AS TRADIÇÕES AGROECOLOGICAS NAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS
DO NORTE DE MINAS1
Ana Ivania Alves Fonseca
Membro da Equipe Multidisciplinar do Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária - Pronera/Unimontes. Coordenadora do Núcleo de estudos e Pesquisa em
Geografia Rural - NEPGeR.
Instituto Superior de Educação de Montes Claros - ISEMOC
[email protected]
Erico Fabiano Rocha Reis
Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Geografia Rural - NEPGeR
Instituto Superior de Educação de Montes Claros -ISEMOC
[email protected]
Leonardo Ferreira Gomes
Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Geografia Rural – NEPGeR.
Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES
[email protected]
Resumo
O artigo tem como objetivo compreender as tradições agroecológicas na construção das
condutas de territorialidade da população geraizeira de Vereda Funda, identificando sua função
sócio-cultural e ambiental dentro da base estrutural da agricultura familiar. Políticas
desenvolvimentistas governamentais iniciadas na década de 1960, com inserção do Norte de
Minas na área mineira da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE,
justificada por um discurso progressista, alterou a paisagem e interferiu consideravelmente nos
modos vivendes desta população. Para tanto o procedimento metodológico adotado é o da
consulta bibliográfica cujo objetivo é dar embasamento teórico as discussões ora apresentadas,
pesquisa qualitativa com entrevista semi-estruturada, registros fotográficos e de áudio, visita in
lócus a comunidade para um reconhecimento da área e um registro fidedigno dos modos
vivendes dos geraizeiros de Vereda Funda.
Palavras-chave: Agroecologia. Territorialidade. População Tradicional. Resistência.
Introdução
A população geraizeira de Vereda Funda está localizada na bacia do alto Rio Pardo, na
região do Norte de Minas Gerais, situada entre chapadas da formação planálticas da
serra do espinhaço. Essa região passou por um processo de ocupação de suas áreas
rurais de forma desordenada, acentuando em alguns municípios a agropecuária, em
outros, a monocultura de eucalipto a partir da década de 1970, o que veio invisibilizar as
populações locais que são inúmeras famílias por toda a região.
1
Figura 1
Nesta área de clima sub úmido para o semiárido com predominância do cerrado e solo
de baixa fertilidade natural, vive 133 (cento e trinta e três famílias) essas populações
têm suas moradias quase ocultas no meio dos vales denominados grotões, conforme
observado na figura I, e sua reprodução social esta simbioticamente ligada à
preservação dos ecossistemas existentes dentro deste bioma. Suas técnicas de plantio e
manejo foram herdadas dos seus antepassados, forjadas no conhecimento caboclo,
indígena e africano. Seus saberes foram construídos ao longo de mais de três séculos na
convivência com o cerrado e dele retirando seu sustento.
A região do cerrado Norte Mineiro passou a ser objeto de exploração em função de uma
série de vantagens, descrito por Fonseca (1987, p. 15), proximidades das grandes
siderúrgicas do centro de Minas Gerais; Ligação ferroviária e rodoviária com centros
consumidores; Topografia favorável à implantação de florestas homogêneas; Baixo
preço das terras e abundância de mão-de-obra a baixo custo.
2
Figura I: Vista parcial das moradias da comunidade geraizeira de Vereda Funda
Fonte: NEPGeR/2011.
A partir de 1970, principalmente, foi implementado na região o modelo de
“modernização agrícola”, dentro do processo da “revolução verde”2. Os governos da
época, segundo Pozo (2002), defenderam a expansão da fronteira agrícola para o
cerrado até por razões supostamente ambientais, “uma alternativa à ocupação da
Amazônia”.
