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luca mac doiss
Conto: Livro 138
Setembro 2011
Um amor enlaçado na maternidade
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Livro 138 – Um amor enlaçado na maternidade
Eu, eu quem a você conta, sou por via de regra responsabilizado quando você não encontra explicação para um acontecimento, ou até,
a desculpa esfarrapada para algo que você não quer assumir. Sei, eu sei,
que uma em duas pessoas acredita em mim, a outra, uma em duas situações dá o braço a torcer, a que não, no fim vai me levar em consideração,
afinal o fim é inevitável, então, posso de cara afirmar: você acredita em
mim. Assim vou até lhe confidenciar, segredo mantido a sete chaves, eu
não sou eterno, quero dizer, sou, não sou no trabalho que exerço, desse
um dia me livro, me aposento, e, não sou único, somos vários; mas não
tente entender quanto tempo eu faço o que faço, pois a nossa, minha e
dos meus iguais, medição de tempo é bem diferente da de vocês, simples
mortais; não se ofenda, não é essa minha definição, simples mortal, menosprezadora, mas, sim, provinda de conhecimento da condição humana,
logo, posso afirmar: feliz é a pessoa que sabe que é simples mortal; e,
coitada daquela que pensa ser mais do que simples mortal, que pensa ser
melhor que qualquer um dos animais deste planetinha – planetinha: pelo
tamanho, cada dia menor; mas, pela importância à vida: planetão. Planetão que um dia, de mim não, de um que virá, em duas gerações após a
minha, desse, terá o veredicto decretado; veredicto de primeira e última
instância. Como eu, melhor, como nós não nos nomeamos – vocês sim,
cheios de concepções, dão nome a tudo e a todos, até para mim, e, para
mim, são vários os nomes –, aqui me apresento, mas não me nomeio.
Quer saber?, chega de explicações, vou ao que vim, provar que existo.
Sim, nessa necessidade somos iguais, vivemos provando nossa capacidade de ser e de existir.
Eu provo aqui minha existência com uma história de simples
mortais, que é do que me ocupo, faço a vida de vocês seguirem o rumo
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traçado pelo chefe, meu chefe. Simples mortal, digo sem desmerecimento
algum, já disse, eu não me preocupo com conceitos, até gosto de pessoas
comuns, mas muitos aí deveriam entender a realidade, entender a fragilidade, a temporalidade da vida; mas essa preocupação não é minha, o chefe que se preocupe; não é uma das minhas atribuições, filosofar, ensinar a
viver; penso até que vocês não me entendem, muitos deixam tudo comigo, e, confidencio, em tudo que faço, o humano tem uma boa parcela de
responsabilidade, pelo bem ou pelo mal. Espero que tenha notado, mas
pelo sim, pelo não, vou dizer, é sempre bom, eu gosto de você, simples
mortal, e gosto muito dos personagens principais desta história, exemplos
de que respeito, amizade, lealdade, honestidade e desprovimento de orgulho podem representar não somente conceitos, mas atitudes.
Eu, por ser esta história o meu primeiro trabalho, ainda como
estagiário, pude direcioná-la desde o princípio; de verdade, foi o meu
primeiro trabalho sem nenhum erro, em outros fiz o que todo estagiário
faz, um monte de besteiras, mesmo com bons coordenadores. E, não me
custa lembrar: na vida, todos vocês são estagiários; vivem para aprender;
quando prontos, pronto, pé na bunda, fim. Eu tive dois ótimos mestres,
dois experientes, o primeiro cuidava de nascimento e o segundo de encontro. Desses treinamentos e de outra experiência, que agora passo, resolvi que não vou trabalhar com fim; não estou a fim e pronto. Pronto,
vamos à história.
Passo Um
Um dia de sol, Tomi, pai de novo, outra filha, “Parabéns, é uma
linda garota.”
Outra linda garota, vento que vem, vento que vai, “Só vem vento contra?”
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“Saúde, tem saúde”, importante, já no primeiro berro, mostrou a
que veio, já no primeiro olhar deixou o papai apaixonado, se é que tinha
por onde.
