DOMINAÇÃO POLÍTICA E UNIVERSIDADE
Maria Conceição Maciel Filgueira
Professora da Faculdade Mater Christi
Mestra em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
“Os interesses manifestos prestam-se muito bem para camuflar os interesses
não-manifestos. Em qualquer tempo a universidade esteve sempre
comprometida com alguém, seja esse alguém um papa, um rei, um Estado, um
grupo ou uma classe’.
José Fagundes
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é um recorte da Dissertação de Mestrado, “Dominação Política e
Universidade”, que destaca os Rosados e o grupo Chimbinho, como dois grupos políticos que
dominaram Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN1), nos períodos respectivos de
1973-1985 e 1987-1993.
Traça, primeiramente, um pouco o perfil dos Rosados e em seguida, o do grupo Chimbinho,
enquanto discute as suas estratégias de dominação no âmbito da UERN, haja vista ser a Universidade,
uma instância que tem por objetivo a produção e a reprodução do conhecimento, cujos nexos se
encontram no ensino e na pesquisa, como bem enfatiza Sofia Lerche Vieira. Por fim, será mostrado os
reflexos desta prática na política educacional.
Nessa linha de raciocínio, CUNHA (1989:69-70), afirma que a Universidade deve se voltar
“para a produção e disseminação da ciência, da cultura e da tecnologia. E mais: a disseminação está
logicamente dependente da produção acadêmica”. E, na medida em que foge desses pressupostos, para
a ele, a Instituição perde a feição acadêmica, de Universidade.
A inquietação da autora a respeito dessa questão, decorreu do fato de ter vivenciado esse
processo institucional, seja na condição de estudante, seja na condição de docente da UERN ou na de
técnico-administrativo. Suas observações como “viajante de olhos abertos”, usando a expressãode
HOBSBAWN (1997), possibilitaram a reconstituição de dados importantes para as análises realizadas.
A isso acrescente-se a inexistência de estudos que abordem, criticamente, o tema, objeto desta
investigação: a utilização da UERN para viabilizar projetos políticos e eleitorais de grupos específicos.
Assim sendo, trata-se de uma contribuição à história da Universidade com seus problemas
e suas contradições, possibilitando, inclusive, refletir sobre o quadro político de Mossoró e a inserção
dos grupos locais de poder no espaço institucional.
1
A mencionada Instituição de Ensino Superior, durante a sua trajetória recebeu as seguintes denominações: Universidade
Regional do Rio Grande do Norte - URRN, em 28/09/1968, sendo mantida pela fundação Universidade Regional do Rio Grande
do Norte - FURRN. A partir de 21/07/1987, ela passou a ser chamada Fundação Educacional Regional do Rio Grande do Norte,
mantendo porém, a sigla FURRN. Em 29/09/1997, a referida Universidade altera a sua denominação para Universidade Estadual
do Rio Grande do Norte, mediante a Lei 7.063, publicada em 30/09/1997, conservando a mesma sigla URRN e continuando a
ser mantida pela FURRN que, em 19/12/1997, se transformou em Fundação Estadual do Rio Grande do Norte (não modificando
a sigla FURRN), conforme o Decreto 13.720, em 20/12/1997. Em 15/12/1999, foi criada a Lei 7.761, que altera a denominação
Universidade Estadual do Rio Grande do Norte –URRN, para Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, sendo
publicada em 16/12/1999, e em 28/03/2000, a Fundação Estadual do Rio Grande do Norte – FURRN, foi transformada em
Fundação do Estado Do Rio Grande do Norte – FUERN, mediante o Decreto 14.831/2000, sendo publicado em 29/03/2000.
. Simplificando, neste trabalho será sempre usada a sigla UERN, ao se referir a essa Instituição de Ensino Superior (exceto nas
citações textuais). Todavia, cabe esclarecer que, inicialmente, FURRN e URRN funcionavam como uma única estrutura, sendo
o seu titular o Reitor-Presidente, ficando desmembradas por questões políticas durante o período de 1973-1983, separando, desse
modo, os cargos de Presidente e de Reitor. Mas a FURRN e a URRN são a mesma entidade, não havendo qualquer distinção
de pessoa jurídica. No entanto, o titular da pessoa jurídica, enquanto existiu essa clivagem, era o presidente da Fundação, que
respondia administrativamente e juridicamente pela Fundação e pela Universidade, conforme a Lei 01/1973 e o Conselho Federal
de Educação. E ao Reitor competiam apenas as questões pedagógicas concernentes à URRN. A partir 1983 até hoje, FUERN
e UERN mantêm um único titular, como no início. Pelo visto, a Lei na UERN, não é implementada visando uma política
educacional voltada para o crescimento qualitativo, mas para atender aos interesses políticos.
Nessa análise sócio-histórica, adotaram-se os seguintes recursos metodológicos:
entrevistas, matérias e artigos de jornais de Mossoró e Natal: “Gazeta do Oeste”, “O Mossoroense”,
“Diário de Natal”, Revista Expressão, Discursos, Regimentos e Estatutos da UERN, Atas da ADUERN
e Relatórios.
Diante da sutileza do tema, alguns entrevistados temeram a sua identificação no corpo do
trabalho, então, ficou assegurado se mencionar apenas a função ou o cargo ocupado pelos entrevistados
na Universidade, a fim de não comprometê-los.
