5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 Modos Normais de Vibração e Análise de Fourier Na aula 16 deduzimos a equação de onda em 1 dimensão: ∂2 y 1 ∂2 y ( x, t ) = 2 2 ( x, t ) . ∂x 2 v ∂t Nesta aula, vamos procurar soluções (1) desta equação que correspondam ao caso de ondas estacionárias numa corda, visto na aula passada. Isto significa que nosso problema nesta aula será procurar por soluções da equação (1) que sejam do tipo y ( x, t ) = A( x) cos(ωt + ϕ ) . (2) Observe que uma situação como a da equação acima indica que todos os pontos da corda vibram com a mesma frequência e a mesma fase. Isto corresponde à definição de modo normal de oscilação. Portanto, ao procurar por soluções do tipo da equação (2) para a equação de onda (equação 1), estaremos de fato procurando pelos modos normais de oscilação da corda. A corda é um sistema contínuo que pode ser imaginado como o caso limite de um sistema de N partículas acopladas em um fio de comprimento L (como na questão 1 da 2a lista de exercícios) quando N → ∞. 1 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 Neste processo imaginário, quando tomamos o limite N → ∞ devemos fazer com que o espaçamento l entre as partículas vá para zero, de maneira que o comprimento da corda, L = (N + 1)l, permaneça constante. Também devemos fazer com a massa de cada partícula vá para zero, de maneira que a massa total da corda, M = Nm, permaneça constante. Neste limite, os modos normais que vocês determinarem na questão 1 da 2a lista corresponderão aos modos normais de vibração da corda. Nesta aula, vamos determinar os modos normais de vibração da corda usando outra abordagem: ao invés de começar com um sistema discreto de N partículas e considerar que ele tende à corda no limite N → ∞, vamos começar diretamente tomando a corda como um sistema contínuo que obedece a equação de ondas e procurar por soluções do tipo da equação (2). Vamos lá então. Para obter a solução de (1), devemos impor condições de contorno ao problema. Vamos supor que a corda tenha comprimento L e que esteja presa em suas duas extremidades, isto é, para qualquer instante t: y (0, t ) = y ( L, t ) = 0 . (3) 2 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 Como estamos impondo uma solução do tipo (2) à equação (1), a maneira de verificar se (2) é de fato solução de (1) é substituir (2) em (1). Para fazer isso devemos calcular as derivadas segundas de y(x, t) em relação a x e t: ∂y ∂2 y = −ωA( x)sen (ωt + ϕ ) ⇒ 2 = −ω 2 A( x) cos(ωt + ϕ ) ∂t ∂t ∂y dA ∂2 y d 2 A = cos(ωt + ϕ ) ⇒ 2 = 2 cos(ωt + ϕ ) . ∂x dx ∂t dx Substituindo estas derivadas em (1) temos ω2 d2A cos(ωt + ϕ ) = − 2 A( x) cos(ωt + ϕ ) , 2 dx v ou d2A ω2 = − 2 A( x) . 2 dx v (4) Lembrando que k= ω v, (5) podemos reescrever (4) como d 2 A( x) 2 = − k A( x) . 2 dx (6) 3 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 Esta equação já nos é familiar e sabemos que ela é satisfeita por uma função seno ou por uma função cosseno. A solução geral é dada por uma combinação linear das duas: A( x) = a cos(kx ) + bsen (kx ) . (7) Vamos agora aplicar as condições de contorno: A(0) = 0 ⇒ a = 0 ⇒ A( x) = bsen (kx) (8) A( L) = 0 ⇒ bsen (kL ) = 0 ⇒ sen (kL ) = 0 , (9) e pois b não pode ser zero. A condição (9) implica que kL = π , 2π , 3π , K, nπ (n inteiro positivo) . Portanto, a constante k só pode ter um dos seguintes valores: kn = nπ (n inteiro positivo). L (10) Note que k = 0 também seria possível, mas isto corresponderia à solução A(x) = 0, que não oscila. Valores de n inteiros negativos também são possíveis, mas o seu efeito (que seria trocar o sinal do argumento do seno) pode ser absorvido pela constante de fase φ. Note também que o conjunto de valores possíveis de k é discreto e infinito. 