1
JULHO / AGOSTO DE 2009
Caravelas - Julho/Agosto de 2009 - Edição nº 05
Foto: Acervo ECOMAR
Caravelas ganha Reserva Extrativista
14| Barcelona:
viagem ao
distrito rural
5| O São João da
Comunidade
13 | Filme
é premiado
no Rio de
Janeiro
6 | Costa das
Baleias: a um
passo da união
12 |Caravelas é
10 | Entrevista
ponto de
com o prefeito
Luiz Antônio Alvim cultura da Bahia
2
JULHO / AGOSTO DE 2009
D
Território e desenvolvimento
esde o início dos anos 70 e
apesar de todos os esforços da
eco-eficiência, a demanda européia de recursos naturais aumentou em
70%. Cada europeu necessita de cerca de
5 hectares de terra produtiva para manter seu estilo de vida. Já o estilo de vida
norte-americano exige 9,5 hectares. A
média mundial é de 2,2 hectares. A incapacidade de Europa e EUA proverem-se
dos recursos naturais e do espaço físico
necessário a satisfação de seu estilo de
vida determina a expansão de seus negócios para todos os territórios do mundo,
e a busca constante por recursos naturais
a preço de custo.
A luta territorial que apenas começa se faz notar em inúmeros espaços da
América Latina e do Brasil. A aquisição
de enormes áreas de terra por empresas
multinacionais, é um tema inexplorado
pelos jornais, mas está se dando de forma contínua: expulsão de trabalhadores
rurais, exportação massiva de produtos
naturais sem valor agregado, venda dos
espaços turísticos cenográficos já desprovidos das pessoas que antes neles
habitavam, estas são as características de
um apregoado desenvolvimento que não
melhora jamais as condições de vida da
população.
Em um mundo em que o capital abocanha enormes territórios, destituindo as
pessoas de sua forma de vida tradicional
sem compensá-las de nenhuma outra
forma, ter garantido um pedaço de terra talvez não seja tão má idéia. De fato,
os inúmeros movimentos sociais que se
consolidam nas últimas duas décadas no
Brasil estão em sua maioria voltados para
a luta territorial e étnica. Novas formas
de pensar o desenvolvimento partem de
uma visão local, de como organizar-se
desde dentro e a partir da própria comunidade inserindo-se estrategicamente
nos mercados regionais, nacionais e internacionais para alcançar a melhoria da
qualidade de vida de populações historicamente marginalizadas.
O caso da criação da Reserva do
Cassurubá abriu em Caravelas um amplo
debate: discutiu-se pela primeira vez, talvez em séculos, um projeto de desenvolvimento para a cidade, e dois pólos com
visões distintas de mundo chocaram-se.
Um deles, baseava-se na exploração em
larga escala de camarão para a exportação, que resultaria na acumulação de
capital pelo pequeno grupo detentor do
negócio, no emprego assalariado de uma
centena de pessoas e em graves danos ao
meio ambiente, prejudicando todo um
coletivo de pescadores e extrativistas que
necessitam da qualidade do meio natural
para sobreviver. No outro pólo, a busca
da preservação da natureza como vocação de desenvolvimento, enfocada em
alternativas locais baseadas no extrativismo, no turismo ecológico e histórico, nas
enormes potencialidades culturais.
No dia 05 de junho uma área pública
foi criada pelo governo federal para manter o meio ambiente preservado e permitir
à população viver da natureza à sua volta.
Não se trata de uma terra do governo federal ou do antigo IBAMA, hoje Instituto Chico Mendes de Biodiversidade. É a
comunidade de Caravelas que é chamada
a usufruir de um patrimônio ambiental e
social, para o qual serão necessárias políticas públicas de desenvolvimento local, sob pena de manter a região com os
mesmos problemas de educação, saúde,
transporte, infra-estrutura de comercialização, entre tantos outros que desanimam
e paralisam os sonhos dos moradores de
Caravelas.
Um verdadeiro projeto de desenvolvimento local implica primeiramente a necessidade de olhar para as potencialidades
da terra e das pessoas que nela vivem, ao
invés de almejar salvações externas que
não geram sinergias locais e desconfiguram a vocação territorial. A prepotência de
ações levadas a cabo de forma unilateral e
arbitrária deve ceder espaço à negociação,
à colaboração e a uma conduta inteligente
de gestão por parte dos órgãos que tem
a responsabilidade de proteger o direito
público e o espaço legítimo de cidadania,
dando lugar inclusive, às críticas, que não
são outra coisa que a demonstração da
existência de uma democracia. Chefiar
deve ser necessariamente uma ação de
responsabilidade para com os membros
do grupo, e não uma oportunidade de
exercer o poder indiscriminadamente.
Enquanto humanidade, a alternativa
que temos diante de nós se dá de modo
excludente: ou adaptamos a tecno-esfera
ao meio natural ou adaptamos o organismo humano, os organismos vivos em geral e todo o meio natural à tecno-esfera, à
tecno-ciência sintética. A opção não poderia ser mais radical. Hoje, não só se estão
extinguindo espécies vegetais e animais,
mas também necessidades humanas, prioridades humanas que são diariamente e
sistematicamente aniquiladas por agentes
que matam qualquer idéia de história e de
justiça. Especialmente atacadas pela visão
tecnocrática do mundo são as prioridades
que procedem da necessidade humana de
compartilhar, consolar, compreender e ter
esperança.
Vale a pena destacar: prioridades
que procedem de necessidades. Porque
uma das maiores dificuldades de fazer
frente à crise ecológica e social reside
em que não conseguimos nos fazer cargo coletivamente da gravidade da mesma. Sua excepcional idade e gravidade
não são simples quimeras, nem delírios
alarmistas de quatro irresponsáveis. Reconhecer o que somos e o que devemos
ser, como afirmou Camus, basta para
encher nossas vidas e ocupar nossos
esforços.
É um magnífico plano de trabalho
para superar todo o niilismo paralisador.
O jornal comunitário de Caravelas
Endereço: Rua Dr. José André Cruz, 487 - Bairro Nova Coréia
Telefone: (73) 3297-2177 | E-mail [email protected]
Reportagem: Almay Souza, Lourival Matos,
Marilene Figueredo, Francisco de Almeida Oliveira, Vanessa Norberto da Silva,
Fernanda Norberto da Silva, Joyce Trindade,
Leidiane Assunção, Bárbara Dehmmer,
Professor Benito, Danilo Ferreira
Fotos: Anerivan Reinalda da Silva, Almay
de Souza, Mônica Linhares,
Arquivo IBJ, Arquivo Arte Manha,
Arquivo Ecomar, André Esteves
Secretaria de Redação: Anerivan Reinalda
Ilustrações: Almay Souza, Dó Galdino
Colunas: Sandro Lyrio Monteiro, Carlos
Benedito de Souza, Lierte Siquara
Poesias: Cecy Dantas Nascimento,
Alessandra Lírio
Motorista reportagem Barcelona: Fisher de
Souza Santana
Departamento Comercial: Marilene
Figueredo
Conselho Editorial Edição 5:
Dó Galdino, Jaco Galdino, Anerivan
Reinalda da Silva, Almay de Souza,
Kleber Passos Saúde, Marilene
Figueredo, Paulo Roberto Júnior,
Joaquim Rocha dos Santos Neto,
Marcello Lourenço
Diagramação: Samuel Miranda
73 9964-9950
Impressão: Gráfica Original
73 3291-8832
[email protected]
Coordenação Geral: (Direção de
Reportagens, Reportagem, Redação, Edição
e Projeto Gráfico): Mônica Linhares
Eles também
lêem o
Timoneiro
Agnaldo Timóteo
Encontro dos pescadores de
Caravelas com representantes
da Bahia Pesca
CARTA DO CARAVELENSE
Educação em vista de um pensamento livre
Por meio de uma maneira peculiar de ver, sentir e reagir. É que
podemos compreender o quanto
a nossa Educação precisa se ater
ao fenômeno da autonomia. Hoje,
em pleno apogeu da democracia e
tendo a luta como instrumento de
cidadania, será que ainda continuaremos alienados!? Alienados aos
mesmos problemas educacionais de
sempre, sobretudo, àqueles que se
restringem à realidade eqüidistante
entre a escola e orçamento público?
Vergonhosamente, os acrônimos Fundef e Fundeb jamais foram
compreendidos por nenhum prefeito e por nenhum vereador ao longo
desses anos, seja do ponto de vista
jurídico, orçamentário ou moral. De
lá para cá, a verba da educação nada
mais foi do que uma moeda de troca para pagar favores políticos; do
que um álibi para legitimar o lado
obscuro da lei; do que um estigma
falacioso na narrativa educacional
de Caravelas...
Por isso, é necessário que se
desenvolva hoje, um conjunto de
propostas, que possa impulsionar
a Educação Caravelense. Isto é, direcioná-la na busca da escola autônoma e nos caminhos corretos das leis
educacionais. Para que assim se possa resgatar a dignidade do aluno, do
professor e de todos os envolvidos no
“
Temos a
obrigação moral
de salvar uma
geração de
caravelenses
“
COM A MÃO NO TIMÃO
processo educativo.
Todavia, para que isso aconteça,
é imprescindível que cada um de nós
levante a bandeira da Educação para
além das nossas convicções políticas. Uma vez que o verdadeiro valor
da Educação transcende a qualquer
ideologia de ordem partidária ou eleitoreira. E vale acrescentar também,
que cada um de nós deve ser cidadão.
Lembrando sempre que: cidadão “é
aquele que participa do governo e
só pode participar do governo quem
tiver poder, liberdade e autonomia”
(GADOTTI,1999).
A partir de agora, creio que temos
a obrigação moral de salvar uma geração de caravelenses. De construir
as bases administrativas e, sobretudo,
educacionais para as gerações vindouras da nossa amada cidade. No
entanto, é preciso acreditar, também,
que um homem não é somente um
homem. Ele é sempre a soma de todos os homens, homens de ontem e
de hoje, e também de amanhã! Enfim,
nesse sentido, deve-se saber que o
progresso da nossa Educação implicará de maneira decisiva para declínio
do fatídico continuísmo político municipal. Isso porque, “todas as grandes épocas de cultura são épocas de
decadência política” (NIETZSCHE).
Para finalizar, não queremos lutar
por uma Educação empreendida pelo
poder público como proposta de um
saber fossilizado, mas por uma Educação transformadora. Que tão logo,
transformará as aspirações de cada
um de nós, em realidade.
Sandro Lyrio Monteiro
(ex-professor da rede pública de ensino)
3
JULHO / AGOSTO DE 2009
Fotos: Anerivan Reinaldo da Silva
PERFIL
Dona Sinhá:
mestre popular
do Brasil
“Viver lutando graças a
Deus, porque quem não
trabalha não pode ter nada”
Por Lourival Matos
N
esta edição O Timoneiro
traz no perfil a história de
Dona Ubelina Lopes dos
Santos, conhecida como Dona Sinhá,
uma das mais antigas integrantes do
Bloco Folclórico Nagôs, tradicional
bloco afro que valoriza a matriz africana do Iorubá. Agora com 86 anos
esbanjando alegria e lucidez conta
pra gente a história de sua vida.
Nascida em Araçuaí, estado de
Minas Gerais, ainda menina veio com
sua família para Caravelas. “Foram
um mês e 13 dias de caminhada”
lembra Dona Sinhá. Os pais trazendo
seus irmãos menores em um carrinho
de mão, os mantimentos no lombo
do jumento, dormindo debaixo de árvores ou em alguma casa na estrada,
até chegar a Caravelas.
“A estrada de ferro começava
de lá... minha mãe era mineira, filha
de Araçuaí e meu pai baiano de Caravelas. Eles trabalhavam carregando
malas nas estações de trem da Bahia/
Minas”.
Foto: Arquivo Arte Manha
Dona Sinhá cercarda de amigos no churrasco que ofereceu para comemorar
o título de mestre popular outorgado pelo Ministério de Cultura
O traço lapidar de sua vida pode
ser visto nesta frase: “Viver lutando
graças a Deus, porque quem não trabalha não pode ter nada”. Dona Sinhá
se orgulha de ter trabalhado desde a
infância para ajudar a criar os irmãos:
foi lavadeira, engomadeira, cozinheira
e servente durante 10 anos no Colégio
Polivalente. Ela se orgulha também da
criação dada aos filhos e netos. Perguntada sobre o quê gostava de fazer
na infância, ela cantou o trecho de
uma música: “Vem moreninha, vem
tentação, voando assim tão sozinha
uma andorinha não faz verão”.
Dona Sinhá mostra-se preocupada com a perda dos valores morais das
novas gerações, “muitas moças perdidas e ninguém sabe quem é quem…
os pais não chamam mais pra acertar
e casar… muitas adolescentes grávidas e os avós acabam assumindo a
responsabilidade de criar”. Para dona
CIDADÃO TIMONEIRO
Seu João da Padaria
Há mais ou menos dois meses quem pegava o caminho para Ponta de
Areia podia ver umas plaquinhas enterradas no chão à beira da estrada onde
se destacavam umas frases pedindo a atenção do passante: “Psiu, cuidado, quero crescer”. Era um alerta para que ninguém pisasse naquele terreno prenhe de
frágeis sementes. O tempo passou e ali brotaram uma dúzia de bonitos girassóis. O responsável pelo trabalho, seu João da Padaria, é uma figura conhecida
em Caravelas por criar símbolos que nos ajudam a lembrar de nossa história
e cultura. Nesta edição ele foi eleito Cidadão Timoneiro, pela importante iniciativa de embelezar a entrada de Ponta de Areia com o amarelo vibrante dos
girassóis. A repórter Marilene Figueredo foi entrevistá-lo para conhecer um
pouquinho de sua história.
Por Marilene Figueredo
J
oão Luis Benetti, o conhecido
João da Padaria, veio para Ponta de Areia em 1972 para trabalhar
como pedreiro. Foi só em 1993, após
muitos anos de trabalho, que conseguiu montar a própria padaria, em
Ponta de Areia, batizada de “Nossa
Senhora de Lourdes” em homenagem à santa de devoção.
O Timoneiro perguntou-lhe
como surgiu sua preocupação com a
história e a cultura de Ponta de Areia.
Seu João disse que os turistas que passavam pelo seu estabelecimento para
bater papo traziam sempre à tona a
mesma questão: qual era a história
da estação ferroviária Bahia Minas?
Foi assim que lhe surgiu a idéia de
expor no jardim da atual estação rodoviária, o troler, uma das peças da
máquina que fazia o transporte dos
ferroviários. Seu objetivo era levantar um símbolo da história que havia
se perdido com a demolição do antigo prédio da estação ferroviária. Depois, achou que os pescadores também deveriam ser homenageadas e
teve a idéia de colocar um pequeno
barco no canteiro que dá acesso à
Barra de Caravelas.
Com o tempo foi levantando
pequenos objetos que criavam im-
Foto: Almay Souza
Sinhá a molecagem acabou com Caravelas. E também outro grave problema: as drogas. “O rapaz lá em casa
foi tomar a benção e quando ajoelhou,
na mão tinha dois pacotes de crack!
Quem não conhece pensa até que é
uma bala”.
Ela fala com pesar do descaso das
autoridades com a Rua do Porto, uma
das primeiras ruas da cidade. “Está
uma bagunça, uma mata, ninguém
liga, se eu pudesse alguma coisa na
minha vida eu ia falar com o prefeito a
quem eu vi nascer, engatinhar e assisti
ao casamento dos pais dele, para dar
assistência àquela rua, aonde chegavam os navios, tinha lojas, muitos comerciantes… Hoje está tudo acabado.
E a Cacimba de Santo Antonio caindo
aos pedaços… o prefeito não liga, e
nem pra Rua do Porto, aquilo ali está
uma devassidão, eu já cansei de falar”,
desabafa. “Se eu pudesse falar com o
POESIA
Saudades do Ribeirão
Desde quando eu nasci eu vi
Você correndo à minha frente
Por isto eu luto e não consigo
Tirar você da minha mente.
Por muito mais que eu queira
De você me esquecer
Eu não consigo pensar
que um dia,
Meu amigo, eu fosse te perder.
portantes lembranças. A idéia dos girassóis veio da sua preocupação com
os problemas ambientais, com a falta
de um projeto paisagístico para o distrito.