Nos documentos escritos, procurou-se privilegiar os seguintes pontos: o ideário expresso
nos discursos, a concepção de universidade, as relações de poder presentes nas fontes oficiais e seus
efeitos e repercussões na prática da UERN.
1. CARACTERÍSTICAS DO GRUPO ROSADO
Inicialmente, tentar-se-á esboçar o perfil do grupo Rosado, a partir de sua origem em
Mossoró, e, em seguida, os efeitos e repercussões de suas ações no espaço da UERN, numa palavra,
a sua dominação político-partidária sobre essa Instituição de Ensino Superior.
Para WEBER (1992:349), a dominação pode ser definida como a probabilidade de uma
ordem ser observada por um grupo determinado de pessoas, podendo ter o seu fundamento em diversos
motivos de submissão:
“pode ser determinada diretamente de uma constelação de interesses, ou
seja, de considerações racionais de vantagens e desvantagens (referentes
a meios e fins) por parte daquele que obedece, mas também pode depender
de um mero ‘costume’, ou seja, do hábito cego de um comportamento
inveterado, ou pode finalmente, ter o seu fundamento no puro afeto, ou
seja, na mera indicação pessoal do dominado. Não obstante, pode-se
afirmar que uma dominação que repousasse apenas nesses fundamentos
seria relativamente instável (...) Nas relações entre dominantes e
dominados existe, costumeiramente, um apoio em bases jurídícas nas
quais se fundamenta a sua ‘legitimidade’ e o abalo na crença nesta
legitimação acarreta conseqüências de grande importância”
Nesse sentido, a obediência implica sujeição, subordinação, consentimento diante de uma
ordem emanada, ou um conjunto de relações “compreensíveis” de comando e obediência fundamentado
em uma pretensão de legitimidade e redundando na alocação entre indivíduos dos recursos que definem
o seu status na hierarquia social (WEBER, 1991).
De acordo com ele, a mais corrente forma de dominação tradicional é a patrimonialista
cujas características se expressam na relação dominador x dominado, prevalecendo a validade do
costume e a fidelidade por piedade em relação ao chefe. (Id. 1991). A tradição, portanto, legitimaria
um poder pela sua continuidade, pautada em hábitos valorizados historicamente, sendo de somenos
importância a obediência a estatutos, uma vez que não se trata de uma dominação racional legal. Nesse
caso, o sistema de ‘favoritos’ é uma característica específica de todo patrimonialismo, conforme o
referido autor.
Nessa perspectiva, tentar-se-á entender a dominação político-partidária do grupo Rosado
na UERN a partir da compreensão acerca de sua gênese em Mossoró, que remonta à chegada do “(...)
farmacêutico Jerônimo Rosado em 1890, procedente de Pombal - Pb (...)” implantando, neste local,
a Farmácia Rosado. (CASCUDO, 1955: 212-13).
A sua vinda para Mossoró se deu por insistência do médico Francisco P. de Almeida Castro
- Dr. Castro, pessoa de grande influência política local, que lhe propiciou espaço para se estabelecer
economicamente, dando margem para ele tornar-se conhecido como farmacêutico eficiente, na cidade,
na região e, até, no país, diante da difusão dos seus preparados homeopáticos fabricados à base da flora
indígena, a exemplo do Antinevrálgico Rosado e do Vinho Trilepático, a quem, por sua vez, Jerônimo
Rosado correspondeu com a amizade e fidelidade partidária. (CASCUDO, 1967). Além disso,
dedicava-se à pomicultura, à pecuária, à mineração - considerado o fundador da indústria de gipsita no
Brasil, preocupando-se com os problemas da cidade, como os de água, educação e transporte
ferroviário, passando, por conseguinte, a ser respeitado e acreditado pelos moradores da cidade como
um homem de ação, adquirindo, assim, respaldo político.
Soube aproveitar, portanto, as oportunidades que lhe foram propiciadas para constituir a
sua base de domínio: erigida a partir dos serviços que prestou a Mossoró, o que lhe favoreceu assumir
o cargo de intendente de 1908 a 1910 (Ser intendente, nessa época, correspondia assumir a função de
vereador, atualmente). (Id. 1967). No governo do Dr. Alberto Maranhão, Jerônimo Rosado foi
nomeado Segundo Juiz Distrital (1911-1913) e lecionou física e química no Colégio 7 de Setembro.
(BRITO, 1985). Ainda, foi Presidente da Intendência em 1917-1922 (Presidente da Câmara dos
vereadores e, chefe do poder executivo municipal, hoje prefeito), reeleito Intendente no subseqüente
triênio 1920-1922. Nomeado Coletor de Rendas Federais em 1922 permanecendo no cargo até 1930,
quando faleceu. (Id. 1967).
Dos seus vinte e um filhos, vinte nascidos em Mossoró, quatro se destacaram
politicamente, tais como:
. Dix-sept Rosado, aos 37 anos, foi eleito prefeito de Mossoró, mais precisamente, em
21/03/1948, pela União Democrática Nacional (UDN). Tomou posse em 31/03/1948, administrando
Mossoró até julho de 1950, quando se licenciou da Edilidade para se candidatar à sucessão estadual.
