria e portanto fora jacobinas foram do esquema dominante do PRF local. processadas, presas ou neutralizadas, o que afetou substancialmente o poderio do PRF nacional e local, que perderia também o 2D Alrois da Cámora dos DtplllOdas, seção de 30 de agosto de 1897. • 21. idem. Sobre o episódio do atentado e seus desdobramentos políticos, ver QUEIROZ. Suely RR Os rOlÍcois da &pliblica. São Paulo, Brasiliense, 1986. Z2 14 Estas refonnas foram debatidas inteirarnente desarticulada após os mals na imprensa do que no Congresso. episódios de novembro de 1897; não havia Originalmente, o projeto do governo era portanto clirna político para se conter a ainda mais radical, chegando inclusive a ação da maioria que terminou por aprovar defender um texto que aparou as tendências mais a suspensão temporária do .. Conselho Municipal após o término do intervencionistas mandato dos intendentes, o que ocorreria Severino Vieira. do projeto original de em dezembro daquele mesmo ano. O texto No poder, Campos Sales adotou do projeto, apresentado pelo parlamentar um política sistemática de desmontagem da baiano Severino Vieira, mais tarde Ministro estrutura da Viação de Campos Sales, propunha locais durante a década de 1890. Para isso, ainda assegurar plenos poderes ao prefeito, en tre outras coisas, procurou romper com salvo "às intervenções corretivas conferidas a ao governo fiederal."2J Coube a outro fundamentava a força desses grupos, ou parlamentar Rui seja, a das lideranças republicanas radicais baiano, Barbosa, ffialS criada pelos grupos importante políticos que aliança adversário político de Vieira, combater o (constituída de gliceristas projeto, com o "triângulo". Nas eleições federais de VIsto inconstitucional, por 1899, Sales obteve não apenas o apoio querer o impossível, isto é, "transformar a político de Vasconcelos e Irineu Machado, cidade do Rio de Janeiro em Washington", corno também interferiu diretamente no a reconhecimento do governo simples corno fato florianistas) de sede pelo ele e norte-americano e melhor expressão de capital neutralizada.2' No Congresso, o debate foi morno, apesar dos esforços de alguns refonnas. A no sentido oposição de barrar as encontrava-se Xavier da de Barata Silveira, candidato do PRF 10cal.2S Corno expressão desse novo equilibrio de forças na capital, surgiu uma nova agremiação governo 2l. Gazw de Notícias, 8/10/1898. ,. . Ves: importante artigo de Rui Barbosa sobre o tema em seu jornal Impmtsade 11/10/1 898. Sobre a capitaI norte-americana, ver o dásssico de GREEN, Constance McLaughlin. Washingtll1l: A His/Qry of m, Capital, 1800-1950. Princeton, New Jersey, Princeton University PIe", 1962. eleição Ribeiro para o Senado, em detrimento de parlamentares cariocas, entre eles Augusto Vasconcelos, da 2S federal, política, que próxima ao gradativamente Sobre a intervenção de Campos Sales na política da capital, ver ABRANCHES, D. ÚJtm! SI fl1:(jam pmidenr.s. Rio de Janeiro, José Olympio, 1973, pp. 297-298. Ver ainda FREIRE, Américo. "Campos Sales e a República Carioca", in: l..oat.s: miJlo de bistório,J.m de Fora, vo12, n.1, pp.9-20. • 15 de Municipal e deu carta branca ao novo gravidade da política local: era o Partido prefeito, o engenheiro Pereira Passos, para Republicano do Distrito Federal (PRDF). desenvolver a mais importante reforma Como o seu antecessor, o PDRF nasceu urbana do país até então. Foram também oficialista mas logo descambaria para a introduzidas mudanças no estatuto político oposição. da capital que ampliaram substituiria o PRF como centro Isto porque, na estratégia de o leque de desmonte promovida pelo governo federal, atribuições do prefeito em detrimento do não havia espaço para mais um ator papel político-administrativo do Conselho político nesse jogo. Para implementar sua Municipal. Pari PasSII política para a capital, Sales indicou para a à execução da reforma prefeitura e para a chefia de polícia, nomes urbana, ganhou força a tese de que a capital de sua estrita confiança e sem vínculos deveria ser administrada segundo critérios partidários, que imprimiram políticas duras técnicos e não políticos. Grande parte da no que se refere à questões orçamentárias e imprensa destacava a atuação de Passos na determinados prefeitura, que era visto como homem momentos, Campos Sales chegou inclusive enérgico e intransigente, e defendia a segurança. de da necessidade de se manter a cidade afastada imprensa que freqüentemente denunciavam das "intrigas políticas". A despeito disso, a eleições chegou-se a um acordo em que possível a cariocas. Para corroborar com essa tese, reab ertura do Conselho, em junho de 1903. pressionou (com êxito) o Poder Judiciário Seja no sentido de anular o pleito municipal de prefeito, seja pela luta dos intendentes em 1902."" conquistar maior espaço político, o fato é a fazer coro Em existência com de alguns fraudes setores nas Foi, no entanto, na presidência pelo estilo "desassombrado" do que os poderes executivo e legislativo este quase nunca se entenderam e viveriam às processo de intervenção política na capital turras ainda por um bom tempo, inclusive se definiu com maior clareza. Para mudar a depois da saída de Passos da prefeitura em face física da cidade do Rio de Janeiro - 1906.27 Rodrigues Alves (1902-1906) que projeto central da sua administração -, 27 Sobre a gestão de Pereira Passos na prefêitura, ver BENOfIMOL, Jaime Larry. p.,.;,." P= N11I • Alves fechou por seis meses o Conselho América. Campos Sales e a República Carioca, up. at. pp. 17·20. "" . FREIRE, HIZItSS11IIZ1In Tropiç"f: " mrO!!afÕO Nr/J""" da <idade do Rio de Jmti", no ;1tÍ<iO do JinúIJ XX. Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, 1992.(Co1eção BiblioreC3 Carioca). 16 Em meIO fogo ao cruzado, os Também não foram anos fáceis grupos políticos locais trataram de recuar. para O antigo PRF perdeu expressão, enquanto retirada, procurou manter-se afastado do que o PRDF se manteve na linha da tiroteio político. Na gestão de Campos oposição sem confronto ou contestação. A Sales (1898-1902), pouco subiu à tribuna. melhor prova desse recuo foi o fato de que Em nenhuma expressão liderança teve política participação Vasconcelos seus que, sem pronunciamentos bater na em Câmara canoca de Federal, passou a priorizar certos temas direta na locais, como o etemo problema do conspiração político-militar que resultou na abastecimento de água na cidade do Rio de Revolta da Vacina de 1904. De todos os Janeiro.lO Na administração de Rodrigues parlamentares cariocas, a única exceção Alves (1902-1906), atuou ainda de forma nesse caso foi a do senador Lauro Sodré, discreta que havia sido eleito pelo Distrito Federal participar dos debates que resultaram na no significativa ano anterior à revolta. Sodré, no entanto, era uma figura à parte do jogo sem, no entanto, redução do deixar papel de político administrativo do Conselho Municipal. político local. Era um político de projeção Ao que tudo indica, nesses anos de nacional que, conduzido à Câmara Alta por turbulência, Vasconcelos procurou firmar uma frente oposicionista congregada em bases políticas para futuros vôos. Para isso, tomo do jogou todas as contava com o apoio do deputado federal suas fichas no sucesso da revolta do qual Sá Freire, sobrinho e sucessor político de foi um dos principais líderes. Derrotado, Felipe Cardoso no distrito de Santa Cruz, pôde voltar ao Senado e ao término do seu um dos vértices do "triângulo". Freire era mandato como senador pela capital, em advogado de renome e logo substituiria o 1912, voltou a eleger-se pelo Pará, seu líder de Campo Grande como porta-voz estado natal. Por tudo isso, Sodré nunca daquele deitou raizes políticas mais profundas no perrnan ecena mais Rio de Janeiro. Invariavehnente, manteve articulação. Comio da Manhã, se como livre atirador.28 grupo político. na Vasconcelos penumbra e na O declínio de Rodrigues Alves na presidência se confundiu, como sabemos, 28 Sobre o contexto polilico-partidário na capital durante a Revolta da Vacina, ver FREIRE, Américo. Entn (1 insllrnifiio e a institllciolla/izOfão: LotmJ SodTi t a República carioca. Rio de Janeiro, Textos CPDOC, 1997. . com a ascensão de Pinheiro Machado no 17 panorama nacional. A vitória de Monso 1910), Pena selaria a emergência de Rivadávia Corrêa (1914-1916).30 pacto político que políticos desdobramentos reorganização teve dos um novo grupos a políticos Ribeiro (1910-1914) e O quadro político-institucional da importantes para Bento capital também alterações até não o sofreria término da maiores Primeira cariocas. O mais importante deles foi a República. O Consellio Municipal, mesmo fusão, grupos limitado em seu raio de ação, continuou a nova agremiação também exercer as suas atribuições administrativas em 1906, políticos em um denominada dos Partido antigos Republicano do e, por ISSO mesmo, Distrito Federal (PRDF). Eleito senador influência em máquina governamental. Janetro daquele mesmo ano, política na manteve certa composição da concorrendo contra o seu antigo aliado Este novo quadro terminou por chegara ao mostrar-se bastante favorável aos grupos topo de sua carreira política. Suas fortes políticos cariocas reunidos em tomo do ligações com Pinheiro Machado llie davam PRDF. A agremiação tomou-se o pólo de Tomas Delfino, Vasconcelos manobra. atração de diversas lideranças e manteve-se Começava a fase pinheirista na vida política como principal elemento de coesão política canoca. na amplo agora espaço de capital até as mortes de Pinheiro Machado e Augusto Vasconcelos, ambas o Senat/qr Rapadura no ano de 1915. Durante quase década, Machado exerceu forte Na Prefeitura do Distrito Federal uma influência na política da capital. Com seu prestígio, foi das ações responsável pela indicação do nome de espetaculares dos anos de Pereira Passos. Rivadávia Corrêa para a prefeitura carioca O novo prefeito, Souza Aguiar, adotou em 1914. Não por acaso, o PRDF, sob a uma postura mais discreta em sua gestão batuta de Vasconcelos, se transformou em chegara ao (1906-1909), fim o momento voltando-se principalmente para questões do dia-a-dia administrativo. O mesmo se daria nas administrações posteriores de Serzedelo Correia (190929 • Ver pronunciamentos Vasconcelos sobre o tema em de Augusto de Anais do Câmara dos DeplltoÓJi, sessões de 31/10/1900 e 21/11/1900. 30 • Sobre a atuação dos prefeitos cariocas da NORONHA SANTOS, F.A A= do Org,tmiZOfiíQ MmrúipaI e doi prifeitos do DistnJo Federal Rio de Janeiro, O GWBO, 1945; ver ainda REIS, José de Oliveira O Rio de JlZ1Ieiro e setl.S prif eifDS: evobJçiíQ uriJ01IÍs1i<a do ddode. Rio de Janeiro, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1977. Primeira República, ver 18 Mais seção do Partido Republicano Conservador fechamento pelo poder central. (PRC), agremiação nacional concebida e durante a gestão de Hermes da Fonseca criada pelo senador gaúcho " (1910-1914), o episódio resultou em um preço desse alinhamento direto sério conflito de competências entre os (e original) com o poder central foi bem poderes executivo e judiciário no plano alto. federal." O Grande parte da imprensa era tarde, contrária a Pinheiro Machado; e como já Este episódio ocorreu em plena ocorrera em meados da década de 1890, campanha presidencial de 1909/10, em Vasconcelos se tomaria alvo constante de que, pela primeira vez na República, houve jornais e políticos oposicionistas. Voltaria o ares de disputa eleitoral. Aproveitando-se apelido - "rapadura"-, agora acrescido da popularidade obtida por Rui Barbosa na da nobre função pública senatoriaL capital, algumas lideranças canocas, Vasconcelos ficou no Senado por capitaneadas pelo deputado federal Irineu quase 10 anos. Inicialmente, manteve sua Machado, perceberam que havia chegado o postura moderada e também propositiva momento de se buscar quanto à organização política da capital. uma alternativa à hegemonia do pinheirismo na capital." Nos anos de 1906 e 1908, pronunciou-se Constituiu-se então algumas vezes contra os vetos do prefeito civilista que, entre 1910 e 1915, disputou apostos em relação acirradamente ao orçamento votado pelo Conselho Municipal. A partir de 1909, começou porém, consideravelmente sua a nos corrente política controle do campo político carioca com o pinheirismo. No reduzir presença o uma Vasconcelos pleito mais federal uma de 1915, vez confirmou sua debates políticos. Naquele ano, seu único liderança se reelegendo para o Senado. pronunciamento ao Desde o "episódio do Conselho Municipal, Municipal", o ex-líder do "triângulo" praticamente acontecimento que envolveu a duplicação abandonara a tribuna- Não fez nenhum daquela casa legislativa e o seu posterior pronunciamento de expressão em seu "caso do político Conselho referiu-se 11 Sobre a força politica do lider gaúcho na Primeira República, ver ENDERS, AnneIJe. PoJllJtJirs tt ftderalismt 011 Broi1 (1889-1930). Paris, Univeml!! de Paris IV - Sorbonne, 1993, pp. 350-413. Sobre a influência de Pinheiro na capital fedetal, ver CASTRO, Sertório de. A &plÍb5ca qMt a &voÚlçiio Dtstnliu. Brasília, UnB, 1982, p. 232. • 12 . Ver o Hcaso do Conselho Municipal" em FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Um tstadista da RrplÍb5ca. Rio de Janeiro, José Olympio, 1955, v. 11, pp. 688-690. }l . Sobre a campanha civilista na capital, ver CASTRO, Sertório de. OI. tit. pp. 171-175. 19 último ano de mandato como senador pela n o quadro das lideranças políticas cariocas capital da República. na década de 1920." A morte de Vasconcelos, no final daquele mesmo ano, produziu importantes ComentárioIftnois mudanças no cenário político local. A mais • importante delas foi a superação da referida Não nos parece que valha a pena polarização existente entre o pinheirismo e retomarmos o civilismo que, a partir de agora, deixava nestas palavras finais. Esperamos apenas de fazer sentido. Foi possíve� então, a que tenha ficado claro para o leitor que criação de uma nova agremiação partidária, estamos lidando com um tipo de liderança a Aliança Republicana que, como política o PRDF, foi capaz O PRF e todo que o nosso influiu argumento sobremaneira na de reunir diversas ordenação do campo político carioca na lideranças políticas cariocas em tomo de Primeira República. Isso posto, tratemos um programa de caráter autonomista. A agora de ampliar um pouco mais o escopo principal liderança do novo partido coube de nossa análise por meio de algumas ao proposições. Vamos a elas. engenheiro e professor Paulo de Frontin, antigo aliado de Vasconcelos. A ordenação política canoca até então se baseava estrito do localismo e da "política miúda" na eleito� maior e mais importante cidade brasileira grupos naquele começo do século. A capi� palco interessados em manter e garantir suas da política nacion� produziria tribunos e posições políticas. Em função disso, o rebeldes, mas fundava a sua política, como eleitorado do Distrito Federal se mantinha os demais estados, na atividade política de muito pequeno, quando comparado aos ocupação demais arregimentação controle do promovido pelas estados também no 1. Vasconcelos expressou a força alistamento lideranças brasileiros. e Com o desaparecimento de Vasconcelos, houve melliores condições políticas para espaços eleitoral públicos, forçada na e na fraude. que promovesse uma expressiva ampliação do de Os prmClpals grupos que dominaram a República mantiveram uma corpo eleitoral da capital. Não é dificil de se imaginar que a medida esteja na origem da importante renovação que se processou l-4 Sobre a nova dinimica política carioca da década de 1920, ver CONNIF, MichaeJ. UrlJan Palites in Bra:dJ.