4 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 Associados aos infinitos valores possíveis do número de onda k, temos os também infinitos valores possíveis da frequência angular ω: ωn = k n v = nπ v (n inteiro positivo). L (11) Estas são as frequências angulares dos modos normais de oscilação da corda. Como elas são infinitas, o número de modos normais também é infinito. Você pode entender isto lembrando do que foi dito no começo da aula sobre uma corda contínua poder ser modelada como um conjunto de N partículas presas a um fio no limite em que N → ∞. A solução obtida implica que as amplitudes possíveis das oscilações de um ponto com coordenada x da corda são dadas por An ( x) = bnsen (kn x ) n = 1,2,3, K (12) e que a solução geral do problema posto no início desta aula é yn ( x, t ) = bnsen (kn x ) cos(ωnt + ϕ n ) n = 1,2,3, K (13) com kn e ωn dados por (10) e (11) respectivamente. Assim como só existem alguns valores possíveis para o número de onda, também só existem alguns valores possíveis para o comprimento de onda, dados pelo conjunto discreto e infinito 5 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 λn = 2π 2 L = (n = 1,2,3,K). kn n (14) É possível que existam ondas na corda com comprimentos de onda diferentes dos valores acima, mas essas ondas não serão ondas estacionárias. Elas serão ondas propagantes, e não correspondem ao tipo de solução (modos normais) procurado nesta aula. Uma corda de comprimento L presa em suas extremidades só pode ter uma onda estacionária com um dos comprimentos de onda dados por (14). Esses são os chamados comprimentos de onda dos modos normais de vibração da corda e o índice n classifica o modo normal (primeiro modo normal, segundo modo normal, etc). Para cada valor de λn existe uma frequência fn associada. Essas frequências são dadas por fn = ωn v =n (n = 1,2,3,K). 2π 2L (15) Essas freqüências são chamadas de frequências dos modos normais de vibração da corda. A frequência mais baixa é chamada de frequência fundamental e o modo normal correspondente é chamado de modo fundamental. A frequência fundamental é 6 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 f1 = T µ v = 2L 2L . (16) A frequência fundamental de uma corda de comprimento L presa nas suas extremidades é inversamente proporcional ao comprimento da corda, proporcional à raiz quadrada da tensão e inversamente proporcional à densidade linear de massa da corda. Note que todas as demais frequências são dadas por múltiplos inteiros da frequência fundamental: f n = nf1 (n = 1,2,3,K). (17) Essas frequências são chamadas de harmônicos. Por exemplo, a frequência fn é chamada de n-ésimo harmônico. Estes resultados são de grande importância prática para a fabricação de instrumentos musicais de cordas. Os músicos também costumam chamar as frequências a partir do segundo harmônico de sobretons. Por exemplo, o segundo harmônico também pode ser chamado de primeiro sobretom, o terceiro harmônico também pode ser chamado de segundo sobretom, etc. 7 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 A figura abaixo mostra os quatro primeiros modos normais de uma corda fixa nas suas extremidades. O fato de que a corda está fixa na sua extremidade direita implica que qualquer onda que se propague por ela da esquerda para a direita será refletida quando atingir a extremidade direita e passará a se propagar no sentido oposto. O fato de que a extremidade da esquerda da corda também está fixa implica que quando essa onda propagando-se da direita para a esquerda atingir a extremidade da esquerda ela será refletida e se propagará para a direita. Em resumo, qualquer onda que seja gerada na corda acabará produzindo ondas que se propagam por ela nos dois sentidos. 