Em 03/10/1950, seria eleito Governador do Estado do Rio Grande do Norte pelo Partido Social
Democrático (PSD). Faleceu em acidente aéreo em 12 de julho de 1951.
. Dix-Huit Rosado, como membro da UDN, foi deputado constituinte estadual (1945-1950),
federal (1951-1955), (1955-1958) e senador (1958-1964); presidente do Instituto Nacional de
Desenvolvimento Agrário - INDA (1967-1970). Por três vezes, foi prefeito de Mossoró (1973-1977,
1982-1987 e 1992-1995), período em que pertenceu, respectivamente, à Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), partido de sustentação do Regime Militar e a seu sucessor, o Partido Democrático Social
(PDS), e, com a redemocratização, se filiou ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), partido liderado
nacionalmente por Leonel Brizola, quando faleceu aos 84 anos de uma parada cardíaca em out/1996.
. Vingt Rosado teve dois mandatos de vereador enquanto membro da UDN,
respectivamente (1948-50 e 1950-1953); um mandato de prefeito (1953-1958), coligando-se com os
seguintes partidos: Partido Republicano (PR), Partido Social Democrático (PSD) e Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB); um mandato de deputado estadual (1959-1963), novamente membro da UDN, e sete
mandatos seguidos de deputado federal, sendo um pela UDN (1963-1967), quatro pela ARENA
(1967-1971, 1971-1975, 1975-1979, 1979-1983); um pelo Partido Democrático Social - PDS (19831987) e um pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB (1987-1991/). Faleceu em
fev/1995.
Desse modo, fica claro que a mudança constante de partido desses políticos, articulando
com governo e oposição, prende-se ao interesse de manterem-se no poder. Observe-se que iniciaram
a vida política firmados no partido que congregava as elites rurais, representantes de setores industriais
e da classe média como a UDN, e ao PDS, ligado à burocracia federal e ao governo. Coligaram-se com
o PTB, de Getúlio Vargas, berço do trabalhismo brasileiro, na medida em que congregava dirigentes
sindicais, trabalhadores e profissionais liberais, bem como com o PDT, que reúne trabalhista de perfil
mais reformista do que os do atual PTB. O importante para eles era mesmo assegurar o seu espaço de
poder. Durante a Ditadura Militar, mantiveram-se firmes no partido do governo, seguindo o PDS,
herdeiro da ARENA, surgido com a indicação de Paulo Maluf para concorrer ao colégio eleitoral em
1985. Mesmo assim, acabaram no PMDB, herdeiro direto do MDB, partido contrário ao Regime
Militar, diante de sua repercussão nas eleições de 1986, fazendo 22 dos 23 governadores candidatos
nesse pleito, consolidando-se, portanto, como o maior partido brasileiro.
. Vingt-Un Rosado foi candidato a prefeito pela ARENA sendo, porém, derrotado em 1968.
Contudo, foi vereador através deste partido por um mandato (1972-1976); é alguém preocupado em
dar forma a essa dominação do ponto de vista intelectual, ou seja, um organizador da cultura. Foi
diretor da Escola Superior de Agricultura de Mossoró - ESAM (1974-1978 e 1988-1991) e da Fundação
Guimarães Duque, hoje, denominada Vingt-Un Rosado - entidade que desenvolve atividades culturais,
técnico-científicas e afins.
Esse grupo, que vai se organizando ao longo do tempo, não se constituiu apenas por
membros da família Rosado, mas também de outras pessoas que se agregaram às suas hostes. Dirige
os negócios públicos da cidade de Mossoró e de áreas circunvizinhas, formando uma estrutura de
mando, de constituição de um poder local, há mais de cinqüenta anos.
Conforme RIBEIRO (1986:16), “... em toda sociedade, desde que o mundo é mundo,
existem estruturas de mando. Alguém, de alguma forma, manda em outrem, normalmente uma minoria
mandando na maioria”, como expressa o “(...) sentido primitivo de oligarquia - governo cuja
autoridade era mantida nas mãos de poucas pessoas” LEWIN (1993:18).
Porém, o grupo Rosado distinguia-se daquelas oligarquias assentadas na economia
fundiária - agro-exportadora - de base rural e comercial, fechadas, surgidas no Brasil na República
Velha, cristalizando-se como um sistema nacional de dominação.
Esse grupo, ao invés, era uma oligarquia, embora com características próprias. Aliás Linda
Lewin, no seu livro Política e Parentela na Paraíba, mostra que existem várias modalidades de
oligarquias. E, nesse sentido, a dos Rosados se evidencia por ser de origem urbana e, apesar de ter
surgido ainda nos marcos da República Velha, se sedimentou na República Nova, por volta dos anos
50, quando as oligarquias já estavam perdendo o seu espaço na produção e na esfera política.
Conforme um dos Entrevistados, ex-professor da UERN, além de estudioso e amigo do
grupo Rosado,
“A sua base econômica e política fora assentada nos empregos públicos.
Ele se sustentava economicamente, através das instituições necessárias
à sociedade: Saúde e Educação e usava o serviço público para se manter
no poder, na medida em que não só garantia emprego aos membros do
grupo, mas também para os que faziam parte da mesma facção política,
favorecendo, dessa forma, a consecução de votos.”.