Pretende agora fazer um trabalho que venha a relembrar a vida das
pessoas que já não estão entre nós, e
que marcaram a história de Ponta de
Areia. Seu João afirma ter muitos planos para o povoado, e espera contar
com o apoio do poder público municipal em suas pequenas grandes ações.
Diz que escolheu viver em Ponta de
Areia porque a ama de paixão.
Seu João é um exemplo de que
não se precisa de muito dinheiro para
realizar algo, o que se precisa é de força de vontade.
governo eu falaria, ele teve aí (referindo-se ao Presidente Lula), mas eu não
pude ir até ele”.
Uma vida nas Nagôs
Dona Sinhá recebeu recentemente o Título de Mestre Popular pelo
Ministério da Cultura como reconhecimento por sua vida junto às Nagôs.
“Fiz até um churrasco, com cerveja.
Assim mesmo na cadeira” diz, referindo-se à amputação dos pés.
O maior significado das nagôs para
Dona Sinhá está nos laços de amizade
e respeito que ela construiu ao longo
de todos esses anos. “ Tenho muito
respeito por aquelas meninas que cuidam de tudo lá... e por Piaba, eu o vi
nascer e gosto muito da família dele”.
Ao encerrar a entrevista ela canta uma
música das Nagôs. “Todo mundo já dizia que a Nagô não saia, a Nagô está na
rua com prazer e alegria, é a Nagô eu
vim brincar, olha a Nagô”.
Me lembro de horas alegres
Dias de pleno verão
Olhava para você
Com tanta satisfação
Banhando toda aquela gente
Meu querido Ribeirão.
Ribeirão que águas doces
Que nas águas do mar caía
Recebia barrenses, cariocas
e mineiros
A qualquer hora do dia.
Aceitava tudo o que vinha
Até mesmo a traição
Pois não respeitaram
seus direitos
Meu querido Ribeirão.
Ribeirão de águas correntes
Que embaixo de uma ponte
corria
Lembro-me de você
a qualquer hora
Dia, noite, noite e dia.
Gente que daqui não era
Por isso não te respeitou
Sem saber que você, Ribeirão,
Os filhos da Barra criou.
Adeus, Ribeirão amado,
De águas frias, inocente.
Que lavava pratos e roupas
E as maldades dessa gente.
Senhores,
desculpem meus erros,
Não sei ler, nem escrever
Eu queria saber mais, Ribeirão
Para poder te defender.
Voltar a minha alegria
Voltar suas águas correr
Só esqueço de ti, Ribeirão,
No dia que eu morrer.
Cecy Dantas Nascimento
(literatura de cordel)
4
JULHO / AGOSTO DE 2009
FESTAS POPULARES
Santo Antônio de Pádua, rogai por nós!
No dia 13 de junho acordamos ao som da filarmônica
tocando entusiasticamente às 5 horas da manhã.
A natureza desperta e nos traz um sentimento de
nostalgia, alertando para a realidade: é o último dia
das trezenas, agora só no ano que vem...
Por Francisco de Almeida Oliveira
A
alvorada continua, com o repicar dos sinos e os fogos de
tiro em profusão. Às dez horas, missa solene com a igreja lotada
de fiéis envergando sua roupa nova.
Chega o momento do abraço e todos
se cumprimentam, rola a emoção que
se estende até a comunhão, quando com lágrimas na voz, entoamos
Cristo Amigo. Após a missa, a praça
transforma-se no palco da confraternização: fogos pipocam no ar, os sinos tocam, a filarmônica nos brinda
os dobrados tradicionais, e os caravelenses se reencontram neste segundo
Natal... As lágrimas silenciosamente,
molham os nossos rostos desejosos
de novo encontro ano que vem.
A Festa se fará todos os anos impreterivelmente de 31 de maio a 13 de
junho – dia da morte de Santo Antônio em Pádua, na Itália, em 1231.
Consta das Trezenas, que acontecem
de 31 de maio a 12 de junho. No dia
13, uma missa solene é celebrada em
latim, seguida pela Procissão de Santo Antônio que percorre as principais
ruas da cidade.
Cada trezena começa com a Alvorada às cinco da manhã, com repicar de sinos, fogos de tiro e banda de
música (optativa). Ao meio dia tudo
se repete. Às 19h ocorre a celebração
da Santa Missa. Após o culto, o povo
aguarda na praça onde todas as noites
as barraquinhas oferecem comidas
típicas baianas e juninas, salgadinhos,
doces e bolos. Há queima de fogos de
artifício e, logo em seguida, a filarmônica, sob a batuta do maestros Watson Lopes e José dos Anjos (Popô),
apresenta um recital com músicas populares famosas.
Todo este aparato festivo foi importado de Lisboa (Portugal), onde
nasceu Santo Antônio em 1195. Os
Irmãos vestindo Opas e carregando
tocheiros durante toda a celebração,
também as partituras musicais e a liturgia das trezenas com o Veni – invocação ao Divino Espírito Santo; as
jaculatórias – invocação a Santo Antônio; a ladainha de Nossa Senhora;
o Salutaris de Gounod – para exposição do SS. Sacramento; o Responso
de Santo Antônio, o Tantum Ergo, a
benção com o SS. Sacramento e as jaculatórias Finais, cantados pelo Coral
de Santo Antônio sob a regência da
professora Rosélia Andrade de Souza.
Às dezesseis horas sai a Procissão
com Santo Antônio vestido de frade
em andor, artisticamente ornamentado por Sinval e Nonato, para percorrer e abençoar as ruas que o consagraram Padroeiro há 428 anos.
Quando termina a procissão de
Santo Antônio, vem a bênção com o
SS. Sacramento. Logo é feito o sorteio
dos irmãos festeiros do ano vindouro
e as palmas enchem o velho templo.
Irmandade de Santo Antônio:
uma longa trajetória
Caravelas foi elevada a condição de cidade no dia 23 de abril
de 1855. Apenas três dias depois,
Dom Pedro II assinava a autorização para que a Irmandade de Santo
Antônio fosse legalizada. Seus objetivos eram os mesmos de hoje:
trabalhar para que Santo Antônio
seja festejado todos os anos, para
o bem espiritual dos irmãos e pelo
engrandecimentos da religião Católica Apostólica Romana.
A Irmandade é composta de
católicos praticantes que aceitem
os dogmas da religião. No tempo
do Império, os irmãos tinham o
privilégio dos principais lugares na
igreja. Eram sepultados nos carneiros, catacumbas feitas dentro do
próprio templo. Quando se criaram
os cemitérios, por lei, em 1858, os
irmãos passaram a ser sepultados
nas catacumbas da Irmandade na
necrópole local.
Desde 1581 Caravelas tomou Santo
Antônio como o seu padroeiro. Duas
capelas foram erguidas em sua homenagem, mas depois destruídas. A primeira,
em 1581, por um Frade Capuchinho de
origem francesa, atacada pelos indígenas
da região; e a segunda, erigida no mesmo local, atacada pelos holandeses em
1636. Uma terceira construção foi então
realizada com pedra, cal e óleo de baleia
pelo Padre Jesuíta Antônio do Espírito Santo, no sítio fundado por Manoel
Fernandes Chaves e Roque Jorge, local
da atual cidade, inaugurada em 1750.
Por ser um templo majestoso, a 18 de
janeiro de 1755 passou a ser a Matriz da
Freguesia Eclesiástica.
“ A festa de Santo Antônio é a vida do povo”
Padre Wanderley Oliveira
(Pároco da Cidade de Caravelas)
Em sua opinião, qual a importância que a
festa de Santo Antônio tem para a comunidade
de Caravelas?
A importância para a comunidade é
gigantesca, o povo vê essa festa como a
própria vida. Então realmente é a vida do
povo.
Como foi para o senhor realizar pela primeira vez a Festa de Santo Antônio aqui em
Caravelas?
A festa de Santo Antônio é famosa,
é milenar, mas aqui em Caravelas tem uma
tradição específica, eu diria especial, foi realmente uma experiência agradabilíssima.
De quem foi a iniciativa de aumentar o número de famílias neste ano de 2009?
Esta é uma experiência minha já há
13 anos. Na paróquia anterior eu trabalhava com umas 200 famílias, sempre me
ajudavam, então eu quis fazer essa experiência também aqui, e valeu a pena.
Então o Senhor pretende aumentar o número de famílias nos próximos anos?
Sem dúvida, pretendo até colocar
300 famílias por noite, quem sabe!
“O importante é a integração”
Marilene Gouvêa
(Moradora de Caravelas e trezenária)
Qual a importância desta festa religiosa
para a comunidade de Caravelas?
Eu acho que a maior importância
está na integração. Vêm pessoas de fora,
a comunidade de Ponta de Areia, da Barra, Juerana, Taquari participa também.
Há uma confraternização entre as comunidades do nosso setor e as comunidades
vizinhas que vêm de Prado e Alcobaça.
A senhora acha que tem algum ponto da
festa que poderia ser mudado?
Falta uma parte cultural na praça,
acabava a trezena e não tinha nada, não
é só forró não. Um ano atrás a gente
convidou um coral de música, eu convidei o bate barriga de Helvécia, convidei
o coral Vozes que educam de Alcobaça,
eu acho que está faltando isso na festa de
Santo Antônio.
A senhora acha que essa iniciativa deveria
vir de quem?
Eu acho que tem que ter aí uma
interação da igreja com a Secretaria de
Turismo, a Secretaria de Cultura. Eu já
consegui com o prefeito de Alcobaça
um ônibus, consegui com o prefeito de
Nova Viçosa que o bate barriga de Helvécia viesse, mas tem que correr atrás,
entendeu? Só que isso dá trabalho, então
seria bom se houvesse uma interação.
Isso não tem tanto gasto não, é só ter
boa vontade de fazer.
5
JULHO / AGOSTO DE 2009
O São João da Comunidade
Noite de São João
Quadrilhas e sanfonas
Fazem aquela animação
Entre damas e cavalheiros
Nesta noite de São João.
Por Vanessa Noberto da Silva
e Fernanda Norberto da Silva
E
ste ano uma boa parte da
comunidade de Caravelas se
mobilizou para festejar o seu
São João. Uma semana foi suficiente
para o pessoal da rua do Eucalipto
arrecadar 1.300 reais entre os moradores, contratar duas bandas, montar
os palcos e inaugurar a festa no dia
23 de junho com os grupos de Daniel
Show e sensação do Forró. No dia 24
foi a vez da quadrilha Maria Bonita,
organizada por Telma Siquara, que
saiu do Clube dos 40 desfilando pelas ruas do centro com uma animação que dava orgulho de ver. “Chupa
que é de uva”, a quadrilha organizada
pelo grupo de jovens da Zaguizara na que homem se veste de mulher e
mulher se veste de homem - também
fez um enorme sucesso. No dia 28 a
comunidade de Alcobaça apresentou
sua quadrilha de São João na Praça da
Olaria. A prefeitura ajudou na animação com a programação do Forró de
Rua, contratando vários grupos para
tocar em diferentes pontos da cidade,
entre os dias 23 e 28 de junho. E muita gente montou o seu arraial na frente de casa. Foram seis dias de muita
dança e animação. As ruas enfeitadas
com bandeirolas, as fogueiras e fogos
de artifício deram brilho a esta festa tão
Fogueiras aquecem a fria noite
Bandeirolas enfeitam as ruas
Tem forró, arrasta pé
Tem comida pra quem quiser.
O céu está todo estrelado
Crianças não param de brincar
O povo está todo encantado
Com a bela noite de luar.
Saia rodada, chapéu de palha
No meio do salão
Vai deixando saudades
Em cada coração.
Balões e foguetes
Soltos no ar
Festejam esta noite
Que está prestes a findar.
(Alessandra Lírio)
Ceres Scofield
tradicional e tão esperada por todos.
Agora, o quê a comunidade achou
deste São João e o quê propõe para o
ano que vem? As repórteres Vanessa
Norberto da Silva e Fernanda Norberto da Silva saíram pelas ruas entrevistando os compadres e as comadres
para saber a opinião do povo caravelense. Confira as entrevistas e mande a sua opinião para O Timoneiro
([email protected]). Que a
festa de 2010 seja ainda melhor!
Moradora de Caravelas e professora do
município
Ericson Bruno da Silva Avelar
Morador da rua do eucalipto
e organizador da festa comunitária
Como surgiu a iniciativa e por quê você resolveu fazer esse São João comunitário?
Em primeiro lugar, foi porque ficamos sabendo através de pessoas que
trabalham na Prefeitura que não iria ter
o São João. Eu conversei com os moradores e com Daniel Show que é o dono
da banda, perguntei quanto ele cobraria
para fazer essa festa, aí conversei com os
moradores da rua do Eucalipto, se eles
poderiam colaborar com a quantia de dez
reais.
Essa arrecadação foi na Rua do Eucalipto
ou na cidade toda?
Teve a contribuição das ruas vizinhas
e de alguns moradores da Barra. No total arrecadamos o valor de mil e trezentos
reais em uma semana. Mas estamos começando e não queremos parar devido
a comunidade estar elogiando bastante,
vamos continuar e daqui pra frente torcer
para fazer um trabalho melhor.
Emerson Santana Rodrigues
Morador de Caravelas e participante da
Quadrilha “Chupa que é de Uva”
De quem foi a iniciativa de organizar a
quadrilha ”Chupa que é de Uva”?
Os componentes da turma “Zanguizarra”, um grupo de jovens que se formaram juntos e que até hoje se reúnem para
organizar confraternizações para unir a
turma.
Qual o objetivo dos homens vestirem-se de
mulher e as mulheres de homens?
Pra ficar diferente, mais extrovertido,
levando mais alegria para a comunidade.
Qualquer pessoa pode participar da quadrilha “Chupa que é de Uva”?
Sim, quem quiser participar é só entrar em contato com uma das organizadoras Daiana, Jovana ou Aline.
Há quantos anos vocês formaram essa quadrilha?
Faz três anos que existe a quadrilha e
eu participei em todos os anos.
Vocês pretendem continuar alegrando a comunidade com a “Quadrilha Chupa que é de
Uva” nos próximos anos?
Pretendemos, pois queremos que ela
vire tradição em nossa cidade e que os
jovens participem mais desta festa que é
tradicional da região.
Telma Siquara
Moradora de Caravelas e organizadora
da Quadrilha Maria Bonita
De quem foi essa iniciativa de fazer essa
Quadrilha da Maria Bonita?
Foi do grupo, porque a gente já faz
outras coisas juntos, e como é São João,
é natural que agente engate alguma coisa
para alegrar um pouco mais a cidade. É
importante que todo mundo se una, porque isso é o bem comum, é uma diversão,
então eu acho que cada um fazendo um
pouquinho faz uma coisa grande, e isso
é muito bom. Hoje nós poderíamos ter
muito mais gente aqui, mas como resolvemos em cima da hora há menos pessoas, mas no ano que vem podem nos
procurar porque vai ser bacana.
O que a senhora está achando do São
João?
Eu gostei, eu não gostava muito da
festa da gestão anterior, era animada, realizada naquele espaço próximo à igrejinha, mas tinha tirando essa coisa gostosa
tradicional da festa nas ruas de Caravelas.
Essa idéia de colocar palcos em vários
lugares é legal, porque faz com que movimente mais a cidade. Uma coisa que eu
achava sempre que devia fazer é concurso
de rua, porque se fizesse concurso de rua
ia animar mais ainda, a turma ia participar
e promoveria mais a cidade, mas é uma
idéia que pode vir ainda a acontecer.
Itamar dos Anjos
Morador de Caravelas e artista
plástico
Você está acompanhando o São João aqui de
Caravelas? O que você está achando?
Eu acho maravilhoso essa forma das
pessoas não esperarem só que a prefeitura
faça, como o pessoal da rua do eucalipto,
como Curinha lá na avenida, como outras
ruas que as famílias se juntaram e organizaram a sua festa. Eu acho que ano no que
vem e outros anos que virão vale a pena
estar nessa forma de encontro, de integração, de movimento, tem muito mais amor
na história por que você está fazendo junto, está construindo junto.
Paulo Roberto
Barbosa dos Santos
Morador de Caravelas e vereador
Você acha que o São João comunitário deve
continuar nos próximos anos?
Eu acho que tem que ter as duas
partes, esse ano rolou por uma questão
econômica, a prefeitura não teve dinheiro para fazer um forró centralizado, mas
acredito que ano que vem com o planejamento, com a secretaria de cultura, a
secretaria de turismo e o próprio poder
executivo fazendo o planejamento antes,
vai dar pra fazer o forró centralizado e
também dá pra ajudar a comunidade dos
bairros a fazer o forró de rua.