8 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 Vimos na aula 18 que quando ondas se propagam em uma corda em sentidos opostos a sua superposição gerará ondas estacionárias. Como este é o caso da corda fixa nas duas extremidades, podemos concluir que as únicas ondas existentes em uma corda fixa nas suas extremidade são ondas estacionárias. Como visto acima, estas ondas estacionárias só podem oscilar com frequências bem definidas, que pertencem a um conjunto discreto (mas infinito) de valores. Este é um resultado geral sobre ondas que não vale apenas para ondas em cordas: sempre que ondas forem produzidas em alguma região limitada do espaço e ficarem confinadas a essa região, as ondas resultantes serão estacionárias e, portanto, só poderão ter um número discreto (porém infinito) de frequências. Quando colocamos uma corda presa em suas extremidades para vibrar, as frequências das ondas estacionárias produzidas também serão as frequências das ondas sonoras geradas no ar ao redor da corda. Essas ondas chegarão aos nossos ouvidos e perceberemos as vibrações da corda como som. A frequência fundamental, por ser a mais básica de todas as frequências produzidas numa corda, define a propriedade mais básica do som produzido pela corda, que é a sua altura. 9 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 A altura de um som musical é a propriedade que determina se ele é grave ou agudo. Um som grave tem frequência fundamental baixa e um som agudo tem frequência fundamental alta. Segundo a equação (16), a frequência fundamental é inversamente proporcional ao comprimento L da corda. Portanto, dadas cordas igualmente tensionadas e de mesmo µ, aquelas de maior comprimento produzirão os sons mais graves e aquelas de menor comprimento produzirão os sons mais agudos. Pense em um baixo e em um violono, por exemplo. Qual dos dois produz sons mais graves? E qual mais agudos? A equação (16) também mostra o efeito da afinação de um instrumento de corda. Seja uma corda de comprimento L e densidade linear de massa µ fixos (como a corda de um violão, violino, etc). Se um músico quiser alterar a frequência da corda para obter um som um pouco mais grave ou um pouco mais agudo, a única opção que ele tem é ajustar a tensão T da corda. Exemplo: A chamada corda “mi” de um violino deve produzir uma frequência fundamental de 659,26 Hz. O comprimento da corda é 33 cm e a sua massa é 0,125 g. Qual deve ser a tensão necessária para que ela produza essa frequência fundamental? 10 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 Da equação (16) temos f1 = 1 T 1 TL 1 T = = ⇒ 2 L µ 2 L m 2 mL ( ) 2 ⇒ T = 4mLf12 = 4 1,25 × 10−4 (0,33)(659,26) ≈ 72 N Em um instrumento de corda como o piano, o som é produzido pelo impacto de um batente (ou martelo), acionado por uma tecla, sobre a corda em um dado ponto. A corda então vibra e produz o som. No momento do impacto e por um breve instante em seguida, a corda é deformada em torno do ponto que recebeu o impacto e a sua forma não tem nada a ver com a forma senoidal característica dos modos normais. Logo depois, porém, ondas começam a se propagar nos dois sentidos da corda, refletindo-se nas extremidades fixas e, muito rapidamente, várias ondas estacionárias surgem na corda. Normalmente, essas ondas estacionárias são a fundamental e alguns de seus harmônicos mais baixos. É importante que você entenda que todas essas ondas estacionárias existem ao mesmo tempo na corda e que isso é consequência do princípio de superposição. A equação de onda (equação 1), que é a equação fundamental para a dinâmica das ondas na corda (e também das ondas sonoras no ar, por exemplo) é uma equação linear, isto é, a variável y só aparece nela elevada à primeira potência (y1 = y). 