Desse modo, fazendo uso privado do espaço público, pode-se dizer que o seu domínio
político-partidário era sustentado basicamente no clientelismo e no empreguismo. Esclareça-se, em
LEWIN (1993:107)), que “a palavra ‘empreguismo’, sugere quão diretamente os grupos políticos
de base familiar mais influentes dependiam da relação de proximidade com o Estado para a sua
sobrevivência econômica”.
Outra característica importante desse grupo diz respeito ao fato de ser sempre aberto ao
estabelecimento de alianças políticas, pois assim o fez ao longo do tempo, no processo de constituição
de um circuito oligárquico de poder político, cuja base territorial tem como sede a cidade de Mossoró,
mas que se estende por vários outros municípios do Oeste do Rio Grande do Norte. Ganhar aliados,
nesse caso, corresponde, em grande medida, à capacidade que tem o grupo Rosado de obter adesão a
um projeto político mediante a utilização de um sistema de troca de favores com base na cooptação.
Em suma, os Rosados se caracterizam como um grupo oligárquico de base urbana, aberto
a alianças políticas, sustentado no clientelismo, no empreguismo e na cooptação.
Outro ponto a destacar desse grupo diz respeito a sua capacidade de implementar um
processo de organização da cultura mediante o desenvolvimento de um projeto cultural que inclui
escolas de todos os níveis, biblioteca, museu, rádio, jornal, editoração de livros. Um exemplo disso é
a criação da UERN, da Escola Superior de Agricultura de Mossoró - ESAM, estabelecimento federal,
afora mais de setenta escolas de 1º e 2º graus, ligadas à rede municipal.
Assim, incluem-se, no seu projeto, a propriedade de um jornal, O Mossoroense, emissoras
de rádio, Tapuyo de Mossoró, Tapuyo de Alexandria, FM Resistência, e a edição de livros dos quais
se constitui emblema a Coleção Mossoroense, criada em 1948, hoje contando com mais de 3.000 títulos
publicados, dos quais mais de trinta são enaltecedores dos feitos da família, narrados do ponto de vista
do dominador, através de um discurso apologético das realizações dos “filhos do país de Mossoró”,
além de 153 boletins bibliográficos.
O envolvimento direto dos Rosados na criação de escolas, universidade, instituições
culturais, rede de serviços médicos e sociais, entre outros, legitima o seu domínio por um lado e, por
outro, vai além disso, à medida que expressivos segmentos da população passam a ter acesso a bens
e serviços que, em outras circunstâncias, teriam de ser buscados em outros lugares como Natal,
Fortaleza, Recife ou mesmo Rio de Janeiro, Brasília.
O fato de perceber essas suas realizações, não significa esconder em absoluto, a sua prática
de favorecer os amigos e correligionários e desprezar ou perseguir os adversários, bem como de se
utilizar de cálculos políticos, de certa forma astuciosos, visando à manutenção da sua hegemonia ou
da estrutura de poder reinante.
De outro lado, a criação de escolas, jornais, estações de rádios, instituições, e práticas
culturais implica reconhecer, igualmente, que isso se constitui um autêntico processo de organização
da cultura, com vistas à direção cultural da sociedade.
Neste sentido, de acordo com a concepção de GRAMSCI (1995:8), a organização da
cultura pode ser feita através da escola, na medida em que ela concorre para a formação, o
aperfeiçoamento e a especialização de dirigentes, ou seja, de intelectuais cujo modo de ser implica “um
emiscuir-se ativamente na vida prática, como construtor, organizador, (...)” de uma determinada
ordem social.
Essa organização pode ser efetivada ainda, pela trama de relações que os homens
estabelecem em instituições além da escola, que ele denomina de “aparelhos privados de hegemonia”,
entre as quais a imprensa escrita, a edição de livros, o meio de comunicação que ele considerava de
maior rapidez na época como o rádio, com raio de ação e impacto efetivo mais vasto que a
comunicação escrita, porém, não em profundidade, fazem parte do processo de organização da cultura,
ao lado de outras como a igreja, os sindicatos, os partidos.
Por meio dessas instituições, o grupo que luta pela conquista e preservação da hegemonia
difunde, através da ação cotidiana, uma unidade moral e intelectual entre vários grupos sociais e o
consenso em torno de uma cultura que se apresenta como confirmação de validade universal. E, na
medida em que se cria o consenso, o grupo social hegemônico alicerça a base do domínio.
A partir desse entendimento, ou seja, da tentativa de caracterizar o referido grupo, pela sua
maneira própria de adotar e articular estratégias de dominação política, corroborando, assim, para
manutenção do status quo vigente, procura-se destacar algumas das suas práticas e de seus respectivos
efeitos no espaço institucional da UERN e, por conseguinte, os seus reflexos na política educacional.
2. AS INGERÊNCIAS POLÍTICAS DOS ROSADOS NA UERN E SEUS
REFLEXOS NA POLÍTICA EDUCACIONAL
A partir das evidências empíricas, tentar-se-á apresentar, as ingerências políticas que
ocorreram na UERN, efetuadas pelos Rosado, levando-se em conta tanto as reveladas pelos
entrevistados, pelos jornais e outros documentos, quanto as presenciadas pela autora.