Wagner Antonio Petersen da Silva
Morador de Caravelas e enfermeiro
A comunidade teve uma boa aceitação do
São João?
Na realidade a nossa comunidade ainda tem um grande bloqueio com cultura,
como a festa de São João, hoje as pessoas
querem bandas famosas e acabam com
a cultura, com a crise que a gente passa
não dá pra sustentar esse luxo. Acho que
a comunidade tem que ir desarmada para
todas as festas, pois em Caravelas o índice de violência está aumentando cada dia
que passa, tirando o espírito e o prazer
junino que é o que esperamos.
6
JULHO / AGOSTO DE 2009
TURISMO
Costa das Baleias: a um passo da união
O Ministério do Turismo e Sebrae apóiam o fortalecimento dos Conselhos
Municipais de Turismo em busca de uma estratégia de trabalho conjunta para a região
Por Joyce Trindade
A
gião, o Secretário de Turismo da Bahia,
Domingues Leonelli e autoridades do
município de Bonito (MS), um dos melhores destinos de ecoturismo do Brasil.
Leonelli disse que o Governo do
Estado reconhece a importância de
todo o Extremo Sul e que tem um
compromisso estratégico com a Costa
das Baleias. Informou que o Estado
está investindo cerca de 12 milhões
em qualidade profissional entre 2008
e 2009. “Isso é fundamental, pois 80%
dos turistas no mundo decidem as viagens a partir de informações de outras
pessoas que estiveram no destino pretendido”, destacou.
Mas foi a bem sucedida experiência
de turismo ecológico em Bonito a que
chamou a atenção de todos. Augusto
Barbosa Mariano - Secretário Municipal de Indústria, Comércio e Turismo
e Cícero Ramos Peralta - Presidente do
COMTUR, ambos de Bonito-MS apresentaram o bem sucedido caso de seu
município, que gera em media 2.600
empregos diretos ao setor. O segredo,
segundo eles, está na união do poder
público, setor privado e comunidade,
Costa das Baleias é composta
pelos municípios de Caravelas,
Alcobaça, Prado, Nova Viçosa,
Mucuri, Teixeira de Freitas e Itamarajú.
Junto a Costa do Descobrimento, conforma o que o governo federal intitulou
de Pólo do Descobrimento. A região
apresenta uma série de potencialidades
derivadas do turismo ecológico, histórico e cultural. Mas sofre com problemas
de infra-estrutura em suas estradas, com
a precariedade das instalações hoteleiras, a falta de bons serviços e produtos
formatados para a compra. O início da
solução pode estar na ação concertada
dos Conselhos Municipais de Turismo
com a Câmara de Turismo da Costa
das Baleias para a criação de políticas
públicas para a região.
No dia 29 de maio foi realizado
no Hotel Residencial do Mirante em
Prado, Balneário Praia de Guaratiba,
o I Encontro de Fortalecimento das
Instancias de Governanças Locais, que
teve o objetivo de fortalecer os conselhos municipais de turismo da Costa
das Baleias. O evento reuniu prefeitos
e representantes dos municípios da re-
A promessa de Reativação do Aeroporto
Durante o I Encontro de Fortalecimento das Instancias de Governanças Locais, o prefeito de Caravelas Luiz Antonio Alvim Delgado,
solicitou mais atenção do governo
do Estado para o extremo sul e pediu a recuperação do aeroporto de
Caravelas. Repetiu a reivindicação
no dia 5 de junho, para o presidente
Lula e o governador da Bahia, Jaques
Wagner, reunidos no ato de criação da
Reserva Extrativista do Cassurubá. O
presidente comprometeu-se diante do
público presente e ao vivo em rede nacional, que iria reativar o aeroporto. O
prefeito se reúne com o governador da
Bahia, Jaques Wagner em meados de
agosto para discutir o assunto.
N
Bonito é exemplo de ecoturismo no Brasil
ão se pode negar o progresso
dos últimos anos em função
do turismo. Atualmente mais
de 56% da mão-de-obra de Bonito está
voltada diretamente para esta atividade
econômica. A proximidade com o Pantanal, as cachoeiras e rios oferecem um
atrativo natural que empresários e poder
público do município souberam aproveitar, criando atividades de ecoturismo
que encantam o visitante.
Foto: Joyce Trindade
ENTREVISTA
O
Comtur de Caravelas foi
criado em maio de 2006,
mas nunca chegou a funcionar como deveria. As reuniões eram
improdutivas e muitos membros do
conselho não participavam dos encontros, o que dificultava o avanço
na geração de políticas públicas para o
setor em Caravelas. “O desafio principal é ter resultados”, ressalta Simone
da Silva, presidente do Comtur, eleita
no último dia 25 de maio. Com foco
em ações imediatas, ela criou uma
comissão para a discussão de uma estratégia de arrecadação para o Fundo
Municipal de Turismo (Fumtur), outra para discutir a gestão do cais - 214
mil reais para reestruturação do cais
foram perdidos por falta de organização na gestão anterior - e outra para
o inventário turístico de Caravelas,
que deve ser apresentado à Bahiatursa
(órgão oficial de turismo do governo
do Estado) no próximo ano. Está discutindo também a formulação de uma
parceria com o SENAC para oferecer
cursos de formação à comunidade caravelense na área de turismo.
O Timoneiro entrevistou a nova
presidente do Conselho Municipal de
Turismo de Caravelas, Simone da Silva, gerente do hotel Marina, integrante da Associação de Turismo de Caravelas e profissional respeitada pela sua
capacitação e seriedade.
“Abrolhos é o único produto que temos formatado.
Precisamos de empresas que criem atrativos
diferenciados, coisas feitas com qualidade”
Timoneiro - Como se pode promover o
desenvolvimento local de Caravelas a partir do
turismo?
Através da inserção da comunidade
na atividade turística. Em Caravelas há
necessidade de agregar algo mais para a
gente oferecer aos nossos clientes, criar
produtos. Nós temos uma série de atrações não aproveitadas. E o contato com
a comunidade é importante. O turista
aceita bem isto, valoriza este contato.
Timoneiro – Como pequenos projetos de
que trabalham juntos pelos mesmos
objetivos.
No dia 14 de julho os representantes dos Conselhos de Turismo de Caravelas, Alcobaça e Prado se encontraram no Centro de Visitantes do Parque
Nacional Marinho dos Abrolhos para
o II Encontro para o Fortalecimento
dos Conselhos Municipais de Turismo
da região da Costa das Baleias. Organizado pelo Ministério de Turismo e pelo
Sebrae, o evento serviu para trocar experiências e começar a sedimentar um
projeto comum de turismo para toda a
Costa das Baleias.
“A região da Costa das Baleias ainda é nova turisticamente, é necessário
que os Conselhos tenham um projeto
comum do tipo de turismo que desejam ter, que pensem a região como
um todo”, aconselhou Ricardo Cerqueira, consultor do Sebrae e funcionário do programa de regionalização
do Ministério do Turismo.
O próximo encontro de fortalecimento do Conselhos de Turismo
Municipais será realizado no dia 17 de
agosto em Alcobaça.
desenvolvimento local podem ser apoiados a
partir do turismo? Por exemplo, as frutas que
estragam na estação de verão, poderiam servir
para fabricar produtos típicos da terra?
Essa é uma idéia antiga na Associação de Turismo de Caravelas, de fazer
uma cooperativa de doces. Em novembro vai encher de manga, de caju, e a
gente vê aquilo sendo desperdiçado.
Então, a cooperativa de doceiros da
região é algo muito importante, pois
pode ajudar a comunidade. A vontade
de fazer isto é muito grande, e existe
São vários destinos turísticos e empresas que procuram o Município ao
longo do ano, em busca do Modelo de
Gestão Sustentável, como forma de inspiração para adaptar na sua realidade.
Atualmente existem 67 empresas
oferecendo serviços de hospedagem, entre hotéis e pousadas de pequeno a grande porte. Existem 32 agências operando
no mercado; aproximadamente 80 guias
de turismo credenciados pelo Ministério
do Turismo; mais de 25 sítios turísticos, vários serviços de locação de automóveis, vans, motos e bicicletas; entre
bares, restaurantes e lanchonetes existem mais de 40 opções. Além disso,
o Município conta com um moderno
centro de convenções e um aeroporto.
Todos esses serviços provenientes do
Turismo fazem com que a comunidade
também desfrute de uma melhor qualidade de vida.
uma tendência do Ministério do Turismo a apoiar este tipo de projetos
também, de apoiar o associativismo da
comunidade.
Timoneiro - Há uma senhora na Barra que faz um maravilhoso licor de jenipapo,
inclusive trabalha a garrafa artesanalmente,
fica muito bonita, mas diz que não tem para
quem vender...
O licor de jenipapo da região aqui é
famoso e está escondido, a própria moqueca de Camarão… eu estou há dez anos
aqui e há muita coisa que eu não conheço.
Há coisas que a gente precisa resgatar que
fazem parte do próprio patrimônio cultural de Caravelas. A gente no Comtur quer
apoiar estas propostas, mas estamos no
começo, estruturando a idéia.
há uma regularidade nas apresentações,
quer dizer, ainda não podemos vender
estas apresentações como um produto
turístico.
O Timoneiro - Quais são os principais
problemas na área turística de Caravelas?
Falta de infra-estrutura e de produtos turísticos. O centro histórico
está bem depreciado, Abrolhos é o
único produto que temos formatado.
Precisamos de empresas que criem
atrativos diferenciados, coisas feitas
com qualidade.
O Timoneiro - Caravelas possui uma
produção cultural que poderia apoiar a geração destes atrativos?
A parte cultural de Caravelas é muito forte. Uma vez no Hotel Marina recebemos um grupo de estudantes de
São Paulo, agendamos para que eles assistissem a uma apresentação do grupo
de dança do Arte manha, e eles adoraram! Mas há um problema porque não
O Timoneiro - O turismo de Caravelas é
um turismo de grandes hotéis, ou um turismo
comunitário?
O turismo de Caravelas é um turismo de meios de hospedagem de médio
e pequeno porte. Isso a princípio pode
parecer que é pouco, mas não é. Por
quê? Nós estamos dimensionados a demanda atual. A gente é auto-sustentável
o ano todo. O Hotel Marina se sustenta o ano todo, e também as empresas
de turismo que são bem administradas.
Agora você vê as cidades de Prado e
Alcobaça com um grande número de
leitos que estão desocupados. Acho que
Caravelas tem a medida certa, e tem que
crescer na medida em que a demanda
cresce. E crescer de qualquer jeito também não adianta, tem que crescer com
qualidade.
O Timoneiro - O Turismo comunitário na
casa das pessoas também pode ser importante?
A ATC apóia o projeto da Ecomar,
o turismo de base comunitária no Cassurubá, que é justamente isto, levar o
turismo para a casa das pessoas. Havia
um projeto de grande hotel para esta região, mas com a criação da Reserva do
Cassurubá não é mais viável. Acho que
se tem que respeitar o modo de vida
das pessoas, então não é assim, chegar
e fazer. Tem que perguntar primeiro se
pode fazer.
7
JULHO / AGOSTO DE 2009
Novas perspectivas para
a pesca em Caravelas
dor em Caravelas por RS 2,30 e para a
comunidade acaba custando R$ 5,00.
Cooperativa - Muitas das dificuldades seriam resolvidas com o trabalho
conjunto em uma cooperativa corretamente administrada. De fato, a antiga
COPESBA (Cooperativa do Pescadores do Extremo Sul da Bahia) funcionou bem durante as décadas de 70 e
80, dando suporte ao pescador, através
da compra de toda a produção de seus
associados. A Cooperativa disponibilizava ainda aos pescadores uma oficina
náutica que dava auxílio à manutenção
das embarcações e um mercadinho que
oferecia os produtos a preço de custo,
diminuindo os gastos dos pescadores
com o material de pesca.
A falência em 1999, atribuída a
graves problemas administrativos e de
transparência em sua gestão, deixou
muitos pescadores em uma situação
penosa. “A diretoria desapareceu e
tudo ficou abandonado”, afirma Lierte
COMUNICADO AO PESCADOR
Siquara, presidente da APESCA, atualmente instalada no mesmo espaço
físico da antiga Cooperativa. A dívida
astronômica com o Banco do Nordeste não foi jamais sanada e ficaram sem
resolução uma série de pendências trabalhistas com os antigos funcionários,
que hoje lutam na justiça para reaver
seus direitos (veja a opinião de Carlos
Benedito, antigo funcionário da cooperativa).
Hoje a APESCA busca revitalizar
o setor pesqueiro através da aquisição
de novas máquinas para a produção
e o beneficiamento do pescado. (Veja
comunicado abaixo) “Somos uma
associação sem fins lucrativos, o que
estamos recebendo é uma doação”,
ressalta Lierte Siquara. Ele lembra
também à comunidade que estará passando um livro de ouro para saldar
compromissos de rotina - telefone, internet, aluguel, entre outros - que hoje
giram em torno a 2 mil reais.
O
Por Lierte Siquara
Presidente da APESCA
A
Associação dos Pescadores de Rede
de Arrasto, Boeira, Fundo e Arraieira (APESCA) foi criada há três anos, com
objetivo de desenvolver projetos para a melhoria da qualidade de vida do pescador e
seus familiares na região de Caravelas. Pretende trabalhar para aprimorar a qualidade
do produto e do trabalho dos associados,
promovendo a capacitação profissional do
pescador e desenvolvendo projetos de geração de renda alternativa, aliados com programas de educação ambiental e extensão
agroecológica. Possui hoje 42 associados e
está aberta a novas afiliações.
A APESCA vem trabalhando em parceria com a Colônia Z-25 desde a mudança
de sua diretoria e da posse no início deste
ano de Gilson Guedes Caetano, o “Du”,
para o cargo de presidente, que se revelou
preocupado em defender os interesses dos
pescadores em nosso município.
Também desenvolve hoje um projeto
junto à Aracruz Celulose para a captação
de recursos junto ao BNDES, com o objetivo de instalar uma unidade de processamento, armazenamento e comercialização de pescado e frutos do mar. Trata-se
de uma doação da Aracruz à Associação
com o fim de beneficiar o setor pesqueiro, buscando a melhoria da qualidade de
vida dos pescadores, sua família e, con-
sequentemente, a comunidade caravelense
em geral.
Com o financiamento que a Aracruz
está buscando junto ao BNDES será possível instalar novo maquinário para a produção e o beneficiamento do pescado.
Nesse projeto a APESCA está articulando
a aquisição de uma máquina de gelo de 20
toneladas diária (como a antiga), um poço
artesiano de 120 metros de profundidade,
uma máquina de descascar camarão, acessórios necessários para manuseio e guarda
do produto e a reforma de toda a parte de
produção e beneficiamento das instalações
físicas da antiga COPESBA, que se encontra em total abandono, com ferrugem e
cupim destruindo tudo.
A Associação também vem trabalhando
para a implantação da Reserva Extrativista
do Cassurubá, e tem o objetivo de apoiar
projetos de desenvolvimento sustentável
em nossa comunidade, gerando crescimento e renda à comunidade envolvida.
A APESCA não é para meia dúzia. O
objetivo da Associação é atender a todos
os pescadores de Caravelas, Barra, Ponta
de Areia e Zona Ribeirinha. Aqueles que
tenham interesse de afiliar-se à APESCA
podem procurar sua secretaria, localizada
na Rua Dom Felipe, sem número, na sede
da antiga Cooperativa.
Foto: Anerivan Reinalda
Por Carlos Benedito de Souza
Funcionário de 1980-2000
COOPERATIVA DE PESCA
Foto: Anerivan Reinalda
A APESCA não é
para meia dúzia
José Soares Medeiros foi pescador da Barra de Caravelas durante toda sua vida e hoje trabalha na
comercialização.
Um retrato aos olhos de quem vivenciou
município de Caravelas durante 19
anos ficou caracterizado junto aos
governos, como pólo significativo das atividades pesqueiras, fruto de uma equipe
de trabalho séria da Cooperativa Mista dos
Pescadores do Extremo Sul da Bahia Responsabilidade Limitada - COPESBA, e de
uma administração voltada para os interesses da classe que lhe sustentava. Em 1986,
chegou a absorver 648 toneladas de produtos de origem da pesca, representando
um percentual de 76% do produto anual
capturado em nosso município, beneficiando mais de cerca de 200 associados e contando com uma frota de 40 embarcações,
oferecendo diversos tipos de serviços e
gerando mais 150 empregos diretos.