11 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 Isto significa que se temos várias soluções individuais da equação de onda, correspondendo a diferentes harmônicos, que podemos designar por y1, y2, y3, etc, então a soma dessas funções também satisfaz a equação de onda. A consequência disso é que uma situação em que vários harmônicos coexistam simultaneamente numa corda, produzindo uma onda de forma complexa, pode ser estudada em termos da decomposição dessa forma complexa nas componentes individuais que a originam. Este é o ponto de partida para a introdução à análise de Fourier que será feita a seguir. Suponha que temos uma corda de comprimento L presa em suas extremidades. Então, conforme visto acima, essa corda será capaz de vibrar em qualquer um dos seus infinitos modos normais. A equação que descreve a forma da corda quando ela oscila no nésimo desses modos normais é a equação (13) yn ( x, t ) = bnsen (kn x ) cos(ωnt + ϕ n ) , (18) nπ L (19) onde kn = e 12 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 ωn = k n v = nπ v L . (20) Ou seja, nπx nπvt yn ( x, t ) = bnsen + ϕn . cos L L (21) Nada nos impede de imaginar que todos os infinitos modos normais da corda estejam presentes num dado momento. Neste caso, o princípio de superposição implica que a forma da corda é dada pela soma infinita nπx nπvt y ( x, t ) = ∑ bnsen cos + ϕ n . L L n =1 ∞ (22) Observe que a forma da função y(x, t) dada pela equação acima pode ser muito complicada (difícil de desenhar e de entender). No entanto, matematicamente, ela é escrita pela soma acima, que inclui senos e cossenos (funções bem conhecidas). Imagine agora que tiremos uma fotografia instantânea da corda num dado momento t0. A função y(x, t) para este tempo é nπx nπvt0 y ( x, t0 ) = ∑ bnsen + ϕn . cos L L n =1 ∞ (23) 13 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 Como o tempo agora é fixo, podemos tratar a parte que envolve t0 na equação acima como constante e escrever nπx y ( x) = ∑ Bnsen , L n =1 (24) nπvt0 Bn = bn cos + ϕn . L (25) ∞ onde A equação (24) descreve a forma espacial da corda no tempo t0. Vamos agora enunciar um resultado muito importante: A soma infinita dada por (24) permite gerar qualquer forma espacial para o perfil da corda, descrita como y(x) entre x = 0 e x = L (sujeita às condições de contorno y(0) = y(L) = 0). Este resultado parece arbitrário e até incrível e, no entanto, é válido. Para tentar entendê-lo, usemos novamente o exemplo de um fio de comprimento L no qual estão presas N partículas igualmente espaçadas (o exemplo da questão 1 da 2a lista). 14 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 Neste caso, como temos um número finito N de partículas sabemos que a determinação dos N modos normais do sistema permite estabelecer qualquer movimento possível das N partículas acopladas. Para tal, basta determinar duas constantes arbitrárias para cada um dos N modos: a amplitude e a fase inicial de cada uma das N partículas. De posse desses 2N valores, todos eles em princípio mensuráveis, podemos descrever os movimentos do sistema de N partículas acopladas, por mais complexos que sejam, em termos de uma superposição de seus N modos normais. A conseqüência lógica disso quando se faz N → ∞ é que se pode descrever qualquer configuração da corda entre 0 e L como uma superposição dos infinitos modos normais da corda. Não existe na realidade nenhum sistema físico em que o número de partículas seja infinito. Por exemplo, se a corda tiver 5 m de comprimento e a imaginarmos como constituída por uma linha de átomos igualmente separados por uma distância de 1 Å teríamos 5 × 1010 modos normais. Este é um número enorme, mas não é infinito. O importante, entretanto, é notarmos que esse número, embora não seja infinito, é completo no sentido de que ele inclui todos os possíveis modos normais do sistema. Ademais, ele é enumerável, isto é, podemos contá-lo do primeiro ao último. 