ODE MARÍTIMA DE ÁLVARO DE CAMPOS DIREÇÃO CÉNICA NATÁLIA LUIZA INTERPRETAÇÃO DIOGO INFANTE (texto) JOÃO GIL (música) cenografia Fernando Ribeiro música original João Gil desenho de luz Miguel Seabra vídeo Pedro Sena Nunes (realização e imagem) João P. Duarte (edição) responsável técnica de digressão Tânia Neto coprodução São Luiz Teatro Municipal TNSJ Caeiro, o mestre, diria… Sejamos simples e calmos, Como os regatos e as árvores, E Deus amar‑nos‑á fazendo de nós Belos como as árvores e os regatos, E dar‑nos‑á verdor na sua primavera, E um rio aonde ir ter quando acabemos!… Procurei que o alter‑ego Caeiro fosse a “voz” que conduzisse o espectáculo… Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!), Isso exige um estudo profundo, Uma aprendizagem de desaprender estreia 5Mar2014 São Luiz Teatro Municipal (Lisboa) dur. aprox. 1:10 M/12 anos Natália Luiza (Campos) Teatro Nacional São João 3‑13 abril 2014 qua-sáb 21:30 dom 16:00 Como é sentir? ····························································································································· Luís Gouveia Monteiro Estes belos e grandes navios, imperceptivelmente balouçados (bamboleados) sobre as águas calmas, estes robustos navios com aspecto ocioso e nostálgico, não nos dizem numa língua muda: Quando partimos para a felicidade? Charles Baudelaire TNSJ Praça da Batalha 4000-102 Porto T 22 340 19 00 TeCA Rua das Oliveiras, 43 4050-449 Porto T 22 340 19 00 MSBV Rua de São Bento da Vitória 4050-543 Porto T 22 340 19 00 Linha Verde 800-10-8675 www.tnsj.pt A primeira pergunta do Diogo, retórica, é: “Como é que se interpreta o mar?” Como é que se garante o absoluto, como é que se produz a transcendência? Como é que se pode assegurar que a magia é guardada e repetida, distribuída em palco, em dezenas de espectáculos, por todo o país, para milhares de pessoas, de quarta a sábado às 21:30, domingos às 16:00? Ah, “as máquinas e a sua poesia também”. A pergunta, no fundo, é como repetir o que aconteceu na Quinta das Lágrimas, a 24 de Julho de 2012, depois das nove e meia da noite. A Lua estava cheia, era uma terça, fazia muito calor e oitocentas pessoas esperavam ao ar livre por uma leitura encenada da Ode Marítima de Álvaro de Campos. A equipa, a mesma: Diogo Infante, João Gil e Natália Luiza. Só tinham tido meia dúzia de sessões de trabalho para montar o espectáculo e era a primeira vez que o Diogo dizia poesia, mas naquela noite, ali, aconteceu qualquer coisa. APOIO O actor acabou a récita encharcado, com as tripas de fora, virado do avesso, como um casaco despido à pressa. O público ficou colado à cadeira durante dez minutos, antes de conseguir abandonar o recinto. A equipa passou ainda algum tempo em silêncio antes de conseguir explicar aquilo: catarse, transe, sonho, viagem ou, simplesmente, um “vómito”, como ainda hoje o Diogo e o João se referem àquele 24 de Julho. “Essa noite foi muito improvisada, mas muito intensa, verdadeira e orgânica”, lembra o Diogo. “Foi um vómito, uma descarga emocional, as vísceras todas à mostra. À quarta página abandonei a leitura, foi tudo muito electrizante, muito forte”, diz o João. “Foi marcante para nós e para o público. Nessa mesma noite decidimos continuar, era preciso seguir em frente.” Há portanto enormes semelhanças entre a forma como se induz o vómito e o processo de repetição dos milagres. A ambos os fenómenos se habitua depressa o indivíduo que anda nestas lides do mar. E não há maior risco do que navegar essa linha que separa o estrume do açúcar, as duas partículas elementares de que é feito o universo, como dizia o poeta. Se for gentil, o leitor perdoará a escatologia, mas é de tripas que aqui se trata, o que nos interessa é saber como se amanha uma alma. Ora então a questão é como induzir um vómito igual, como produzir repetitivamente um milagre como o da Quinta das Lágrimas? “A primeira vez foi um enorme e maravilhoso descontrolo. Agora é preciso partir muita pedra, controlar muito bem as condições para repetir esse descontrolo”. Como é que se volta a sentir aquilo? Como é que se volta a sentir, ponto. “O desafio é sentir alguma coisa”, diz o Diogo. “Numa época de atordoamento, o difícil é espicaçarmo‑nos ao ponto de sentir alguma coisa.” Como é esquecer? Para os dois intérpretes, o primeiro passo para a reconstrução do milagre foi o confronto sistemático com as imposições do texto, “cheio de beleza e transcendência”, para o Diogo, “ele próprio muito musical”, segundo o João. Pelo caminho, a Natália Luiza, responsável pela direcção cénica, insistiu na importância de tornar a poesia numa coisa viva. “Tivemos de partir muita pedra. O poema é um bloco de um mármore raro, maravilhoso. Para lhe dar vida senti a necessidade de fazer com que aquele texto ficasse meu”, diz o Diogo. E continua: “Esta é a história de um tipo que vê um paquete e se vira do avesso, vai para fora da zona de conforto, mergulha em si próprio. Eu subscrevo