“Sujeito de sorte, eu, dupliquei o sorriso da primeira”, quem
tem filha sabe, ele sabia, carinho garantido.
“Garantido, né?”, filha é para toda vida, casa, mas não se esquece que tem casa; sim, um dia casa.
“Ganho um filho”, lugar comum mais ludibrioso, mentiroso
mesmo.
“Ai dele se não encher a mesa de boa comida e bom azeite, português, da beira, o legítimo”, Tomi concorda com a patroa.
“E sashimi, de atum”, disse, mas disse baixinho, quase pensou.
Ele, já ao vidro do berçário, sentiu raiva do aventureiro, com
certeza apareceria do estrangeiro, do Paraná, do Líbano, do Japão; é
sempre assim, alguém aparece de longe e leva para longe uma filha tratada a pão-de-ló, “É verdade, mas tem de documentar.”
“E, aonde é que tenho de ir?”
“O cartório é logo ali, na Bela Vista.”
Sim, registrar a filha, legitimar à família. Bateu o quilômetro e
quase outro a pé, com sol de fazer cidadão andar colado às paredes dos
prédios, “Não é fácil”, e mais, depois de uma noite em posição de Buda
naquela poltrona de acompanhante do quarto da maternidade, “Pai sofre,
um dia ela vai reconhecer”, ó dó, não é o primeiro, nem o último. Era o
terceiro, nove horas e dez minutos da manhã, era o terceiro dentre os que
haviam ido anunciar a chegada de um mais neste mundo, “Uma, uma linda garotinha.”
“Nome? Se quiser há uma lista telefônica ali.”
“Não é necessário; eu, é, minha mulher e eu, é, ela... Suzana.”
“Cesana?”
“Su.”
“É tudo Ana.”
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“Olhe aqui, tá neste papel.”
“Melhor assim, se você não pega um cara letrado, inteligente
feito eu, podia sair no registro: Cesana.”
“Qual o problema com Cesana? Curiosidade, né?”
“Português demais, o nome, né?”
“Amigo, escreva logo aí, estou perdendo a paciência.”
“E eu que pensei que seu povo fosse o mais paciente do mundo.”
“Há limite!”
“Sim, no livro também, acabou de acabar, vou pegar outro, é só
dois pauzinhos.”
“Engraçadinho.”
“Dois palitos, dois minutos.”
“Eu entendi, sua... espertinho.”
Vinte minutos depois, o atendente volta com um novo livro, “O
primeiro registro é o de sua filha, é boa ventura, é sorte.”
“Hugh.”
“Tá, vou logo, só um minuto.”
“O... brigado.”
“Nasceu ontem? Dia primeiro?”
“Não, dois dias, trinta.”
Passo Dois
Um dia típico de São Paulo, Carlito acordado, suavemente, pela
mulher, nem bem tomou sentido, se apavorou; a água espalhada, espalhada ficou; nem bem chegaram à maternidade, “Homem.”
“Inteiro?”
“Sim!?”
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“Com saúde, pergunto.”
“Sim, com saúde, e, inteiro, saco roxo.”
Graças a mim.
“Obrigado, Senhor.”
Não há de quê; meu trabalho.
“Primeiro?”
“Não, eu também tenho!”
“Mais um engraçadinho.”
“Sim, tomara... brincadeira, esse é meu segundo filho”, o céu
nublado, carregado, fazendo tudo cinza não apagou o humor do papai.
O médico, depois de o quinto a chegar berrando, “Depois de
quatro, aparece esse pai”; primeiro o filho que, nem bem apresentara o
pipi ao mundo, lançara água pra cima, pro rosto dele; então, depois de
dois chorões, um desmaiado e um beijoqueiro, “Se eu não fosse safo, teria o beijo acertado a boca”, vem um engraçadinho, “Ninguém merece”,
então, com razão, manteve o humor cinzento.
O do pai ficou (cinzento), no outro dia, na informação de que o
cartório era na, “Bela Vista? Onde é? No Guarujá?”
“Aqui, o atestado para o cartório, precisa do registro para levar
o bebê.”
“Alvará de soltura!”