· Ih, rir, of pof»dism (1920.1945). Pittsbutgh Press, 1981. • . .- .,--- ----- "' fI!, 1"'t,C� - 1 " . . " - .....,...- ., 20 2. atitude dúbia em relação à permanência da um esse "lado obscuro" da política carioca, a a questão não ser para reafrrmar a tese de que tudo como algo inerente ao regime; formou-se aquilo era, nada mais, nada menos, do que então nos a expressão de um fenômeno mais geral moldes das oligarquias regionais. Após a relacionado à forma pela qual a República crise de 1897, adotou-se uma nova política encaminhou (ou desencaminhou) a questão baseada na da cidadania política no pais." capital como político. wms primeiro momento, trataram • Em A historiografia pouco abordou uma estrutura política ocupação de local espaços pelo Em poder central e no descrédito do JOgo relação a Vasconcelos, político local. O modelo de neutralização acontece mais ou menos a mesma coisa. baseado Há poucas referências à sua liderança na na experiência norte-americana a historiografia e, quando existem, assumem ser em geral um tom que resvala mais para a inteiramente aplicado em nossa legislação. caricatura. Afonso Arinos, por exemplo, Finalmente, chegou-se a um certo ponto de em passagem sobre O referido "caso do equihbrio Conselho nos moldes de mas rondar, Washington nunca em que chegou chegou as a forças locais Municipal", em que ficaram de frente a fren te Hermes da Fonseca e Rui de Barbosa, chega a chamar o líder político manter os pequenos espaços políticos até carioca, que formou com Hermes e lhe então conquistados. dava sustentação política na capital, de o reconheceram a reversão quadro, desse impossibilidade e trataram Nessa estratégia defensiva, foi de fundamental importância uma liderança "velho soba do sertão carioca", ou seja, uma reminiscência de liderança africana com o perfil de Vasconcelos, que conseguia presente nos arredores da capital do pais. reuntr o apoio do condestável Pinheiro Na Machado e de significativas bases locais. Vasconcelos era a melhor expressão das Com o desaparecimento de Vasconcelos, a trevas, situação maIOres contraponto perfeito à razão expressa pela modificações até o término da Primeira força do Direito defendida na ocasião pelo República. Manteve-se, ainda por muitos conselheiro Rui Barbosa. Infelizmente, o anos, historiador mineiro não produz qualquer política não o octrrício do dissenso. sofreu coerente da narrativa ignorância, do enfim, autor, um 21 análise sobre a personagem em questão, sucessivamente valendo-se apenas de uma boa expressão.36 áreas urbanas da cidade do Rio de Janeiro. Após • deputado envolver-se federal pelas diretamente na 3. Neste texto procuramos mostrar conspiração contra o governo de Prudente a história não foi nem tão simples e nem se de Morais, passou a adotar uma ação de resume a esquemas analíticos caráter mais moderada, tomando-se aliado, marcados pelo velho problema da dicotomia. O jogo em político na capital nos pareceu bem mais comandada por Vasconcelos. Devido as complexo. Por mais sufocante que fosse a suas presença do poder centrai em sua sede, transformou-se houve em civilista, assumindo a vanguarda da luta estruturas contra O hermismo e o pinheirismo na expressão capital até a morte do polêmico prócer caso, chama a gaúcho. Mais tarde, envolveu-se no famoso possibilidade determinados políticas de se cnar, momentos, locais com política e social. razoável Nesse certos momentos, com relações em da corrente Barbosa, Rui líder da corrente atenção o papel de Vasconcelos e de outros caso membros do "triângulo", como agentes Bemardes, O que lhe rendeu a "degola" nas importantes eleições senatoriais de 1924. Eleito senador na destas constituição estruturas. de lideranças nacionalizado político que canoca. tomavam "cartas falsas" contra Artur em 1 926, terminou a vida política apoiando O mesmo, no entanto, não se pode dizer das de Em maIS Na Primeira República brasileira, campo esta conduta errática não foi exceção nem perfil atuavam no geral, o governo de Washington Luís." estes se regra. Estava inteiramente enquadrada ao padrão político da época, marcado ainda U1capazes de permanecerem fiéis mesmo fortemente pelos aos constantes tênues livre-atiradores, liames ollUiders, partidários. Nesse pelo personalismo desequilíbrios e JOgo do sentido, o exemplo mais expressivo, dentre oligárquico. muitos e perfil congênere, Machado, sem tnalores professor lrineu Machado. Jacobino de problemas, conciliava a prática política das "primeira clientelas outros, foi água", o do advogado Machado elegeu-se Como com o outros políticos desabrido de discurso oposicionista e antioligárquico. l5 . Ver, por exemplo, CARVALHO, José M. OS bestia/iZados: o Rio '" ](/11aro , o Replib/ico qM' não foi. São Paulo, Cia das Letras, 1987. ,. . ARINOS, Afonso Arinos de Melo. op. rito p. 689. Ver trajetória política de lrineu Machado em CONNIF, M. op. rit. p. 81. J7 • 22 Sem o mesmo capital político e sem • pesqutsas: Vasconcelos Serta a o mesmo carisma, lideranças como a de expressão de uma Vasconcelos política formal na cidade do Rio de Janeiro, diverso. • futuras segwram A entrada um na caminho vida pública tradifÕo conJlitulivo que se caracterizou por condliar, Je111 da grandeJ costumava ocorrer por duas vias: pelos embaraçoJ, a poUlica clienteliJfa e a eJtr1Ituração contatos partidária. por "cima", mas também e Esta tradição, possivelmente principalmente pela consistência de uma inaugurada no império, deitou raízes na base eleitoral segura em seu distrito de República e até hoje marca fortemente a origem. Os mesmos atributos, além de uma cultura política carioca. capacidade de granjear apoios em outros distritos, poderiam garantir cargos federais no futuro. Este foi o caso de Vasconcelos. Se adotannos a classificação adotada por Robert Dahl, pode-se afirmar que Vasconcelos foi inegável e coerentemente um "político negociador" ." Não há traços de radicalização em seu discurso ou mesmo de defesa intransigente de princípios. Pari pasJU à sua ascensão na vida política, afasta-se também da tribuna, passando política cada vez mais a adotar uma de bastidores. Em nenhum momento, perde o controle sobre as suas bases eleitorais e sempre procura manter as portas abertas para a negoCiação com O governo federal. 4. Para concluir, poderíamos avançar um pouco mais no sentido de sugerir a seguinte e últirrta proposição para " . Ver Robert Dahl, Análirt polítito motimIo, Brasilia, Editora da Universidade de Brasília, 1988, pp. 115-117. C I - 00003049-3 23 DE TENENTE CIVIL A PREFEITO das caracteristicas fundamentais da vida política da então mais importante cidade DO POVO brasileira. A trajetória política de Pedro Ernesto Pedro Carlos Eduardo B. A Sarmento" política carioca nos anos 30 tem wn claramente sucessIvas norteador: eo<o alterações em seu as estatuto político provocadas pelas mudanças nos rumos do projeto político de Vargas na presidência. Capital da República e centro nervoso de sua vida política, o então Distrito Federal oscilava entre propostas de abertura de seu campo político, embutidas nas plataformas cerceamento locais da através autonomistas, atuação da ação das e de lideranças interventiva do governo federal. Podemos identificar como ponto deste referencial política trajetória itinerário do a médico, revolucionário, interventor e prefeito da cidade Pedro Ernesto Batista. Em tomo de sua liderança política o campo político canoca buscou tomando-o wn VIas de organização, dos ícones da memória política da cidade. Observar o percurso político de Pedro Ernesto durante a década em questão toma-se, portanto, wn exercício de reflexão imprescindível acerca " Pesquisador do CPOOC/FGV, Mestre em História Social pelo PPGHIS/IFCS/UFRJ e capital Ernesto Batista nasceu pernambucana setembro de no dia na 25 de 1884. Pertencente a uma família de pequenos comerciantes, desde cedo decidira-se pela carreira médica, em seu entender uma atividade "sublime" que aproximava os homens de seus iguais. A vinculação de seu pai, Modesto do Rego Batista, aos meios maçônicos recifenses teria sido uma das mais fortes influências na formação da personalidade de Pedro Ernesto, levando-o a uma escolher profissão que o aproximasse de wn ideal humanitário assistencialista. 40 Tendo concluído sua formação escolar básica em Recife, . . mgressana na Faculdade de Medicina da Bahia, de onde posteriormente se transferiria para a Capital Federal, em busca de wn melhor ensino e de maiores possibilidades para o início de sua carreira. Doutorando em História Social na mesma instituição. 40 Sobre esta posição ver os comentários manuscritos de uma tentativa de esboço autobiográfico de Pedro Emesto DO dossiê FragmtnlJJJ de aJltobiografta de P,dro Enre.rtIJ - Asquivo Pedro Emesto - DOe. PEB-MemóDas-DP. CPDOC/FGY. .Alguns dos dados biográficos foram obtidos em BELOCH, IsaeJ & ABREU, Ditionário Histári�biogrófoo AIzira .Alves (org.) Brariki,. 1930-1983. &0 de Janeiro, CPDOC FINEP-Forense Uoiversicíria, 1984. e WAINER, SamueJ. "Pedro Ernesto - sua vida de cirurgião e revolucionário" in Rn.isto Dirttri'(!J, 15. Nov. 1942 pp. 3-22. 24 • com financeiramente Sustentando-se Fátima. identificado Sendo como muitas dificuldades, recebeu o convite para benemérito tomar-se auxiliar no consultório do médico Ernesto passaria a receber doações dos Augusto do Amaral Peixoto como a grande ricos comerciantes portugueses, o que lhe oportunidade meios propiciou a construção de uma nova casa profissionais, sendo muito bem sucedido de saúde, situada à rua Henrique Valadares, em seu primeiro oficio médico. Além do inaugurada em 1924. Paralelamente à sua caráter estritamente profissional, contato atividade médica começaria neste período a com a família Amaral Peixoto também se envolver mais diretamente com o clima marcaria a introdução de Pedro Ernesto na de agitação política que marcaria a década vida à de 1920. Em junho de 1922, através do amizade que estabeleceria então com os proselitismo do capitão José Aníbal Duarte, filhos do Dr. Augusto, Ernani e Augusto primo de sua esposa e ajudan te-de-ordens Jr., que de Hermes da Fonseca, Pedro Ernesto posteriormente ligar-se-iam aos setores da travou conhecimento com o levante do de política, nos principalmente Jovens oposição inserir-se oficiais militar da ao O devido armada governo Artur para Ernesto sublevados. se casana com Maria colônia lusitana, Pedro Forte de Copacabana, lançando-se às Bemardes. Forman do-se em 1908, Pedro logo da assoaar-se aos Não Jovens consegwu, ruas tenentes contudo, Evangelina Duarte, entusiasmado com a participar das ações daquele 5 de julho, promissora carreira que se lhe abria. Sete chegando ao bairro litor-âneo pouco depois anos após do fim trágico da marcha heróica dos sua formatura era nomeado diretor da clínica cirúrgica da Policlínica de rebelados. o Botafogo, de onde sairia para montar sua Copacabana marcaria própria casa de saúde, especializada em médico, obstetricia, cirurgia e ginecologia. atentamente os movimentos rebeldes da Médico reputação ern conceituado, com grande toda a cidade, Pedro Ernesto desenvolvia em sua clínica um serviço de Pedro pobre aImirante de Janeiro, atendendo areias de profundamente passana a o acompanhar governo federal. participar Rio nas jovem oficialidade e a oposição civil ao assistência médica gratuita à população do que sangue Ernesto, do levante Protógenes que chegou liderado Guimarães, a pelo sena principalmente a comunidade de imigrantes preso ao fim da rebelião de julho de 1924, portugueses pobres da região do Bairro de cumprindo assim o seu rito de passagem, 25 ingressando definitivamente nas revolucionárias. Valendo-se da linhas por parte das forças de repressão ao infra movimento. estrutura propiciada por sua casa de saúde, viria o médico a organizar uma rede de apoio aos militares • afinados com as às vésperas do para a deflagração do dia marcado 3 de levante, outubro, a polícia do Distrito Federal descobriria o transporte de armamentos em das propostas tenentistas na cidade do Rio de uma Janeiro. Pedro Ernesto, o que o forçaria a deixar o feridos, Socorrendo dando transportando abrigo armas revolucionários a fugitivos e em suas ambulâncias, Pedro Ernesto seria ironicamente apelidado Rio ambulâncias da Casa de Saúde rumo a Belo Horizonte, onde organizaria o corpo auxiliar de médicos das forças revolucionárias. A de "mãe dos "tenentes", mas consolidava chegada de Vargas ao poder assim a sua posição de elemento articulador estabeleceria novos rumos para a carreira entre os militares revolucionários e as política lideranças civis, vetor este que só viria a ser reconhecimento consolidado através da Aliança Liberal. conspirações revolucionárias, receberia a Tendo da patente de tenente-médico da reserva do campanha presidencial de 1930, após a exército brasileiro, tomando-se assim o que derrota da chapa aliancista nas umas Pedro se convencionou denominar de "tenente Ernesto seria um dos elementos de contato civil". entre os políticos que integravam a Aliança honorífico, consubstanciava a aproximação e os tenentes, estabelecendo as bases do médico pernambucano com os antigos participado ativamente de Pedro ao Em Ernesto. seu papel nas Esta insígnia, quase um título a ser o movimento tenentes, os revolucionários da década revolucionário que deporia o presidente anterior que ele admirara e com os quais Washington Luis em outubro daquele VIera mesmo ano. Mantendo comunicações com designação estava consolidada aquela que Oswaldo Aranha, Lindolfo Collor e Virgílio tinha sido a principal contribuição de de Pedro daquele que Melo viria Franco, Pedro Ernesto a atuar politicamente. Ernesto ao Nesta movimento, a transformava-se em elemento estratégico aproXlffiação e o diálogo entre elementos na articulação golpista, principalmente por OVlS não ser reconhecidamente um político de mesmas percepções quanto