Após atuar durante estes anos e depois da busca incansável por recursos
para diversificar a sua produtividade, ficou obrigada a desativar as suas ações administrativas cooperativistas, tornando-se
inoperante, alcançando em 1999, um insignificante percentual de participação na
produtividade de pescados do município
de 10%, vindo assim a contribuir para a
sua desativação e inviabilizando o compromisso da dívida contraída junto ao
Banco do Nordeste em 1994, cujo montante chega a mais de R$ 305 mil reais.
No dia 14 de setembro de 1999, em
Assembléia Geral Extraordinária, foi aprovado o pedido de demissão conjunta dos
seus Diretores. Pode-se dizer que durante
estes 14 anos (1982-1996), alguns diretores
procuraram dentro de suas capacidades alguma forma para minimizar a situação crítica em que se encontrava a empresa.
Em 1996, o Assessor Administrativo
Sr. Carlos após apresentar o relatório de
situação financeiro-econômica constatando para os Diretores um “passivo a
descoberto” (prejuízo), procurou imediatamente o apoio do Dep. Federal Jaime
Fernandes para ajuda, o que fez através
do Estado/BAHIA PESCA, a liberação
de 89 mil reais (o que supriu por 2 meses)
e viabilizou com o Presidente da empresa
Sr. Manoel, uma viagem para Brasília para
uma audiência com o Ministro de Agricultura Dr. Arlindo Porto na tentativa de se
“
Foi um
sonho que se
perdeu na
realidade
“
A
pesca extrativista marinha,
apesar da crise de sustentabilidade que vive, esta longe de
ser uma atividade decadente e condenada ao fracasso. Caravelas produz mensalmente centenas de toneladas de pescado, enviado em sua maior parte aos
mercados de Salvador e Espírito Santo
através dos 20 atravessadores locais,
que trabalham com a comercialização e
o armazenamento do produto.
Apenas um atravessador chega a
manejar o envio de 5 ou 6 toneladas
de arraia por semana. Acredita-se que
o quilo comprado a R$ 1,50 no mercado local seja revendido por cerca de
R$ 5,00 nos mercados de destino. Por
falta de estrutura de armazenamento
e comercialização o pescador acaba
impedido de estabelecer o preço final
de seu produto. A inexistência de um
frigorífico coletivo é outro problema.
O gelo que chega em Alcobaça, cidade
vizinha, a R$ 2,00 é vendido ao pesca-
buscar soluções para a então crise, que aparentemente era de gestão administrativa.
Neste ínterim, foi-nos sugerido participarmos do RECOOP – Programa de
Revitalização das Cooperativas (projeto
este feito por mim, Sra. Walquíria e Sr. Ivo
Lima) na época, eram aproximadamente
471 Cooperativas no país com situações
semelhantes. Para a sustentabilidade dos
custos operacionais da empresa eram necessários 15/ton de produtos/mês. Chegamos no final com uma produção anual
de 9 ton/ano (contribuiu em grande parte
o desvio de produtos por alguns associados) o que inviabilizou consideravelmente
o funcionamento.
Era preciso se ter uma solução ousada, inteligente e a curto prazo. O tal projeto suscitado falava em capacitação de sua
diretoria (causa do maior entrave), quadro
funcional e associados. Com o fechamento
advindo de várias situações desconfortáveis
a empresa criada há duas décadas pela CEPLAC foi entregue (na ilegalidade) para que
os seus 19 funcionários dessem um rumo a
esta situação desastrosa. Ao não aceitarmos
(por não haver amparo legal), foi constituído (pela justiça) um depositário fiel (pessoa
responsável por todos os bens recebidos
para cuidar e zelar) até que quando solucionado o caso o mesmo deverá desocupar o
imóvel sem ônus para as partes, entregando
tudo o que foi repassado conforme documento firmado.
A pobre situação vivida pelo ex-funcionário Arnaldo Francisco de Jesus (diga-se
passando até mesmo fome) e que tempos
depois veio a falecer foi um dos fatores deste
caos. Até hoje, muitos estão desempregados.
A situação social em muito piorou, pois dali
alimentava-se centenas de pessoas e circulava diariamente 15 mil reais na cidade. Foi um
sonho que se perdeu na realidade.
A verdade é que os seus funcionários,
foram lançados ao mar, como uma nau
sem rumo, onde somente há 4 anos, as
portas da justiça trabalhista foram abertas
para a solução final e que só depende agora dos funcionários.. Espera-se um pouco
de respeito e dignidade para àqueles que
tiveram o seu suor derramado durante
anos e sequer foram ouvidos no novo
processo de gestão. Somos parte de uma
adição e queremos partilhar desta soma,
até mesmo com uma simples palavra.
Festa de São Pedro celebra o dia dos Pescadores
D
as tradições populares do Brasil não
há outra que melhor represente o
povo no trabalho da navegação e da pesca
que a festa que se celebra no dia de São
Pedro, santo protetor dos pescadores, das
embarcações e das pescarias. Ao poder do
santo muitas vezes acreditou-se dever a
vida disputada contra as tempestades e à
sua graça se reconheceram as miríades de
peixes trazidos às praias e dispostos sobre
as areias, nas épocas de fartura do mar.
Em Caravelas a festa em homenagem
ao Santo aconteceu entre os dias 28 e 29
de junho na comunidade da Barra, atraindo pescadores, marisqueiras e moradores
de toda a região. “Antigamente a tradição
Foto: Mônica Linhares
OPINIÃO
era realizar apenas missa na praia com procissão marítima. Mas nos últimos três anos,
a participação da comunidade permitiu que
muita coisa mudasse, para melhor. Agora
oferecemos festa a noite com variadas bebidas e comidas tradicionais, forró, quadrilhas
e sorteio com vários prêmios tanto para a
comunidade, quanto para a embarcação
melhor organizada, com prêmios para 1º,
2º e 3º lugares” explica Normélia Medeiros
Mota, conhecida como Nona, uma das principais organizadoras da celebração.
A procissão marítima foi finalizada
com a prometida premiação para os barcos
mais chamativos, atraentes e organizados.
O primeiro lugar ficou com Roberto, para
o barco Problema Meu, o segundo com
seu Arlindo, para o barco Regiane, e o
terceiro lugar foi concedido a Pedro, pelo
barco Tramps.
Para arrecadar fundos Nona buscou
patrocínio junto aos comerciantes da Barra, Ponta de Areia e Caravelas. Contou
também com o apoio do Parque Nacional
Marinho dos Abrolhos. “O Parque nos
deu uma força muito grande.Mas para
que aconteça uma festa assim maravilhosa, gastamos muito e por isso queremos
agradecer também a toda a comunidade,
porque sem ela não teríamos condição
nenhuma de realizar esta comemoração”,
completa Nona.
8
A pesca na Reserva do C
JULHO / AGOSTO DE 2009
Foto: André Esteves
Em Caravelas cerca de 1.200 famílias dependem da
pescaria e da mariscagem para viver.
Muitas ainda não sabem que a Reserva Extrativista do
Cassurubá, que foi criada por decreto do presidente Lula em
Ponta de Areia, no dia 05 de junho de 2009, poderá ajudar
a melhorar a pesca na região, resguardando o espaço
marinho para o uso exclusivo dos pescadores da comunidade
e criando formas de manter ou até aumentar a quantidade de
peixes, camarões e caranguejos da área.
O Timoneiro apresenta nesta edição uma reportagem sobre
as vantagens que a recém-criada Reserva Extrativista do
Cassurubá trará para esta classe profissional.
As repórteres Bárbara Demmer, Joyce Trindade e Marilene
Figueiredo entrevistaram vários pescadores e marisqueiras
para mostrar os problemas que vivem e saber o quê pensam
sobre a nova Reserva Extrativista.
Por Bárbara Dehmmer,
Joyce Trindade e Marilene Figueredo
“
Foto: Mônica Linhares
Seu Raul Rocha, pecador de Ponta de Areia
res da cidade, como Antônio Teixeira,
conhecido por Tonico, também morador de Ponta de Areia: “A situação está
mais difícil. Os peixes estão mais longe, o preço do quilo está diminuindo
e o material encarecendo. O camarão
também está diminuindo e há muitas
embarcações no mar”, lamenta. Não é
o único que pensa assim. Para Roberto
da Silva, pescador e morador da Barra
de Caravelas, a quantidade de barcos
vindos de outras áreas já está passando dos limites. “Só as embarcações
de Caravelas já são o bastante, e ain-
da vem os barcos de fora... a maioria
coloca rede de dia e à noite”, adverte.
Em Caravelas aproximadamente 200
embarcações trabalham diariamente com a pesca. Este número triplica
quando somados os municípios de
Nova Viçosa e Alcobaça.
O presidente da Associação APESCA, Lierte Abreu Siquara, considera
que de meados dos anos 70 para cá
Caravelas perdeu algo como 80% do
seu pescado. Esta situação, segundo
ele, foi gerada em boa medida pela atitude do próprio pescador. “Hoje não
se tem mais o cuidado que se tinha
antes, antigamente toda área era considerada uma reserva. Agora o peixe vai
se afastando. Para ir matar uma arraia
você tem gastar umas seis horas, antes
você saía numa beirada de praia e matava o peixe”, diz.
Espera-se que a implantação da
Reserva Extrativista do Cassurubá
(RESEX) apóie modos mais sustentáveis de pesca, ajude a demarcar os
locais para a reprodução das espécies,
a proteger o estuário e o mangue, e o
que não é menos importante, resguarde o espaço marinho e do manguezal
para o uso dos pescadores e catadores
de caranguejo da comunidade.
Garantia - Foi exatamente para
preservar os estoques locais de caranguejos da coleta por extrativistas
de outras regiões que a Associação
de Marisqueiros de Ponta de Areia
e Caravelas (AMPAC) realizou o primeiro pedido de criação da RESEX,
no dia 12 de janeiro de 2005. Naquela época, vinha muita gente de outras
regiões para extrair o caranguejo de
Caravelas, usando métodos pouco
sustentáveis como os da “redinha”,
causando a morte desnecessária de
centenas e centenas de animais.
Foi em 2005 também que veio a
público a notícia da possível implantação de um mega empreendimento
de carcinicultura em Caravelas, o que
desencadeou na cidade um acirrado
debate sobre o tipo de desenvolvimento que ela deveria seguir. A proposta era a de instalar na cidade do
projeto da Cooperativa de Criadores
de Camarão do Extremo Sul da Bahia
– Coopex, que traria graves prejuízos ambientais, e diminuiria ainda
mais a quantidade de peixes da área
por contaminar o ecossistema manguezal com esgotos sem tratamento
e com altas taxas de metabisulfito.
(Um veneno que diminui drastica-
mente o oxigênio da água, acabando
com a vida).
Todas estas ameaças foram afastadas no dia 05 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, quando o
presidente Lula assinou o decreto de
Criação da Reserva do Cassurubá. A
importante batalha de centenas de
pescadores e marisqueiras havia chegado ao fim. E o espaço de trabalho
e de renda de milhares de pessoas que
vivem da pesca e da mariscagem em
Caravelas havia sido finalmente garantido.
Foto: Acervo ECOMAR
Às 03 horas da manhã eu acordo,
faço o café, a farofa, pego minha
linha, o anzol, o samburá e vou
a caminho do porto, onde fica minha
batera. Às vezes vou sozinho, tem dias
que vou com um dos meus filhos. Chegando ao porto empurro minha batera
às margens do rio para minha pescaria
que é dentro do rio mesmo. Tem dias
que faço uma boa pescaria, mas às vezes não pego nem pra comer”.
O dia-a-dia de Raul Rocha é parecido ao dos muitos pescadores de
Caravelas que trabalham de sol a sol
dentro da área da Reserva Extrativista
do Cassurubá. Mora com a mulher
e um dos dez filhos em uma pequena
casa localizada na Rua do Ceará, em
Ponta de Areia, e vive da pesca “desde que se entende por gente”. Com o
passar do tempo, diz, a quantidade de
peixes foi diminuindo. Permaneceram
os problemas de distribuição, comercialização e armazenamento. Com
menos peixes no mar e uma grande
dificuldade em negociar o seu produto, seu Raul dificilmente consegue
mais do que 450 reais por mês para o
sustento da sua família.
O problema está presente no depoimento de muitos outros pescado-
Foto: Acervo ECOMAR
Foto: André Esteves
“A RESEX vai proteger o banco camaroneiro”
O presidente da Colônia de Pescadores de Nova Viçosa, Valdeck
Rosentino Neves, considera que a
criação da Reserva foi uma grande
vitória do movimento de pescadores. “Apoiamos a RESEX porque vai
proteger o banco camaroneiro. Ela
vai ser bem vinda aos pescadores,
aos ribeirinhos e aos pegadores de
caranguejo, já que hoje os caranguejos acabaram, do mesmo jeito que
vão acabando os peixes. Além de ter
impedido a instalação do projeto de
carcinicultura aqui, que seria muito
impactante para a natureza. Agora
podemos sonhar com um futuro em
que nossos filhos tenham condições
de viver da pesca”, destacou.
Para Lierte Siquara, da Associação
APESCA, a criação da RESEX foi
bem aceita exatamente por resolver o
problema da preservação das espécies.
“Todos os peixes nascem dentro do estuário do manguezal. Com a Reserva a
gente espera que os peixes venham a se
multiplicar”.
Cassurubá
9
JULHO / AGOSTO DE 2009
Foto: Ricardo Stuckert
“Não estamos fazendo nenhuma
coisa que vá prejudicar a cidade”
N
Foto: Ricardo Stuckert
um grande empreendimento naquele
mangue e os pobres sendo escorraçados, para onde? Para beira de um morro ou para a beira de um córrego.
Ora, o que nós estamos dando
com essa RESEX é um direito da cidade de Caravelas e de Nova Viçosa
poderem dizer, que nessas cidades a
natureza será preservada para que os
nossos filhos e os nossos netos possam continuar, se quiserem, a profissão dos seus pais e das suas mães e
tirar o seu caranguejo lá no mangue.
Porque vocês sabem o que é enfiar a
mão em uma toca para pegar o caranguejo até o cotovelo. E eu até os dez
anos de idade, não só pegava caranguejo como pegava... Até esse dedo
aqui foi um caranguejo que comeu
(brinca).
Então, o que nós estamos garantindo aqui é o seguinte: o que tem de
mangue, mangue é uma coisa muito
importante para a natureza. Mangue é
uma coisa importantíssima. Se a gente
acabar com o manguezal, a gente muda
o tipo de coisa que tem no rio ou no
mar, perto do manguezal. Então, nós
precisamos preservar. Não é apenas
para garantir aos pescadores pescar o
seu marisco, pegar o seu caranguejo
ou pescar o seu peixe. Não é só para
isso, é também para isso. Mas a gente
quer que quando um cidadão de classe
média de São Paulo ou do Rio de Janeiro ou um professor da USP, ou da
Unicamp, ou de Salvador quiser visitar
o local virgem, onde está preservado,
onde o pedaço de mar está preserva-
do, onde não vai ter poluição e aí
eu vou entrar na questão do esgoto,
ele vem aqui em Caravelas e fala: Eu
fui lá, comi um peixe de qualidade,
não poluído, um caranguejo de qualidade, um marisco de qualidade, e
aí até vão vender ou em Vitória do
Espírito Santo ou o Jacques Wagner
vai comprar tudo para levar para a
merenda escolar lá em Salvador e daí
por diante.
Então, é para isso que a gente
está aqui. Para a gente dizer ao povo
de Caravelas que nós não estamos
fazendo nenhuma coisa que vá prejudicar a cidade. Até porque, se nós
tivermos do um lado algum ambientalista radical e tivermos do outro
lado um prefeito, ou um fazendeiro
radical, o governo não estará de nenhum dos dois lados.”
A RESEX foi criada. E agora?
A Reserva do Cassurubá abrange uma
área de 100.687 hectares de estuários, restingas, mangues e ambientes marinhos
entre as cidades de Caravelas, Nova Viçosa e Alcobaça. Contribuirá para a proteção dos principais ambientes costeiros do
Banco dos Abrolhos, onde estão 95% dos
manguezais da região, considerados berçários de várias espécies de importância
ecológica e econômica.