“Quê?”
“Quem tem filha, que a prenda em casa.”
“O senhor queira deixar-me atender o próximo? Tenho mais o
que fazer”, atendente de secretaria é atendente de secretaria, não pode ser
simpática com cliente, nem paciente com paciente, é norma.
“Oi, desculpe-me por ser o próximo. Tá nervosa?”
Sim, norma é norma, “Também, só me aparece pai bobo, sorrindo pra todo lado, ou, pior, pai engraçadinho, principalmente quando é
homem.”
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Aí concordar é fácil, “Esse vai ser que nem o pai”, bonito, bom
de bola, veloz piloto, ganhador (um verdadeiro dom-juan), vencedor (primeiro milhão aos vinte) e ladainha afora.
“Bela Vista, aqui vou eu, anunciar um segundo perpetuador da
família premium special super mega...”
Depois de uns cem adjetivos, “Senha quarenta e onze.”
“Quarenta?”
“E onze.”
“Quarenta e onze?”
“Mais um.”
“Não entendi!”
“A senha é número quarenta e existem dez pessoas na sua frente; quer que eu escreva?”
“Fi... engraçadinho!”
“Tá vendo, não se pode nem brincar”, não disse, o atendente,
mas diria se conhecesse esse pai, ‘pessoas engraçadinhas gostam de fazer
piadas com os outros, mas quando fazem com elas, despenca o mundo
em ladeira’.
Ao painel piscando, “É aqui, o registro de nascimento?”
“Aí na sua cabeça.”
“Quê?”
À pergunta, vendo que o atendente nem levantara os olhos para
ver quem ali se postara, levantou os deles e viu as letras estampadas na
parte superior do balcão, “Sim; tome o documento da maternidade e este
papel com os nomes.”
“Nasceu quando?”
“Vinte e dois.”
“Olhe só, o de seu filho vai ser o último registro neste livro, é
boa ventura, é sorte.”
“Sorte, por quê?”
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“Sei lá, ouvi isso de meu chefe, que ouviu do chefe dele, que
ouviu do chefe dele, que ouviu...”
“Já entendi.”
“Bem, pelo menos, é sorte, porque não vai você ter de aguardar
mais de meia hora para eu trazer um novo livro. Você sabe, tem de ter a
ciência de meu chefe.”
“Não, não sei.”
“Eu sei.”
“Não quero saber.”
“Eu sabia.”
“É pra hoje.”
“Junior?”
“Sim, Junior, Carlos”.
Eu sei, aparentemente não existe nada nesses inícios de vida
que indique minha interferência; sim, se você não sabe que a vida é cíclica; assim, atrás do último vem o primeiro, no caso a primeira. Ou seja, já
aí acima, comecei a executar meu plano. E, sim, eu tenho culpa pelos
pais que eles têm.
Passo Três
Eu até quis, mas a experiência de meu mentor não me deixou
juntá-los no início da adolescência; eu aprendi, estagiário também aprende; eu aprendi que, mesmo para mim, é muito difícil fazer com que um
namoro nessa fase da vida dure, tenha futuro, permaneça para toda a vida; na maioria dos casos acaba em um ano escolar, difícil atravessar a
adolescência, e, eu planejei esse encontro, de qual conto, para todo o
sempre, um encontro de amor celebrado e perpetuado, então intervim para que os dois permanecessem livres até o momento mágico do amor flo-
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rescido em cores esplendorosas e... nossa! romantismo pega; eu só queria
dizer que: eu não podia dar sopa ao azar.
Suzana, desde cedo, gostava de irritar os garotinhos, ou deixando-os para trás nas notas escolares ou vencendo-os em atividades de
recreação; menos futebol, esporte não adequado às garotinhas, às pequeninas. Contente por pensar que assim ela afastava o interesse dos pivetes,
fui surpreendido pelo Gugu; e com esse nome, nome adotado pelos coleguinhas ao ouvir a mãe chamá-lo. O pivete era um daqueles que gostam
de ser humilhados pelas garotas, daqueles que gostam de receber ordens
das garotas; sim, porque só isso explicava o fato de ele não desgrudar de
minha protegida, nem bem ela pisava o primeiro degrau da escada do colégio, ele aparecia como uma sombra, e como sombra ficava o dia todo.