De acordo com Pozo (2002), é importante destacar que:
Os eixos da modernização rural do Norte de Minas se apresentaram com
maior ou menor intensidade em alguns municípios e microrregiões. Assim,
por exemplo, observa-se a pecuária extensiva no município de Varzelandia; a
monocultura do algodão no município de Porteirinha, Mato Verde, Monte
Azul e Espinosa; a agricultura/fruticultura irrigada no município de Jaíba; e a
monocultura de eucalipto nos municípios de Grão Mogol, São João do
Paraíso e Rio Pardo de Minas, entre outros. (Pozo, 2002:120)
O sistema implantado na região, não levou em consideração os modos de vida das
populações camponesas, indígenas, quilombolas, pescadores, coletores, que aí viviam
secularmente. Esse pacote tecnológico por intermédio do governo subsidiou
investimentos destinados a grandes projetos de pecuária, irrigação, reflorestamento
monoculturais, difusão de práticas agrícolas tidas como modernas3. Uma estratégia
utilizada para justificar os empreendimentos monoculturais na região. Para Carlos
3
Dayrell, (2000) a região foi considerada um “vazio”, vazio econômico e de gente,
embora nela habitasse uma diversidade de populações, nos seus diferenciados agro
ambientes.
Dessa forma, segundo Pozo (2002), o uso das terras de forma comunal, que era feito
secularmente pelas populações da região, não foi considerado no processo dito
desenvolvimentista da década de 1970, “houve uma privatização” dos recursos que até
então eram de uso comum, geral. O Processo “desconsiderou uma vastíssima riqueza de
condições e apropriações específicas, entre outras, o direito histórico da população que
usava em regime comunal as áreas de chapadas para a extração e solta do gado” (POZO,
2002, p. 147).
Ainda de acordo com Pozo (2002:128):
Com a privatização das áreas comuns as populações tradicionais se
encontram com seus pedaços de terra praticamente isolados, tanto pelo
cercamento das áreas quanto pelo desmatamento indiscriminado dos
remanescentes florestais e sua substituição pela monocultura do eucalipto.
Isto tem afetados sistemas de produção construídos através da convivência
com os ecossistemas e limites agro-ambientais. Um dos pilares do sistema
que foi abalado e que vem fragilizando cada vez mais as bases de sustentação
de reprodução social destas populações, é a restrição no acesso aos recursos
naturais: terra para plantar, vegetação nativa para coleta extrativista e
criações de animais na “solta”.
Esse encurralamento se deu através da monocultura de eucalipto, baseado no interesse
no fornecimento de matéria-prima para a indústria siderúrgica mineira, também sob
forte investimento federal. Segundo Oliveira (2000), o reflorestamento, juntamente com
a expansão da pecuária extensiva, podem ser considerados os grandes pivôs da
eliminação da pequena propriedade Norte Mineira em vista da utilização das terras,
antes destinadas à agricultura familiar e as chamadas "terras livres", gerais, para
reflorestamento e pastagem. Essas terras foram conseguidas principalmente por meio de
três modalidades: a venda de terras públicas para particulares; a concessão de uso por
meio de contratos entre o Estado e particulares; e a compra e venda de terras entre
particulares. Dessa forma, o pequeno produtor que não se enquadrava dentro destas
modalidades, acabou sendo expulso ou encurralado, como é o caso de várias populações
entre elas a comunidade geraizeira de Vereda Funda.
4
Lutas e Resistência
Diante do avanço dos empreendimentos monoculturais do eucalipto na região do Norte
de Minas, várias formas de resistência tem surgido; uma tentativa de preservar os
modos de vida e a cultura cerradeira, e dá visibilidade para o povo geraizeiro que,
durante muito tempo tiveram suas vozes silenciadas pelos grandes latifúndios. As
conferencias são algumas das formas que as populações tradicionais encontraram para
mobilizar a sociedade em prol da defesa de cerrado. Varias conferencias foram
realizadas na região Norte Mineira, no intuito de organizar e mobilizar essas
comunidades.