A Reserva é uma área do governo
federal, concedida para o uso das populações extrativistas: os pegadores de
caranguejo, os pequenos agricultores e
os pescadores. Após a regularização fundiária, os moradores tradicionais devem
receber um documento que lhes garanta
permanecer e utilizar a área da Reserva - o
termo de concessão de direito de uso.
A RESEX é gerida por um Conselho
Deliberativo, constituído por represen-
tantes de órgãos públicos, de organizações
da sociedade e das populações tradicionais
residentes na área, que devem ser maioria.
É o Conselho que elabora o Plano de Manejo, ou o plano de utilização da Reserva.
No plano de manejo se define o quê pode
e o quê não pode ser feito dentro da Reserva, quais áreas vão ser utilizadas para o
extrativismo e quais vão ser utilizadas para
a conservação.
Na Reserva não será permitido realizar
atividades de grande impacto para a natureza, tudo terá que ser pensado em termos
da relação do ser humano com o meio ambiente. Há algumas regras a seguir: não é
permitida a pecuária em grande escala nem
a plantação em grandes extensões de terra.
O corte de árvores também tem que ser
sustentável, para proteger a mata nativa.
Mas podem e devem ser criados projetos que ajudem a população a melhorar
a qualidade de vida e a obter renda, como
os de turismo comunitário, artesanato,
apoio à pequena agricultura, a apicultura,
e a própria comercialização e beneficiamento dos peixes e caranguejos, apenas
para citar alguns exemplos. O grande problema da maior parte das RESEX - em
2007 eram 80 as Reservas Sustentáveis no
Brasil - é exatamente a falta de projetos de
desenvolvimento local para a população.
Caravelas neste ponto começou bem. No
final de julho a ONG Ecomar aprovou
no Ministério de Turismo um projeto
para promover o turismo comunitário
na zona ribeirinha do Cassurubá. Se projetos como este forem multiplicados e a
prefeitura ajudar com políticas públicas,
a qualidade de vida da população poderá
melhorar consideravelmente.
Demarcação da área da Reserva Extrativista do Cassurubá
Foto: Ricardo Stuckert
Não vai mais poder construir nada na
cidade. Está tudo proibido”. Ele está
desinformado. Então, é preciso a gente informar adequadamente.
Tem outros que acham “olha, eu
sou contra porque eu sou contra. Eu
não acredito nessa história de meio
ambiente. É tudo mentira. Chove
muito porque Deus quer, faz seca
porque Deus quer. Então, não tem
essa de meio ambiente, não. Pode
derrubar tudo, quebrar tudo, porque
não vai ter jeito”. Esse é um ignorante. Nós temos que tratar dele com
cuidado porque também ele precisa
de informação, ele precisa de informação. Ele não é uma pessoa ruim, é
uma pessoa desinformada.
Agora, têm outros que utilizam
um discurso fácil. Aquele discurso de
que: “Olha, fazendo isso, está impedindo o desenvolvimento”. E assim
vão falando.
Acontece que quanto mais a gente
preservar, mais chance a gente tem de
desenvolvimento. Porque hoje, quando um turista quer viajar para uma
cidade, ele quer saber se ele tem coisa
para ver, coisa nossa.
E o que tem acontecido nas cidades médias brasileiras? Primeiro, é o
mangue. O pobre vai sendo expulso da
cidade e ele vai para a beira do mangue. Daqui a pouco, ele começa a fazer
aterro no mangue e vai fazendo seu
barraquinho. Daqui a pouco faz uma
palafita. Quando está tudo errado e o
pessoal morando em favela, aí chega
um rico, compra aquele mangue e faz
Foto: Ricardo Stuckert
o palco erguido na cidade
dos Pescadores, em Ponta
de Areia, observado por
milhares de caravelenses, o presidente
Lula declarou: “A gente está aqui para
dizer ao povo de Caravelas que nós
não estamos fazendo nenhuma coisa
que vá prejudicar a cidade. Até porque, se nós tivermos de um lado algum ambientalista radical e tivermos
do outro lado um prefeito, ou um fazendeiro radical, o governo não estará
de nenhum dos dois lados”.
Fez um importante discurso, que
explicou muita coisa para quem ainda
não tinha entendido a importância da
RESEX. Leia você mesmo o quê disse o presidente:
- “Nós, que habitamos o planeta
terra, estamos contribuindo, a cada
dia que passa, para que ele seja destruído mais rápido. E quando ele for
destruído, nós estaremos destruídos
enquanto espécie animal, enquanto
ser humano. Não vai acontecer agora,
mas pode acontecer daqui a 1 milhão
de anos, daqui a cem anos... mas se
a gente não cuidar agora, os nossos
filhos irão viver em um mundo cada
vez pior do que aquele em que a gente
vivia quando nasceu, porque a tentação do homem é destruir e não construir.
Nós temos três tipos de gente.
Nós temos um tipo de gente que às
vezes não concorda com uma RESEX
porque não está bem informado. Então, dizem para ele: “Olha, vai proibir de fazer qualquer coisa na cidade.
10
Foto: Joyce Trindade
ENTREVISTA
JULHO / AGOSTO DE 2009
Luiz Antônio Alvim Delgado
Prefeito de Caravelas
“Só o fato de preservar
já é um benefício”
“Na área da RESEX tem muita coisa bonita que você pode explorar, mas é preciso ter
uma casa digna para estar recebendo visitantes, para fazer o turismo. Pode-se explorar o
turismo ecológico, fazer trilhas, as próprias casinhas podem oferecer alimentação. Acho
que é por aí que a gente começa a valorizar e aproveitar essa riqueza que temos”.
estaduais e federais criando algumas
coisas, mas não dão o apoio necessário. Espero que realmente cuidem, que
dêem condições a essas famílias que
fazem parte da RESEX, para que possam desempenhar um bom trabalho.
Não adianta criar e não fiscalizar, o
IBAMA diz que não tem condições de
fiscalizar, porque são poucos funcionários para abranger uma área grande,
não adianta criar no papel e não funcionar. Essa é a nossa preocupação.
Timoneiro - Que benefícios o Senhor
acha que a RESEX vai trazer para a comunidade?
Só o fato de preservar já é um benefício! Agora está tudo muito difícil,
quando eu era pequeno, ia pescar na
ponte e pescava mais de vinte quilos
de peixe, agora não se consegue pegar
mais. Com a criação da RESEX, algumas medidas vão ser tomadas para
beneficiar somente a comunidade,
porque pessoas de outros lugares terão
que obedecer critérios. E esses critérios
com certeza vão beneficiar a comunidade, que com isso vai ganhar muito.
“
Toda essa
resistência
é por falta de
informação
Foto: Joyce Trindade
“
Timoneiro - Como o Senhor avalia a
criação da RESEX para a cidade?
Eu e a comunidade estamos cheios
de dúvidas. Quando o presidente Lula
veio, eu até comentei com ele que
muitas pessoas não sabem o que é
uma RESEX, porque faltaram informações. A gente que tem um pouco
mais de esclarecimento tem noção de
alguma coisa, mas não sabemos a fundo como ela funciona. Eu espero que
seja uma coisa boa para a comunidade,
pois temos que preservar a natureza,
mas acho que só vai somar se o governo federal der condições para que
seja feito um bom trabalho, pois não
adianta criar uma RESEX e não dar o
apoio devido. Vemos muitos órgãos
Timoneiro - E quanto às políticas públicas, a prefeitura pretende dar algum tipo de
suporte aos pescadores?
Uma das coisas que eu sonho e
que poderá se tornar realidade será
comprar o produto desse pessoal para
inserir na merenda escolar. Infelizmente ainda não foi possível fazer isso.
Existe uma grande burocracia quando
se mexe com recursos federais e estaduais, temos que obedecer a todo um
processo licitatório, com a população
local se organizando ficará mais fácil
de conseguir comprar esses produtos para a merenda escolar. Outra
coisa diz respeito aos moradores
da Zona Ribeirinha. Em viagem a
Salvador conversei com alguns deputados, pois só vemos reformas
nas casas da Zona Urbana, na zona
rural a gente vê cada casebre sendo
escorado na cumeeira para não cair.
O nosso plano também é ir na zona
ribeirinha para recuperar essas casas.
Na área da RESEX tem muita coisa
bonita que você pode explorar, mas
é preciso ter uma casa digna pra estar recebendo visitantes, para fazer o
turismo. Pode-se explorar o turismo
ecológico, fazer trilhas, e quem sabe
as próprias casinhas podem oferecer
alimentação. Acho que é por aí que a
gente começa a valorizar e aproveitar
essa riqueza que temos. Também é
uma maneira da gente ajudar a comunidade.
Timoneiro - Prefeito, qual é a posição
da Associação de Prefeitos do Extremo
Sul (APES) quanto a RESEX?
Eu conversei com o presidente
Lula, comentei que eu, prefeito de
Caravelas, não sabia qual era o limite
da RESEX, assim como os outros
prefeitos da Costa das Baleias que
fazem parte da APES. Acho que isso
é um desrespeito muito grande. Toda
essa resistência é por falta de informação, falei para o presidente Lula
que isso poderia ter sido evitado.
Pensávamos que a Área da Zona de
Amortecimento de Abrolhos seria a
área da RESEX. Era uma área muito extensa. Depois conversando, que
eu fui ver que era bem menor. Todos
os prefeitos querem ver o município
crescer, querem geração de emprego e renda, e o que o pessoal ouve
dizer é que com a RESEX não poderá criar mais gado, não poderá ter
indústria de grande porte e redes de
hotéis, então ficou todo mundo preocupado com a situação dos municípios. A grande resistência foi essa.
Timoneiro - Agora, com mais informações, qual o grau de aceitação da APES?
Os prefeitos começaram a olhar
de forma diferente, mas ainda falta
um pouco de informação. De diálogo. Falei para os prefeitos que não
era hora de fazer manifesto, o presidente assinaria de qualquer forma,
aqui, ou em Brasília. Deveríamos
aproveitar o momento para cobrar
algumas coisas. Tiveram alguns que
não concordaram. Eu aproveitei o
momento e cobrei o que meu município precisa.
A
té os anos sessenta a atividade pesqueira no Brasil
era artesanal e sua produção estava voltada basicamente para
atender as necessidades do país. O
quadro começou a se modificar a
partir de 1967, quando a política de
incentivo à pesca passou a priorizar
o desenvolvimento industrial: grandes barcos, alta tecnologia e enfoque na exportação. Esta mudança
fez com que a produção pesqueira
passasse de 280 mil toneladas em
1960 para quase um milhão de toneladas em 1985, num grande salto em
apenas 25 anos (dados do Anuário
Estatístico do Brasil). Não demorou
muito para que a natureza começasse a perder suas forcas e desgastasse
sua capacidade de produção. A prova disso veio no ano 2000, quando a
produção do pescado no país diminuiu para 650 mil toneladas.
No mundo inteiro a quantidade de peixes e crustáceos está diminuindo. Parte deste problema
está relacionado à destruição dos
manguezais, berçário de 2/3 das
espécies de peixes mais exploradas
economicamente. Outra causa é a
pesca excessiva.
O quê fazer para reverter esta situação? O presidente da APESCA,
Lierte Siquara, acredita que existam
algumas soluções para Caravelas. Ele
diz que, em primeiro lugar, é preciso
acabar com o sistema de arrasto de
balão, que funciona como espécie
de “trator do mar”, limpando o fundo e apanhando peixes de todos os
tamanhos, além de conchas, camarões, caramujos e outros pequenos
animais. “É capaz de pegar uma jamanta (arraia gigante) que fica lá no
fundo do mar. Esse modo de pescar
está acabando com os peixes da nossa região. O que é melhor? Voltar ao
que era ou continuar assim e acabar
com tudo?”, pergunta.
Outras possibilidades seriam:
limitar a quantidade de barcos, freando a fabricação de novos e realizando as reformas necessárias nos
já existentes, criar normas para limitar a caça subaquática, promover
medidas de preservação para que as
gerações futuras possam usufruir
desses recursos naturais, utilizando
as áreas de pesca em sistema de
mosaico, ou seja, aproveitando algumas áreas e deixando outras descansado para depois fazer a troca.
Foto: Arquivo ECOMAR
A Pesca no Brasil a partir dos anos 70:
sistema industrial e foco na exportação
Mas há quem cite outras razões
para o problema. Para a pescadora e marisqueira Elizete dos Santos Figueiredo, moradora da Barra
de Caravelas, foi a implantação da
dragagem que afetou a prática da
pescaria. “A dragagem afetou muito, trouxe muitos prejuízos para o
pescador, pois ela é feita no canal
dos peixes e o estrondo dos eucaliptos e a hélice das barcaças assustam
os peixes”.
Cassurubá: “Terra de grandes árvores para construir canoas”
Foto: André Esteves
O primeiro núcleo de colonização portuguesa de Caravelas instalou-se na Ilha do Cassurubá, local
que nos idos 1500 era conhecido
pela sua terra fértil e árvores majestosas. Os portugueses só saíram de
lá por causa da quantidade de piratas
e corsários que trafegavam na região
com o objetivo de tomar a enorme
carga de pau-brasil que nela existia.
Sofrendo constantes ataques,
os portugueses buscaram um lugar
mais protegido. Em 1571 constru-
íram a capela de Santo Antônio na
atual praça matriz, dando origem a
vila de Caravelas. Fica a lembrança
que na língua tupi a palavra Cassurubá significa “Terra de grandes árvores para construir canoas”
Sendo:
Ca: árvore
Assu: grande
Uba: canoa.
Informações do coronel José,
que há anos vem estudando a história da região.
11
JULHO / AGOSTO DE 2009
Foto: Almay Souza
Zona ribeirinha terá projeto de turismo comunitário
O projeto apresentado pela ONG local Ecomar para desenvolver atividades de turismo comunitário no Complexo do Cassurubá foi aprovado
pelo Ministério do Turismo no final de julho. Seu objetivo é implantar a gestão participativa das atividades ecoturísticas na zona ribeirinha,
visando a melhoria socioambiental, a geração e distribuição de renda e a criação de novos produtos turísticos para Caravelas
A
zona ribeirinha possui uma infinidade de atrações que ainda
hoje não são aproveitadas para
o turismo em Caravelas. Com um rico
meio ambiente, situado num dos mais
importantes manguezais do Nordeste
brasileiro e uma população residente
receptiva e dona de inúmeras tradições,
a região oferece ao ecoturista a possibilidade de vivenciar atividades em meio
à natureza e de entrar em contato com
uma cultura muito particular.
O projeto aprovado pela ONG Eco-
mar junto ao Ministério do Turismo
visa promover a qualificação dos ribeirinhos para a gestão e prestação de
serviços ecoturísticos, o planejamento
e implantação de trilhas interpretativas,
além de apoiar a criação de infra-estruturas, hoje precárias ou inexistentes. Para
alcançar os objetivos a Ecomar pretende
estimular a organização comunitária dos
ribeirinhos beneficiados, partindo dos
princípios da economia solidária. “Queremos que a comunidade se torne forte e independente para gradativamente
Foto: Acervo ECOMAR
Várias farinheiras artesanais ainda estão em funcionamento na zona Ribeirinha.
criar e gerenciar suas próprias atividades
sustentáveis no Complexo Estuarino do
Cassurubá, considerando o que já existe
lá dentro, considerando a cultura e modos de vida do ribeirinho”, diz Paulo
Beckenkamp, diretor presidente da
Ecomar e coordenador do projeto.
Histórico - Entre os anos de 2002
a 2004 o Centro de Pesquisa e Gestão
de Recursos Pesqueiros do Litoral Nordeste (CEPENE), através do Projeto
Manguezal, elaborou o levantamento
das potencialidades para o desenvolvimento do ecoturismo de base comunitária na região ribeirinha de Caravelas e
Nova Viçosa.