Pior, ela gostava cada dia mais da situação, acostumada pelos mimos, pelas vontades todas atendidas de pronto, mochila carregada, refri buscado,
lanche melhorado; se bem que, como comia menos que um passarinho –
preocupação que me acompanha até hoje, ela precisa comer mais, até ajudei quando escolhi uma mãe médica a ela, mas quê –, o Gugu acabava
comendo quase os dois lanches inteiros. Bem, mas no dia em que ela deu
um beijinho na face direita do menino, eu decidi, era hora de agir: arrumei uma transferência de trabalho ao pai do menino para o Rio Grande
do Sul; garanti meu plano por uns mais seis anos, até a segunda série do
segundo grau.
Carlos não me deu trabalho na infância, só se preocupava em
jogar futebol, na escola, no clube, na quadra do prédio, só futebol, e sempre de verde, até jogo do time dele eu vi; bem, houve uma garotinha, eles
se viam nas férias, eu não via aí nenhum risco para meu plano fazer água
– uma lembrança, ele gostava de jogar Batalha Naval –, dez anos de idade é muita precocidade, mesmo assim adotei o procedimento padrão 111,
enviei-a junto com a família para o Japão. Eu sabia o que me aguardava
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na adolescência, tinha de estar descansado para a trabalheira que ele me
traria.
Passo Quatro
Eu quando contei que não gostava de fim, não falei por falar,
afirmei por experiência; adquirida ao cobrir umas férias do responsável
por esse setor e sofrer na pele; força de expressão, nem pele tenho; sim,
sofri demais, vi muita dor, várias sem aparente justificativa, várias revoltantes; vi muita hipocrisia, muito desapego pela vida e muito apego a dinheiro, até mesmo ao fim da vida. Foi em razão desse trabalho temporário, justificado como importante para a minha formação, que larguei de
vista meus dois protegidos. Quando voltei, então como efetivo no setor
de encontros... e, pode dissipar qualquer pensamento no sentido de que
seja eu um cupido; eu sou um mestre, um senhor, não um imaginário bate
asas com um arquinho a atirar flechinhas. Volto, quando voltei, meus
protegidos estavam com dezesseis anos.
Suzana, cada dia mais inteligente, cada dia mais centrada, mais
focada na busca do objetivo profissional – se formar na área farmacêutica, se formar na melhor escola do país –, não me trouxe nenhuma preocupação no sentido de ter meu plano atrapalhado, ela tinha a convicção
de que um namorado, então, só a desviaria dos necessários estudos, do
necessário tempo dedicado aos livros para se ingressar na melhor faculdade do país. Só uma interferência, nem precisei de muito esforço, pois
fazer aquele sujeitinho – o quatro-olhos, óculos que o deixavam com cara
de inteligente, só cara – repetir o segundo ano do segundo grau não foi
nenhuma façanha.
Carlos, a escola não exigia, ele sobrava, passava longe do estudo dedicado; nem no último ano do colégio alterou o ritmo, sentia que
entraria em qualquer escola deste país, bastava escolher; priorizou Cam-
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pinas, priorizou Florianópolis, Campo Grande, Xingu... menos São Paulo, talvez última opção, o que queria era independência; tentou se rebelar,
quando na casa dos pais, mas não achou uma causa, então, morar sozinho
era o caminho para uma liberdade com responsabilidade, sem tutela. E eu
que tinha escolhido a ele um pai liberal, sabendo de antemão dessa necessidade de espaço de meu protegido, encontrei-me desafiado, com meu
plano ameaçado; precisava agir com urgência; o espertinho, se eu não fizesse nada, entraria, com certeza, em uma dessas faculdades selecionadas. E havia outro fato, essa característica dele era a que mais me preocupava: ele não se amarrava em ninguém, gostava de ficar e só; ficar, enlaçamento de um dia, de uma noite. Sim, preocupava-me, como fazer ele
se apaixonar por ela, se ele pensava que ainda havia muitas a pegar; como fazer ela se apaixonar por ele, se ela não tinha como prioridade um
namoro, quanto mais um namoro com expectativa de durar uma vida; e,
ainda, em um mês. Sim, para achar a solução, eu tinha trinta dias, trinta
dias antes de os exames vestibulares se iniciarem, antes de eles terem as
faculdades escolhidas; ela, bem perto, ele, bem longe; e esse perto não
era perto desse longe, nem esse longe era perto desse perto; os referenciais eram as casas dos pais, que eram perto uma da outra.