A 1ª Conferência Geraizeira realizou-se em novembro de 2006 na comunidade da
Tapera, município de Riacho dos Machados - MG; a 2ª Conferência aconteceu no
assentamento Vale do Guará, município de Vargem Grande do Rio Pardo em janeiro de
2007 e a 3ª Conferência Geraizeira4 aconteceu na comunidade de Vereda Funda, no
município de Rio Pardo/MG, e teve como tema Terras Pública e Território Geraizeiro:
Juntos na defesa de território.
A última conferência tornou público a tentativa de retomada do território da
comunidade de Vereda Funda, que se tornou marco na luta geraizeira. Nela, foram
discutidas várias propostas, dentre estas; uma educação diferenciada para as áreas
rurais, a constituição de reservas extrativistas – RESEXs5. Sobre as RESEXs, ficou
firmado o processo de definição de três reservas extrativistas nos municípios de Riacho
dos Machados, Rio Pardo de Minas, Vargem Grande do Rio Pardo e Montezuma.
Atualmente a comunidade detém aproximadamente 5000 ha de RESEXs, toda via, a
comunidade pleiteia cerca de 10.000 ha os quais se encontram em processo de
negociação com o Governo Federal, tendo por finalidade a reocupação e utilização de
áreas antes ocupadas por monoculturas.
A conferência de Vereda Funda, ainda destacou a importância de uma educação
contextualizada. Neste sentido, foi ressaltada a atuação do PRONERA (Programa
nacional de Educação na Reforma Agrária), desenvolvido através de parcerias com a
Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), o Instituto Nacional de
Colonização na Reforma Agrária (INCRA), a Federação dos Trabalhadores do Estado
de Minas Gerais (FETAEMG), o Centro de agricultura Alternativa do Norte de Minas
(CAA NM), Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs) e Prefeituras. Na ocasião
5
diversas comunidades tradicionais e instituições6 tiveram presentes com o objetivo de
fortalecer, divulgar e contribuir na luta e na reapropriação dos territórios.
Para os moradores dos gerais, “Território é mais que um pedaço de terra”, como
afirmou o Geraizeiro da comunidade Vereda Funda Eliseu. Dessa forma, território aqui
discutido é mais que morar nos gerais, compreende todo um universo étnico-cultural,
que se reflete no jeito de ser, produzir e viver diferenciado do povo geraizeiro. Assim, a
concepção de território é diferente da concepção de terra, uma vez que, para as
populações tradicionais terra é um “espaço” individualizado e limitado, enquanto que
território diz respeito a todo um pertencimento e vivências da comunidade com o meio.
O modo de produção geraizeira se enquadra perfeitamente com os princípios
agroecologicos, compondo o conjunto multifuncional da agricultura familiar, com
destaque neste estudo para as funções sociais, ambientais, econômicas e culturais,
ensejando assim condutas de territorialidade, cuja reprodução está ancorada na
manutenção dos quintais ecológicos, dos SAFs e da agrossilvicultura, que permitiram a
manutenção destas famílias, como caracterizado na figura II, e sua união em torno de
um objetivo comum: a retomada de seu território, outrora expropriado em favor do
grande capital e da monocultura.
Figura II: Prática de agroecologia da comunidade
Fonte: NEPGeR - 2011
6
Tais condutas de territorialidade expressas neste conjunto de técnicas singulares de
exploração e convivência com o meio ambiente dão certa homogeneidade à comunidade
criando uma forma social articulada e fundamentada na preservação dos recursos
hídricos, solo e vegetação. Ainda de acordo com Cunha (2010), são expressões de
territorialidades especificas os vínculos de solidariedade, e trabalho familiar gerando da
tradição da relação sujeito e ambiente um saber sustentado na pratica do fazer, no
cotidiano e na transmissão sucessória destes saberes.
Segundo Dayrell (1998), o norte de Minas Gerais é uma região onde sua população
conseguiu cunhar um modo de vida e produção que se expressa com uma diversidade
alimentar de alta qualidade nutricional como: farinha de mandioca, rapadura, feijão de
diversos tipos, arroz, ovos, queijos, carnes e inúmeros outros produtos. Essa produção
se complementa com diversos outros produtos do extrativismo como: pequi, panã,
mangaba.