O estudo oferece uma descrição
detalhada das atividades que os ecoturistas poderiam desfrutar na zona
ribeirinha: participar de atividades
culturais, como a festa de São Cosme
e Damião; da visita às casas de farinha
e a patrimônios arquitetônicos como
as casas de pau-a-pique, realizar trilhas em áreas de restinga conservada,
passeios de canoas nos rios, cavalgada, camping em áreas naturais, contemplar a paisagem, observar as aves,
etc. O ecoturista poderia também degustar a culinária local, compartilhar o
conhecimento tradicional dos ecossistemas, observar o uso de técnicas tradicionais de pesca e mariscagem, participar em oficinas de aprendizagem
Parque Nacional Marinho dos Abrolhos
retoma Programa Professores no Parque
Foto: André Esteves
O Programa beneficiará
a 50 professores das
escolas municipais da
região com informações
sócio-ambientais de
Abrolhos e do Manguezal
O
Programa Professores no
Parque está de volta para formar mais 50 professores da
rede pública dos municípios de Alcobaça, Prado, Nova Viçosa e Caravelas
em temáticas ambientais. Seu objetivo
é apoiar o desenvolvimento de projetos
em sala de aula sobre a biodiversidade
regional, o mar, o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos e o mangue, envolvendo os professores em atividades
teórico-práticas de capacitação e sensi-
bilização, que incluem a visita ao Parque
Nacional Marinho dos Abrolhos e ao
Manguezal.
O Programa Professores no Parque
busca a conscientização e da aquisição
de valores, comportamentos e práticas
mais éticas e responsáveis em relação
ao meio ambiente. “A idéia é que as
pessoas efetivamente se preocupem e
se responsabilizem por suas ações, desenvolvendo o sentido de cuidado e de
conservação. Para isto é fundamental
que se construam relações mais interativas, críticas e participativas”, destaca Érika Almeida, coordenadora do Programa.
Na primeira etapa, que acontece
nos próximos dias 24 e 25 de agosto
os professores participam de palestras, atividades lúdicas e da visita monitorada ao Centro de Visitantes. Nos
dias 26 e 27 de agosto partem para a
visita ao Parque Nacional Marinho
dos Abrolhos e ao Manguezal, na que
terão a oportunidade de aprender sobre as espécies e o rico ecossistema
que conforma a região de Caravelas. A
etapa seguinte prevê o desenvolvimento de projetos ambientais dos professores junto aos estudantes das escolas
participantes. No final do ano, todos
os trabalhos elaborados pelos alunos
e professores serão apresentados em
uma grande confraternização realizada
no Centro de Visitantes.
da história e das técnicas da produção artesanal de apetrechos de pesca,
apreciar e comprar artesanatos.... ou
simplesmente curtir a vida no meio
da natureza.
Em parceira com as instituições
locais, a Ecomar pretende aproveitar
todo este potencial para ajudar uma
parte das 300 famílias que atualmente
vivem na área, com um projeto que
bem poderia se transformar em modelo de desenvolvimento sustentável.
“É um nicho de mercado que pode
ser considerável na economia do ribeirinho”, considera Paulo.
Vários foram os parceiros que
apoiaram o projeto desde a sua formulação, como o Parque Nacional
Marinho dos Abrolhos, os empresários do setor de turismo e o Conselho
Municipal de Turismo.
A Zona Ribeirinha está atualmente situada na área da Reserva Extrativista do Cassurubá.
Uma região de muitos atrativos naturais
A área do Complexo Estuarino do
Cassurubá apresenta inúmeros atrativos
naturais. Os manguezais ocupam uma
área de 11 mil hectares, com a vegetação em estado conservado e incidência
dos três tipos de mangues (Vermelho,
Manso e Siriba). Nesse ecossistema habitam crustáceos, bivalves e peixes, usados
também na culinária local. A Restinga,
também em bom estado de conservação,
está situada no entorno dos manguezais e
apresenta uma grande biodiversidade de
fauna e flora. Nos manguezais e na restinga, é possível desenvolver atividades
de observação de fauna e flora, principalmente das aves, canoagem e navegação
nos rios que formam o complexo, caminhadas em trilhas, ecociclismo, acampamento no ambiente natural e cavalgada.
Foto: Acervo ECOMAR
Personalidades de Caravelas
são homenageadas
Líderes comunitários, mestres da cultura popular, pescadores,
marisqueiras, educadores e instituições culturais que contribuíram
ao desenvolvimento de Caravelas receberam no final de abril uma
grande homenagem pelos serviços prestados de forma voluntária
por tantos anos à comunidade.
O
Parque Nacional Marinho dos
Abrolhos realizou no final de
abril junto a Fundação Benedito Ralile e a Prefeitura Municipal a cerimônia
de entrega de diplomas e medalhas a
26 líderes comunitários e instituições
que se dedicam a manter viva a cultura popular e a educação em Caravelas.
O ato teve o objetivo de valorizar as
pessoas que têm lutado pelo desenvolvimento social e educativo, pelas
expressões folclóricas e pelo resgate
da cultura e tradições no município.
A comemoração foi realizada em
uma grande festa no Centro de Visitantes do Parque, localizado na Praia
do Quitongo, como parte das ações
de comemoração de seu 26º aniversário. Na ocasião, o chefe substituto
do Parque Nacional Marinho dos
Abrolhos, Joaquim Neto, recebeu da
Fundação Benedito Ralile uma placa
de homenagem pelo aniversário da
Instituição.
12
JULHO / AGOSTO DE 2009
CULTURA
Foto: Arquivo Arte Manha
Caravelas é Ponto de
Cultura da Bahia com
Projeto Pererê
No último 23 de maio o movimento cultural Arte Manha
lançou oficialmente o Projeto Pererê, selecionado e
contemplado em primeiro lugar no território Extremo Sul
como um dos Pontos de Cultura da Bahia.
O lançamento foi feito junto às comemorações dos 21 anos de
história do grupo, que agora ensaia novos vôos, intensificando
as atividades destinadas a jovens e crianças em Caravelas
F
ilmes, teatro, poesia, shows de
bandas, grupos folclóricos e
até uma roda de viola caipira
animaram a grande festa cultural que
inaugurou, no dia 23 de maio, a nova
fase de atuação do mais combativo e
intrigante grupo cultural de Caravelas:
o Arte Manha. Ninguém diria há 21
anos que daquelas reuniões de jovens
sonhadores da Avenida brotaria uma
iniciativa de poder revolucionário
para uma cidade que havia sido culturalmente abandonada pelo poder
público.
Apoiado pelo Governo do Estado
até 2011, o Arte Manha oferece uma
série de oficinas para crianças e jovens
de Caravelas. Atividades nas áreas de
artes plásticas, dança afro-indígena,
capoeira angola, serigrafia, percussão, audiovisual, costura de figurinos
e adereços, teatro, literatura, contos e
cantigas da cultura popular, que acontecem em sua maioria dentro da sede
do Arte Manha e no Espaço de Cultura e Lazer Dandara Zumbi.
Inscrições - O projeto tem como
prioridade oficinas com crianças e
adolescentes entre 07 a 17 anos, filhos
de famílias de baixa renda e estudantes da rede pública de ensino. Quem
tiver interesse em se inscrever em alguma delas deve ir juntamente com
os pais ao Arte Manha para verificar a
existência de vagas (levar documento
de identidade dos pais e/ou da crian-
Quem ainda não assistiu à Exposição Fotográfica “Retratos de Caravelas: Memória e Identidade de uma
Cidade Histórica”, tem agora outra
oportunidade para apreciar as 200 fotos e documentos antigos recolhidos
entre diversas famílias da cidade que
resgatam parte da história caravelense
desde os princípios do século XIX. A
mostra fotográfica, de caráter itinerante, reabre a partir de 20 de agosto,
na Fundação Benedito Ralile.
A exposição revela uma Caravelas
de grandes casarões e de antigas festas populares, marcada pelo vai e vem
dos navios e aviões que circulavam
diariamente pelo porto da cidade. De
imagem a imagem, pode-se apreciar
as antigas Alvoradas, trezenas , as
passeatas nos dias da independência
do Brasil, as apresentações das Pastorinhas, entre muitas outras mani-
Ana Carla Santos Silva em sua apresentação no Mini Festival Anual da Canção Estudantil
“Incomparável” é grande vencedora
do Festival da Canção Estudantil
O jurado foi composto pelo Secretário de Cultura Jorge
Galdino, o músico local Alexandre dos Anjos, a professora Ceres Nicolau, a professora Luciana Fuzetti,
sob a coordenação do professor Agenário Cabral.
Mobilizar jovens para produzir
programas de televisão e pequenos
documentários com enfoque principal em temáticas relacionadas à
cultura popular tradicional, o patrimônio histórico e cultural e o turismo. Este é o objetivo do núcleo
audiovisual do Projeto Pererê, que
será instalado dentro do Colégio
Polivalente de Caravelas.
As oficinas do projeto abrem
em setembro, dando início às atividades da TV Pererê. Seus repórteres percorrerão as ruas de Carave-
las em busca de notícias, histórias,
personagens e entrevistas, que
informem e divulguem questões
de interesse da comunidade. Os
programas serão exibidos no cinema localizado no auditório do
Colégio Polivalente e em mostras
itinerantes realizadas em diversas
localidades de Caravelas. As fichas
de inscrição podem ser retiradas na
Secretaria do Colégio. Nesta primeira fase do projeto, as oficinas
serão dirigidas somente aos alunos
do Colégio Polivalente.
Foto: Arquivo Fundação Cultural Professor Benedito Ralile.
festações culturais que percorreram o
fio do tempo e que hoje conformam
a rica memória caravelense. Acontecimentos como o funeral de Teófilo
Otoni e o descarrilamento do trem na
antiga ferrovia Bahia – Minas, a devolução da imagem do santo padroeiro
da cidade à igreja, entre muitos outros, que nos abrem a capa do tempo
e criam pontes para a memória.
A Mostra, de caráter itinerante,
foi aberta pela primeira vez ao público no Centro de Visitantes do Parque
Nacional Marinho dos Abrolhos entre
os dias 22 e 30 de abril. É patrocinada pelo Parque Nacional Marinho dos
Abrolhos e pela Fundação Cultural
Professor Benedito Ralile.
Foto: Arquivo Fundação Cultural Professor Benedito Ralile.
nada poderá participar das finais do
Festival Anual da Canção Estudantil
em Salvador. O Colégio Polivalente já providenciou a reprodução da
canção em CD e o restante da documentação que habilitará a jovem Ana
Carla a representar a cidade na etapa
regional. “Acreditamos que esforços,
como este, contribuem para fortalecer nossa cultura e propõem novos
horizontes para nossos alunos”, destaca o diretor do colégio, Luiz Leonardo Soares Ferreira.
Foto: Arquivo Arte Manha
Um público de cerca de 200 pessoas compareceu ao Colégio Polivalente no dia 30 de maio para assistir
a segunda edição do Mini Festival
Anual da Canção Estudantil (FACE).
As oito canções inscritas foram analisadas de acordo aos quesitos de letra,
melodia e interpretação. O primeiro lugar foi para Ana Carla Santos
Silva, pela canção “Incomparável”,
o segundo lugar para Gilberto Lima
Firmino, pela canção “Vuco-vuco” e
o terceiro lugar concedido a Gilmar
Flora dos Santos, pela canção “Realidade”. Os candidatos Caio Magno e
Paulo Jr., infelizmente, foram eliminados por problemas na matrícula e na
freqüência escolar, respectivamente.
Agora a grande vencedora, Ana
Carla Santos Silva, irá representar
a cidade na etapa regional do Festival realizada no final de agosto em
Teixeira de Freitas. Caso seja selecio-
Oficinas para aprender a fazer
televisão abrem em setembro
Mostra Fotográfica “Retratos de Caravelas”
reabre na Fundação Benedito Ralile
Foto: Arquivo Arte Manha
Por Danilo Ferreira
ça). As atividades são em sua maioria
gratuitas, abertas à comunidade inteira, sem qualquer distinção de classes
sociais, exceto, os eventos pagos, cuja
função é arrecadar recursos para manutenção da instituição.
O projeto Pererê tem como objetivo principal o resgate e fortalecimento da identidade cultural afro e
indígena no município de Caravelas.
Procura promover e potencializar a
capacidade de criação e o desenvolvimento artístico de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade
social, estimular e possibilitar a geração de trabalho e renda às famílias
envolvidas e promover o fortalecimento cultural.
13
JULHO / AGOSTO DE 2009
CINEMA
Não Mangue de Mim é premiado no Rio de Janeiro
F
oi com um largo sorriso que o
diretor Jaco Galdino subiu ao
palco do III Festival Audiovisual Visões Periféricas para receber
a Menção Honrosa para o filme Não
Mangue de Mim, uma produção caravelense dirigida por ele e realizada na
“raça e na coragem” por mais de trinta
integrantes e apoiadores do Cine Clube
entre os anos de 2007 e 2008. “Quero
agradecer todo o grupo que vem trabalhando em Caravelas para o fortalecimento do Cine Clube. Dizer também
que esta é uma homenagem a todos
os povos que estão no litoral - quilombolas, indígenas, ribeirinhos - lutando
para manter os seus territórios. É um
prêmio também destinado a todos os
que vem dando visibilidade aos conflitos em torno da terra, que acontecem
tanto na área urbana e rural, e que dificilmente são conhecidos porque normalmente não saem na Rede Globo”,
discursou.
Não Mangue de mim narra a história de um morador da área de man-
Foto: Arquivo Arte Manha
O diretor do filme, Jamilton Galdino, na entrega dos prêmios do 3º Festival Audiovisual Visões Periféricas
gue em Caravelas que resolve manter
suas terras ante a tentadora proposta
de um comerciante de fora, prezando
sua cultura e forma de vida. O filme
foi gravado no Sítio de Seu Silvano localizado no Rio do Macaco, no sitio do
Massapê, na comunidade do Marobá,
na Praia do Tororão e no Quitongo,
lugares bem conhecidos pela comunidade de Caravelas. “Foi uma baita produção. Por isso ficou legal, tem a mão
de várias pessoas”, diz o diretor.
Competição Oficial - Não Mangue de Mim foi selecionado na sessão
principal, a Visorama, pelo jurado
da ABDeC(Associação Brasileira de
Documentaristas e Curta-metragistas
do Rio de Janeiro), entre outros
20 curtas e medias metragens que
participaram da competição oficial.
Em 2007 o Cine Clube Caravelas já
havia recebido o prêmio pelo curtametragem “Lia”, vencedor do jurado
paralelo Cachaça Cine Clube. Desta
vez, o reconhecimento veio do jurado
oficial, celebrando a breve mas bem
sucedida trajetória do coletivo criado
em janeiro de 2007 para produzir documentários e filmes de ficção sobre a
Caravelas tem cinema a partir de setembro
I
Integrantes do Cine Clube Caravelas
zação de oficinas de audiovisual em
parceria com o projeto Pererê e de
um festival de filmes do Extremo Sul
da Bahia, em parceria com o Parque
Nacional Marinho dos Abrolhos.
A nova sala de cinema é uma conquista do Cine Clube Caravelas, que
inaugura na cidade o ponto do Cine
Mais Cultura, como parte do programa de incentivo aos Cine-clubes do
Ministério da Cultura. Os equipamen-
As sessões vão ser promovidas pelo cine Clube
Caravelas, que ganhou do Ministério da Cultura uma
série de equipamentos para exibição: um telão 3x3
metros, um projetor, uma mesa de som de 12 canais,
uma filmadora e 150 filmes da programadora Brasil,
além da capacitação dos videastas Almay de Souza e
Anerivam Reinaldo, que partiram no final de julho
para Salvador para aprender a usar os equipamentos
e compartilhar com outros 50 integrantes do movimento de cine clubes da Bahia.
tos chegam ao final do mês, graças a
parceria do Cine Clube com o FEPA
(Fórum de Experiências Populares
em Audiovisual), criado em junho de
2007 junto ao I Festival Audiovisual
Visões Periféricas, que vem trabalhando para dar visibilidade à diversidade de olhares no Brasil. O acordo
feito com o Ministério da Cultura é
de realizar em Caravelas uma exibição
semanal pelo período dois anos.
Os integrantes do Cine
Clube Caravelas,
Anerivan Reinalda e
Almay Souza junto a
Guido Araújo, um dos
pioneiros do movimento
de cineclubes da Bahia,
durante o Encontro
promovido pelo
Ministério da Cultura,
em Salvador.
bilidade aos projetos educacionais que
se utilizam do recurso audiovisual, ou
seja, fundir educação e tecnologia.
O Cine Clube Caravelas é um movimento cinematográfico local composto
pelas seguintes instituições: Pastoral da
Juventude, Movimento Cultural Arte
Manha, Portal Caravelas e Parque Nacional Marinho dos Abrolhos. É apoiado
por inúmeras pessoas, e instituições locais, regionais, nacionais e internacionais.