Passo Cinco
Um encontro, eu precisava fazer com que eles se encontrassem,
mas para o plano funcionar teria de ser em duas etapas; eu sou bom nessas combinações. A necessidade de documentos de adultos – adulto, coisa de humano; adulto é responsável, bah!; adulto pode dirigir automóvel,
hah! – os levaria a voltar ao cartório para solicitar um registro de nascimento original. Deu trabalho fazer com que os dois fossem no mesmo dia. Na primeira tentativa, eu fiz faltar energia elétrica no cartório; ela foi;
ele, foi ao cinema, esqueceu-se do que tinha de fazer.
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No outro dia, após as aulas da manhã, “Senha cento e doze. Senha cento e treze.”
“Obrigada.”
“Obrigado.”
No painel, o número 113 revelou-se, antes do 112, “Suzana?
Veja se está tudo certo.”
“Suzana!?, está cega, moça, sou o Carlos!”
“Sorri. Desculpe em inglês. Eu disse Suzana, não por pensar ser
você uma mulher, mas por ser o documento da Suzana, e você podia ser
o solicitante, mas presumo que não, e...”
“Tá, tá de bom tamanho, a explicação, mas não, não sou solicitante, nem sou a Suzana e é sorry, não sorri.”
“Isso eu posso ver, que você não sabe sorrir, e, também, mulher
não tem esse humorzinho, parece que saltou do ônibus em movimento.”
“Não, pode parar, esse documento não...é...mEU!”
“Perdão, é meu. Desculpe-me, é que eu ouvi, não tinha como
não cair na ri..., quero dizer ouvir, e minha senha foi pulada”, Suzana tinha se aproximado.
“Tá vendo, moçinho, errei ao apertar a senha; acontece, mas,
nós raramente erramos aqui no cartório.”
“E...”
“E o quê?”
“Conte outra!”
“Parem! Tenho mais o que fazer, eu sou a Suzana!”
“E eu tenho culpa se seu pai lhe botou esse nome? Com tantas
anas, Mariana, Esperana, Diana, Tiana... e, olhe que bonito: Cesana!”
“Seu engraçadinho. Moça, meu documento, por favor, pelo amor de Deus, antes que eu enforque esse sujeitinho.”
“Eu ajudo.”
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Notaram a esperteza, minha? Esse tipo de encontro, casual,
marcado por um incidente, um que leva a uma discussão, não falha, é um
episódio marcante; vi em muitos filmes americanos; é muito melhor que
aquela melosa troca de olhares que leva a um amor à primeira vista,
“perdão, esse é o meu documento”, “ó, não percebi, desculpe-me”, “desculpas, peço eu”, “não, eu”, “não...”, não dá, é muito mel para um conto
só.
Passo Seis
Pela determinação dela, dela somente – não havia necessidade
de dizer –, focada que estava em conquistar uma vaga na faculdade, até
tirei uns dias de descanso, pois só conseguiria promover um novo encontro, deles, após os exames da primeira fase dos vestibulares, não havia
jeito, adiei em uns dias esse passo de meu plano; assim tive até de deixar
que nosso protegido fizesse os exames da Unicamp e da Federal de Santa
Catarina. Com uma ajudazinha do irmão, que o convenceu, “Ceda aqui,
ganhe ali; não entendeu? Você, picareta, vai precisar do dinheiro para a
viagem”, ele fez, também, as provas da Fuvest, não com muita vontade,
fez, era o que eu precisava, estava no plano, bastava-me que ele comparecesse. Campo Grande, ele, mesmo sem minha interferência, desistiu;
nenhuma aí novidade, novidade foi ele viajar para Floripa, para provas
vestibulares. E o Xingu? bem, a universidade de lá reservou noventa e
nove por cento das vagas aos descendentes dos donos deste país, e o um
por cento a não descendentes de japoneses. Coisa linda!, a política social
deste país.