15 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 Com base na discussão dos dois parágrafos anteriores, podemos dizer que fazer o número N de partículas de um sistema físico crescer até o seu limite físico (um número enorme) corresponde, no mundo da matemática, a fazer N → ∞. As equações (24) e (25) estão na base de uma das técnicas mais poderosas, populares e de maior utilidade prática de toda a matemática aplicada: a análise de Fourier. O grande matemático francês Lagrange, mencionado na aula 16, desenvolveu a análise teórica das vibrações de uma corda de comprimento L fixa nas extremidades mais ou menos como fizemos nestas aulas. Ele chegou muito perto de enunciar o resultado de que qualquer forma arbitrária da corda entre seus extremos pode ser escrita pela soma infinita em (24), mas não o fez. Quem chegou a este resultado foi outro matemático francês, Jean Baptiste Joseph Fourier (1768-1830), e é por isso que hoje em dia esta técnica é chamada de análise de Fourier1. 1 É interessante mencionar que Fourier chegou ao seu resultado estudando não o problema das oscilações em uma corda vibrante, mas o da condução de calor por um material em que seja mantida uma diferença de temperatura constante entre duas de suas extremidades. 16 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 Consideremos novamente a função que descreve o comportamento geral da corda no espaço e no tempo em termos da superposição de modos normais (equação 22). Se agora nos concentrarmos em um ponto qualquer x0 da corda, teremos nπx0 nπvt + ϕn . y ( x0 , t ) = ∑ bnsen cos L L n =1 ∞ (26) A parte que envolve o espaço nesta equação é constante, de maneira que podemos escrever nπvt y (t ) = ∑ Cn cos + ϕn , L n =1 (27) nπx0 Cn = bnsen . L (28) ∞ onde A equação (27) descreve a variação temporal da coordenada y do ponto x0 da corda. Ela indica que o movimento do ponto x0 no tempo é dado por uma superposição de movimentos harmônicos simples de frequências angulares ωn = nπv/L = nω1. As equações (27) e (28) são as análogas para o tempo da análise de Fourier para o espaço dada pelas equações (24) e (25). Note, porém, que há uma diferença entre a equação (27) e a equação (24). 17 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 Na equação (24), para y(x), a variável x está restrita a um intervalo finito: 0 < x < L. Já na equação (27), para y(t), a variável t pertence a um intervalo infinito: 0 < t < ∞. Uma análise mais cuidadosa da equação (27) nos mostra, porém, que a função y(t) é periódica no tempo, com período igual ao período do modo fundamental, T1 = 1 2L = f1 v . (29) Para verificar isso, veja abaixo: y (t + T1 ) = nπv(t + T1 ) ϕ C cos + ⇒ ∑ n n L n =1 ∞ nπv 2 L ϕ C cos t + + ∑ n n ⇒ L v n =1 ∞ nπvt y (t + T1 ) = ∑ Cn cos + ϕ n + n 2π = y (t ). L n =1 y (t + T1 ) = ∞ Isto ocorre porque o período do modo fundamental engloba os períodos de todos os outros modos. De (17) temos: Tn = T1 . n (30) Portanto, embora a variável t seja ilimitada, a função y(t) que obedece à equação (27) é periódica. Isto implica que não é necessário estudá-la para tempos fora de um período (por exemplo, 0 < t < T1). 18 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 Isto torna a análise de Fourier no tempo, dada pela equação (27), equivalente à análise de Fourier no espaço, dada pela equação (24). Para que a análise de Fourier seja de fato aplicável na prática, devemos ser capazes de determinar os coeficientes Bn e Cn que aparecem nas equações (24) e (27). Isto é feito com base nas propriedades das funções seno e cosseno. Consideremos a expressão para y(x) dada por (24), nπx y ( x) = ∑ Bnsen . L n =1 ∞ Suponhamos que desejamos calcular o valor de Bn para um dado valor de n, por exemplo n = m. Para encontrar esse valor, vamos multiplicar os dois lados da equação acima por mπx sen L e integrar em relação a x no intervalo entre 0 e L: L mπx y ( x ) sen dx = ∫0 L L mπx y ( x ) sen dx = ∫0 L L mπx ∞ nπx sen B sen dx ⇒ n ∫0 L ∑ L n =1 L nπx mπx B sen sen dx . (31) ∑ n∫ L L n=1 0 ∞ Vamos agora destacar o termo da somatória do lado direito da equação acima relativo a m. Fazendo isso, o lado direito fica: 19 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 L nπx mπx B sen sen dx = ∑ n∫ L L n=1 0 ∞ L L ∞ mπx n1πx nπx mπx = Bm ∫ sen sen dx + ∑ Bn ∫ sen sen dx = L L L L n=1 0 0 n≠ m L L ∞ mπx nπx mπx = Bm ∫ sen dx + ∑ Bn ∫ sen sen dx. L L L n=1 0 0 2 n≠ m Consideremos as propriedades de uma integral cujo integrando é o produto de dois senos, como no segundo termos do lado direito da expressão acima. Dados dois ângulos quaisquer α e β, podemos escrever (mostre como exercício), senαsenβ = 1 [cos(α − β ) − cos(α + β )] . 