oposição, o que levantava poucas suspeitas oligárquico da República Velha e aspiravam em relação a à sua conduta na capital federal e militares que comungavam das uma completa ao regime reformulação das 26 estruturas políticas brasileiras. Nos anos a interventoria no Distrito Federal, levando seguintes o "tenente-civil" levaria adiante a para o Paço Municipal o desejo dos antigos sua ponte tenentes de melhor se fazer representar na simbólica entre a tradição dos tenentes e as esfera política e as esperanças de Vargas na lideranças políticas civis, mesmo que alguns consolidação de sua base de apoio entre as elementos forças missão, uma estabelecendo da cotporação, como Góes políticas da cidade do Rio de Monteiro, vissem com maus olhos esta sua Janeiro. Figura de inteira confiança do fonna de atuação. De qualquet maneira chefe do governo provisório e um dos mais Pedro Ernesto conquistara a confiança e o articulados lídetes do grupo "outubrista", respeito do chefe do governo provisório e Pedro Ernesto tivera uma carreira onde a sena excelência profissional como cirurgião se peça fundamental nas futuras mesclava com um vibrante engajamento às articulações entre Vargas e os tenentes. Enquanto nomeado por o primeiro Vargas para interventor propostas encaminhadas pelos tenentes. A o maior de todas as cirurgias que ele jamais Distrito se realizara estava prestes a se iniciar então: incompatibilizando com os detnais chefes Opetar os eixos norteadores da vida política políticos carioca, do pulsante "coração do Brasil". Federal, Adolfo canocas Betgamini, por sua vinha política de represália e revanchismo em relação aos grupos locais hegemônicos na primeira A missão de Pedro Ernesto não eta, de fonna alguma, simples. Inicialmente à república, o Executivo Municipal da capital preCISava era diretamente pretendido por elementos administração da capital do país e depois ligados à corrente tenentista. No dia 24 de mantet contato setembro de 1931 o governo provisório política do Distrito Federal, estabelecendo afastaria da liames que possibilitassem o diálogo e o interventoria carioca e nomearia para o seu apoio recíproco entre o governo fedetal e lugar o coronel Julião Freire Esteves, que os diferentes grupos e lideranças políticas assumiria o cargo intetinamente, enquanto da cidade. Os dois maiores trunfos os "outubristas" acertavam os detalhes da interventor então dispunha etam ascensão de Pedro Ernesto. Finalmente, integral do presidente da república, o que em 30 de setembro deste mesmo ano, o possibilitava uma maior autonomia de ação médico no espaço da cidade, principalmente no o chamuscado pernambucano Bergamini Pedro Ernesto Batista receberia sua nomeação para ocupar sustentar-se com frente da a complexa vida que tangia à assimilação das que o o apoio redes de 27 e a reputação patronagem/ clientela, o Distrito Federal é e será sempre a de no adquirira na prática médica-assistencialista. governo federal, explicitando assim chefe do ) Tenho confiança .. governo provisório, conheço as suas intenções e as suas palavras para com o Distrito Federal, Embora seu nome fosse indicado pelo • Brasil (. cabeça do honestidade e seriedade que Pedro Ernesto por a ISSO penso que a autonomia é uma questão de pouco tempo. 41 pennan ência do esquema interventivo, é Com base no discurso autonomista, tmportante notar que a escolha presidencial recaira em um indivíduo que, apesar de haver nascido na capital pernambucana, tinha estabelecido laços de socialização no espaço do Distrito contrariamente escolha de ao Federal que Adolfo e que, acontecera Bergamini para na o Executivo Municipal, o nome de Pedro Ernesto, por não estar diretamente ligado à prática da política local, resistência forças inicial políticas conturbado não conhecia na interação da período cidade. com as Após o Bergamini, Pedro Ernesto surgia como um amistoso aceno por parte do governo federal, um convite irrestrito à cooperação lançado aos diferentes setores da vida política carioca, que pareCIa indicar em direção ao cumprtmento de uma das mais constantes reivin dicações canocas. o próprio interventor, colocando-se como verdadeiro porta-voz da presidência, declararia a viabilidade da concretização da autonomia em sua entrevista de final de ano: Pedro Ernesto conduziria à eleição para a Assembléia Nacional Constituinte uma frente integrada por elementos tenentistas e jovens lideranças locais organizados em tomo da legenda do Partido Autonomista do Distrito Federal. A maioria conquistada pelo novo partido nas umas confirmava a tmportância indicava política os rumos do da interventor proposta e de agregação das lideranças políticas cariocas em tomo do eixo agregador do partido capitaneado por Pedro Ernesto. Com a aproximação de novas eleições, marcadas para outubro de 1934, que escolheriam os representantes que comporiam o Legislativo Municipal, que por consegumte teriam a incumbência de votar em colégio eleitoral para a escolha dos nomes dos novos senadores e do prefeito da cidade do Rio de Janeiro, as antigas chefias políticas da cidade se viam diante do impasse enunciado pelos resultados do pleito de 1 933. Com o alargamento da base eleitoral, devido às alterações no alistamento de 41 lomaldo Brasil. 01/01/1933. p. 6. 28 projeto Além de acenar com uma estrutura muitas capaz de promover esta coesão dentro do possibilidades eletivas distante da estrutura espaço agora autônomo do Rio de Janeiro, do Partido Autonomista, que então Pedro eleitores e a efetivação autonomista, não do havia já se Ernesto detinha as chaves que mostrava como hegemônico agregador de possibilitavam o acesso à cargos e serviços forças situado próximo às esferas decisórias públicos do o fator na consolidação de clientelas políticas. agrupamento das redes de clientela no eixo Estas ofertas atraíam os chefes políticos do partido permitiria o alcance de um como a luz às mariposas, coeficiente necessitavam de tais fatores básicos de " poder conduzir municipal. eleitoral os chefes Somente suficiente políticos para locais à da negociação municipalidade, política para importante já que estes efetivar suas Câmara Municipal. As lideranças políticas, lideranças diante das respectivas clientelas, concorrendo pela e que consolidariam assim o pacto com a Partido estrutura do Partido Autonomista. Diante Democrático-Economista, agremiação que da oferta de uma maior coesão política e de surgira da fusão destes antigos partidos um mais amplo acesso a cargos públicos, a após a promulgação da Constituição, não maioria teria condição de formar e manter por tendeu a ingressar efetivamente no partido. conta própria uma rede de clientela grande Neste sentido toma-se compreensível a o bastante que pudesse superar os índices filiação de poderosos chefes políticos como que Edgard Romero, que dominava a região de legenda autonomamente do recém-criado ou provavelmente seriam obtidos por dos chefes políticos canocas Pedro Ernesto e seu partido, símbolos da Madureira e vitória autonomista. Jacarepaguá, Campinho e Cascadura e Júlio Ingressar na chapa Irajá; Emani Cardoso, de autonomista era assim a principal opção Cesário para estas lideranças, no sentido de garantir (como era conhecida a região de Guaratiba, sua sobrevivência política, uma vez que Campo Grande e Santa Cruz), ao Partido jun tariam Autonomista ao longo do ano de 1934. forças e seriam capazes de "puxar a chapa" com as demais chefias de Melo, o "rei do triângulo" Explicitava-se, desta maneira, a autonomista de políticas, atingindo assím um número de condução votos alto o bastante para eleger o maior alteração do eixo gravitacional do campo número possível de representantes dentro político carioca. Controlando efetivamente da chapa do partido. a distribuição do capital político no interior da proposta 29 deste campo, Pedro Ernesto utilizava-se da conteúdo doutrinário de suas propostas, estrutura do partido como vetor de diálogo investindo no aprimoramento das redes com as forças políticas A locais. mumoprus de saúde e educação. A concorrência política passava asSlffi a ser proposta de "elevação" das massas urbanas configurada por este eixo básico, em tomo à condição de cidadania se constituiria do enquanto marca da qual se articulavam os grupos e à prática política lideranças da cidade, buscando auferir uma Pedro Ernesto maior Municipal da Capital Federal. Se por um acumulação portanto vital deste para aproximação com O capital. estes Era segmentos partido, na medida frente do de Executivo a lado tal projeto político correspondeu a um em conjunto de medidas que viabilizaria o que a garantia de sobrevivência política no acesso interior população aos bens e serviços públicos, do campo estava diretamente de camadas marginalizadas da relacionada à proximidade com o centro de por outro representou um esforço ordenação e distribuição do capital político estrutura partidária do seu partido em em seu interior. Fora do partido, distante incorporar portanto deste .eixo, mesmo os grupos que mesmos setores tradicionalmente postos ao haviam granjeado ao longo dos anos uma largo pela política republicana. Durante o considerável deste quan tum encontravam ano de 1934 se verificou um febril processo então de alistamento de dificuldades forças diante da em reequilibrar posição suas privilegiada à vida anteriormente política eleitores ativa da estes em regiões praticamente ignoradas O pelos antigos chefes políticos. Enquanto partido se apresentava como verdadeiro Pedro Ernesto iniciava um processo de alicerce de coesão política destas forças visitas semanais às favelas e aos bairros do assumida pela frente autonomista. em disputa dentro do campo, consolidando a subúrbio, sua posição hegemônica, e Pedro Ernesto "comissões pró-melhoramentos" e ouvia as ganhava reivindicações das comunidades, a estrutura articulador destaque deste como sutil principal exercicio de arquitetura política. Paralelamente à construção das redes onde se encontrava com as dos diretórios autonomistas se direcionava a estas áreas, realizando novos alistamentos de eleitores num processo de visita porta-a de apoio das principais lideranças locais ao porta que resultou partido, Pedro Ernesto iniciaria no ano de aumento do contingente eleitoral da cidade, 1 934 um processo de melhor definição do às vésperas das em um significativo eleições legislativas de 30 " outubro de 1 934. Nada menos que 1 10.000 tecnológicos, estavam ao alcance através de eleitores estavam inscritos e habilitados novas para votar neste pleito, um crescimento da exercicio político. O rádio, que seria o ordem de 57% em relação ao contingente grande símbolo da política de massas, em eleitoral do ano anterior. 42 todo o mundo, alargou as possibilidades de técnicas de comunicação e do Além das incorporações das massas alcance dos discursos, integrou as massas urbanas à vida política, o ano de 1 934 urbanas em tomo do eixo agregador da marcaria a política do partido autonomista radiodifusão e possibilitou uma por dois experimentos inovadores. eficácia contato os deles dos sena uso com grandes contingentes populacionais, que a partir de comunicação de massa, como o jornal e, então seriam integrantes da vida política principalmente, brasileira. Outro significativo experimento o Através rádio, do meiOS no de eleitoral. o Um mamr na rádio, campanha que sendo utilizado sistematicamente Anísio Teixeira, diretor instrução pública, estava político que gostaríamos de assinalar seria o por direcionamento de determinados setores municipal em de atividades do partido classistas, em direção visando associações às conquistar O voto educacionais de massa, Pedro Ernesto fazia proletário. veicular os números de sua administração e tivesse sido praticada no pleito de 1 933, abria espaço para discursos de políticos do através da circulação de Jones Rocha entre Partido Autonomista, por intermédio da algumas associações e uniões trabalhistas, a sintonia partir de 1 934 Pedro Ernesto conseguiu da Escola V";ga.4l � Maynn . k ' propaganda Rádio A política e da Rádio experiênCIa V1a da radiodifusão Ernbora lflcorporar entre o um aproximação tal contingente eleitorado já significativo das "classes demarcaria um divisor de águas na vida trabalhadoras". política brasileira, posto que pela primeira fenômeno vez política de aproximação com as massas do preocupava-se atingir um eleitores, e decisivamente contingente mais amplo que devido aos em de avanços CONNIFF, Mich.e! L UriJan politia in Brtr:(j1: lhe me ofpopJdimt. Pimbwgh, Univ=ity of Pimbwgh Press, 1981 . p.1 14. 4l Arquivo Anisio TWcira - DOC AT-PL 33.00.00/1 - CPDOC/FGV e CONNIFF, Michael . Op. CiL p.105. 42 está Se por um relacionado interventor carioca, podemos também como uma eficaz lado tal própria à entendê-lo estratégia política que soube tirar proveito do estado de fragmentação dos partidos operários no Distrito Federal, assimilando este contingente eleitoral no largo espectro do 31 Tal políticas no interior no partido era possível fenômeno pode ser observado na atuação devido justamente a esta certa indefinição da Liga Eleitoral Proletária (L.E.P.) durante programática, a campanha eleitoral de 1934. Esta união sobrevivência política das diversas redes de de associações classistas funcionava como clientela e patronagem. que a proximidade um com discurso programático elo do partido. entre a estrutura do Autonomista e o movimento Partido o além Executivo das condições Municipal de garantia. operário, Enquanto massa votante os contingentes conseguindo o apoio de diversos setores do proletários eram bem assimilados por esta politicamente estrutura, porém, não existia condição de organizados, tais como as categorias dos incorporação destas lideranças sindicais à operários estrutura urbano proletariado da construção civil, dos organizacional do partido, na marítimos e rodoviários, dos feirantes e dos medida em que isto implicaria em um novo empregados no comércio que aderiam à arranjo de forças e, conseqüentemente, em L.E.P., apoiando a chapa de candidatos uma apresentada pelo Partido Autonomista.44 O plataforma apoio operariado Autonomista. A Liga Eleitoral Proletária carioca reforçaria o caráter multi-classe que surgia então como um braço do partido a estrutura do partido assumiria, mas tal direcionado a estes segmentos, um eixo de fator, curiosamente, não correspondeu à contato que, no entanto, transgredia a filiação própria estrutura e os limites do partido destes de segmentos nenhum do líder operário nas enquanto fileiras do partido. Compreendemos através redefinição este fenômeno da própria estrutura in tema do do discurso programática tal. do A possível e da Partido resistência à incorporação destes novos atores políticos nos foros decisórios organização partido, que se apresen tava como uma partidária grande frente políticas Ernesto a promover este contato e esta canocas organizada em do eIXo integração com os movimentos sindicais e gravitacional estabelecido a partir do capital trabalhistas através deste "apêndice", desta político interventor no organização política paralela, que indicava, campo político da cidade. Norteado por por esta sua caracterização, um dos claros uma limites à estabilidade do partido diante da de lideranças amealhado plataforma convivência pelo tomo difusa destas e tênue, diferentes a forças perspectiva estabelecida, da política levaria adotada Pedro pelo interventor e das futuras transformações a ... jornoldo Brasil16/09/1934. p.7. 