Uma balada... balada, balada, deixe-me acostumar com a denominação; a cada três anos, cinco, se muito, esses lugares de encontro,
de ficar, de namorar, de pegar, de ralar, de beijar... bem, esses lugares
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para jovens mudam de nome – muda-se a forma, mantém-se o fim. Lembro-me bem dos saraus, dos bailes de pompa em clubes sociais, dos bailes informais... depois, vieram as festinhas em casa, e, as discotecas, esse
tempo foi até divertido, mas aí começou a informalidade, começaram a se
tornar minhas atribuições mais difíceis.
Uma balada, uma amiga comum, pronto, com esses ingredientes consegui reunir os dois no mesmo local, “Quero lhe apresentar o...”
“Você?!”
“Conheço você?”
“Antes não conhecesse.”
“Não me diga que... faz pouco mais de um mês... no cartório?”
“Sim.”
“Ah, diga a verdade, foi divertido.”
“Sim, é verdade.”
“Ana, espere... Suzana!”
“Carlos, não? Não! Não. Sim. Sim!” One kiss, some kisses, some more kisses, more some kisses, some kisses more.
“Seu!”
“Sua!”.
Entendeu, não? Se não, esquece, ou lê de novo, não vou gastar
linhas convergentes, nem é romantismo minha especialidade, nem tenho
paciência para explicar.
Passo Sete
Suzana e Carlos casam-se nesta semana, nesse próximo sábado, dia vinte e quatro. Obviamente, ela, hoje, está diplomada pela Farmácia USP e trabalhando na área, a vida não é só diversão. Ele, precisei dar
uma forcinha, após o ardente encontro na balada, precedido do determi-
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nante encontro no cartório, esqueceu-se de morar bem longe, estudou
umas duas horas para os exames da segunda fase, e, entrou na Computação USP; hoje, graduado, até trabalha; trabalha, nos intervalos entre jogos no computador e mestrado, trabalha com jogos de computador, a vida
é só diversão.
Semana passada, oito anos do primeiro encontro, ouvi, nunca é
tarde para reconhecer, “Parece obra do destino.”
“Não acredito em destino, Su.”
“Você não se recorda do que disse o atendente do cartório,
quando lá estivemos para marcar o casamento? Veio até o chefe dele para
confirmar.”
“Sim!?”
“Mesmo livro de registro de nascimento?”
“Humm.”
“138?”
“Hummm.”
“O destino uniu vocês?”
“Bem, mas esse livro deve ter uns dez mil nomes, estatisticamente não existe nada de incomum em nos encontrarmos.”
“Trezentos nomes!”
“Trezentos, é? Ó, poderoso Senhor Destino!”
Obrigado!
Alguns números
― Na cidade de São Paulo há quarenta e oito cartórios de registros de nascimento (cartórios de subdistrito);
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― O registro de nascimento é feito em um livro, até nos dias de
hoje;
―Um livro possuiu trezentos registros de nascimento;
―Um livro leva, média dos cartórios da cidade de São Paulo,
quinze dias para ser completado;
― Na cidade de São Paulo nascem aproximadamente duzentos
e cinquenta mil pessoinhas por ano, algo em torno de dez mil a cada
quinze dias;
― Na grande São Paulo: multiplique por dois;
― No estado de São Paulo: multiplique por dois;
― No país Brasil: multiplique por cinco;
― No continente América do Sul: multiplique por dois;
― No planeta Terra: multiplique por dezoito.
.
.
.
.
A
“ h, você não acha Suzana um nome bonito?”
“Não, quero dizer, sim.”
“Não ou sim?”
“Sim, eu acho o nome bem bonito, disse o que disse, no cartório, só para não perder a deixa.”
Continua. ...
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