Por essa via, ressaltam-se os traços da história do domínio político-partidário na UERN
em 1973, com o ato do Prefeito Municipal de Mossoró, Dix-Huit Rosado, através da Lei 01/73, de
19/02/1973 - redigida pelo advogado Múcio Vilar Ribeiro Dantas, advindo daí a denominação de Lei
Vilar. R. Dantas - que desmembrou os cargos, antes unificados, de presidente e reitor da IES,
concedendo amplos poderes ao Presidente da Fundação mantenedora da Universidade. Na ocasião, a
presidência era ocupada pelo prof. Francisco Canindé Queiroz, então Vice-Prefeito Municipal.
O desmembramento significou uma retaliação do Prefeito Dix-suit que não concordou com
que a reitoria da Universidade viesse a ser ocupada pela profª Maria Gomes de Oliveira, escolhida pelo
Conselho Universitário e nomeada pelo Prefeito Municipal anterior, Antônio Rodrigues Carvalho, um
adversário político. Com esse ato, começa a história de interferência política na UERN.
Conforme um dos Entrevistados, ex-professor, fundador da UERN, adversário do grupo
Rosado que vivenciou esse momento,
“...isso aconteceu porque Dix-Huit não concordava com a nomeação do
segundo reitor da UERN, a professora Maria G. Oliveira - feita pelo
Prefeito anterior Antônio R. de Caravalho em 19-01-1973. Daí começou
o jogo de interesses, pois antes, na gestão de João Batista Cascudo, o
primeiro reitor, nunca houve ingerências políticas, tentativas houve, mas
ele resistiu seriamente. Naquela época, a URRN se voltava para assuntos
puramente acadêmicos. Tínhamos uma equipe de professores
responsáveis, pois mesmo passando treze meses sem receber um tostão,
como foi o meu caso e de muitos outros, continuávamos com o idealismo,
dando as nossas aulas, na iminência de mantê-la firme. Como um Dr.
Delgado, um Dr. Ramiro, um Dr. Nilton Pinto... Pois é, o ato de DixHuit, não passou de uma vingança, por não ter conseguido que
escolhêssemos Canindé, o seu candidato. E Maria, com essa
interferência, ficou apenas com a função de administrar a parte
acadêmica. Reinava, mas não governava, pois cabia ao Presidente
responder pela parte administrativa e financeira da Universidade”.
Refletindo um pouco sobre esse fato percebe-se que os Rosados agiram de forma
premeditada, fazendo uso de um cálculo político mediante o qual demonstraram, ao tornar a reitora uma
figura decorativa, a arrogância e a intolerância no trato de forças discordantes. A vingança política
começa a invadir o espaço da UERN.
Afora o Prof. Canindé Queiroz (Presidente de 03/73 a 06/75), e a Profa. Maria G. Oliveira
(reitora de 01/73 a 01/77), foi Presidente da Fundação Universitária, o empresário, diretor da empresa
“Tertuliano Fernandes” e comerciante, Gabriel Fernandes Negreiros, nomeado em 03/01/75, pedindo
demissão em fevereiro de 1976, por motivo de saúde. Este foi substituído pelo prof. Laplace Rosado
Coêlho, Sobrinho de Vingt Rosado em 20/02/76. Enquanto Laplace Rosado foi Presidente, foram
nomeados reitores da UERN, os seguintes professores: Elder Heronildes da Silva entre 19/01/1977 e
1981; Genivan Josué Batista, casado com uma sobrinha de Vingt Rosado, cujo mandato se estendeu
de 19/01/1981 a março de 1983; Walter Fonsêca, nomeado Reitor “pro tempore” em 17/03/83,
permanecendo no cargo por noventa dias. Em 17/06/83, o próprio Laplace Rosado foi nomeado Reitor
“pro tempore” e, após vinte e cinco dias, definitivamente, foi nomeado Reitor em 12/07/83. Assim, os
cargos de Presidente e Reitor passaram a ser assumidos por uma só pessoa, mediante a Lei no 15/83,
aprovada pela Câmara Municipal em 16/06/1983 e sancionada pelo então Prefeito de Mossoró, Dix-huit
anulando, dessa forma, a Lei 01/73, de 19/02/1973, também sancionada por ele.
Com a nomeação de Laplace Rosado, a ingerência desse grupo no âmbito da UERN tomou
cores definitivas: segundo um dos Entrevistados, ex-Pró-Reitor de Ensino e pertencente aos Rosados,
foram abertas as portas da Universidade para o grupo Rosado que dela fez uso político, configurando
uma clara utilização privada de um espaço público, “escancarando-se, por assim dizer, a partir de
1976, com a nomeação do Presidente Laplace Rosado Coêlho (...)”, sobrinho do Prefeito Municipal
Dix-Huit Rosado,”(...) em cujo cargo permaneceu até 1985”, quando foi forçado a pedir demissão,
por conta de conflitos intra-familiares. “Enquanto este foi presidente, quem decidia praticamente as
questões da URRN era o Deputado Federal Vingt Rosado”
Essa afirmação é reforçada por um outro Entrevistado, professor atual e adversário político
do grupo, quando enfatiza que, nessa época,
“Vingt Rosado, (...) era o reitor de fato dessa IES, isso foi patente na gestão
de Laplace. Todas as decisões passavam pelas mãos de Vingt e não pelas
do Reitor e do Presidente (...) Uma prova disto, é que os assessores do
Presidente eram indicados por Vingt e não por ele (Laplace). Dessa
forma, os assessores da URRN não eram da confiança do Reitor, mas
eram eminentemente da confiança do Deputado Federal Vingt Rosado.”