32 serem empreendidas do de empregos públicos, capazes de saciar o quadro relacional de forças do Distrito apetite voraz do empreguismo clientelista. Federal Podemos perceber a tensão sobre a qual se após a na definição eleição legislativa de outubro deste ano. situava Visto sob um outro pnsma, se as ... referidas "máquinas intencionalmente instrumento de políticas" utilizadas distribuição do o prefeito carioca, procurando conduzir por um lado uma política social eram pautada em um rigoroso programa sócio como político e tendo que atender por outro lado capital às demandas clientelísticas dos grupos que político, este era inequivocamente amplo, o de claras prefeito, que vivenciou todos os impasses insatisfações entre as forças concorrenciais da carreira política de seu pai, guardaria que então gravitavam em torno do eIXO deste periodo a nítida impressão de que básico do partido visando auferir uma Pedro Ernesto lutava para se equilibrar parcela deste capital. A possibilidade de entre seu projeto social e as reivindicações barganhar um número realmente grande de dos diferentes grupos que o apoiavam. maneira que não provocava apoiavam. Odilon Baptista, filho do cargos com os políticos de seu partido foi o Meu pai deu um apoio muito grande fator que propiciou a Pedro Ernesto a às decisões de Anísio (Teixeira), manutenção de um certo equilíbrio dentro das fileiras autonomistas. oposicionistas dão a justa As criticas noção políticos de que o apoIo a seu governo e a seu direta do estana na dependência atendimento das demandas básicas de caráter clientelístico oriundas das diferentes lideranças agregadas ao partido. Dentro deste raciocínio perde-se um pouco o referencial da política social de Pedro Ernesto, que no entendimento de seus opositores nada mais seria do que o pretexto para a abertura de novas ofertas que queriam emprego, num foco Enquanto papai ficou resistiu a isto. municipal, onde o interventor tinha clareza político foi transformar a secretaria, uma secretaria que dá muito do ambiente que circundava a administração projeto mas muito combatido por esse grupo de A 45 condução da de na política. prefeitura política social intentada pelo prefeito carioca esbarrava em um impasse inerente à montagem do partido autonomista, na medida em que as próprias estruturas de sustentação de seu projeto acabavam por ínterferir em sua plena execução. Pedro Ernesto tinha então de procurar conciliar as necessidades 33 Com próprias à montagem de uma rede escolar e • ampla tnalona na Câmara hospitalar com as deman das clientelísticas Municipal eleita em 1 934, Pedro Ernesto que podiam interferir negativamente na seria otinúzação da estrutura assistencialista e vereadores para o cargo de prefeito da educacional planejada. Se este aspecto era cidade. Em sua posse, realizada em 8 de tão gritante na composição dos quadros da abril de 1 935, marcaria claramente a sua instrução e da saúde públicas, ainda era posição m31S grave massas urbanas, definindo os rumos de seu na composição da Guarda eleito indiretamente preferencial A pelos pela importância novos política simbólica das Municipal, projeto do interventor carioca governo. do que foi o alvo privilegiado das mais ásperas "discurso da sacada" reside exatamente na criticas. identificação precisa dos interlocutores de Premido en tre a articulação de seu suas propostas, a própria população da projeto político e a manutenção das redes capital da República, chamada por Pedro de patronagem/ clientela que lhe apoiavam, Ernesto a se integrar em um programa o interventor procurava articular as linhas político que visava trazer a estes setores as mestras de seu projeto de ampliação de condições bens e serviços públicos com as demandas conseqüentemente, de sua incorporação à imediatas por vida empregos públicos. favores clientelísticos Adolfo e Bergamini, de sua política. elevação Diferente social de e, muitos pronunciamentos e declarações públicas, liderando setores da oposição ao chefe do tal Executivo verdadeiro manifesto, foi elaborado para Municipal, sintetizaria este dilema em uma feroz critica: discurso, antes de mais nada um alcançar as massas, demarcando bem as prioridades da administração municipal. A o que se tem feito é a ampliação dos quadros, com finalidade eleitoral para a nomeação de cabos, cabinhos e cabetes dos chefes, chefinhos e chefetes que possam, próxima ou remotamente, dar ensejo a aumento de votação em prol dos candidatos do Dr. Pedro Ernesto. '" preocupação inter-relações em demonstrar com a causa as nítidas pública se destaca logo na primeira parte do texto, onde, de forma geral, Pedro Ernesto procurou assumir que a função do Estado seria exercer o poder em proveito das camadas populares . .. Depoimento Odilon Baptista depositado no Setor de História Oral CPOOC/FGV '" Anais da Cómara t/Qs Deputados. 1934, Vol.1. p.252. 34 As atribuições que o poder confere justificam-se • porque delas precisa rrullS equitativa e rrullS compatível com as o necessidades do trabalhador moderno. A Estado para servir o bem coletivo (...). segunda é a de que o Estado não se pode Para isso, é mister que a política a que o conservar poder na atitude de simples bases espectador ou policiador do progresso incontestavelmente populares, de modo humano, mas deve ser nessa fase de sua que o público veja e sinta pela ideologia e evolução histórica o regulador da vida da pelos atos, que os seus interesses e as suas comunidade." serve se aspirações estão defendidos. 47 apoie sendo em promovidos e Declaração Marca-se assim de maneira bastante clara a posição do direcionamento "político" da administração Pedro Ernesto, voltado para os "interesses" e "aspirações" da coletividade e a implementação das mesmas em políticas públicas. A postura adotada pela sua administração visava inserir a sociedade carioca (e por que não principios que se completa com a percepção do momento histórico e com a real possibilidade de transformação da sociedade que se colocava em pauta: das "bases populares", sendo o Estado o legítimo intermediário entre as aspirações de Hoje, tudo mudou. Grande já se vai tomando o nosso poder de construir a sociedade pela ciência e pela técnica e, por conseguinte, de eliminar do seu seio a miséria, a pobreza, os aspectos degradantes da inferioridade. Nada disso pode ser rrullS recebido e aceito como imposições do destino." dizer a sociedade brasileira) nos quadros da Desta modernidade observada em outros países, como afirmaria de forma definitiva em um dos trechos rrullS significativos do mesmo recém empossado aproximar-se-ia perigosamente do arquétipo associado discurso: forma, o prefeito pelo esquerdizan te, núcleo de sendo poder que graVItava em tomo de Vargas com os Apesar da relativa dificuldade de extrair das doutrinas político-sociais contemporâneas, o que seja realmente incontrovertido, duas observações, pelo menos, escapam a quaísquer dúvidas. A primeira é que o aperfeiçoamento dos meios de produção tornou possível, pelo augmen to da riqueza social, uma redistribuição de bens e comodidades, 47 BAPTISTA, Pedro Ernesto. DisC1lfYO dt posse. Arquivo Pedro Emesto CPDOC/FGV. pp.3-4. - mOVImentos Nacional conspiratórios Libertadora e da do Aliança Partido Comunista. Após a tentativa de levante armado de novembro de 1 935, a situação de Pedro Ernesto tornava-se insustentável. No dia 4 de abril de de Janeiro 1936 amanheceria a cidade do Rio sob o impacto da .. BAPTISTA, Pedro Emesto. Op. 01. pp.4-5. 35 notícia • da prisão do prefeito Pedro através da qual ele exagerara em cartas e intemos da A.NL. o apOIo Ernesto, suspeito de envolvimento com a documentos conspiração levante do prefeito ao movimento, com a intenção armado de novembro anterior. Segundo as de animar seus companheiros;" aliada aos primeiras notas divulgadas a respeito, a depoimentos prisão, que ocorrera às oito e meia da noite Manuel do comprovanam dia que resultara anterior, se no tomara necessária de oficiais Rabelo e militares Cristóvão a como Barcelos, superficialidade das devido à quantidade de provas que haviam acusações iniciais e a injustificada prisão de sido Pedro recolhidas durante as prisões dos Ernesto, líderes comunistas, que apontavam então entanto para a aguardando efetiva participação do prefeito que dezoito permaneceria meses julgamento, na no prisão indicando que carioca na tentativa de golpe de 1935.50 A existiam razões além das então enunciadas principal que influiram na condução prova conjunto de de acusação cartas sena encontradas o no canoca ao carcere. apartamento de Luís Carlos Prestes em Ipanema que Prestes através e Ivo do Meirelles contato entre explicitavam o do prefeito 52 • afirmar, Podemos a partir destes indicativos, que a prisão de Pedro Ernesto, apesar da justificação momento Aliança Nacional Lbertadora. O desenrolar comunistas, do processo contra Pedro Ernesto acabaria outra ordem de razões políticas. A sua indicar que apesar da manifesta saída caça foi do aos no apoio e a contribuição de Pedro Ernesto à por de encontrada conspiradores condicionada cenário por político uma nacional simpatia que este nutria pelo movimento da correspondia à eliminação de um possível A.N .L., jamais esteve próximo da ala de foco elementos comunistas que de dentro desta Estado organização também articularam e desferiram o de resistência autoritário da à no arena implantação Brasil, uma do afastando das forças à liderança golpe armado. A longa carta-depoimento potencialmente concorrentes de Eliezer Magalhães, militante da Aliança nacional de Vargas. O próprio presidente e irmão do governador da Bahia Juracy alinharia Magalhães, detalhando os em seus Diários alguns contatos mantidos com Pedro Ernesto e a forma .9 BAPTISTA., Pedro Ernesto. Op. Gt. p.7. 50 Jornal diJ Brasil 04/04/1936. p.7. 51 Arquivo Pedro Emesto DOe. PEB 36.04.01/CPDOC/FGV. 52 CAMARGO, Aspásia (org). O Golpe Silmeioso: as origms da &ptib/ica corporativa. Rio de Janeiro. Rio Fundo, 1989. pp.68·71. - 36 • comen cicios acerca da extrema dificuldade Representa desta forma uma tradição de de se compreender o grau de complexidade total interferência dos poderes federais das propostas que o prefeito do Distrito sobre os assuntos internos da capital do Federal trouxera aos fóruns de discussão país, sendo o arauto e o implementador de nacIOnaIS: discursos e práticas especificamente construídas para a condução da política do No dia combinado realizou-se a prisão de Pedro Ernesto. Ernbora as circunstâncias me forçassem a consentir nesta prisão, confesso que fiz com pesar. Há uma crise na minha consciência. Tenho dúvidas se este homem é um extraviado traído, um ou um incompreendido ou um ludibriado. Talvez o futuro esclareça. " Distrito. Inserido neste administrador local interferências federais, modelo de subordinado às Pedro Ernesto trouxe uma sensível alteração aos rumos da política interventiva ao capitanear o projeto de obtenção da autonomia política e administrativa para a capital. Devemos, no A ostracização de Pedro Ernesto o entanto, observar que tal proposta se afastaria definitivarnente do proscênio da coadunava com os projetos do governo política nacional, deixando na cidade do Vargas em relação ao controle mais efetivo Rio de Janeiro os vesógios de sua passagem sobre a dinâmica política da cidade. Desta pela prefeitura. Se trajetória forma, o interventor se toma o arauto da multifacetada fora de difícil assimilação autonomia, inserindo a proposta de um para seus contemporâneos, julgamos que novo padrão de relação a ser estabelecido podemos explicitar a partir dela alguns dos entre as lideranças políticas cariocas e o pnnClp31S governo Vargas.54 cultura elementos política Conduzido à sua constitutivos da canoca nos anos chefia do Executivo 30. articulações As autonomia e, em torno conseqüentemente, da dos municipal do Distrito Federal por suas arranjos ligações com as lideranças tenentistas e político carioca em tomo de um eixo de com o própno Vargas, Pedro Ernesto agregação, conduziram configura-se inicialmente como o arquétipo papel de efetivo negociador dos pactos da política interventiva do governo federal políticos sobre a cidade do Rio de das forças atuantes no campo a serem O interventor ao estabelecidos. Pedro Janeiro. 53 VARGAS, Getúlio. Diários. Rio de Janeiro, Siciliano/FGV, 1995. p.494. .. Sobre a ambigüidade da proposta de autonomia e das perspectivas de controle que V:ugas aspirava que Pedro Emesto exercesse ver SARMENTO, Carlos Eduardo. Op. OI. Em especial o capítulo 2. 37 Ernesto função • passava a asswrur e ganhava também nova wna wna maior A deste condução evidenciaria wna projeto terceira face do prisma de projeção. Abandonava-se assim o perfil do sua trajetória. Privilegiando as massas como mero interventor para tomar-se o arquiteto interlocutores principais de suas propostas da estrutura política de coesão do Rio de de reequa1ização social e política do país, Janeiro autônomo. Para isto, foi necessário Pedro Ernesto faria inserir na pauta das que se inserisse nas redes de patronagem discussões que sustentavam as principais lideranças ascensão políticas da cidade, articulando-as em um necessidade de definição de instrumentos arranj o que pudesse viabilizar a assimilação de controle e diálogo com estes novos destes eixos à estrutura maior do Partido atores políticos. Nos últimos dois anos de Autonomista. Revelava-se assim as bases sua passagem pela prefeitura do Rio de da estruturação política do Distrito Federal, Janeiro, Pedro e esforços e passava-se a adotar uma postura de do período das massas o urbanas Ernesto seu problema e conduziu discurso da da seus para o diálogo com tais lideranças, viabilizando estabelecimento de bases de contato com acordos a este novo cenário político. As experiências sobrevivência e consistência destas relações da Liga Eleitoral Proletária e da União de Trabalhista do Distrito Federal sintetizam e cunho pactos que clientelístico. propiciassem Pedro assumia assim o papel de Ernesto patrono-mor no perfeitamente o esforço de aproximação interior desta rede plural de interrelações, com as massas, dentro de um projeto que possibilitando o acesso e a distribuição do também tinha como aspectos marcantes a capital diferentes política de investimento no aprimoramento partido. das ofertas de bens e serviços públicos para político lideranças entre agregadas Tomava-se visível as ao a seu escala micro das estes segmentos da sociedade. Ovacionado relações políticas estabelecidas no interior pela do campo discurso de posse e recebido como herói político carioca e definia-se multidão durante o seu célebre também o eixo semântico em tomo do após qual se encarcerado, Pedro Ernesto operava sua estabelecia o diálogo entre as ter passado dezoito diversas redes de patronagem incorporadas última aos imagem do líder popular.55 pilares de sustentação do projeto metamorfose: a meses construção da político de Pedro Ernesto. 