O sistema de produção consistia no plantio de lavouras diversificadas de mandioca,
feijão, milho, cana, abóbora, batata doce, amendoim, associados à criação de gado
bovino, em áreas de solta (cerrados), aves e suínos. Os cultivos guardavam uma rica
diversidade de espécies e variedades, e os cerrados com suas chapadas, carrascos,
veredas, brejos, tabuleiros, capões, espigões, barrigas de morro, dentro de uma
estratégia produtiva, que fornecia, de forma extrativista, forragem para o gado, caça
madeira, lenha, frutos, folhas, mel e medicamentos. Além de fornecer alimentos e
remédios para o auto-sustento familiar, passa a desempenhar, cada vez mais, um papel
importante na geração de renda pela comercialização de frutos, óleos, plantas
medicinais e artesanatos. Enfim, criou-se um modelo agrícola peculiar. A comunidade
organizava seu sistema de vida articulando agricultura, pecuária e extrativismo.
A este respeito Pozo (2002) destaca: “a disposição de terras, o plantio das culturas, a
utilização do trabalho familiar e de áreas de propriedade comum, faziam com que estas
populações tivessem autonomia”, embora segundo ele tal autonomia muitas vezes fosse
limitada pelos grandes fazendeiros da região, nesse sentido é possível falar apenas de
uma relativa autonomia.
Ainda de acordo com Nair (1986; 1993a; b; 2001; 2004; Rico - Gray 1990; Torquebiau
1992; Blanckaert et al. 2002) apud Florentino et AL,2006, sua função principal a de
produzir alimentos para consumo familiar está associada as práticas de manejo
considerados ecologicamente sustentáveis. Pois tal plantio se apresenta de forma
7
consorciada, café, feijão guandu, abacaxi e árvores nativas dispõem de um mesmo
espaço, juntamente como a mandioca, milho e feijão como demonstra a figura III.
Figura III: Plantio Consorciado
Fonte: NEPGeR – 2011.
Durante a pesquisa de campo, acompanhamos o geraizeiro e líder comunitário Seu
Arcílio, para prática técnica da turnê guiada, o mesmo após nos apresentar sua família e
moradia nos convidou a conhecer alguns quintais chamados pelos membros desta
comunidade de quintais agroecológicos. Estes quintais se localizam aos pés de encostas
das chapadas em meio aos arvoredos dos grotões desfrutando de sombra e uma umidade
do solo superior a outras áreas descobertas, sua dimensão varia de 0,5 ha a 1 ha de área
cultivada.
Encontramos entre os cultivos todas as variações do extrato vegetal, nos extratos
superiores com mais de dois metros de altura registramos a presença de palmiteiras,
jaqueiras, bananeiras, mangueiras, ingazeiras e plantas nativas como cedro, pau d’óleo,
pequizeiro, araticum entre outros. Nos extratos intermediários encontramos cafezeiro,
guandu, mandioca, goiabeiras, araçás, jabuticabeira, laranjeiras, mexerica pocan, murici
e outras variedades de frutíferas e não frutíferas. Nos extratos inferiores pode ser
observada a presença de várias espécies de feijão, abobreiras, abacaxi, maxixe e
diversas gramíneas nativas.
O conceito de quintal agroecológico quanto a sua estrutura pode sofrer variações, no
entanto sua função é um ponto de convergência. Florentino, Araújo & Albuquerque em
8
seu trabalho: Contribuição de quintais agroflorestais na conservação de plantas da
Caatinga, Município de Caruaru, PE, Brasil (2006) definem o mesmo como “Quintais
Agroflorestais”. Analisando este trabalho percebe-se que as estruturas e funções são as
mesmas. “Os quintais agroflorestais representam uma unidade agrícola de uso
tradicional do solo, considerados como uma das formas mais antigas de uso da terra,
promovendo a sustentabilidade para milhões de pessoas no mundo” (Nair 1986 apud
Florentino et AL,2006,p38).