Desse modo, a maioria dos que faziam essa Instituição, na opinião de um dos
Entrevistados, ex-professor e estudioso do grupo Rosado, “(...) o seguia politicamente, justamente
porque haviam sido ali colocados por eles” por Vingt ou por Dix-Huit Rosado, pagando, assim, uma
espécie de “dívida divina”, na expressão de Marcos P. D. Lanna.
Isso evidencia a prevalência de relações clientelísticas existentes no âmbito da UERN, onde
foi estabelecido mercado de troca de favores. Essa prática na área política, segundo ANDRADE (1991),
tem sido utilizada, historicamente, como recurso de poder, justamente devido à existência de status
desiguais provocados pelo mundo capitalista. Como corolário disso, as pessoas se ligam por laços de
interesse e amizade e a elite, fazendo uso da manipulação e de recursos de poder, institui um jogo cujas
regras acabam por favorecer, sempre, o grupo dominante.
Acresce que, além da indicação de pessoal para os cargos administrativos, a admissão de
professores da UERN, também, não obedecia a nenhum critério seletivo. Em geral, apenas os membros
ou simpatizantes do clã eram admitidos, eliminando, grosso modo, pessoas capazes de implementar
ações que garantissem o crescimento qualitativo da IES.
Os efeitos dessa prática foram perversos para uma Instituição Universitária em virtude dos
reiterados golpes desferidos na sua autonomia, pela desconsideração com a qualificação da UERN e
pela preocupação apenas com os aspectos quantitativos ou de expansão da sua estrutura física, pois,
conforme um dos entrevistados, ex-professor da UERN amigo e estudioso da família Rosado, “(...) a
ampliação das suas estruturas físicas, significava, por sua vez, mais condições de emprego e, por
conseguinte, maior número de votos”.
Dessa forma, constata-se que, no período do domínio dos Rosados no espaço institucional
(1973-1985), a UERN não evoluiu no tocante à qualidade dos seus cursos ou titulação dos seus
docentes, mas cresceu de forma acelerada, ampliando a sua estrutura física em função do empreguismo
desenfreado e do clientelismo, agigantando a sua máquina burocrática e sua folha de pagamento. Daí
as freqüentes crises financeiras que, por correspondência, conduziam aos freqüentes atrasos dos salários
dos docentes e dos funcionários. Ver tabela a seguir, o crescimento de pessoal de 1974 a 1985.
CRESCIMENTO DE PESSOAL NO ÂMBITO DA UERN
_________________________________________________________________________
ANOS
ALUNO
PROFESSOR
FUNCIONÁRIO
____________________________________________________________________________________________
1974
1.106
52
50
1975
1.750
72
50
1976
2.090
94
83
1977
2.679
121
111
1978
3.270
142
133
1979
2.459
176
145
1980
3.565
201
170
1981
3.704
215
179
1982
3.970
247
194
1983
3.916
265
211
1984
3.980
273
219
1985
3. 955
284
225
___________________________________________________________________________________________
FONTE: Os dados referentes ao total dos alunos foram fornecidos pelo DARE (Departamento de Registro
Escolar), apenas a partir de 1974, não constando em seus arquivos o total dos alunos dos anos anteriores, ou seja, de 1968
a 1973. Os dados referentes ao total de professores e funcionários foram fornecidos pelo Departamento de Pessoal, de forma
aproximada, pois o setor ainda não dispõe de um cadastro preciso, organizado.
No início da década de 80, a situação foi se agravando. A UERN deparava-se com a maior
crise financeira da sua história, a ponto de fechar as suas portas. Aparentemente, reinava um clima de
mera acomodação e conformismo, mas isso não correspondia pois à realidade. De acordo com Foucault
(1979), a dominação permeia todo o conjunto da vida social, ao mesmo tempo em que a resistência está
aí igualmente presente, não apenas de forma organizada, mas também sob formas “surdas”,
“implícitas”.
Frente a tal situação, no início da década de 1980, foi criada a entidade docente,
ADFURRN, hoje ADUERN, Associação dos Docentes da UERN. Dai, movimentos incessantes se
verificaram na tentativa de mudar a situação não somente no que diz respeito à crise financeira, como
também à dominação política que se abatia sobre uma instituição que se dizia universitária, mas que
não tinha autonomia, por ser inteiramente refém de um grupo político. Começou , então, a se nutrir um
sonho: tornar a Universidade livre de ingerências políticas, uma Universidade, numa palavra,
autônoma, em termos político-administrativos, financeiros e democrática.
Conforme Wanderley (1992:72),
“A autonomia administrativa - compreende a não ingerência externa do
governo da universidade e a possibilidade de auto-governo; autonomia
financeira - compreende a independência quanto aos recursos externos
alocados e independentes do emprego de verbas no âmbito interno; (...)
e a autonomia política (...) permite à universidade determinar sua
política de ensino pesquisa e extensão dentro do direito de liberdade de
pensamento, de livre manifestação de idéias, de exercícios críticos dos
modelos políticos e da política nacional”.