55 Sobre o caráter de líder popular assumido por Pedro Ernesto ver o interessante depoimento do 38 Sufocado pelo Estado Novo e morto poucos anos após o início da efetiva ditadura de Vargas, Pedro Ernesto deixou no • imaginário político referenciais brasileiro bastante alguns significativos. Procuramos neste texto analisar como sua trajetória política, de , do Pow, explicita Tenente Ovii a Prrfeito alguns dos : aspectos fundamentais da cultura política carioca. Situando-se em um ponto de inflexão entre uma determinada tradição da política local e os experimentos que consolidariam as bases das futuras relações políticas a serem estabelecidas com as urbanas, itinerário o crescentes massas percorrido pelo médico recifense no interior do campo político carioca investigador, toma-se, nas mãos um mapa deste do mesmo campo. Um instrumento indiscutivelmente eficaz para a compreensão das principais linhas direcionadoras da política carioca e para a análise da relação dialógica estabelecida entre a ação individual de • um ator político e os balizamentos estruturais de seu tempo. sambista carioca Paulo da Portcla acerca das tdações do pteteito com as massas uroanas citado em Sn..VA, MariIia Barl>oza da & SANTOS, Lygia. pOJIÚJ da PoruJa: lrOfO '" JI1IÍÕo mtrt dNas CNltllras. Rio de Janeiro, FUNARlE, 1979. - �.--- . _0 . _ ..-1 _ C 1 -00003047-7 CARLOS 39 só no papel de "excelente governador". O LACERDA, O TRIBUNO líder udenista tem um lugar especial no DA CAPITAL imaginário político nacional como o temido " Marly Silva da Motta demolidor de presidentes. Não por acaso, o longo processo que em A propósito da passagem dos 30 • anos do fim do governo Carlos Lacerda no antigo estado dezembro de da Guanabara 1965 - 4 de , a revista V� lá-Rio, - 1992 resultou no do presidente Collor colocou impeacbment em foco, significativamente, a sua figura de tribuno implacável. Simbolizando um tipo de oposição política marcada pela suplemento local da revista V�o, dedicou, virulência dos ataques e pelo desamor à além estabilidade dos mecanismos democráticos, da reportagem de capa, sugestivamente intitulada "3D anos Lacerda", uma longa matéria, sem bastante elogiosa, à figura do primeiro governador que lembrar "3D mudava anos sem Lacerda"? A resposta parece ligar-se ao presente de crise e dificuldades vivenciado hoje em dia pela cidade do Rio de Janeiro, particularmente associada a administração do elogiado governador. Sua montagem de uma estrutura considerada ágil e técnica no recém-criado estado da Guanabara, bem como O seu programa de construção de escolas, hospitais, adutoras, viadutos e túneis, são reconhecidos por admiradores e rivais como indicativos de um governo competente. alvo sem giratória parar de que atirar, Lacerda foi então lembrado, ao mesmo com "corajosa" saudade, e pela atuação "destemida", e inquietação, pelos estragos que com poderia causar à "frágil" estrutura institucional do país " Supervalorizando que teria tido no passado uma "idade de ouro",57 metralhadora de tempo eleito diretamente pelos cariocas. Por verdadeira o dominio da linguagem e da retórica, indispensável na relação do político com o eleitorado, Lacerda pouco investiu na capacidade de "debater", necessária nas relações entre os pares, como nos ensina Pierre Bourdieu: " (...) o do político supõe uma preparação especial. E, em primeiro bobitus lugar, toda a aprendizagem necessária para adquirir o corpus (...) mais geraís tais como O das capacidades dominio de urna Carlos Lacerda, no entanto, não está certa linguagem e de uma certa retórica presente apenas na memória carioca, e nem política, a do tribuno, indispensável nas 56 Pesquisadora do CPDOC/FGV, Doutora em História pela UFF. 51Estamos tomando de empréstimo o conceito desenvolvido por Raoul Girardet em Mitos , mitologias políticas, São Paulo, Companhia das Letras, 1987. relações com os profanos, ou a do entrevista ao Jornal do Brasil, os ex-ministros Célio Borja e Marálio Marques Moreira referiram-se aos "riscos" que uma ação "lacerdista" poderia acarretar às instituições brasileiras. Ver Jornal do Brasil, 18/06/1992 e 21/06/1992, respectivamente. 58 Em 40 debater, necessária nas relações entre profissionais. ,,59 rotina da vida democrática era monótona, triste, melancólica, a um ponto quase exasperante."61 Era com orgulho que Lacerda No fundo, a questão que está em admitia o "desprezo" que sempre teve pela "conversa "acordos" política", de pé pelos do demorados ouvido, também JOgo é a pequena disposição de Lacerda para a "barganha" política, tal como a Pizzomo.62 define integrantes da vida parlamentar: "Sempre tive um certo desprezo pela política, quer dizer, a política do basicamente Envolvendo negociação/troca uma de poderes, onde cada ator tem que abrir mão favor pessoal (.. .) . Mais do que isso: a de parte conversa "barganha" é um exercício não-radical da política extremamente sempre monótona, me foi porque nos meus momentos de ócio tenho muito mais conversa do que isso, e quando estou trabalhando não tenho tempo para conversar política. De maneira que talvez até tenha cometido um erro. Desprezei muito a política nesse sentido."'" de sua própria autonomia, a política. Membro de uma geração marcada por uma concepção autoritária de política e envolvido por uma das fortes rruus tradições da capital federal, para Lacerda, democracia era O lugar da polarização, da radicalização. Daí O desamor pela rotina Prestados a apenas um mês da sua morte, esses depoimentos indicam que Lacerda se manteve fiel à idéia da política dos procedimentos democráticos, por ele considerada e triste melancólica" . Esse como o palco dos grandes debates e dos grandes temas, onde pontuavam a figura do "monótona, trabalho tem por objetivo discutir as iniciativas de Lacerda no campo ator político e da opinião pública em um da política local, tentanto criar uma nova clima de tensão e crise. Senão vejamos: estrutura político-partidária que substiruísse "Não tenho nenhuma saudade da vida pública 'democrática'. Tenho, sim, certo crise, orgulho quando daqueles então momentos a de democracia funcionava e a opinião pública existia. Então a gente processo sentia a grandeza democrático. Mas do nos a herdada do ex-Distrito Federal. Interessa nos, sobretudo, verificar de que maneira uma liderança nacional, de como perfil Lacerda, carismático e conduziu a montagem de uma base política local. Vale dizer que buscamos analisar suas momentos em que não havia crises, a 59 Pierre Bounlieu, "A representação política. Elementos para uma teoria do campo político", em O poIkr si",bóliro, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1989, p. 169 (grifos no original). 60 Carlos Lacerda, DepuimmUJ, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1978, p. 236-37. 61 Idem. ib., p. 238. 62 Ver Alessandro Pizzomo. "State. society and representation: lhe changing relationship", em Suzanne Berger (ed.), Dr"tmi<fng inunst.r in We.rtm1 E1ffUjJ<: pÚlralism, rorporatism and the trtmJjomrution oI poliria, Cambridge, Cambridge University Press, 1981. 41 uma estrutura de de outubro de 1954. Na Câmara Federal, poder no estado da Guanabara, capaz de, onde permaneceu de 1955 a 1960, Carlos ao mesmo tempo, garantir a permanência Lacerda foi o tribuno implacável, temido da sua corrente política no âmbito estadual, pelos rivaís e adorado pelos seguidores. e llie fornecer um sólido suporte para sua Dono de uma voz sonante e de uma dificuldades em montar campanha à presidência da República em 1965. oratória demolidora, sua palavra, como diz . um contemporaneo, " cortava os ares como rajadas de fogo"."' o tribuno nas águas da política local Em 1960, Lacerda se lançou para conquistar Em maIS uma tribuna 1947, dono da coluna "Na parlamentar, e sim a administração do tribuna da imprensa" publicada no Comio antigo Distrito Federal, palco de sua vida do M(J1/hã, Lacerda se elegeu como o política, e que então se transformara no vereador mais votado da Câmara Municipal do antigo Distrito Federal, pela legenda da estado da Guanabara. Para tanto, Lacerda . . . preasava cnar uma nova Imagem, pOIS União Democrática Nacional (UDN). Dois aquela de "tribuno da capital" não seria a anos depois, fundava seu próprio jornal, a maís adequada para quem postulava um Tribuna do Imprensa, que cargo iria se transformar na principal base de sustentação de sua de administrador público. futura carreira política. Da Tribuna, Lacerda Parafraseando Bourdieu, Lacerda teria que adquirir a capacidade de " debater". comandou implacáveis campanhas contra o Seria nas águas pouco familiares das segundo governo Vargas (1950-54), articulações disparando denúncias e ataques contra campanha colaboradores, Guanabara arrugos e parentes presiden te, que foram decisivas para o do fim antecipado do seu governo. .. não da política lacerdista local ao enfrentaria que governo seus a da tnalores desafios. Desafios oriundos, em grande parte, do conhecido "desprezo" que o Agosto de 1954 não foi uma marca candidato nutria pela "monotonia da definitiva apenas na trajetória política e conversa política", resultado de sua filiação pessoal de Lacerda. Os tiros de agosto - à concepção primeiro, aqueles que o atingiram quando apostava na valorização das instituições chegava a seu apartarnento na rua autoritária da política, que não democráticas. Toneleros; depois, o único que Vargas disparou contra o próprio peito - mudaram o país. Apesar do epíteto de "assassino de Vargas", Lacerda conseguiu ser o deputado federal mais votado na capital nas eleições '" Dario de Almeida Magalhães, cirado por José Honório Rodrigues. "Introdução", em Carlos Lacerda, Cor/os I...mrda/Diralrsos Parlommra=, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982. 42 A escolha do lugar por onde Lacerda local, como os vereadores Miécimo da Silva iniciaria a campanha é um forte indicativo (Campo Grande) e Ubaldo da sua preocupação com as articulações da (Santa Cruz), dividiam com os pequenos política local e com as resistências que o partidos seu eleitores do "sertão carioca". nome populares. despertava Embora o nos setores lançamento da A a preferência dos de Oliveira numerosos situação de desvantagem da UDN candidatura estivesse previsto para uma em região tão estratégica era, ao mesmo favela, chamado tempo, um desafio e uma atração para o "sertão carioca", que corresponde hoje à candidato do partido ao primeiro governo zona oeste, ou seja, Campo Grande, Santa da Guanabara. Não por acaso, Lacerda fez Cruz e Guaratiba. uma visita solene à família Caldeira de o evento ocorreu no Um conjunto explicar essa de escolha. fatores pode Alvarenga, uma das lideranças do antigo pela "triângulo", poderoso grupo da política começar A grande concentração de eleitores na 1 5' zona eleitoral, a mais numerosa do estado, 97.925 com massa de votantes. votos Dessa oriundos expressiva de setores canoca da Primeira República, cuJo prestígio se mantivera ao longo das décadas seguintes. O marco do início da campanha estava lançado: Lacerda, o político no nacional, precisava agora ancorar bases na entanto, tradicionalmente se dirigia à UDN. política local, e escolhera para isso um dos Os seus mais poderosos e tradicionais redutos. populares, só uma candidatos pequena do Partido parte, Trabalhista forte O esforço de articular e aglutinar as penetração na zona rural em função de um forças da política local levou Lacerda a se desempenho que contemplava, ao mesmo aproximar dos pequenos partidos, obtendo, tempo, do até meados de junho de os da homologação de sua candidatura, o Brasileiro (lYfB) as sindicalismo tinham bandeiras e do tradicionais recursos clientelismo, ligados, uma modemas nacionalismo, de e patronagem principalmente, e ao apoio de Partido 1960, às vésperas pelo menos quatro Republicano (PR), o deles: Partido controle da máquina previdenciária.64 O Lbertador Partido Social Democrático (PSD), graças à Cristão presença na máquina Nacional (I'Tl'.') . Com uma bancada de administrativa da (PL), (pDq o Partido o Democrata e o Partido Trabalhista 1958, 12 prefeitura do Distrito Federal, e o Partido vereadores eleitos em Social Progressista (PSP), que abriu espaços mesmo em sua legenda para lideranças de cunho partidária marcante, contavam com nomes não possuindo esses partidos, uma identidade que tinham um eleitorado fiel, de base 64 Ver Maria Celina D'Araujo, Sindicatos, ct11ismo t poh: o PTB til 1945-65, Rio de Janeiro, Editora da FGV, 1996, capo 7. nitidamente local. 43 Tendo em vista que o compromisso de implantar uma administração técnica, assegurar abastecimento, dotar a cidade O de água suficiente, de energia bastante, de telefones, de transportes, restar-me-ia apartada das negociações políticas, era uma sempre um serviço do qual ninguém me das principais peças de propaganda de sua pode privar senão Deus - e não hesitarei campanha, Lacerda procurou, de algum modo, estabelecer a moeda de troca pelos apoIos políticos então recebidos. Se determinadas normas foram estabelecidas, como o atributo técnico para administradores regionais, isso não impedia, no entanto, que a negociação se fizesse em cima de pessoas indicadas pelos partidos. A abertura de espaço para nomes como o do sociólogo ] osé Artur Rios (PL), ou ainda, a possibilidade de indicação dos das administradores regiões administrativas, os futuros "prefeitinhos" da Guanabara, colocaram nas mãos de Lacerda importantes recursos de negociação política.