Conforme nos informaram os proprietários destes quintais, este modelo de plantio vem
sendo repassado por gerações e permite um uso otimizado da terra, pois a variedade no
plantio evita o ataque de pragas evitando assim o uso de defensivos agrícolas químicos,
possibilita o sombreamento do cafezal, conserva melhor o solo impedindo o processo
erosivo e uma melhor permuta de elementos permite um melhor aproveitamento dos
recursos hídricos, melhor aproveitamento do espaço disponível para cultivo, além de
pouca necessidade de investimento em insumos e maquinários promovendo uma menor
dependência de capital para custeio. O manejo nessas práticas é simples e de baixo
custo,
uma vez
que
envolve práticas
tradicionais
de cultivo
de
plantas
(Albuquerque2005, apud Florentino, et al, 2006).
Além do já citado, fornece madeira para construções, lenha e plantas medicinais. Os
quintais agroecologicos de Vereda Funda apresentam como destaque o cultivo
tradicional do café sombreado, pois os quintais visitados demonstraram estocar em
média 300 a 400 quilos de café por ano sendo vendido a R$5,00 o quilo do mesmo
beneficiado (torrado e moído). Isto apenas demonstra o excelente aproveitamento do
espaço e dos recursos naturais propiciado pelo saber geraizeiro aplicado nos seus
quintais agroecológicos.
A criação de animais também está presente nos quintais agroecologicos, em todas as
amostras foram encontrados aves e suínos e dois em sete amostras pequena criação de
gado leiteiro com média oito cabeças. Os quintais agroecologicos de Vereda Funda em
uma de suas funções ambientais reduzem a pressão predatória sobre o cerrado uma vez
que deste espaço se retira a lenha e o modo ancestral de cultivo desta população evita o
envenenamento do solo e dos recursos hídricos. Para o geraizeiro o Cerrado deve ser
preservado, ele o conhece como nenhum outro povo, nele forjou seu modo de vida, dele
retira seu sustento. O geraizeiro não é um produtor convencional, alem dos quintais
agroecologicos, atua como agroextrativista.
9
O agroextrativismo é praticado dentro do modelo dos SAFs. As populações tradicionais
geraizeiras têm como característica o modo de produção comunal, sua área destinada ao
agroextrativismo ou neoextrativismo como bem explica Nobre, 2002, afirmando suas
funções econômicas, sócio-ambientais e culturais, é área comum, além da caça e da
coleta de frutos do cerrado é destinada à cria solta e à prática da agrossilvicultura.
O aumento da população e da demanda por alimentos, bem como a busca de
uma agricultura sustentável, fundamentada em tecnologias não agressivas ao
meio ambiente, apontam a agrossilvicultura como uma alternativa cada vez
mais presente e necessária ao país; a interação das suas atividades produtivas
tende a imitar os ecossistemas naturais. (GOMES, 2000, P58). - Evangelista,
2007.
A agrossilvicultura como especialização da agroecologia consiste numa prática
fundamentada na exploração sustentável das florestas, desenvolveu-se a partir da década
de 1970, com o desenvolvimento das principais hipóteses sobre o papel das árvores
sobre os solos tropicais. O estudo do manejo do solo e outras disciplinas ligadas ao uso
da terra na agricultura e na zootecnia fundamentam este ramo da agroecologia.
Derivada da silvicultura seus objetivos são mais amplos, contemplando a produção de
alimentos,
produtos florestais madeireiros e não
madeireiros para
móveis,
medicamentos, produção de matéria orgânica, melhoria da paisagem, incremento na
diversidade genética, conservação ambiental, formação de cercas vivas, quebra ventos e
sombra para criação animal, incluindo o conhecimento e uso das práticas agroflorestais
e desenvolvimento de SAFs que se difere de um sistema agropecuário convencional. A
atividade agroextrativista está presente na composição do conjunto das práticas da
agrossilvicultura. Praticada pelos geraizeiros é realizada na coleta de frutas nativas,
castanhas, plantas medicinais e madeira lenhosa.