Para tanto o movimento docente se aliou aos outros segmentos representativos da UERN,
os funcionários e os estudantes, através da Associação dos funcionários da UERN (AFUERN) e o
diretório Central dos Estudantes (DCE), visando livrar a Universidade da falência, conseguindo assim,
a sua estadualização, em 1987 e o reconhecimento da IES, como Universidade, perante o MEC, em
1993.
Todavia, o processo de transição da Universidade da esfera administrativa do município
de Mossoró para o Governo do Estado do Rio Grande do Norte resultou na ascensão de um novo grupo
político-partidário, mais conhecido como o grupo Chimbinho (denominação dada, pelo fato de os
conchavos políticos acontecerem na Livraria Independência, de propriedade do empresário Antônio
Gonzaga Chimbinho), à alta direção da Instituição.
“...Dentro de certos limites, os indivíduos são dotados de
comportamentos estratégicos, ou seja, atuam racionalmente, movidos
por interesses próprios e escolhem cursos de ação que maximizem os
seus ganhos”
Adam Przeworki
2. “OS DEMOCRATAS AUTORITÁRIOS”: CARACTERÍSTICAS
O processo de transição da Universidade da esfera administrativa do município de Mossoró
para o Governo do Estado do Rio Grande do Norte resultou na ascensão de um novo grupo políticopartidário, mais conhecido como o grupo Chimbinho, à alta direção da Instituição. Após ter se aliado
aos Rosados, acumulando forças com vistas a conseguir a demissão do Presidente-Reitor Laplace
Rosado, uma vez que, tendo conseguido o intento, um representante desse novo grupo, o Pe. Sátro
Dantas, assume o poder da UERN (1985-1987).
Assim, com a demissão do então Presidente Reitor do cargo que ocupava, o novo grupo
minou o poder dos Rosados, no âmbito da Instituição na medida em que passavam a fugir das mãos da
tradicional família as rédeas com que controlava a Universidade há doze anos. Desse modo, teve início
um outro período da história da Universidade de Mossoró. Esses professores que assumiram a direção
da UERN, quando estavam na oposição, criticavam ferreamente o seu uso político-eleitoral. No entanto,
repetiram velhas práticas, embora de forma diferente.
Antes, o grupo tradicional exercia o domínio de fora para dentro da UERN - uma força
externa intervinha no seu interior para manter, seus correligionários em cargos públicos, pessoas fiéis
ao esquema Rosado.
Agora, o processo ocorre de forma inversa: uma força interna à UERN se estruturou a partir
de dentro, formada pelos professores Antônio Capistrano (PMDB), Antônio Gonzaga Chimbinho
(PMDB), Paulo Afonso Linhares (PT), Francisdo Canindé Queiroz (sem vinculação partidária),
liderada pelo Pe. Sátiro Cavalcanti Dantas (considerado neutro politicamente), tendo em vista,
igualmente, articular e implementar os seus interesses políticos, partidários e mesmo eleitorais.
Dessa maneira, o cenário da UERN começou a tomar uma nova configuração no início da
gestão do governo de Geraldo Melo (PMDB), em 1987. O Reitor “pro tempore” o professor Pe. Sátiro
C. Dantas, ao considerar cumprida a sua missão, renuncia. Ato contínuo, o referido governador nomeia
o professor Antônio de Farias Capistrano, vinculado ao PMDB, para o cargo de Reitor da UERN, de
acordo com Art. 29, do Decreto no 9, 21-07-1987.
A família Rosado, esclareça-se, era adversária de Geraldo Melo.
Os dois primeiros reitores após a estadualização foram os cunhados Antônio Capistrano e
Antônio Gonzaga Chimbinho, abrangendo, o período de 1987 a 1993. E logo transpareceu em suas
gestões a adequação dos interesses, em contraposição aos princípios de “autonomia e democracia” que
haviam sido levantados pelo movimento docente, visando nortear a sua vida institucional, a partir do
momento em que a Universidade se tornou estadual.
Embora as expectativas no âmbito da UERN, naquele período, girassem em torno da
implementação de um processo de renovação, logo começaram a verificar o retorno àquelas velhas
práticas que desrespeitavam, justamente, a “autonomia e a democracia” da Universidade. E o pior,
abertamente, a Instituição passa logo a ser coadjuvante da candidatura do professor Antônio Capistrano
a Deputado Estadual pelo PMDB, sendo as atividades e projetos de extensão instrumentalizados para
esses novos interesses particulares.
Para melhor entendimento dessa primeira gestão da UERN, após a estadualização, procurar-se-á
caracterizar as estratégias utilizadas pelo Reitor e seus auxiliares com o objetivo de concretizar os seus
projetos político-partidários, utilizando, como faziam os Rosados, o espaço da UERN. Nessa
perspectiva, as atividades de extensão foram escolhidas pela nova reitoria como alvo prioritário do
projeto de poder do grupo que representava.
Conforme PRZEWORKI (1989), os atores são portadores de interesses que são viabilizados
mediante estratégias, tendo em vista atingir determinados objetivos. Assim, a primeira estratégia do
Reitor Antônio Capistrano foi “preparar as condições” com vistas a viabilizar seus interesses políticos.
Isso significou impor restrições de toda ordem e mesmo perseguir os professores vinculados às
atividades de extensão que, por ventura, fossem identificados como obstáculos ao seu projeto de poder
capitaneado por ele.
