PROPOSTA METODOLÓGICA PARA DESENVOLVIMENTO CATALOGAÇÃO, CRIAÇÃO E VALIDAÇÃO DE SINAIS EM LIBRAS: O GLOSSÁRIO DA ARQUITETURA E ENGENHARIA. Vera Lúcia de Souza e Lima1 Este projeto de pesquisa, ainda em andamento, trata do desenvolvimento de um glossário terminológico bilíngüe (LIBRAS – Língua Portuguesa) de termos técnicos da arquitetura, situando, desta forma, a proposta nas áreas da Lexicografia e da Terminologia, a partir dos preceitos da onomástica. A metodologia a ser empregada neste projeto baseia-se naquela usada no desenvolvimento de dois projetos de iniciação científica BICJR: o primeiro projeto, “Criação de uma Linguagem Instrumental em Libras Aplicada à Construção Civil: Construção de um Glossário Técnico para Ensino de Desenho Arquitetônico” que almeja a edição virtual e física de um glossário de termos técnicos em LIBRAS que possibilite a adequação da linguagem instrumental, em Libras, e situa este projeto de pesquisa nas áreas da Lexicografia e Terminologia; e o segundo projeto, ”Elaboração de um Manual Aplicado à Construção Civil para o Ensino de Desenho Arquitetônico para Alunos Surdos”, que é uma aplicação do primeiro projeto possibilitando a construção de um manual de ensino de desenho arquitetônico para surdos. Tais projetos, originados no Departamento de Engenharia Civil do CEFET-MG, evidenciaram a complexidade do acesso dos surdos a níveis acadêmicos mais elevados, principalmente, devido às barreiras ocasionadas pelas diferenças lingüísticas interpostas entre aqueles que se expressam em Libras, os surdos, e os que se expressam em línguas orais, como os falantes de Língua Portuguesa. Além das metodologias relacionadas à lexicografia e à terminologia, o projeto valer-se-á das metodologias de Pesquisa Participante, na qual pesquisador é também o objeto da pesquisa (Lakatos e Marconi, 1991), e da Pesquisa-ação, que pressupõe que os sujeitos nela envolvidos compõem um grupo com objetivos e metas comuns, tratando de 1 Doutoranda em Lingüística – UFMG. Professora do Departamento de Engenharia Civil do CEFET-MG. Coordenadora do Pólo Letras-LIBRAS do CEFET-MG/UFSC. [email protected] questões emergentes de um dado contexto (Thiollent, 1994 apud Pimenta, 2005). O conceito de pesquisa-ação abordado por Franco (2005): “A pesquisa-ação, crítica, considera a voz do sujeito, sua perspectiva, seu sentido, mas não apenas para registro e posterior interpretação do pesquisador: a voz do sujeito fará parte da tessitura da metodologia da investigação. Nesse caso, a metodologia não se faz por meio das etapas de um método, mas se organiza pelas situações relevantes que emergem do processo.” corrobora com as necessidades deste público alvo que, ao término do ensino médio, embora inteligente, não visualiza perspectivas de continuidade em níveis acadêmicos mais elevados. Os projetos de pesquisa supracitados lançam luzes sobre uma área ainda sombria: o pensar científico e criativo dos jovens surdos que muitas vezes não se sabem estrangeiros lingüísticos em seu próprio país. As questões relacionadas à comunicação e linguagem do surdo, ou deficiente auditivo, são objeto de estudos muito recentes e, portanto ainda tão pouco compreendidas pela sociedade em geral, que vale citar Berberian, Guarinello e Massi, pesquisadoras da área da surdez, que afirmam: Atualmente, um número significativo de surdos vem sendo classificado equivocadamente como iletrado pelo fato de fazer uso da escrita sem ter conhecimento da realidade oral da Língua Portuguesa, nem tampouco da língua de sinais.. Assim como a LIBRAS, uma língua visuo-espacial é assumida pela comunidade surda como sua primeira língua, enquanto o português assume um papel secundário, o sistema educacional precisa desenvolver uma abordagem bilíngüe, LIBRAS – Língua Portuguesa, para promover a educação deste público alvo. A utilização das línguas de sinais pelo surdo, sua língua materna, para comunicação faz com que os mesmos se tornem, obrigatoriamente, bilíngües de uma maneira singular: sua L2, língua oral-auditiva (língua