Neste sentido esta coletividade a população geraizeira se situa numa condição de
guardiã da biodiversidade, seja como mantenedora de estoques de uma enorme
variedade de sementes para plantio ou uso medicinal, ou na luta pela conservação da
floresta de onde provem o seu sustento. Para tal concretização os “Geraizeiros” da
Comunidade de Vereda Funda estão se mobilizando, apoiados por várias organizações
não governamentais, não apenas no sentido de melhoria da produção e beneficiamento
da mesma, mas também na luta contra as monoculturas de eucalipto que devastam a
região provocando grandes desequilíbrios ambientais e expulsão destas populações.
10
Os sistemas agroflorestais vão muito além de um simples modo de
exploração da terra; de fato, eles oferecem segurança alimentar, restabelecem
a fertilidade do solo, conservam esse mesmo solo e a água, e provêem as
necessárias ração para animais e lenha para consumo doméstico1. Os sistemas
agroflorestais ainda contribuem na geração de renda, auxiliam na resolução
de conflitos de terra e no estabelecimento de políticas de crédito, além de
encorajar ações politicamente corretas e estimular processos mais justos de
tomadas de decisão.(NOBRE, 2002, P.4).
A área comum ou terra geral usada pelos geraizeiros de Vereda Funda para cria solta ou
agropastoril, tem com o função fornecer frutos nativos, plantas medicinais e lenha,
atualmente esta área fornece madeira retirada dos remanecentes das florestas de
eucalipito que antes a ocuparam. Vários projetos de fundo agroecologico tem sido
desenvolvidos
por esta comunidade que vem sendo acessorada pelas ongs e
instituições envolvidas com o ideal agroecologico, a agricultura familiar e as questões
fundiárias nos planos regional e nacional.
A estratégia agroflorestal também se demonstra eficaz na implementação de projetos ou
programas para auxiliar a definição de políticas agrárias.(NOBRE,2002, P55.5).
As parcerias entre estas organizações e a comunidade em questão já resultaram na
elaboração e execução de varios projetos conforme pode ser comprovado durante visita
ao SAF. A área do mesmo encontra-se em processo de regeneração por reconversão
agroextrativista, abrigando o prédio destinado ao centro de formação agroecologica,
com o objetivo de se constituir uma escola geraizeira para uma educação comprometida
com a cultura geraizeira. Nesta mesma area está
instalada uma fábrica para
beneficiamento dos produtos oriundos dos quintais ecologicos e dos do SAF, tais como
as frutas nativas, como congelamento de poupas e desidração de banana, além de toda
uma estrutura para produção de quitandas, gerando renda e possibilitando ao geraizeiro
um melhor aproveitamento da sua produção. Não obstante as conquistas por meio de
projetos agroecológicos, contemplando assim a multifuncionalidade da agricultura
familiar, incorporadas a agroecologia, uma das maiores demandas desta comunidade
continua sendo elaboração de projetos que além de conferir visibilidade a estas
populações inserido-lhes no debate nacional, levantem a questão dos seus direitos
autorais, pelas técnicas desenvolvidas secularmente na convivencia com a natureza
dentro do bioma cerrado, na sua intimidade com as veredas e grotões aos pés de imensas
chapadas, e dar suporte a políticas publicas, no sentido de permitir que continuem
avançando em suas praticas agroecologicas, conservando assim sua indentidade
geraiseira e seu território politico - cultural e economico para que as gerações mais
11
jovens possam ter acesso fácil a uma educação de qualidade e que respeite suas
tradições, reconheca seus conhecimentos ancestrais e sua contribuição para a proteção
dos ecossistemas do bioma cerrado.
O agroextrativismo, que por definição seria a conjunção de uma agricultura
sustentável, de baixo impacto, mas com alto valor social, com a extração de
produtos florestais nativos, seja madeira ou não, constitui-se num consistente
processo de valorização das florestas e de resgate do valor socioambiental
desses ecossistemas.(NOBRE, 2002, P.6).