2 Esta identidade trigonométrica implica que nπx mπx 1 (n − m )πx (n + m )πx sen − cos sen = cos . L L L L 2 Então, 1 1 nπx mπx (n − m )πx (n + m )πx sen sen dx = cos dx − cos ∫0 L L 2 ∫0 L 2 ∫0 L dx , L L L Ou (note que n ≠ m neste termo, de maneira que podemos dividir por n − m), 20 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 L L L nπx mπx sen[(n − m )π ] − sen[(n + m )π ] = 0 , sen dx = L L 2π (n − m ) 2π (n + m ) ∫ sen 0 pois n ± m é um número inteiro, e sen[(n − m)π] = 0. Portanto, do lado direito da equação (31) só restou o termo que envolve m: L L mπx 2 mπx = y ( x ) sen dx B sen dx . m∫ ∫0 L L 0 2 Como sen (α ) = (32) 1 [1 − cos(2α )] , a integral do lado direito da 2 expressão acima pode ser escrita como 1 1 1 mπx mπx mπx sen dx = 1 − cos dx = dx − cos dx . ∫0 L 2 ∫0 ∫ ∫ 20 20 L L L L L L 2 A integral que envolve o cosseno no lado direito da expressão acima é zero (mostre como exercício), de maneira que a única contribuição não nula do lado direito é a integral de dx entre 0 e L. A equação (32) é então L L mπx y ( x ) sen dx = B m ∫0 2. L Como m representa qualquer um dos n índices, podemos escrever a expressão acima com n no lugar de m: 21 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 L L nπx y ( x ) sen dx B = n ∫0 2. L (33) O valor de Bn é, portanto: 2L nπx Bn = ∫ y ( x)sen dx . L0 L (34) Esta equação nos diz como calcular os coeficientes (ou amplitudes) Bn que aparecem na equação (24) para y(x) como uma série infinita de funções trigonométricas. A determinação dos coeficientes Cn da expansão em série de Fourier para y(t) na equação (27) pode ser feita de maneira similar à feita acima. Na realidade, o que se faz num caso como o da equação (27), que contém uma fase (φn), é definir novas variáveis de maneira que a fase seja incorporada em duas novas amplitudes. Por exemplo, a equação (27) pode ser reescrita como (mostre como exercício) nπvt ∞ nπvt ϕ y (t ) = ∑ Cn cos ϕ n cos + C sen ( − ) sen ∑ n , n L L n =1 n =1 ∞ ou nπvt ∞ nπvt y (t ) = ∑ Dn cos + ∑ Ensen , L L n =1 n =1 ∞ (35) onde 22 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 Dn = Cn cos ϕ n e En = Cnsen (−ϕ n ) . (36) Portanto, ao invés de determinar um coeficiente (Cn), temos que determinar dois coeficientes (Dn e En). Eles podem ser determinados de maneira similar à feita acima para determinar Bn. Multiplica-se ambos os lados de (35) por mπx sen L m≠n e integra-se por um período, de t = 0 a t = T1 = 2L/v: T1 mπvt y ( t ) sen dt ∫0 L T1 nπvt mπvt sen dt + L L n =1 0 T1 ∞ nπvt mπvt + ∑ En ∫ sen sen dt. L L n =1 0 ∞ = ∑ D ∫ cos n A integral que envolve o produto do cosseno pelo seno acima é zero e a integral que envolve o produto dos dois senos também é zero, com exceção do caso em que m = n em que ela vale T1/2. Vamos mostrar abaixo que a integral do produto do cosseno pelo seno é zero e deixar como exercício para casa a solução da outra integral. Usando a identidade trigonométrica senαcosβ = 1 [sen (α + β ) + sen (α − β )] , 2 23 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 podemos escrever T1 nπvt mπvt cos ∫0 L sen L dt = T T1 1 1 ( ) π m + n vt (m − n)πvt = ∫ sen dt + ∫ sen dt = 2 0 L L 0 T1 T1 1 L L (m + n)πvt (m − n)πvt = − cos − cos . 