Nas palavras de um ex-Pró-Reitor de Extensão, assessor do então Reitor, que discordava de
certas posturas por ele tomadas:
“Capistrano sempre quis ser um soberano, uma liderança única, máxima. Ele não
admitia ninguém lhe fazendo sombra. O seu grande projeto era se projetar na
política partidária como Deputado Estadual. Aliás, sobre esse aspecto, ele se
revelou desde quando entrou na Associaçào dos Professores de Mossoró - APM,
depois, sendo o seu Presidente. Ali, sim, foi o seu surgimento, querendo aparecer
o tempo todo, querendo se tornar conhecido, (...) o seu negócio era a mídia (...)
Ali foi o início do processo. Pois, quem era Capistrano, quando veio de Natal
para cá? (...). Trabalhava na Livraria Universitária, era professor de História de
1o e 2o graus e começou a penetrar junto às lideranças resistentes (...) se jogando,
querendo assumir tudo, até ser reitor da URRN. Como reitor, a sua principal
estratégia foi eliminar as lideranças, isso foi público e notório. A sua
característica principal foi essa. (...) a sua estratégia política era limpar o
terreno, retirando as pessoas que tinham um trabalho, que poderiam impedir que
ele aparecesse. Pois a plataforma da URRN deveria estar limpa, para ele plantar
o seu projeto político pessoal para deputado estadual. E ele preparou o terreno
mesmo: abriu caminho para o seu cunhado (Gonzaga) ser o seu sucessor na
reitoria e este, por sua vez, trabalhou para a sua campanha via URRN (...) O jogo
foi arquitetado e executado e surtiu efeito satisfatório em termos eleitoreiros, isto
não resta dúvida”.
Dessa forma, tratou logo de demitir o Pró-Reitor de Extensão, o professor Felipe Caetano de
Oliveira, que representava o que, à época, se dizia a esquerda do movimento docente. Ele havia sido
nomeado, em 16/08/1985, pelo Reitor “pro tempore”, o Pe. Sátiro Cavalcanti Dantas, antecessor e
partidário de Capistrano.
A demissão se deu em 07/06/1988, depois de sérios confrontos com o então Reitor Antônio
Capistrano. O Pró-Reitor discordava dos recursos que a nova administração vinha usando na UERN.
Para ele, uma instituição universitária constitui um espaço que deve ser consagrado à vida acadêmica
e não um trampolim para projetos pessoais. Eis a causa da demissão do mencionado professor. Depois
de Felipe Caetano, ainda foram nomeados três Pró-Reitores na gestão de Capistrano (1987-1989).
Ao mesmo tempo, o Governo do Estado respaldou inteiramente a implementação de projetos
ditos de “extensão”, porém, na verdade de cunho eleitoral, a exemplo dos que tiveram grande peso
neste sentido, como o Projeto Conjunto Geraldo Melo, nome do então Governador do Rio Grande do
Norte através do qual foram doadas 120 casas aos funcionários da UERN. O “Projeto Suburbão”, cujo
objetivo era integrar o futebol nos bairros, abarcando uma faixa de quarenta times, atingindo uma média
de quase mil homens
Acrescente-se, ainda, o Projeto Integração, que hoje é chamado “Integração e Parceria”,
abrangendo cerca de cinqüenta municípios do Oeste do Estado que firmavam convênios com a
Universidade.
Outra estratégia utilizada foi a contratação de cerca de duzentos funcionários pelo Reitor
Chimbinho, às vésperas da eleição para Deputado estadual (outubto de 1990) visando beneficiar a
Antônio Capistrano, seu antecessor. Sobre esse fato, um Técnico do CRUTAC que contestava essas
atitudes, e um Reitor adepto do grupo à época, entrevistados dizem, respectivamente, o seguinte:
“Na campanha de Capistrano (...) naquele período foram contratados uns
duzentos funcionários com esta finalidade. A gente chamava “O Trem da
Alegria”. Nessa embarcada chegou na extensão para trabalhar no “Suburbão”
(...) Esse trabalho ajudou demais na campanha de Capistrano (...) entraram no
“Trem da alegria para ajudar na campanha de Capistrano”...“Mais de
duzentas pessoas que até hoje a Universidade (...) Os novos contratos eram
feitos através de cartões, com pedidos para serem nomeados, pega fulano,
coloca fulano pra isso, coloca fulano pra aquilo, sem nenhuma dúvida, ouve
esse uso da máquina em função da campanha do então candidato a Deputado
Estadual Antônio Capistrano, através de Gonzaga Chimbinho”.
“Mais de duzentas pessoas que até hoje a Universidade (...) Os novos contratos
eram feitos através de cartões, com pedidos para serem nomeados, pega fulano,
coloca fulano pra isso, coloca fulano pra aquilo, sem nenhuma dúvida, ouve
esse uso da máquina em função da campanha do então candidato a Deputado
Estadual Antônio Capistrano, através de Gonzaga Chimbinho”.
Percebe-se, assim, que as práticas desse grupo, a exemplo da estratégia acima empregada,
visando a interesses eleitoreiros, assemelham-se às do grupo anterior, antes da estadualização, quando
a Universidade era alvo de interesses políticos e eleitorais da família Rosado. Não se preocupando pois,
em adotar uma política educacional à altura da Universidade.
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