Durante as entrevistas com os agricutores geraizeiros pode ser facilmente percebida a
relação consciente e ecológica que os mesmos cultivam com a natureza do lugar,
conforme ouvimos do Seu Arcilio:- Os três princípios da agroecologia são paciência,
gostar da natureza e não colocar fogo. Você não faz agroecologia só para produzir, é
para preservar, é preciso plantar água. (Seu Arcilio, Junho de 2011).
A manutenção dos quintais ecológicos favorece a fixação do homem em seu lugar de
origem, conforme nos informa seu Arcílio de que ao contrário de muitos indivíduos
residentes no município de Rio Pardo, que migram temporariamente para o sul de
Minas em busca de trabalho na colheita de café, os moradores da Comunidade de
Vereda Funda, preferem cuidar dos seus quintais, sendo isso possível graças à produção
diversificada dos mesmos, dando ao geraizeiro condições de se manter e manter sua
família com a renda proveniente do café sombreado e criação de aves, suínos, bovinos
do sistema agrossilvopastoril e agrossilvicultura, estes contidos nos SAFs.
Visto de cima, o sistema agroextrativista seria um enorme sistema
agroflorestal que apresenta os princípios básicos desejáveis para o
desenvolvimento sustentável, quais sejam: capacidade dinâmica de
renovação, a base para a sustentabilidade; capacidade de adaptação, a base da
versatilidade; equilíbrio, a base da estabilidade; eficiência, a base da
produtividade; e compatibilidade, um importante fator ecológico e social
conforme descrito por Tabora8 (NOBRE, 2002, P.6).
A questão fundiária ainda não esta resolvida, permanece a luta pela reterritorialização
de mais de 5000 há de área. O governo do Estado atualmente vem propondo a
cartorização da terra com o fornecimento dos títulos de propriedade. Os geraizeiros
engajados na luta organizada consideram esta ação como uma tentativa de
desarticulação, pois a área geral, livre ou comunal sempre caracterizou o modo de
produção geraizeiro fazendo parte não só do seu modo de vida como também na sua
concepção de propriedade contida na fala deste geraizeiro: - “Até aonde alcançar as
12
vistas pertence ao domínio não ser dono, terra não tem dono ninguém pode carregar a
terra.” (Seu Arcilio, Junho de 2011).
Os SAFs como área comum, constituem um modelo satisfatório nesta comunidade, uma
vez que é fruto do modo de vida da mesma, os quintais ecológicos da mesma forma
constituem instrumentos de equilíbrio e estabilidade social. O loteamento como
conseqüência desta titulação pode inserir elementos estranhos ao modo de vida desta
população, e a venda dos lotes poderá ser estimulada desarticulando assim o movimento
comunitário. Nobre, 2002, nos fala das diferentes e eficientes
formas desenvolvidas
pelas populações para a questão agrária.
Essas estratégias, variando de processos de ecodesenvolvimento até reforma
agrária, representam formas diferentes das populações locais de criar novas
tradições nas práticas agrícolas e amenizar as deficientes condições sociais
urbanas; e ainda inserem o agroextrativismo e os sistemas agroflorestais na
agenda do desenvolvimento sustentável. Assim, os sistemas agroflorestais,
bem como o agroextrativismo, atuam como o pano de fundo que permite às
populações locais alcançar seus muitos e distintos interesses.(NOBRE,
2002,P. 6).
Os modelos de produção aqui apresentados, como os quintais agroecológicos, os SAFs
juntamente com o modelo agrossilvopastoril e a agrossilvicultura, formam um sistema
singular, levando em conta a distância e o isolamento de centros urbanos e mercados
maiores, lhes permite condições de vida dispondo de segurança e soberania alimentar,
levando em conta a diversidade e quantidade da produção e uma relativa independência
de capital para custeio. O modelo produtivo geraizeiro esta há séculos estruturada em
técnicas agrícolas conhecidas atualmente em seu conjunto como agroecologia. Estas
técnicas foram desenvolvidas para uma convivência simbiótica com a floresta, forjadas
nos gerais pelos Geraizeiros constituindo um conjunto de condutas de territorialidade
sem as quais dificilmente a luta pela reterritorialização em Vereda Funda obteria êxito.