·s tarefa, transformar o governo numa labareda para atear fogo aos castelos de papelão dos políticos desonestos.. ." " o secretariado, ou ainda, a origem local para os em lançar mão dele: concentrar-me por inteiro numa só Este trecho do discurso pronunciado por Carlos Lacerda na cerimônia ern que recebeu o cargo de governador é bem ilustrativo da dupla face que imprimiria ao seu futuro governo: de um lado, a ênfase dada à administração, corporificada em projetos de construir escolas e indústrias, adutoras e viadutos; de outro, o destaque conferido à atuação na esfera política, por ele entendida como um campo de luta. Era reconhecida, e sobretudo temida, a capacidade po1arizadora de Lacerda, para quem a política era sempre uma guerra, com vencidos e vencedores, o que tomava As dificuldades do tribuno na Assembléia • careço da negociação para fazer escolas, fazer funcionar devidamente os hospitais, atrair capaz de garan or democrática. estabilidade "Se não me dessem os recursos de que muito dificil a possibilidade da barganha, competências especificas profissionais da requeridas política, como a Das aos quer e fixar indústrias dentro de um plano de Bourdieu - a retórica do tribuno e a fomento capacidade de debater -, Lacerda tinha de da iniciativa privada e de planejamento da administração pública, sobra da primeira o quanto lhe faltava da segunda. .5 "Partido libertador aprova boje a candidarura de Carlos Lacetda", Triblma da Impmz.ra, 3/3/19(fJ; "PR com Lacema", Tribll1ta da Impmz.ra, 4-S/6/19(fJ; "Carlos Lacerda no PTN: minha candidarura é de todas classes", Tri""na da Impmt.ra, 13/6/19(fJ; "PDC está com Lacerda", Tribllna do Impmzso. lS/6/19(fJ. .. Carlos Lacem., Discurso pronunciado na cerimônia de transmissão do cargo de governador (S/12/19(fJ), citado por Guita Grin Debert, IdtolJJgia , pupu5smo: A. dt Bams; M Am2ts; C I..omria; L Bri<f>Ia, São Paulo, T. A. Queiroz, 1979, p. 188. 44 que, para se eleger governador, deveria largar o mostrar "bordão", ou seja, capaz de costurar deveria se alianças e compor interesses divergentes, enfim, de debater com a oposição. • A promessa de "transformar o governo numa labareda" não parecia, no entanto, um bom começo para quem precisava mostrar disposição de negociar, uma vez que este era um dos fatores primordiais para o sucesso do projeto de estadualização da antiga capital federal. Essa incompatibilidade de Lacerda com o que articulação costuma se política é chamar confirmada de por políticos que lhe foram muito próximos. Nesse sentido - e a comparação é sempre citada - Lacerda seria o contraponto do mineiro Tancredo Neves. É o que afirma Mauro Magalhães, antigo líder do governo passava fazia grandes campanhas, detestava ITllllS radical quanto à "incapacidade política" de Lacerda: "Para mim, ele foi maior como jornalista do que como administrador ou político. Penso que, em política, ele não era muito hábil pelo seu temperamento, pelo seu feitio. Ele não era homem capaz de se movimentar com grande habilidade . 11 no setor políoco. 68 O depoimento do ex-deputado Paulo Duque, que iniciou sua vida parlamentar em 1962, quando se elegeu para a ALEG pelo Partido Republicano, vai na mesma direção, comparando Lacerda ao ex governador Chagas Freitas: "Chagas Freitas fazia questão de governador Carlos Lacerda não por cima, que atropelava quem estivesse na sua frente, que advogado Sobral Pinto foi . "Tudo porque ele [Lacerda] era um que O ouvir, de atender os deputados (. .). na Assembléia Legislativa: trator, esse jogo político que o Carlos sernpre detestou."67 e fazer memoráveis o que se chama de política. Nunca, aliás, escondeu O fazia questão nenhuma disso; pelo contrário, não gostava (...). Carlos Lacerda chamou somente Celio Borja, Lopo Coelho e Raimundo de Brito para seu secretariado; isso mostra um desapreço pela classe política. ,,69 isso de ninguém. Não era uma postura da boca para fora; ele não dizia isso apenas para fazer tipo. O fato é que nunca fez essa política de conversa, do disse-que disse. Ele era o oposto do Tancredo Neves (...) . Não estou com isso querendo dizer que o Tancredo seja mau político, mas o Tancredo era mineiro e fazia uma política mineira, chamada política cochicho, política de bastidores. do Fazia O livro do ex-deputado estadual Mauro Magalhães é pródigo em revelações que, em parte, podem explicar o difícil relacionamento que o governador teve com 67 Mauro Magalhães, CoriIJs ÚJcmio: o so1lhador pragmlÍliro, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1993, p. 80 e 125 . .. Gtado por Mauro Magalh�s, op. cit, p. 131. 69 Paulo Duque, Depammfl>.1994, Rio de Janeiro, História OraljCPDOC-FGV, 1994, Fita frA. 45 o Legislativo local. Conta Magalhães que 30 Lacerda Assembléia não se furtava a criticar os constituintes passaram a compor a Legislativa deputados em plena votação de projetos de Guanabara. Apesar de a interesse do governo: de "Aconteceu durante wna votação importante na Assembléia. Eu já tinha obtido apoio suficiente para aprovar um projeto de interesse do governo, e só a oposição mais radical estava disposta a endurecer. De oposICIonista repente, começou esse a grupo esticar discussão, adiando a votação. Não foi ligaram um aparelho de televisão que sintonizava uma entrevista de Carlos Lacerda. Fiquei preocupado, pois não era a primeira vez que um ataque do governador à Assembléia ou a alguns deputados botava tudo a perder. ,,70 Estado da Tribuna da Imprensa de abril anunciar que o Executivo 14 começava a se entender com o Legislativo, um mês depois este ainda não votara as 21 mensagens encaminhadas pelo govemador, deixando evidente que as relações entre os dois poderes não seriam das melhores." Alertado pelos deputados udenistas a difícil perceber a jogada. Na sala ao lado, do de que dedicava pouca atenção aos parlamentares, o que estaria provocando insatisfações generalizadas na ALEG conseqüentemente, atrasando a e, votação dos projetos do governo, Lacerda decidiu responder a diversos requerimentos - do líder do PTB, Saldanha Coelho, sobre o Em um outro episódio narrado por de vagas no Banco do preenchimento Magalhães, fica evidente o "desprezo" que Estado da Guanabara (BEG); do deputado Lacerda Hércules devotava Legislativo, em aos membros do especial àqueles que Corrêa, sobre empresttmos concedidos pelo BEG; do deputado Levi considerava "políticos com p minúsculo". Neves, Nesse rol, estava incluído o deputado do Caetano e sobre o fornecimento de passes PTB, José Talarico. Ao ser citado o nome de bonde aos funcionários do estado; do de Talarico em um programa de entrevista deputado na televisão, Lacerda se saíra com esta: homologado em "Mas tem deputado chamado Talarico?" Policia Especial; do deputado Frota Aguiar, Pior não sobre licença para construção de edifício Magalhães, em Vigário Geral e sobre concurso para que absorve xingamento, desprezo, ilustrando as indisposição do o político conclui dificuldades governador ao que a diálogo causava às negociações na Assembléia.71 27 de março de 70 Mauro Magalhães, op. cit, p. 20-21. 71 Idem, ih., p. 39. 1961, estagiário 1958; obras Sami de Jorge, 1959 no Teatro sobre João concurso para ingresso na enfermagem realizado em e do deputado Gonzaga da Gama Filho, sobre o crédito aberto durante a Encerrada a votação da Constituição da Guanabara em sobre vigência do estado de calamidade pública.13 os 72 Tribtma da lmpmtsa, 15/5/1%1. "Govemador responde à Assembléia", Tribll11Q do Impmtsa, 20/6/1%1. 73 46 Toda essa tentativa de diálogo com o Legislativo não deu, resultados esperados. no O entanto, votos.'" tradicional estilo lacerdista voltou com toda força, • os balança", embora possuísse apenas nove Não é dificil prever que o preço e o cobrado por tanta "independência" seria governador bateu duro na Assembléia. Em especialmente alto para um governador Tribuna da Imprensa como Lacerda, que precisava contar com 26 de julho de 1961, a deu manchete para o desabafo indignado apOIo de Lacerda: "Movidos por ressentimentos entanto, qualquer embaraço à imagem de pessOlus austeridade do muitos deputados estão parlamentar sem provocar, no candidato à presidência. retardando o andamento dos trabalhos, dos Afinal, se nos dois primeiros anos do seu quais governo, quando se dedicara especialmente depende o desenvolvimento do estado." à tarefa de estadualizar a Guanabara, Lacerda não conseguira estabelecer bases As contas do governador estáveis de apoio na ALEG, agora a situação tendia a se agravar, na medida em A composição da nova ALEG, eleita em outubro de montagem de governista. .. 1962, em nada favorecia a uma Tendo a sólida UDN malOna que, de olho em a dinâmica da política local à estratégia que traçara para chegar ao Planalto. um apenas 1965, precisaria subordinar A persistência das dificuldades de deputado a mais que o PTB, era premente relacionamento a nos Lacerda e as lideranças políticas locais nos pequenos partidos, que cedo perceberam o leva a refletir sobre as semelhanças e as poder de barganha que tinham nas mãos. diferenças que aproximavam e separavam, Excluídos da formação da mesa diretora, ao mesmo tempo, os campos políticos do que resultou de um entendimento entre antigo Distrito Federal e do então estado necessidade de Saldanha Coelho, udenista Raul buscar PTB, governador o da conduzido à personalização e a polarização continuavam presidência da Casa, alguns dos pequenos presentes, bem como se mantinha forte a partidos - PDC, PL, PRT e MTR - interferência dos grandes debates nacionais resolveram firmar um "protocolo de ação na discussão conjunta estado. Embora tivesse perdido o direito de forman do de o Brunini, posição chamado do o e e líder apolO entre independente", "Bloco dos Intocáveis", que aspirava a ser o "fiel da Guanabara. indicar o Senão vejamos. dos assuntos chefe do internos Executivo local, A do o governo federal ainda desfrutava de uma sólida influência política na ex-capital, 1<1 "Assembléia Legislativa inicia sua segunda legislatura hoje". TTi!JJma da Impmtsa, 1/2/1963. 47 representada sobretudo pelo controle sobre governo na ALEG passava, de fato, pela a Secretaria de Governo, entregue a Raphael enorme máquina administrativa que mantinha no Rio de Janeiro. Quanto às diferenças, destacam-se as especialmente • de Almeida Magalhães, a quem Lacerda possibilidades estava preparando para sucedê-lo governo da Guanabara. Esse papel no de diferenciadas que prefeitos e governadores negociador político exercido pelo secretário possuíam de organizar a política local. Em mais chegado a Lacerda é confirmado pelos princípio, os sérias depoimentos de vários ex-deputados, como limitações para máquina Raul Brunini, Mauro Magalhães e Paulo política estáve� trazidas pela indefinição do Duque. O "jogo sujo" do toma-lá-dá-cá tempo que permaneceriam no cargo, pela ficaria a cargo de Raphael, que prometia escassa cargos e indicações para conseguir o voto prefeitos tiveram montar de margem uma interferência na indicação do sucessor, e pela presença do do parlamentar, Senado no julgamento dos seus muitas vezes, impedido vetos. mas, segundo Brunini, era, de cumprir as Tudo isso junto impedia o acúmulo de um promessas pela negativa de Lacerda em cacife suficientemente forte nas mãos do respeitar o acordo firmado.'· prefeito capaz no No entanto, era na própria UDN que principal banqueiro do pesado jogo político residiam as maiores dificuldades para a carioca. Já um governador eleito, como articulação de uma base governista na Lacerda, não sofria tais limitações e, em ALEG . Procurando pnncíplO, "despolitização" da administração Lacerda, políticos de usufruía capazes transformá-lo de de instrumentos aglutinar uma importante base de apoio político. 1963, Lacerda criou a Secretaria Sem Pasta, entregando-a ao candidato derrotado a vice-governador, Lopo Coelho, conhecia bem do PSD, os meandros partido que político administrativos da ALEG.75 Apesar dessa indicação formal, a negociação a Brunini caracteriza a "áspera" relação do governador com seu partido: Para se encarregar das relações com o Legislativo empossado em ressaltar para a "A própria UDN, às vezes, entrava em choque com ele, porque ele dizia o seguinte: 'Tem aqui um posto para ser preenchido; eu aceito o nome da UDN, desde que a UDN seja a melhor escolha para o lugar. Por ser da UDN, não. Nada de favorzinho' (...). Os partidos foram ouvidos, as sugestões aceitas, mas os homens eram escolhidos pelo Lacerda."77 aprovação dos projetos de interesse do 75 Sobre a força do PSD no Legislativo carioca, ver Erasmo Martins Pedro, Depoimmfb.1991, Rio de Janeiro, História OrnljCPDOC-FGV, 1991, fita 2B. 7. Raul Brunini Filho, Depoimmfb.1994, Rio de Janeiro, História OrnljCPDOC-FGV, 1994, Fita :;.. A 77 Raul Brunini, op. cit., fita 3-A 48 Pode-se pOIS observar que, se por Insatisfeito por ter recebido a liderança do um lado, as concessões políticas eram governo, quando queria a presidência da indispensáveis a Assernbléia que ficou com Brunini, Nunes especial culpou o governador pela impossibilidade aquela numerosa bancada que dependia de de a UDN formar um bloco majoritário na engrenagem • • votos para fazer caminhar parlamentar, em sobreviver para cativos que fora conseguido Esta, sob o pela politicamente, por outro, era indispensável oposição. que essa troca de favores não desfalcasse Saldanha Coelho, aglutinara 28 deputados, um dos principais elementos do capital juntando PTB (13), PSB (3), PST (4), PTN político o (2), PSD (2), PR (2) e PSP (2).79 Sempre é propagado horror ao clientelismo. Nesse bom lembrar que o PTB tinha acesso à sentido, máquina do governador-candidato, o Magalhães depoimento é de bastante Mauro esclarecedor, ressaltando a "ausência" de Lacerda das negociações onde foram comando administrativa de federal, especialmente rica na oferta de cargos na ex-capital. Isentando-se quebrados de qualquer responsabilidade por esse fracasso, Danilo "princípios básicos": Nunes se apressou em acusar Lacerda que, " Foi nessa ocasião que consegut aprovar na Assembléia a reforma na composição do governo, não teria tributária, que só passou porque - e não levado é com alegria que conto - alguns prinClplOS básicos. Aproveitamos a ausência do Lacerda e a decisão do Raphael de, pelo menos daquela vez, cumprir os acordos acertados. ,,78 reclamos do Legislativo: em conta o atendimento dos "Prevaleceu o principio de que a formação do governo deve ser um privilégio exclusivo do senhor Carlos Lacerda contra o bom senso político que aconselha ao governo manter sua posição majoritária nas decisões do Legislativo, do qual depende o êxito de seu plano de obras."SO A essa "ausência" do principal fiador do pacto político entre o governo e a • o ALEG, Assembléia acrescente-se uma dose elevada de personalização administrativa e uma Apostando forte presença política do governo federal e nas realizações ter-se-á um clima bastante desfavorável à administrativas como a principal mola articulação de uma base à promulsora da sua futura trajetória política administração Lacerda. Nesse sentido, a - afinal, tinha que provar que, além de posição demolidor deputado do novo Danilo de apoio líder do governo, Nunes, é exemplar. 