2 (m + n)πvt L ( m − n ) vt L π 0 0 Substituindo o valor de T1 por 2L/v, temos que T1 (m ± n)πvt cos = cos(m ± n)2π − 1 = 1 − 1 = 0 , L 0 De maneira que a integral é zero. Depois de mostrar que a outra integral também vale zero para m ≠ n e que vale T1/2 para m = n, o resultado final é T1 T1 mπvt y ( t ) sen dt = E ⇒ m ∫0 L 2 T T 2 1 v 1 nπvt nπvt En = ∫ y (t )sen dt = ∫ y (t )sen dt . (37) T1 0 L L L 0 Esta expressão nos dá o coeficiente En da expansão em série da equação (35). Para obter o coeficiente Dn, temos que seguir um 24 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 procedimento inteiramente similar, só que agora multiplicando os dois lados de (35) por mπx cos L m≠n e integrando de 0 a T1. Façam isto como exercício para obter que T v 1 nπvt Dn = ∫ y (t )cos dt . L0 L (38) Em resumo: qualquer forma espacial y(x) que a corda possa ter entre x = 0 e x = L, em qualquer instante de tempo, pode ser descrita pela expansão em série nπx y ( x) = ∑ Bnsen L n =1 ∞ (39) onde os coeficiente Bn são dados por 2 nπx Bn = ∫ y ( x)sen dx . L0 L L (40) E qualquer função y(t) periódica de período T que descreva o movimento de um ponto qualquer da corda pode ser descrita pela expansão em série nπvt ∞ nπvt y (t ) = ∑ Dn cos + ∑ Ensen L L n =1 n =1 ∞ (41) com os coeficientes Dn e Em dados por 25 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 T 2 nπvt En = ∫ y (t )sen dt T1 0 L (42) e T v nπvt Dn = ∫ y (t )cos dt . L0 L (43) Séries como as das equações (39) e (41) são chamadas de séries de Fourier. Dada uma função conhecida y(x) ou y(t), o processo de determinação dos valores dos coeficientes da série de Fourier para ela é chamado de análise de Fourier. Se a função y(x) ou y(t) para a qual se quer fazer a análise de Fourier for descrita por uma expressão analítica exata, o cálculo das integrais para a obtenção dos coeficientes pode ser feito analiticamente. Por outro lado, se a função y(x) ou y(t) for uma curva obtida empiricamente (como um sinal biomédico, por exemplo), a única maneira de se estimar os coeficientes da expansão em série de Fourier é por métodos gráficos ou numéricos. Um aprofundamento da teoria da análise de Fourier está além dos objetivos deste curso. Portanto, os resultados a seguir serão enunciados sem demonstração. 26 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 A energia do n-ésimo modo normal de oscilação da corda é proporcional ao quadrado do coeficiente Bn da expansão para y(x): En ∝ Bn2 . Ou seja, a energia é proporcional ao quadrado da amplitude da oscilação, como visto antes quando tratamos da energia de osciladores. A energia total da corda quando ela oscila é dada pela soma das energias contidas em cada modo normal, isto é, não há termos de interferência combinando energias de diferentes modos. A contribuição de cada modo normal para a energia total da corda é dada pela energia do modo, independentemente dos demais: ∞ ∞ n =1 n =1 Etotal = E1 + E2 + E3 + K = ∑ En = ∑ Bn2 . (44) Como exemplo ilustrativo, vamos supor o caso em que a forma da corda em um dado instante seja descrita pela função linear y ( x) = kx , (45) onde k é uma constante. A forma da corda está mostrada no gráfico da figura abaixo. 27 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 Para esta função y(x) o cálculo dos coeficientes Bn é dado por 2L nπx Bn = ∫ kxsen dx . L0 L (46) Resolvendo esta integral por partes (faça como exercício), chegamos a Bn = − 2kL cos nπ π n . (47) Os valores de Bn podem ser pares ou ímpares, dependendo de n. n par : Bn = − n ímpar : Bn = 2kL π 2kL π . Podemos combinar essas duas expressões em uma só: 28 5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 19 Bn = (−1) n +1 2kL π . (48) A expansão em série de Fourier para y(x) = kx é então: y ( x) = kx = 2kL πx kl 2πx 2kL 3πx sen − sen sen + L (49) π L π L 3π L A figura abaixo mostra o resultado da expansão acima para os 2 primeiros termos da série, os 5 primeiros termos da série, os 7 primeiros termos da série e os 10 primeiros termos da série. Para simplificar, fizemos k = 1 e L = 1. Note que a aproximação fica cada vez melhor à medida que aumenta o número de termos na série. No caso da função y(x) = kx, por causa da sua descontinuidade em x = L, a convergência será bem lenta (serão necessários muitos termos na série para que se tenha uma boa aproximação). 29