Conclusão
Diante da análise dos resultados desta pesquisa podemos concluir que os membros da
comunidade geraizeira de Vereda Funda se reconhecem como agricultores
agroecologicos, bem como a importância da prática da agroecologia desenvolvida nos
quintais agroecológicos e nos SAFs através da agrossilvicultura e do sistema
agrossilvopastoril. Ficou demonstrada a ancestralidade dos conhecimentos, das práticas
agroecológicas dos mesmos e a contribuição destas práticas para a resistência desta
13
população durante o processo de encurralamento e na luta pela retomada do seu
território, permitindo a estes sobreviverem à condições adversas, seja da natureza seja
pela interferência do capital estatal ou privado. Assim a agroecologia cumpre nesta
comunidade rural, o seu papel multifuncional, possibilitando a agricultura familiar
maior independência de insumos industrializados, e a reprodução econômico-social,
cultural e ambiental estando integrada a conduta de territorialidade desta população
tradicional. Cada agricultor tem um convívio simbiótico com o seu pedaço de terra, ele
cuida e preserva seus recursos mantendo viva sua fauna e flora local, a terra por sua vez
lhe reserva o direito de cultivá-la e devolve-lhes o alimento.
Notas
1
Este trabalho está vinculado ao Projeto de Pesquisa em Agroecologia: Agroecologia e Agricultura
Familiar nas Populações Tradicionais no Norte de Minas, desenvolvido pelo Núcleo de estudos e
Pesquisa em Geografia Rural – NEPGeR. Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Tecnológico - CNPq – Edital 58/2010.
2
Entende-se por Revolução Verde o processo de mecanização do campo. No caso específico do Norte de
Minas, baseou-se no estímulo aos reflorestamentos monoculturais de eucalipto e em menor escala na
pecuária extensiva.
3
Tais pacotes deram-se dentro da chamada revolução verde. Baseou-se no uso de sementes híbridas,
adubos químicos, agrotóxicos e mecanização pesada; tratores e outros tipos de máquinas.
4
Aconteceu entre os dias 31 de agosto a 02 de setembro de 2007, na comunidade Vereda Funda, no
município de Rio Pardo de Minas – MG, com o tema Terras Públicas e Território Geraizeiro: Juntos na
defesa de território.
5
As Reservas Agroextrativistas tem como principal objetivo o de conciliar inclusão de populações
tradicionais e a conservação da natureza.
6
O Pronera – Unimontes (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária), CAA-NM (Centro de
Agricultura Alternativa Norte-Mineiro), CPT\BA (Comissão da Pastoral da Terra), FEAB\UFMG
(Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil), Funorte (Faculdades Unidas do Norte de Minas),
Grupo Teatral – Pirraça em Praça, Nascer\UFMG (núcleo de agricultura sustentável no Cerrado),
PRONERA\Unimontes (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária), Rede Cerrado, Rede
Deserto Verde, STR’s de Fruta de Leite e Rio Pardo de Minas.
7
Sanchez, P.A. Science in agroforestry. Agroforestry Systems. 1995, 30 : 5-55.
8
Tabora, P.C. Analysis and evaluation of agroforestry as an alternative environmental design in the
Philippines. Syracuse, NY: State University of New York, 1985 (tese de doutorado).
Referências
CAPORAL, F. R. Em Defesa de um Plano Nacional de Transição Agroecológica.
http://www.agroecologia.inf.br/conteudophp?vidcont=254. Acesso em 14 de abril de
2011.
14
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as tradições agroecologicas nas populações tradicionais