emocionalmente a viagem, vou como um barco de papel num ribeiro, perco o controlo de mim. É uma sensação estranha, mas boa. Não sou este homem, mas procurei‑o em mim. Não tanto uma personagem, mas uma determinada energia. A epopeia é um universo que nos é fácil, somos portugueses, as epopeias estão em nós. As referências são‑me familiares. Também conheço a dor e a mágoa e a angústia. Já vivi o suficiente para conhecer estas emoções. É a grande epopeia da humanidade, a necessidade desesperada de sentir alguma coisa”. Já o compositor e intérprete João Gil pensa em altura quando descreve este processo criativo: “O desafio é fazer com que a música seja uma catapulta, uma ferramenta, parte daquela linguagem maior. Para isso é preciso ser útil sem criar ruído. É preciso anular o ego artístico e pessoal. Há questões de coerência tímbrica e harmónica a que é preciso obedecer. O poema passa‑se em vários patamares, exige um determinado ritmo: começa com uma lenta subida de intensidade, em crescendo, atinge um clímax e depois tem um desenlace bastante longo. Temos de respeitar tudo isso e de nos anular, de esvaziar as nossas pessoas. A solução foi aprender a coexistir com um poder dominante, como quando olhamos para o mar e o tentamos ler. É tal qual a leitura da montanha: tenho de a respeitar e só se a souber ler é que a conseguirei atravessar. Mas é sempre a montanha que prevalece, é ela que fica lá”. Por esta altura, a cumplicidade entre actor e músico resulta já numa língua comum, “o texto impõe jogos rítmicos muito definidos, balizas claras, mas a sua entrega tem de ser sempre feita pela primeira vez, implica sempre ir para fora de pé” (Diogo). A um mês da estreia, o desafio já não era memorizar o longo monólogo, era esquecer, desaprender e voltar ao sopro inaugural da primeira vez. “Agora, a margem para o improviso é mais ao nível das intensidades do que das variações.” Agora é preciso preparar o descontrolo e, “se tudo correr bem, não andarei longe do primeiro vómito. Andamos uma vida inteira a aprender para depois, num pequeno gesto, transmitirmos aquilo que somos”, explica o João. “Eu vi um ponto ao longe e pensei, vamos até lá. Ainda bem que o fiz, que me meti nesta balsa com esta equipa fantástica. Não quero portos seguros”, acrescenta o Diogo. Daqui a nada apagam‑se as luzes, sobe o pano, há uma maré que enche e vem aí o mar. “O porto não é alternativa ao naufrágio, é o sítio onde se perde toda a felicidade da vida.” Pois, “estamos todos embarcados”. Ai, tanta citação, por deus, tanta metáfora, temos todos a cabeça cheia de humidade. “Para os barcos, filósofos. A terra moral também é redonda.” Esqueçam. O mar é o maior espelho do mundo. Glossário Marítimo Amainar Colher as velas. Amurada Parte inferior da borda que serve de parapeito ao navio. Ahoy Interjeição utilizada para sinalizar barcos ou navios. É utilizada como saudação, advertência ou forma de despedida. Cordame Conjunto de cabos de uma embarcação. Enxárcia Conjunto de todos os cabos de um navio que seguram os mastros e mastaréus. Escuna Embarcação de dois mastros, velas latinas, verga só avante e sem mastaréu de joanete. Flâmula Bandeira pequena terminada em bico; galhardete; pendão. Galdrope Cabo que auxilia a manejar o leme. Gajeiro Marinheiro de quarto na gávea. Gávea Plataforma a certa altura dos mastros; vela que está acima da grande. Joanete Vela superior à gávea e na sua direcção. Marooned (em inglês no poema) Aquele que foi intencionalmente abandonado numa ilha deserta, com pouca ou nenhuma hipótese de salvação ou resgate. Mastaréu Pequeno mastro suplementar. Poleame Conjunto de todas as peças que servem para fixar ou dar retorno aos cabos do aparelho de um navio. Schooner (em inglês no poema) Escuna. Tramp Steamer (em inglês no poema) Um dos dois principais tipos de navio mercante, no que diz respeito ao tipo de operação. O Tramp Steamer, por oposição ao Ocean Liner, navega sem rota ou calendário definidos, de e para onde quer que sejam requeridos os seus serviços de carga. Tombadilho Castelo de popa, ou seja, parte elevada da coberta do navio, compreendida entre o mastro de gata e a popa. Verga Longa peça de madeira que se coloca horizontalmente sobre os mastros, para que nela se prendam as velas. ficha técnica tnsj coordenação de produção Maria João Teixeira assistência de produção Maria do Céu Soares, Mónica Rocha direção de palco Rui Simão direção de cena Igor Fonseca luz Filipe Pinheiro (coordenação), Abílio Vinhas, Adão Gonçalves, José Rodrigues, Nuno Gonçalves maquinaria Joaquim Marques som João Oliveira vídeo Fernando Costa apoios tnsj apoios à divulgação agradecimentos tnsj São Luiz Teatro Municipal Câmara Municipal do Porto Mr. Piano/Pianos – Rui Macedo Polícia de Segurança Pública apoios ode marítima Textos escritos de acordo com a antiga ortografia. agradecimentos ode marítima Margarida Mendes da Silva Natália Alves Marco Fonseca Nuno Figueira Cláudia Rodrigues João Cachulo