Andanças de um cineasta caravelense
O diretor Jaco Galdino aproveitou a viagem ao Rio de Janeiro para
divulgar as ações de comunicação do
Cine Clube Caravelas e do Jornal O
Timoneiro em dois eventos que estavam sendo realizados na cidade. No
dia 23 de julho participou da Jornada
de Educomunicação do VI Fórum
Nacional de Educação Ambiental, que
reuniu organizações de todo pais para
discutir temas de comunicação e meio
ambiente. Lá foram exibidos o filme
Não Mangue de Mim e distribuídos
exemplares do jornal “O Timoneiro”.
No dia 24 de julho, Jaco ofereceu uma
palestra sobre a experiência audiovisual em Caravelas, na sessão “Deseducando o olhar, uma apropriação livre
do audiovisual pelos coletivos”, que
era parte da Programação do Festival
Visões Periféricas. Um artigo de sua
autoria foi publicado no site do FEPA
(Fórum de Experiências Populares em
Audiovisual - www.fepabrasil.org.br).
Instituto Baleia Jubarte
realiza projeto audiovisual
na comunidade de Caravelas
Informação e entretenimento. São
esses os principais objetivos do Projeto Áudio e Vídeo na Comunidade,
realizado pelo Instituto Baleia Jubarte
em Caravelas. O projeto oferece uma
solução de acesso cultural a um público diversificado, que nem sempre tem
acesso a este tipo de diversão e lazer.
Os filmes são exibidos gratuitamente na última sexta-feira e último
domingo de cada mês, respectivamente na quadra coberta e em alguma
praça dos distritos de Caravelas, como
Ferraznópolis, Nova Tribuna, Taquari,
Rancho Alegre, Barcelona e Juerana.
O Projeto visa também divulgar
ações desenvolvidas pelos parceiros e
veicular mensagens de cunho ambiental, cultural e social antes do início de
cada sessão. São parceiros do projeto
a Prefeitura Municipal de Caravelas
(Secretarias de Educação, Meio Ambiente e Turismo), a Patrulha Ecológica - Escola da Vida, o Cine Clube
Caravelas, o Parque Nacional Marinho
dos Abrolhos e o Movimento Cultural
Arte Manha.
Confira a nossa agenda. Agora é só
trazer a pipoca!!!
Cinema na quadra: 28 de agosto;
25 de setembro; 30 de outubro.
Cinema nos distritos: 30 de agosto (Rancho Alegre); 27 de setembro
(Juerana); 25 de outubro (Taquari)
Foto: Equipe EA Caravelas / IBJ
magine que o domingo avança
sonolento sem pista de distração
ou atividade cultural para salvar
a mesmice. De repente você lembra:
Caravelas tem cinema! Pois isto logo
deixará de ser ficção para transformar-se na realidade de todos os finais
de semana. A partir de setembro o
auditório do Colégio Polivalente será
transformado no quartel general da
sétima arte. Todos os finais de tarde
serão exibidos curtas e longas-metragens, e durante a manhã, filmes infantis e educativos.
“Queremos criar o rito de ir ao cinema, das pessoas saírem de casa para
encontrar gente e participar de atividades culturais. E exibir filmes que
possam trazer reflexões, produções
que você não vai ver na globo, nem na
locadora, para que as pessoas possam
entrar em contato com outras formas
de realidades, outras formas de resolver
problemas”, diz Jaco Galdino, coordenador geral do Movimento Arte Manha
e integrante do Cine Clube Caravelas.
Ao final das sessões devem ser
realizados debates sobre as temáticas
dos filmes, para os quais serão convidadas diferentes personalidades da
cidade. A iniciativa de promoção do
cinema inclui a criação de um grupo
de estudos cinematográficos, a reali-
Foto: Arquivo Arte Manha
realidade do sul da Bahia.
O III Festival Audiovisual Visões
Periféricas aconteceu entre os dias 21
e 26 de julho no Rio de Janeiro, reunindo produtores, videastas, artistas
e integrantes de cineclubes de todo
o país. O Festival foi criado com objetivo de contemplar as produções
realizadas nas periferias brasileiras,
através de associações, ONGs, coletivos, grupos informais organizados e
produtores independentes. O conceito que o diferencia de outros festivais
audiovisuais que privilegiam os vídeos
realizados em comunidades carentes
permanece o mesmo: oferecer visi-
Apresentação de filmes para a comunidade Ferraznópolis
14
JULHO / AGOSTO DE 2009
BARCELONA
O distrito rural de Caravelas
Fotos: Mônica Linhares
Desde criança ouvimos nas escolas, na roda de amigos o chavão “recordar é viver”. Foi com esta vontade que retornei a Barcelona, distrito
que fica a quase três horas em carro da sede de Caravelas, logo depois
de Teixeira de Freitas. Antes de chegar fiquei imaginando como estaria
aquela terra de grandes plantações, de criadores de gado e cortadores
de cana, a terra de Santo Antônio de Barcelona, como o povo simples
hospitaleiro gosta de chamar. Lembrei da Igreja Santo Antônio, antiga
e bem conservada, uma das primeiras construções do distrito, e das
suas ruas estreitas e enladeiradas....
Por Professor Benito
B
arcelona é um dos distritos
mais prósperos de Caravelas e
também o mais rural. Os quase oito mil moradores orgulham-se da
fartura da região e do fato de que lá
não falte emprego para ninguém. O
trabalho no corte de cana, nas lavouras de mamão, maracujá, melancia,
abóbora, café; na criação de gado e na
construção civil, absorve a maior parte
da população economicamente ativa.
Barcelona possui também uma grande usina de álcool, a Santa Maria, que
atraiu nos últimos anos cerca de 1.500
novos moradores, vindos de inúmeras
cidades do Nordeste brasileiro.
Apesar da fartura e da fertilidade
das terras, este importante distrito necessita urgentemente de políticas públicas. Hoje a maior parte das terras
são propriedade de grandes fazendeiros que começam a optar pela monocultura de cana e eucalipto, levando
ao declínio na variedade de culturas
da região. O pequeno distrito se expande velozmente sem infra-estutura
de saneamento básico e com graves
deficiências na qualidade da educação.
A única rua que possui esgoto o envia
diretamente para o Córrego de Barcelona, utilizado também para lavar roupas e como local de banho por muitos
moradores. No bairro Novo, centenas
de novas casas são construídas em
pequenos lotes de terra, rompendo a
tradicional economia rural de subsistência que caracterizou a região por
décadas. Por falta de mandioca está
sendo fechada a última farinheira artesanal do distrito.
Barcelona começou devagar, fundada em 1948, quando um grande fazendeiro da região, Antônio Salviani,
doou parte de suas terras à comunidade para que os trabalhadores se instalassem e começassem a estabelecer
ali um pequeno povoado. As terras
podiam ser tomadas por qualquer pessoa que se interessasse em empreender
naquele pedaço de chão ainda cercado
de mata, um pequeno comércio. Foi o
próprio Salviani quem batizou o povoado em formação como Santo Antônio de Barcelona, em homenagem
ao santo padroeiro, Santo Antônio. A
luz elétrica só chegaria em 1958. Com
ela, os fazendeiros, que vinham de Minas Gerais e de Ilhéus para comprar
grandes propriedades, e que foram se
instalando pouco a pouco.
Para contar a história da origem de
Barcelona há que bater à porta da casa
de um dos mais antigos moradores,
seu Milton Ferreira Braga, conhecido
como seu Sinuca. Tem 82 anos, dez filhos, “todos eles nascidos dentro desta
casa”, a primeira do distrito, comprada
em 1950 do próprio Antônio Salviani, por cinco contos de réis ou 5 mil
cruzeiros. Era na época uma pequena
construção de taipa de 4 cômodos, que
seu Sinuca pagou em três prestações.
Ele chegou a Barcelona em 1938,
com 11 anos de idade, quando o lugar
ainda estava tomado pela Mata Atlântica. “O pessoal abria um pedaço de
mata, abria uma meia quarta, colocava
uma casinha, e caçava. Tinha queixada, anta, porco do mato, onça pintada,
canguçu mão torta e sussuarana. Esse
é o lugar que teve mais caça nesta região. Chegamos a matar três onças”,
lembra. Também havia uma grande
quantidade de ervas. “A gente vendia
muita puaia. Eu mesmo arranquei
muita, se fazia um chá e se limpava
todas as tripas. E mandava vender em
presidente Bueno, em Nanuk. Hoje
você não encontra uma por aqui”.
A esposa de seu Sinuca, Adaídes
Rocha Braga, também traz bem viva
a lembrança da antiga Barcelona. “Eu
tinha um medo danado de onça. Esse
córrego aí era cheio e para cruzar muita
gente passava por dentro da água, que
vinha até o pescoço. Agora o rio secou,
porque cortaram toda a mata e era ela
que conservava”. Aquela era uma época em que as vias de transporte praticamente não existiam. Seu Sinuca conta
que de Barcelona a Medeiros Neto era
necessário um dia de viagem a cavalo.
Para ir a Caravelas era preciso primeiro
ir até a Serra dos Anaús para pegar o
trem. “ Se gastavam dois dias para ir e
dois dias para voltar”, lembra.
“Antigamente todo mundo tinha terra”
N
Cópia do documento de venda da
casa, uma pequena construção
de taipa de 4 cômodos, comprada
em 1951 por 5 contos de réis do
fazendeiro Antônio Saviano. “Foi
ele que deu as terras do distrito,
para o padroeiro Santo Antônio.
E fez essa casa, a primeira de Barcelona”.
“O pessoal pequeno não tem espaço”
Um dos primeiros moradores de Barcelona, seu Sinuca casou-se em agosto de
1958, abriu comércio e se estabeleceu. “Colocava umas garrafinhas na prateleira, matava um porquinho e ia levando.” A partir
de 1960 passou a assumir cargos públicos.
Foi vereador, juiz de paz e até subdelgado, função que carregou como “uma cruz
nas costas”, segundo suas palavras. De sua
casa, situada no centro do antigo povoado,
viu o tempo passar trazendo transformações para todos.
Quando o Timoneiro perguntou-lhe
sobre como começaram as grandes fazendas, seu Sinuca pensou, matutou e disse
que não há explicação para como isto
aconteceu. Simplesmente foi acontecendo,
as pessoas de fora chegando e comprando
as terras. “O caso é que vinha gente a cavalo, colocava uma roça, colocava gente para
trabalhar... Em 1948 que começaram a medir as terras. Foram comprando a mata, os
poderosos foram chegando e comprando,
tinham dinheiro, então colocavam o camarada para trabalhar e se beneficiavam”.
Para ele as mudanças ocorridas nos
últimos 50 anos troxeram coisas boas e
ruins.
- “Eu acho que agora está bem porque
a pecuária evoluiu mais. Está tudo beneficiado. Mas o pessoal pequeno não tem
espaço. É só os grandes. Antes era melhor
em uma parte porque a gente tinha muita
fartura e hoje não tem. Tinha mandioca, tinha milho, todo mundo tinha roça. Criava
porco, galinha. Agora a maior parte aqui é
operário, trabalhador. Hoje a pecuária reduziu, e com esse eucalipto todo não tem
onde botar a roça, o pessoal que tinha roça
por aí vendeu tudo”.
ão há como ir a Barcelona e deixar de visitar Isaura Francisca da
Silva, personagem popular conhecida
carinhosamente no distrito como dona
Dadá, que fez questão de ceder ao Timoneiro o seu tempo para um dedo de
prosa. Vai completar 70 anos de idade e chegou a Barcelona quando tiha
apenas dois. Pouco restou das terras do
pai, que as vendeu quando ela ainda era
adolescente. Dona Dadá casou-se com
um comerciante local e criou os cinco
filhos, dois homens e três mulheres
com muito trabalho e dedicação.
Ela lembra do tempo em que todo
mundo tinha terra, dois ou três alqueires, época em que se plantava muito
feijão, milho, abóbora e mandioca. Seu
próprio pai era um fazendeiro próspero, com terras que alcançavam os 50
alqueires. “Meu pai colhia 50 sacos de
feijão, que serviam aos 20 agregados
da fazenda, mas ainda lhe sobravam
20 sacos. E não havia como comercializar, por falta de transporte. Ele vendeu a fazenda para um senhor de Minas
quando eu tinha 15 anos. Depois ainda
muita gente vendeu as terras, venderam
e foram para Teixeira de Freitas... e
quebraram a cara. São umas 50 famí-
lias que estão fora. Muitas famílias que
foram para lá não puderam voltar mais.
Mas os que ficaram aqui estão melhor
que os que estão lá”.
Dona Dada orgulha-se de seu município por causa da fartura e variedade
de produtos e acredita que os moradores ainda têm sorte por poder pescar
nas represas das fazendas. Mas lhe preocupa o crescimento das plantações de
cana e eucalipto, que começam a tomar o espaço de muitas outras culturas. “No ano passado tinha 30 ônibus
aqui que levavam gente para a Medasa
(atual Santa Maria, fábrica de álcool)
porque aquilo é uma coisa enorme. Os
fazendeiros hoje estão pegando as terras, plantando cana e vendendo para a
usina. A maioria, que criava gado, está
já querendo passar para a cana. Eu
acho que a cana está bem, mas leva o
dinheiro é para o álcool, não dá comida na nossa mesa. Está diminuindo a
plantação de milho e mandioca, quase
não tem mais”.
Carismática líder popular, Dona Dada foi candidata a vereadora duas vezes. “Eu tive 197 votos
e estava na frente. Mas na hora de fechar o mapa
colocaram que o outro candidato tinha três votos na
frente. Se fosse hoje, nem Lula passava a perna em
mim”, diz.
15
JULHO / AGOSTO DE 2009
H
o nosso cantinho. O dinheirinho que eu
ganhei em Belho Horizonte eu comprei
aqui. Nós trabalhávamos mexendo com o
gado, tirando leite para os outros”, diz seu
Antônio. Dona Elza lembra que sequer recebiam salário. O patrão dava o leite, que o
casal comercializava. “Ficávamos agradecidos, pois com o dinheiro do leite a gente
comprava uns bezerros... Ele deixava a
gente usar a terra para criar os animais”.
Foi gerindo esta micro-economia que
eles construíram uma bela casa e uma
exemplar horta familiar. “Gente de Teixeira
vem aqui agora na nossa terra e tem gosto
de ver, isso não tem praga não tem nada, é
tudo orgânico”, orgulha-se seu Antônio.
Foto: Mônica Linhares
oje poucas casas em Barcelona
possuem quintais com hortas e
criação de animais. Assim, foi
uma surpresa quando a equipe de reportagem se deparou com a prosperidade
da horta de seu Antônio Silva, que ele
cuidadosamente regava no fim da tarde.
No terreno do fundo de sua casa, seu Antônio e sua esposa Elza Galdino da Silva
plantam mandioca, couve, alface, cebolinha, cuentro, mandioca mansa, entre outras hortaliças e criam umas 30 galinhas.
A pequena produção é orgulho do casal.
“Nós pagamos um empréstimo de 1.500
reais do Banco do Nordeste só com a
nossa horta. Outro dia veio um pessoal
de Teixeira e levou 100 reais só de galinhas”, diz seu Antônio. “Mas o comércio aqui não é forte, não dá para plantar
muito porque senão não vende e depois
estraga”, adverte
Foi com o trabalho de uma vida que
o casal comprou a terra em que hoje
vive. “O pobre tem que trabalhar com os
braços. Eu trabalhei muito em fazenda
dos outros, muito tempo, para construir
Foto: Mônica Linhares
Uma vida de trabalho para
adquirir a própria casa
A última farinheira do distrito
Seu Almerindo Pereira de Oliveira
é dono da última farinheira em funcionamento de Barcelona. Outras cinco
fecharam nos últimos anos e ele parece
ser obrigado a seguir o mesmo caminho. O problema, diz, é que já não encontra mandioca para fazer farinha. “O
pessoal agora planta mais cana, a plantação de mandioca acabou”, lamenta.