79 80 78 Mauro Maga1hães, op. cit., p. 298. de presidentes, TTibtmo do Impmuo, 5/4/1963. era um "Governo perde maioria na Assembléia", Tribll119 do Imprmso, 9/4/1963. 49 o construtor de estados - o governador política levavam ao impasse, é certo que a buscava capitalizar, em termos pessoais, matriz autoritária da formação política de todas as obras espalhadas pela Guanabara. Lacerda não Desse problema. modo, tirava dos deputados, favoreceu a resolução do especialmente da poderosa bancada dona A demora do Tribunal em examinar de votos concentrados, a principal moeda as contas do estado levou Lacerda a um de troca com os seus eleitores. Mais uma dos vez, o depoimento do ex-deputado Mauro levantando suspeitas sobre a isenção dos Magalhães, n arran do sua experiência na ministros "que exercem atividades políticas liderança do governo na ALEG, é bastante e reveladoro cargos de confiança da Guanabara"." Em "Com o orçamento na mão e as informações dos órgãos do governo em primeira mão, eu sabia com razoável antecedência tudo o que iria ser feito: uma escola nova, a reforma de um posto de saúde, o calçamento de uma rua. De posse dessas informações, eu ia conversar com os deputados que representavam algumas das regiões a serem beneficiadas por obras do governo. Ü1amava, por exernplo, o Miécimo da Silva, de Campo Grande, o Ubaldo de Oliveira, de Bangu, e lhes dizia: vou lhes dar um presente. A história era simples: eles obtinham dos moradores um apresentavam abaixo-assinado na Assembléia e uma indicação, sugerindo esta ou aquela obra. O fato é que essas obras seriam feitas realmente pouco tempo depois. E, no dia em que isso acontecia, eles ficavam na maior alegria. '. 1181 Esse fraco desempenho na condução da política local em 1963, resultou em um sério desastre político para o governador, que não conseguiu aprovar as contas do seus costumeiros ataques de procuram influir nas nomeações 8! Mauro Magalhães, op. tiL, p. 30. de outras ocasiões, o governador não perdera a oportunidade de acusar "a burocracia nefasta" do TCE pelo atraso na realização de obras importantes para o estado." O Tribunal não se fez de rogado, e o ministro João Lyra Filho declarou que o governador poderia ser responsabilizado politicamente pela Assembléia "em virtude de sua contabilidade confusa e omissa"." Percebendo o pengo que poderia representar para a sua candidatura a rejeição das contas do estado, Lacerda enviou sinais aos pequenos partidos de que estaria disposto a negociar em favor de votos para a "aprovação dos projetos do governo". A Tribuna da lmp�nsa soltou editorial, sugestivamente um intitulado "Lacerda deixa filosofia de lado garantindo a maioria", comentando a disposição do governador em recuar na "filosofia de governo" até então adotada: estado nem no Tribunal de Contas e nem na ALEG. Se as injunções da conjuntura furia, 1!2 Jornal do Brasil, 4/7/1 %3. 83 Ver Mauro Magalhães, op. tiL, p. 93. 84 Jornal do Brasil, 25/7/1963. 50 "Lacerda convenceu-se de que, a esta altura, é prudente um recuo na filosofia de governo que vinha adotando, não só como garantia à sua obra administrativa, como para proporcionar à liderança de sua bancada maiores condições de luta na • defesa dos interesses da situação (...). É preciso atender a todas as reivindicações de ordem administrativa reclamadas pelos deputados que compõem o bloco."R' absorvido pelas sucessIvas coses com o governo Goulart, Lacerda teria que enfrentar, dentro de casa, um duplo desafio que, se não resolvido, traria sérias dificuldades à sua campanha. Em primeiro lugar, precisava arrancar da ALEG a aprovação da reforma tributária, de onde adviriam os recursos para prosseguir na • De Danilo Nunes, líder do governo, partiu o alerta de que a falta de composição político-partidária capaz de garantir a maioria na ALEG era um "perigo" para Lacerda, que enfrentava, ao mesmo tempo, uma complicada avaliação de suas contas e uma séria crise com o governo federal em tomo do controle do endividamento externo da Guanabara. O resultado dessa "composição" não se fez esperar, e o deputado Cesário de Melo, nome de peso na zona rural, trocou o PL pela UD I, aumentando governista a para bancada do partido deputados.R• 15 No entanto, o acirramento da crise com o governo federal alimentou a polarização anti-Lacerda na Assembléia e, em setembro, o líder Danilo Nunes alertava • que o governador teria dificuldade aprovar suas contas, "porque não em está prestigiando e nem procurando ajuda nos deputados governistas".R7 Viajando por todo o país em busca de apoios à sua candidarura, totalmente R' "Lacerda deixa filosofia de lado garantindo a maioria", TribJl1lo da lmprmsa, 12/7/1963. 86 Idem, ib. 87 Tribtmo da lmprmso, 3/9/1963. execução das espalhavam inúmeras pelo obras estado, que se causando transtornos para o cotidiano da população. Para O eleitor, pior que obra não realizada é obra não acabada. O segundo desafio era conseguir a aprovação ALEG. das Se contas o do político governo Carlos na Lacerda levantava polêmicas e despertava reações de amor e ódio, sobre a figura do governante não poderia pairar qualquer suspeita de improbidade e mau uso de recursos públicos, sob pena de ser destruído o pilar mais sólido da identidade por ele construída no governo da Guanabara, a de administrador austero. Afinal, era com essa nova unagem que Lacerda esperava neutralizar as barreiras ideológicas e as antipatias pessoais à sua candidarura em 1965. No final de ourubro, ao contrário do que era previsto, o parecer do deputado João Machado (MTR), favorável à aprovação das contas, foi rejeitado pela Comissão de Finanças, ficando o julgamento final a cargo do plenário, onde o governo teria que conqwstar a maioria 51 simples de Profundamente leia-se que, s e quisesse s e manter n a corrida irritado, Lacerda acusou Nunes, Brunini e presidencial, o governador deveria investir Amaral Neto de estarem mais preocupados na com a sucessão estadual do que com a parlamentar mais sólida. Para chegar defesa do governo e do partido. Danilo Planalto, talvez não bastassem a oratória Nunes renunciou à liderança, deixando o retumbante do tribuno e a austeridade do cargo administrador, nas votos." 28 mãos do vice, o deputado Vitorino James." desenvolver Como foi bem avaliado pelo editorial da Tribuna da Imprensa, Lacerda se via diante de uma de uma base político Lacerda preosava outra uma ao capacidade indispensável aos profissionais da política, a de negociar, a de debater com os iguais. dupla linha de fogo: de um lado, a O da reconhecimento "bancada JK", e de outro, a Assembléia, impossibilidade de conseguir no plenário a desejosa de dar uma demonstração de força aprovação das contas levou o governo a ao governador "arrogante": mudar a estratégia de luta. Por um lado, "Enquanto para a 'bancada JK', abriu ampla negociação com a Oposição liderada por Gama Filho, a rejeição das para obter a aprovação do orçamento para contas significa o alijamento temporário 1964, de Carlos Lacerda, visto que, com a negativa, se expõe a um enquadramento que tramitava na ALEG desde agosto. Com alterações em vários pontos, na Lei de Crimes de Responsabilidade, principalmente para autonomia ao governador para aumentar a Assembléia, o não às contas implica demonstração de força. Carlos que fazer administração Lacerda terá e política, senão os oposicionistas terão oportunidade de rasgar sagradas bandeiras uma das mais do governo: a da honestidade."go ALEG pesaram fatores "externos", vale dizer, as pressões de Goulart e Juscelino, in teressados em passar uma rasteira em Lacerda, é preciso levar em conta recado da Tribuna. O sutil Onde estava escrito que "Carlos Lacerda terá que fazer política", naqueles que impostos e criar novas ta.xas, conferiam O orçamento foi aprovado em 29 de novembro. Já com relação às contas, Lacerda resolveu apostar no decurso de prazo, pois caso não Se é fato que sobre a decisão da • formação fossem dezembro, data parlamentar, rejeitadas do senam até início do de 15 recesso automaticamente aprovadas. A questão agora era de tempo, e a Oposição apresentou um requerimento assinado por 28 deputados adiando o recesso para o dia 31. Usando o poder de presidente da Assembléia, Brunini não colocava a análise das contas na ordem do dia, na esperança de se esgotar o prazo 88 Trib1ma da lmpmr.ra, 31/10/1963. •9 Trib1ma da lmpmua, 1/11 /1963. 90 Trib1ma da lmpmr.ra, 5/11 /1963 (grifo nosso) . regulamentar. 52 o último dia de 1963 foi dramático do governador com a ALEG, "depurada" na ALEG. Confoone o relato de Brunini, pelas cassações do Ato Institucional nO 1 de ele não podia sequer ir ao banheiro, pois a alguns dos deputados que primeira cerrada vice-presidência e a primeira oposição. Além do lhe moviam mais, esse secretaria eram ocupadas, respectivamente, instrumento repressor - a pelos petebistas José Talarico e Hércules mandato e a suspensão por dez anos dos Corrêa. Os ânimos se acirraram a tal ponto direitos políticos - podria funcionar como que o deputado Edson Guimarães, militar uma espécie de ameaça constante sobre os da UDN, deu um tiro para o alto. A sessão outros parlamentares, tornando-os, talvez, foi encerrada à meia-noite, e, para terminar, mais receptivos à aprovação dos projetos um grupo de deputados tocou fogo nos de interesse do governo. papéis espalhados pela Assembléia. No dia seguinte, O Globo cassação do Apesar do razoável "entendimento" publicava uma foto do com a ALEG - o governo conseguiu, em incêndio, anunciando que aquela tinha sido setembro de 1964, aprovar finalmente as a "Noite de São Bartolomeu" da ALEG." contas de 1962, pendentes desde 31 de As contas de Lacerda foram arquivadas, e dezembro de 1963 , a relação de Lacerda só vieram a ser aprovadas em setembro do com os deputados do seu partido não se ano seguinte, em uma ALEG bastante tomara um mar de rosas. O primeiro teste "depurada" foi pelas cassações do Ato Institucional nO l . e a eleição Magalhães Desprezando a rotina da articulação política, - apostando nos elementos clássicos do campo político carioca - a de para Raphael o cargo de Almeida de VIce governador, vago desde a cassação de Eloy Dutra. Menos do que a cadeira de VIce, o a que estava em jogo era a sucessão de nacionalização - Lacerda não foi capaz de Lacerda no governo carioca. A indicação acumular capital suficiente para se tomar o de Raphael era uma clara evidência de que mediador dos locais, o governador já definira o seu candidato preferindo se manter na posição de livre para 1965. A oposição maior ao nome atirador, onde melhor sabia atuar. indicado por Lacerda ficou a cargo da personalização, a polarização conflitos políticos e própria UDN, na figura do presidente da A ALEG, Vitorino James, que demorava a dupla derrota agendar a eleição. Com viagem marcada O golpe de 1 964 a para o exterior no final de abril, Lacerda possibilidade de um melhor relacionamento tinha pressa. Segundo Mauro Magalhães, a 91 Raul Brunini, op. cit., Fita 4-A abriu esse mesmo episódio, ver Mauro Magalhães, op. cit., p. 74-76. Sobre demora de James deveu-se ao fato de ser ele o primeiro na linha de sucessão: com o 53 adiamento da eleição do vice, contava ficar convenção da no lugar de governador pelo menos por presidente Castelo, que não escondia seu algum tempo. Percebendo a jogada do desagrado presidente da ALEG, Lacerda comunicou candidatura lhe secamente, por telefone, que passaria o presidencial prevista para 1966, governo diretamente para o desembargador acabou sendo suspensa em outubro de Vicente 1965:' Faria Coelho, presidente do diante de "açodamento " do à Lacerda da eleição mas que Tribunal de Justiça. James pediu licença por Uma outra estocada no governador alguns dias, não presidiu a eleição indireta partiu do presidente da ALEG, Vitorino de James, que não perdeu a oportunidade de Raphae� e jamais reatou com o retribuir a "ofensa" recebida em a� por governador:' A instalação na ALEG, em outubro ocasião da eleição do vice-governador. De de 1964, da CPI sobre a Sursan, o principal maneira intencional, James não publicava órgão as encarregado das obras, teve o significado de um grito de guerra da UDN emendas enviada pelo à proposta orçamentária governador em agosto, PTB impedindo, desse modo, sua votação. O domesticado, essa CPI só teve condições impasse acabou levando à saída de Nina de se concretizar pela decisão de um grupo Ribeiro de substituído contra o governador." deputados desgaste Com udenistas político a de O tmpor Lacerda, um da liderança pelo do vice-líder, o governo, deputado totalmente Mauro Magalhães, para quem o clima na envolvido com a próxima realização da ALEG era tão desfavorável ao governo, convenção da UDN nacional, marcada para que este só conseguia garantir o apoio de o início de novembro. sete dos 55 deputados:' As • UDN pareaa agradar o entendimento Em virtude das antigas e persistentes en tre Lacerda e seu partido foram num dificuldades de relacionamento de Lacerda crescendo, engrossadas pela disputa em com a UDN carioca, é fácil prever que a tomo da sucessão estadual e pela divisão missão de indicar o candidato do partido à interna provocada pela rivalidade entre o sucessão estadual seria bastante espinhosa. governador carioca e o governo Castelo Espinhos locais e naCton3.1S que, temia Branco. dificuldades A de perspectiva de um Lacerda Lacerda, poderiam ferir de morte suas Planalto em 1966. enfraquecido pelos "escândalos na Sursan" pretensões de chegar pleitear a confirmação de sua indicação na Fragilizado politicamente dentro da UDN 92 94 "CL Sll Mauro Magalhães, op. "CPI investiga aplicação das verbas da 1/10/1964. ciL, p. 303-04. supostas irregularidades na Sursan", Triblma do Imprmsa, ao denuncia contra-revolução na Assembléia", Tribuna do Imprmsa, 6/10/1964. 