portuguesa, por exemplo) será utilizada apenas em sua versão escrita. As línguas de sinais, diferentemente das línguas orais, são de modalidade visuo-espaciais, tornando o surdo um bilíngüe bi-modal, isto é, comunica-se em línguas de modalidades diferentes. Até que os sistemas educacionais compreendessem a complexidade da situação do surdo, ao longo dos séculos, o surdo foi submetido a várias abordagens educacionais, segundo QUADROS “a educação dos surdos imprime visões do oralismos, da comunicação total, do bilingüismo. “No entanto é somente a partir da abordagem do bilingüismo é que se retoma a questão da “educação” na educação dos surdos”. Dentro da temática do bilingüismo há um outro personagem a ser considerado: o ouvinte, filho de pais surdos. Os ouvintes, filhos de surdos, recebem a denominação internacional de CODAs (Children of Deaf Adults). Cabe aqui registrar que estes têm quase que uma obrigação de serem bilíngües desde a infância, pois os CODAs muito cedo tornam-se intérpretes dos seus pais nas mais diversas situações. Desta forma, tanto a criança surda quanto a criança CODA convivem com a noção de um certo estrangeirismo em sua própria casa ou nação. QUADROS aborda com muita propriedade o tema da criança CODA com intérprete: “Os CODAS, desde a tenra idade, aprendem que nem sempre o princípio de equivalência lingüística é possível, trata-se de mundos diferentes e que tornam abissais as diferenças. Sem saber, as crianças codas já se deparam com o território da intradutibilidade dos idiomas com os quais convive. A situação de fronteira subjetiva de um CODA que pertence tanto ao grupo cultural dos surdos como dos ouvintes traz uma situação de angústia da tradução. (...) Como passar para língua portuguesa o que em Libras é construído dentro de um campo subjetivo com uma forma tão singular em relação aos aspectos culturais? Como traduzir para Libras o que tem uma dinâmica própria da língua portuguesa e que tem outro tipo de representação noimaginário dos surdos?” O trabalho do pesquisador americano William Stokoe (1919 - 2000) comprovou que a língua de sinais atendia a todos os critérios lingüísticos de uma língua genuína, no léxico, na sintaxe e na capacidade de gerar uma quantidade infinita de sentenças, pois a lingüística, enquanto ciência, tinha seu início nos estudos do próprio Saussure. Sobre a obra de Stokoe, em RAMOS (2004), encontramos que: “primeira publicação, Language Structure: An outline of the Visual Communication Systems of the American Deaf, de 1960, é tida como marco, como “prova” da importância lingüística das Línguas de Sinais. Em 1965 Stokoe publica, em co-autoria com D. Casterline e C. Cronoberg, o primeiro dicionário de Língua de Sinais (A Dictionary of American Sign Language), inserindo definitivamente o estudo das Línguas de Sinais na ciência lingüística”. No entanto, antes dos estudos de Stokoe, cabe aqui, explicitar alguns momentos nos quais, Saussure, menciona tanto a possibilidade da existência da língua de sinais ou da linguagem dos surdos mudos, quanto questões que relacionam e distinguem língua e terminologia e nomenclatura. Nas páginas 17 e 18, do “Curso de Lingüística Geral”, pode-se perceber que, em essência, as teorias de Whitney, lingüista americano, estão em consonância com aquelas de Saussure: “a língua é uma convenção e a natureza do signo convencional é indiferente” revelando-se como secundária a questão do aparelho vocal para a comunicação entre pessoas. Na pagina 24, Saussure explica que a língua é um sistema de signos que exprime idéias e, portanto, é comparável à escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos, aos ritos simbólicos, as formas de polidez, ela é apenas o principal de todos esses sistemas. Na página 82, há uma observação de Saussure sobre a possibilidade da existência de uma língua baseada na pantomima: “quando a Semiologia estiver organizada, deverá averiguar se os modos de expressão que se baseiam em signos inteiramente naturais – como a pantomima – lhe pertencem de