Há 20 anos, conta, ele produzia diaramente 30 sacos de farinha, que eram
vendidos para para Teixeira de Freitas,
Medeiros Neto e até São Paulo. A tristeza enche os olhos de seu Almerindo,
que perdeu a esposa Eurides Pereira
Nunes, merendeira da escola do distrito, em junho deste ano. E agora, sob
a preemência de ter que fechar a farinheira que tanto orgulho lhe trouxe, seu
mundo ameaça perder o sentido. Para
se despedir da equipe de reportagem
ele faz questão de presentear um saco
de farinha ainda quentinha, produzida
aquela tarde mesmo, com o pouco de
mandioca que conseguiu das terras de
um parente. Feliz de poder dar o fruto
de seu trabalho, que não é só farinha,
mas também dignidade.
Foto: Mônica Linhares
Dona Idê Ribeiro Queiroz é sobrinha de
Antônio Salviani, o grande fazendeiro que
doou as terras para a construção do distrito há cerca de 50 anos. “Meu pai tinha uns
12 alqueirões de terra, vendeu a metade e o
resto repartiu com os seis filhos. Hoje só dois
irmãos meus têm terras, um alqueire cada um.
Agora o meu tio tinha muito mais terras, ele
doou para a comunidade para fazer o povoado,
que ele mesmo batizou de Santo Antônio de
Barcelona”
Foto: Mônica Linhares
“Uns 800 alqueirões de terra foram vendidos para a Suzano há uns 8 anos Esta área
era toda de terras de fazendas, agora está com
eucalipto. A empresa tentou fechar o córrego
do povo, o pessoal se revoltou e colocou fogo no
eucalipto. O assunto foi parar na Câmara e a
comunidade garantiu o acesso à represa”, informa Anilson Francisco de Souza, filho de dona
Dadá e ex-morador de Barcelona.
O problema do córrego de Barcelona
Foto: Mônica Linhares
A primeira situação, logo à entrada do
povoado de Barcelona, revela à equipe de
reportagem a imagem ao lado. Não haveria
problema se a água do Córrego de Barcelona não estivesse totalmente poluída. “O
rio antes era limpo e nós podíamos usar
a água para beber, mas hoje é depósito
dos dejetos dos açougues... isso traz muito
urubu, desses urubus que são mais limpos
que os administradores”, ironiza Nelson
Magalhães, motorista escola, casado, natural de Medeiros Neto, residente em São
Antônio de Barcelona há muito tempo.
“O problema é que não há rede de esgoto. Há uns 20 anos eles calçaram tudo aqui,
mas fizeram o calçamento sem rede de esgoto. Só tem esgoto na rua principal, que vai
todo para o Córrego”, diz Dona Dadá.
Foto: Mônica Linhares
PATRIMÔNIO HISTÓRICO
Foto: Almay Souza
O
comunicado do tombamento do centro histórico de
Caravelas pelo município
foi recebido e assinado pelas 176 famílias que moram na área em novembro do ano 2005. Os documentos
guardados na secretaria de Turismo
comprovam que toda a comunidade
foi devidamente informada sobre a
decisão, aprovada em 27 de agosto de
2002 pelo Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de Caravelas - COMDEPHAC, em um ato que tratava de
pôr fim à série de descaracterizações
que as fachadas vinham sofrendo.
Pese a que a comunidade tenha
sido informada do tombamento, a
destruição do patrimônio histórico
da cidade continuou. “As pessoas
estão degradando um bem que é de
todos, a maioria não apresenta projeto no COMDEPAC para a reforma
da fachada das casas, não pede um
alvará de construção ou reforma na
Prefeitura. Muitas casas foram destruídas não por falta de dinheiro, mas
por desinformação ou má vontade”,
ressalta Moema Chimento, secretária
de turismo do Município. Ela pede às
pessoas que queiram reformar suas
casas que venham pedir informação
na Secretaria de Turismo.
“A cidade ganha com o cuidado
do patrimônio histórico, em Ouro
Preto e Mariana isto é um exemplo,
as pessoas devem entender que o cuidado com o patrimônio é muito im-
portante para o turismo”, ressalta.
Para o Secretário Municipal de
Cultura, Dó Galdino, é necessário
sensibilizar não só a comunidade,
mas todas as instâncias do poder público para a importância do patrimônio histórico da cidade.
- “O que acontece é que a comunidade não está sensível a questão da
preservação do patrimônio. Quem
tem dinheiro se acha no direito de
desobedecer as regras da lei de tombamento. Precisamos de um trabalho
de educação patrimonial e esse trabalho deve ser feito por um técnico.
Estamos vendo junto ao Instituto
de Patrimônio Artístico Cultural da
Bahia, o IPAC, se conseguimos trazer um técnico para cá para fazer um
trabalho de conscientização junto a
vereadores, prefeito e comunidade. É
um trabalho lento de sensibilização.
Caravelas vem de hábitos diversos
que são difíceis de mudar de uma
hora para outra. Mas nestes cinco
meses conseguimos sensibilizar pessoas que estavam reformando suas
casas a adotar um modelo semelhante ao originário no período colonial.
É algo inédito porque a comunidade
antes não se sensibilizava. A cultura
de transformar para o moderno é evidente em vários municípios no Brasil,
o Brasil tem a cultura de sempre querer mudar, e não a cultura de restaurar e preservar”.
A responsabilidade sobre o patrimônio passará para a pasta da Secretaria de Cultura, logo que for feita a
nomeação de um funcionário para o
cargo de chefe de patrimônio histórico, até o momento vago.
Foto: Mônica Linhares
Tombamento do centro histórico
vem sendo desconsiderado
J
O exemplo
do Coronel José
osé de Almeida Oliveira, conhecido
como “coronel José”, é um dos mais
importantes restauradores privados do
patrimônio histórico de Caravelas. Por
suas ações em favor da cultura e seus
amplos conhecimentos, poderia ser, ele
mesmo, considerado um patrimônio
cultural da cidade. Voltou definitivamente a Caravelas, para sorte do município, entre 1986 e 1987, após uma vida
agitada e repleta de andanças pelo Nordeste, Rio Grande do Sul e Amazônia,
em sua longa trajetória de trabalho para
Armas de Engenharia.
Atualmente está reformando seu
sexto casarão na cidade. Três deles devem ser destinados ao uso cultural da
comunidade de Caravelas: o Casarão da
Cultura, imóvel que o avô adquiriu em
1901 e que será destinado ao Museu do
Município; a casa situada em frente à
praça Santo Antônio, construída com
óleo de baleia e cal no início do século XIX, onde funcionará a biblioteca;
e a casa anteriormente cedida à Escola
de Samba Coroa Imperial, e que será
agora destinada à Secretaria de Cultura
para a realização de eventos.
Todas passaram por um processo
cuidadoso de reforma em suas fachadas e no interior. “Tenho um capital
que preciso empregar e faço esta aplicação a fundo perdido”, brinca o coronel.
Mas por quê investir todo o dinheiro
conseguido em uma vida de trabalho
na restauração do patrimônio histórico
e no incentivo à cultura? pergunta-lhe
O Timoneiro. O exemplo vem na resposta: “São as raízes, o apego à terra”,
responde.
16
JULHO / AGOSTO DE 2009
Foto: Almay Souza
MEMÓRIA
Casarões antigos são obras de
arte da arquitetura colonial
Janelas peculiares de Caravelas
Foto: Almay Souza
Boa parte da história de Caravelas foi e continua sendo destruída.
Transformações desenfreadas e irreparáveis nas fachadas dos casarões vão acabando com o testemunho da longa história da cidade.
Conheça a história dos casarões de Caravelas e entenda por quê este
patrimônio deve ser preservado.
Por Almay Souza e Leidiane Assunção
A
lém de obras arquitetônicas de
beleza e bom gosto, os casarões
de Caravelas são testemunhas
dos longos anos de influência da colonização portuguesa. Os primeiros casarões
da cidade foram construídos a partir de
modelos europeus trazidos pelos jesuítas
de Portugal em meados de 1600, baseados no estilo arquitetônico que ficou conhecido como barroco português.
A igreja Santo Antônio é um exemplo deste tipo de construção, pequeno
ícone do amplo movimento artístico que
se espalhou por toda Europa e América
Latina em contraposição à arte renascentista (veja reportagem abaixo). Sua
construção, de estilo colonial barroco
simples, teve inicio em 1698, quando
chegou à cidade o Padre jesuíta Antônio
do Espírito Santo, vindo a ser concluída
somente em 1750.
Pouco restou daquela época. Dos
sobrados do século XVIII, o último que
estava de pé era o da Prefeitura, incendiada em 1959 em condições ainda pouco esclarecidas. Depois dos sobrados
vieram os casarões do início e de meados do século XIX (anos 1800) hoje a
maioria na cidade, construídos quando
Caravelas atingia a fase áurea de sua economia em conseqüência do plantio de
café e da intensa atividade do Porto de
Caravelas que movimentava o Extremo
Sul da Bahia e o Norte de Minas Gerais,
ligados também por ferrovia. Hoje cada
uma destas construções guarda um histórico infindável das funções que assumiu. O Casarão de Cultura, por exemplo, já foi estamparia, depósito, cadeia,
escritório Bahia Minas, pensão e órgão
de prefeitura. O casarão “Céu azul”, um
dos antigos prostíbulos da cidade, virou
pensão e depois orfanato!
Requinte - Até o final século XIX
as moradias eram feitas com requintes
e detalhes que as caracterizavam como
verdadeiras obras de arte. “Quanto mais
beirais tinha uma casa, mais ricos eram
os seus donos” lembra o historiador caravelense Francisco de Almeida, o Chiquinho. A riqueza de detalhes nas fachadas das edificações era considerada um
signo de distinção.
Ainda hoje as ruas do centro histórico de Caravelas possuem trabalhos
arquitetônicos surpreendentes. É o caso
da mansão dos Soares, cuja construção
data de 1805. O casarão foi todo revestido em azulejos Portugueses, originários
de Macau (antiga possessão portuguesa)
utilizados para dar graça e requinte à fachada. Sua frente tem 5 janelas em guilhotinas encaixilhadas com bandeira em
estilo rabo de pavão, típicos da arquitetura colonial portuguesa.
Casas como as das famílias Almeida
Costa, a família PhiladePho Monteiro, o
Foto: Almay Souza
casarão da Cultura, a biblioteca, a casa da
professora Célia, e as do herdeiro do Seu
Almiro Fonseca, em frente a Casa da Professora Marilene Gouvêa… a casa de Valdir e do Coronel José, a atual Secretaria de
Turismo, a Secretaria de Educação, a casa
da Abrolhos Turismo, os sobrados da Família Carvalhal, o casarão de Fernando e
Sandra (filha de finado Doninho), o prédio do Sindicato dos Estivadores, a casa
do Professor Francisco onde atualmente
funciona o IBJ (Instituto Baleia Jubarte)
são algumas que preservam a tradição e a
história de construções consideradas patrimônio histórico Caravelense. Revelam
um passado não tão distante, que ficou
empobrecido pelo descaso e pela busca
insensata de modernidade.
Destruição e Reconstrução - As
mudanças nos casarões antigos começaram na década de 40, quando a então
Prefeitura Municipal de Caravelas ofereceu dez anos de isenção de imposto
Foto: Mônica Linhares
Um problema que dificulta a preservação do patrimônio histórico é o
do custo das reformas para a população
com menos recursos financeiros. Somente a restauração de uma frente de
casa (duas janelas e uma porta) sai em
média R$ 3 mil reais. Veja o depoimento de Alex Gonçalves, que trabalha na
restauração de janelas e portas de estilo
barroco na única marcenaria da cidade
especializada: a LuciaAlex
“Eu acho um pouco triste toda esta
mudança na fachada dos casarões. Uma
coisa bonita que aconteceu aqui foi
tombar a cidade, mas isso é para ter sido
feito desde 1995, 1990. Eu tenho pouca lembrança, mas na rua do Porto, na
rua Sete, havia muitos casarões antigos
que foram destruídos. Aí vem o problema também da sociedade que é pobre,
desmanchar e fazer no estilo moderno é
mais barato. Há pessoas que acham bonito, mas têm que desmanchar porque
não têm dinheiro para colocar como
deveria ser. Se a prefeitura tivesse um
projeto para ajudar as pessoas, tenho
certeza de que Caravelas voltaria a ser
o que era antes.
O projeto de revitalização do centro
histórico de Caravelas foi enviado ao
Ministério de Turismo em 2006, quando foi aprovada a primeira etapa, para
a pavimentação da Rua do Porto. Na
época, a Prefeitura não tinha certidão
negativa de débitos e os cerca de R$
200 mil que já haviam sido destinados
pelo governo federal ao município não
puderam ser utilizados para realizar esta
obra tão esperada pela comunidade. A
segunda etapa previa a recaracterização
das fachadas, mas não se passou sequer
da primeira. O valor total previsto no
projeto entregue em 2006 para a revitalização do centro histórico era da ordem
de R$ 3 milhões de reais. Uma cópia do
mesmo foi entregue ao presidente Lula
em sua vinda a Caravelas, no dia 05 de
junho de 2009.
Fone: (73) 3647-1060
Galdino, ainda falta atenção à questão
cultural, que é estratégica para Caravelas. “Para manter os valores da comunidade é fundamental que esta preserve a
sua história. Caravelas tem uma vocação
para o turismo histórico, mas para isso
necessitamos revitalizar o centro histórico e preservar as fachadas”, destaca.
Com o foco na preservação, o projeto da Secretaria de Cultura para o centro
histórico está em sintonia com o que vem
acontecendo (de forma bem sucedida)
há décadas nas históricas cidades européias. Dó Galdino fala em transformar o
centro histórico em um espaço cultural,
onde existam restaurantes com comidas
típicas, pousadas, salas de visitas, museus
e centros de apresentações culturais.
“Isto traria um diferencial enorme na
região, pois nem mesmo Porto Seguro
possui estes espaços. O turismo histórico é um grande agregado para o turismo
de Abrolhos”, ressalta.
Barroco: Um movimento para expressar as emoções
A arte barroca nasceu na Itália, no
século XVII, e acabou se espalhando pela
Europa e então colônias americanas. Era
uma arte de formas opulentas e rebuscadas, que encontrou na Igreja Católica
um espaço importante de manifestação,
numa época em que se via ameaçada pelas igrejas protestantes. Contrariamente
à arte do Renascimento, que pregava o
predomínio da razão, no Barroco há uma
exaltação dos sentimentos, a religiosidade
é expressa de forma dramática, intensa,
procurando envolver emocionalmente as
pessoas. Na arquitetura, elementos curvos, impetuosos, tomaram o lugar de elementos retangulares e harmônicos, com
amplas volutas e profusão de detalhes..
No Brasil, o barroco floresceu ao
longo da maior parte de sua curta história
“oficial” de 500 anos, num período em
que os residentes lutavam por estabelecer uma economia auto-sustentável, até
onde permitisse sua condição de colônia
Foto: Almay Souza
Projeto de revitalização
do centro histórico
“Se a prefeitura tivesse um projeto para ajudar as pessoas,
tenho certeza de que Caravelas voltaria a ser o que era antes”
(IPTU), para os moradores que reformassem suas casas de fachadas coloniais
transformando-as em casas modernas,
com o objetivo de acompanhar o dito
“progresso”. “O que queriam era modernizar uma cidade que consideravam
velha. Nessa época ninguém falava em
turismo, nem em preservação de prédio antigo”, afirma Francisco. Com essa
oferta, vários proprietários de casarões
optaram por reformar seus lares para dar
lugar a modernidade, e é claro, ficar 10
anos sem pagar IPTU.
Ao contrário do que as pessoas imaginavam, Caravelas não ficou mais bonita:
as mudanças levaram à descaracterização
de toda a beleza histórica singular dos casarões. “É uma pena que Caravelas nunca
tenha um prefeito voltado para a cultura,
que tivesse a visão da cultura como um
processo de desenvolvimento”, lamenta
o Coronel José, um dos mais atuantes reconstrutores do patrimônio histórico da
cidade. Para o Secretário de Cultura, Dó
pesadamente explorada pela metrópole.
Ergueu-se num terreno em luta, nos longos séculos de construção de um novo e
imenso país. O resultado de seus entrecruzamentos e mesclas é o acervo original e riquíssimo que hoje se vê espalhado
em praticamente todo o litoral brasileiro.
Essa arquitetura encontrou maior expressão em Minas Gerais – onde a tendência
era equilibrar as formas – e no Nordeste
(sobretudo Bahia e Pernambuco), onde a
tendência era rebuscar o estilo.
Download

Caravelas ganha Reserva Extrativista