95 "'Nina deixou liderança Imprmsa, 14-15/11/1964. da UDN". TnobJl71o da 54 • carioca, Lacerda acabou tendo que engolir atribuiu o resultado do pleito ao alto grau a candidatura do secretário de Educação, de rejeição das "classes pobres" a Lacerda."' Flexa Ribeiro, que lhe foi imposta pelo A reflexão de Couno tomou-se a principal partido. referência Lembrando o episódio, sobre o assunto, e tanto o Brunini conta que o govemador resolveu historiador aceitar qualquer nome que a UDN lhe Landers, quanto a cientista política Izabel indicasse." Picaluga, A candidatura de político Flexa, UDN norte-americano que na fizeram estudos Guanabara, Clifford sobre consideram a o inexperiente e sogro de seu filho Sebastião, "enfrentamento preocupava Lacerda, que divergentes" o principal motivo da derrota clareza profunda relação da tinha plena entre as de de Lacerda em 1965. forças SoctalS " eleições de 1965 e as de 1966. Somente a A distribuição dos votos por zonas vitória na Guanabara poderia sustentar sua eleitorais confirma a ampla derrota imposta candidatura a presidente, ou seja, apenas por Negrão de Lima a Flexa Ribeiro nos com a aprovação explícita do eleitorado populosos subúrbios e na zona rural. Senão canoca, as vejamos. Na 22', 23' e 24' zonas eleitorais, resistências que, dentro do seu partido e abrangendo Irajá, Vigário Geral, Pavuna, fora dele, se apresentavam ao seu nome Anchieta, Padre Migue� Bangu, Senador para a sucessão de Castelo. Camará, poderia Lacerda O título do editorial da 29 de de vencer Tribuna da setembro Santissimo, a votação do candidato oposicionista foi quase o triplo "O da que recebeu o candidato de Lacerda. Na de 12', 13', 1 5' e 25' zonas, onde votaram os deu bem o tom eleitores de Bento Ribeiro, Rocha Miranda, das sombrias perspectivas de derrota do Marechal Hermes, Madureira, Jacarepaguá, O resultado das Deodoro, Realengo, Santa Cruz, Campo umas só veio confirmá-las. Ao contrário da Grande, Sepetiba e Guaratiba, N egrão teve estreita margem conseguida por Lacerda mais do dobro dos votos destinados a sobre Sergio Magalhães em 1960, cinco Flexa. A diferença que o candidato de anos depois o candidato da coligação PSD Lacerda obteve na zona sul (3', 4', 5', 1 6', PTB ganhou do candidato da UDN por 17' e 18' zonas), e ainda na Tijuca, Vila Imp17!nsa desesperado e decepcionante votar em Flexa Ribeiro" candidato • Raul de Lacerda. dever uma diferença de 12 pontos percentuais: 49,5% contra 37,6%. A análise do jornalista Pedro do Couno, feita ainda sob o calor das umas, 97Francisco Pedro do Coutto, O IIOto e o povo, Rio de Janeiro, Gvilização Brasileira, 1966. 98 Izabel F. PicaJuga, PortidM e tÚllitS sotioiJ: a UDN na GMIZ1tabara, Petrópolis, Vozes, 1980, p. 103; Oifford Landers, Tbt Uniiio D<11locrá!ico NaciONal iN lhe S!OU of GNtlltabara: QN attitnal tIdi SÚlt!J of POf!) membmhip, ROIic!a, University of Rorida, 1971, p 312 (ph. D., mimeo). . .. Raul Brunini, op. cit, 6ta 3-B. 55 Isabel e Grajaú 19' zonas) não PTB, seguido do PSD, agora com O conseguiu compensar a montanha de votos reforço de Olagas Freitas, estabelecera nos que Negrão recebeu da "Praça da Bandeira subúrbios cariocas. O fracasso do projeto pra lá" ... lacerdista de conquista desses votos pode Feita • rr- e a constatação, cabem as ser explicado por conjW1ção de três uma perguntas: por que Lacerda não conseguira, fatores: não incorporou lideranças locaís após cinco anos de governo, avançar da tradicionaís e nem favoreceu a em�cia "Praça da Bandeira pra lá"? Por que em de novas, assim como não transformou em 1965 votos se teria repetido, nessa populosa as políticas região da cidade-estado, a mesma fraca implementadas. atuação eleitoral já observada nos pleitos de No primeiro públicas caso, aí exemplo wn 1960 e 1962? Mesmo levando em conta a paradigmático forte presença de Vargas no imaginário Antônio Cesário de Melo, representante da dessa população, bem como impacto zona rural. e herdeiro político de Júlio perguntas Cesário de Melo, antigo intendente do eleitoral daí resultante, as O é o do deputado José não Distrito Federal e poderoso chefe da região conseguira anular a pecha de "assassino do de Campo Grande e Santa Cruz. Em julho paí dos pobres"? Por que não transformara de 1963, José Antônio Cesário de Melq, em dividendos eleitoraís as obras realizadas que ingressara na ALEG em 1 962, pela nos subúrbios? legenda do Partido Libertador (PL), passou continuam: por que Lacerda para a UDN como o "tribuno da capital" na política do estado da Guanabara único representante O de Santa Cruz na sigla .governista. ",pesar de ser portador de expressivo potencial wn de votos, Cesário foi isolado politicamente A manutenção, e mesmo O agravamento, da rejeição a Lacerda e à • UD nos subúrbios e na zona rural e não conseguiu espaços de atuação no seu novo novo partido. Sem o necessário respaldo partidário, e tendo que enfrentar a indicam que ficou praticamente intocada a concorrência estrutura político-partidária que vigorava na partidos, Cesário fracassou em montar na região desde os anos 50. Embora dispondo região do poderoso cacife de ser govemo Lacerda .• falhou na tentativa de mudar a uma de lideran.ças de outros rede de a,poio ao .governador. Lacerda tampouco emergência de novos conseguira quebrar a hegemonia que o iniciativa de começar por Campo Grande a .. Ver Izabel F. Picaluga, op. cito <:om a m· · di .. caça -0 parecia locaís, ao contrário das que líderes a predisposição desse eleitorado, já que não experiência do favoreceu regiões apontar a administrativas, d . . o "prel c et·tm · · h o" · o pnmeU' 56 da Guanabara, Bastante o diferente Romeu cIr. que pode ser dividido em dois momentos, com tinham um caráter eleitoral bem marcado, lógicas e interesses específicos. Nos dois os primeiros anos, 1961 e 1 962, privil�ou a administradores dos o govemo Lacerda na Guanabara Loures. prefeitos, re.gionais traziam a função original, que estava no próprio montl!gem do arcabouço nome, de "administração". Se possuíam institucional desse estado alguma autonomia, esta tinha um sentido e "estado urna esfera de que época. Dentro dos limites dados pela sua conseguiam furar o esquema concepção radical de política, Lacerda se personalista e centralizador de Lacerda. esforçou para negociar com a Assembléia Desprovidos de efetiva representatividade Legislativa e com as forças políticas locais. política, não tiveram força para substituir Apesar os esquemas de controle eleitoral herdados panorama do Distrito Federal. reforçar o elemento estado do binômio raramente atuação limitados, Essa falta de base político-partidária de sua especial, como se poderosa político um dizia à atuação nacional, no procurou estado-cidade. nas zonas rural e suburbana é responsável, Candidato assumido eleição à em boa parte, pelo fato de as iniciativas do presidencial prevista para 1 965 Lacerda, a governo, especialmente no campo escolar, partir de 1 963, não só relegou a segundo praticamente eliminando o déficit de vagas plano o processo de estadualização como na rede pública primária, não terem se reforçou transformado em votos para o candidato campo político indicado por Lacerda. Quanto à política personalização, habitacional, manifestação • bossa nova", político- houve de urna explícita rejeição dos antIgos que foram moradores das favelas transferidos para os novos .• .• os elementos tradicionais da ex-ca,pital a federal: polarização e do a a nacionalização. Seu projeto de fazer da Guanabara um pnmetro estado-capital, plano a colocando em ca,pitalidade ainda conjuntos exercida de fato pela cidade do Rio de habitacionais: foi justamente na 24" zona Janeiro, tinha um objetivo e teve um efeito. eleitoral, onde se localizavam a Vila Aliança Como e a Vila Kennedy, que ser, tal como egrão conseguiu estado·capital, a Guanabara deveria Rio de Janeiro fora no O estabelecer a maior vantl!gem relativa sobre passado, Flexa. subúrbios candidato-governador pretendia expor os distantes, mal servidos por comércio e feitos de sua administração. Por outro lado, metos de transporte, gerou insatisfação e ao votos para o candidato de oposição a exercido Lacerda. chamada de "belacap", o .governo Lacerda A transferência para não a vitrine reafirmar pela conseguiu o da papel cidade. nação, onde o tradicionalmente não estabelecer .por os acaso alicerces 57 fundadores capazes de sustentar wna nova identidade política para o Rio de Janeiro, a Lacerda de estado federativo. processo A maneira como concebia a política pode explicar, em alguma a de se fez escolha presente dos no secretários, marcado, desde o início, pelos critérios da "impessoalidade" e da "despolitização". Tratava-se sobretudo de deixar de lado processo de criação de wna nova estrutura qualquer nome que pudesse vir a disputar a política na Guanabara. Para o "tribuno da cena política com capital", política era guerra, custa conflito. era de Essa concepção ia na direção contrária da exemplo é atividade rotineira e cotidiana requerida prometida para Cardoso, a constituição de uma estrutura apoios O O .governador, mesmo à relevantes. Um bom da Secretaria de Justiça que, ao deputado uma das Adauto figuras de Lúcio maIor político-partidária nova e duradoura. Desse expressão da UDN, acabou nas mãos de modo, ao contrário do chaguismo e do um "téOlico'" o advo.gado Alcino Salazar, amaralismo, que até então wn desconhecido procurador da calcadas no azeitado simbolizaram políticas funcionamento de Justiça do ex-Distrito Federal. máquina de longa permanência, o Por outro lado, sob o pretexto de lacerdismo se sustentou na identificação pôr fim à "politiqgem", a composição do pessoal e imediata com o líder carismático. secretariado Eram de resultou da "políticos disposição do ,governador de incorporar que maIS de perto quadros da UD conseguiam incorporar as pessoaIs raramente como entendidos lacerdistas" aqueles • medida, também dificuldade de Lacerda em comandar o wna • Esse acen tuado viés personalista de Lacerda, caracteristicas como Sandra ou de prestigiar a AlEG. As exceções ficaram por conta de Celio Borja, indicado pela bancada udenista Cavalcanti e Raul Brunini.'oo Vale ainda carioca para substituir Raphael de Almeida lembrar que sua posição no acirrado e Magalhães na Secretaria de Governo, e polarizado debate político-ideológico que Lapo Coelho, membro do PSD e ex marcou os anos 60, como principal presiden te da Assembléia, que assumiu a liderança civil do anticomunismo, favorecia Secretaria identificações radicais justamente para lacerdistas x anti Sem Pasta no tentar fim de 1962 inutilmente, é lacerdistas , que reduziam as possibilidades verdade articular o ,governo com a AlEG. de entendimento em tomo de wn projeto Em comwn para o novo estado da Guanabara. udenistas que participaram do secretariado sua grande maioria, os políticos tinham, sobretudo, wna ligação pessoal com 100 Ver Marly SiI.... da Motta, .As bam milDfóJjcas 00 /omrJismo, Texto apresentado no XX Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 1996 (mimeo). Lacerda: é o caso de Raul Brunini (Sem Pasta), Sandra Cavalcanti (Serviços 58 Sociais) e Raphael de Almeida Magalhães capitalidade de fato do Rio de Janeiro era (Governo). um fator favorável aos interesses de sua Outro elemento que complicou a campanha para presidente da República. "Cidade dividida", "cidade partida", criação de uma nova estrutura de poder na do são expressões freqüentemente empregadas seu partido. Lacerda hoje em dia para definir o Rio de Janeiro, construíra sua trajetória política apostando em geral para expressar a tensão entre mais no acúmulo de capital pessoal do que regiões distintas da cidade que convivem naquele que lhe poderia ser delegado pela lado a lado. Guanabara • ' . foi a governador com O difícil via relação lO! No entanto, a tensão mais fonte profunda é que se manifesta na ambígua impulsionadora de sua carreira política. identidade política do Rio de Janeiro, ainda Eleito governador, buscou montar dentro às voltas com da político Em pauta, o antigo debate que mistura formado basicamente por deputados de passado, presente e futuro: a cidade pode prunetro voltar a ser capital UDN, que UDN ele não carioca um mandato. como grupo Para ocupar o O dilema de ser ou não ser. do Brasil, que se estratégico cargo de líder do governo na transformar Assembléia Guanabara, ou, finalmente, pretende se Legislativa, Lacerda indicou outra vez em estado da cinco deputados sem nenhuma experiência integrar de vez ao estado parlamentar anterior: Janeiro? As cartas contmuam na mesa, Celio Borja, Nina Ribeiro, Vitorino ]ames, Mac Dowell de Castro e Mauro Magalhães. do Rio de indicando que o jo.go ainda não acabou. Deputados mais experientes e que conheciam melhor os meandros da máquina partidária, como Raul Brunini, foram escolhidos menos por essa experiência, e mais pela fidelidade pessoal que dedicavam ao governador. • Se o perfil político de Lacerda não o credenciava para a tarefa delicada de montar uma estrutura de estado federativo • na Guanabara, é preciso levar em conta também o peso da atuação do governo federal nesse espaço político. Essa presença do governo federal se acentuou na medida em que Lacerda incentivou o componente nacionalizador da convencido que de política a canoca, manutenção da 101 Um bom Venrura, exemplo é o livro do jomalista Zuenir Odode pmtidB, São Paulo, Companhia <Ias Lett1lS, 1993. TEXTOS CPDOC JÁ PUBLICADOS 0 1 . Mônica Pimenta Velloso. 1987. A brasilidade verde-amarela: nacionalismo e regionalismo paulista (2& ed. - 1 990) 02. Dulce Chaves Pandolii & Mário Grynszpan. 1987. Da revolução de 30 ao golpe de 37: a depuração das elites (2& ed. - 1 997) • 03. Angela Maria de Castro Gomes & Maria Celina S. D'Araújo. 1987. Getulismo e trabalhismo: tensões e dimensões do Partido Trabalhista Brasileiro. 04. Mônica Pimenta Velloso. 1987. Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo. 05. Angela Maria de Castro Gomes & Marieta de Moraes Ferreira. 1988. Industrialização e c/asse trabalhadora no Rio de Janeiro: novas perspectivas de análise. 06. Ricardo Benzaquen de Araújo. 1 988. In medio virtus: urna análise da obra integralista de Miguel Reale. 07. Marieta de Moraes Ferreira. 1988. Conflito regional e crise política: a reação republicana no Rio de Janeiro. (2& ed. - 1 990) 08. Maria Celina Soares D' Araújo. 1988. O PTB de São Paulo: de Vargas a Ivete. 09. Lucia Lippi Oliveira. 1988. Caminhos cruzados: trajetória individual e geração. 1 0. Hugo Lovisolo. 1 989. A tradição desafortunada: Anisio Teixeira, velhos textos e idéias atuais. 1 1 . Vanda Maria Ribeiro Costa. 1 989. A experiência corporativa em São Paulo: proposta de análise. 1 2. Mônica Hirst. 1 990. O pragmatismo impossível: a política externa do Segundo Governo Vargas ( 1 95 1 - 1 954) 1 3 . Regina Luz Moreira. 1 990. Arranjo e descrição em arquivos privados pessoais: ainda urna estratégia a ser definida? 14. Gerson Moura. 1 990. O alinhamento sem recompensa: a política externa do Governo Dutra. 1 5. Angela Maria de Castro Gomes. 1 99 1 . República, trabalho e cidodonia. 1 6 . Maria Celina D'Araújo. 1 99 1 . O Partido Trabalhista Brasileiro e os dilemas dos partidos c/assistas. 1 7 . Vanda Maria Ribeiro Costa. 1 99 1 . Origens do corporativismo brasileiro. 1 8 . Hugo Lovisolo. 1 99 1 . Positivismo na Argentina e no Brasil; influências e interpretações. 19. Ken Serbin. 1 99 1 . Igreja, Estado e a ajudo financeira pública no Brasil, 1 930-1 964: estudos de três casos chaves. 20. Monique Augras. 1 992. Medalhas e Brasões: a história do Brasil no samba. , 2 1 . André Luis Farias Couto. 1 992. O suplemento literário do Diário de Notícia nos anos 50. 22. 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