direito”. Na página 84, questões da linearidade do signo lingüístico e previsão rudimentar de compreensão do caráter não linear do significante visual. Na página 91, no capítulo dedicado à mutabilidade do signo lingüístico Saussure afirma que “A continuidade do signo no tempo, ligada à alteração no tempo, é um princípio da semiologia geral; sua confirmação se encontra nos sistemas de escrita e na linguagem dos surdos mudos”. Do ponto de vista da terminologia, na pagina 30, Saussure afirma que a política interna dos Estados não tem a menor importância para a vida das línguas e que um grau avançado de civilização favorece o aparecimento de certas línguas especiais (língua jurídica, terminologia científica, etc). À luz de Saussure, nas páginas 132 e 133, pode-se constatar que o que se está realizando, ao desenvolver-se um glossário, é a constituição de uma nomenclatura referente a uma área específica do conhecimento para uma língua, e não a constituição de uma língua em si. De fato, Saussure estabelece que uma língua não é constituída a partir da adição de signos lingüísticos sem a concepção do todo (a língua propriamente dita) que a partir de um sistema de valores organiza tais signos. A constituição de uma nomenclatura pode ser feita a partir da simples união de signos lingüísticos, mas ainda não é uma língua. Cabe aqui explicitar o contexto atual da existência da Língua Brasileira de Sinais, instituída pela lei federal 10.436, de 24 de abril de 2002, a Libras torna-se a segunda língua oficial do Brasil que, portanto viverá nos próximos anos uma pujante e criativa incorporação de termos ao seu acervo lexical. A língua de sinais apresenta características presentes em outras línguas naturais, a língua de sinais, a exemplo das línguas orais, possui gramática própria e é estruturada em todos os níveis: fonológico, morfológico, sintático e semântico. Sendo, então, a LIBRAS, uma língua recentemente instituída, ainda carente de sinais/palavras para muitos conceitos ou vocábulos já existentes em uma língua oral, como o português, na ausência dos sinais em LIBRAS o surdo é introduzido a essas palavras através de uma tradução literal de cada letra grafada para o alfabeto gestual. Porém essa tradução literal não traduz um termo, ou um conceito, para outra língua, mas apenas “transcreve” em gestos uma grafia sem correspondência ou ainda sem significado para seu receptor. Sabe-se que o Brasil conta hoje com um número de 5.750.811 indivíduos surdos, dos quais 776.884 estão em fase de escolarização. No entanto, o número de surdos na escola ainda é muito baixo: apenas 69.420, o que representa uma porcentagem de 8,94% (INEP, 2005). A língua de sinais não se ajusta às propriedades da escrita alfabética, pois esta representa os fonemas das línguas orais e, conseqüentemente a imagem mental de seus falantes (CAPOVILLA & RAPHAEL, 2001),. Como conseqüência disto, os surdos têm acesso limitado aos benefícios que a escrita oferece às demais pessoas falantes de línguas orais. Concluindo, neste momento histórico da difusão da LIBRAS, no qual a comunidade surda se organiza para garantir o seu direito a uma educação bilíngüe segundo é importante citar o pesquisador e lexicógrafo F. Capovilla, apud F. Capovilla, Viggiano, Bidá et al. (2005): “para compreender o grande desafio que a aprendizagem de leitura e escrita competentes constituem para o surdo, antes de tudo é preciso considerar que, enquanto a leitura do código alfabético parece natural e intuitiva para a maior parte das crianças ouvintes, ela se mostra particularmente artificial e arbitrária para as crianças surdas”. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. Dimensões da Palavra, Filologia e Lingüística Portuguesa, n. 2, p. 81-118, 1998 CAPOVILLA FC, MAZZA, CZ. Nomeação de sinais da Libras por escolha de palavras: paragrafias quirêmicas, semânticas e ortográficas por surdos do Ensino Fundamental ao Ensino Superior Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo. 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