OS MAIA
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Maria Imaculada Maia nasceu em 1902, na vila de Sebolas, no interior
do estado do Rio, filha única de uma negra e um italiano de olhos azuis.
Sua mãe, Carolina Caetana Nogueira, havia abandonado o marido, também negro, para viver com o mascate italiano Antonio Regina. Nessa família
com vida confortável, Maria Imaculada nasceu e cresceu, mas, por motivos nunca revelados — talvez uma outra família na Itália —, nunca foi registrada pelo
pai. Apaixonada e sonhadora, Carolina foi muito feliz por algum tempo: Antonio
ia freqüentemente à Europa para renovar suas mercadorias, trazia lindos presentes, mas as viagens começaram a ser mais freqüentes e mais longas as ausências.
Carolina ficava em casa, vendo o tempo passar na janela, criando a filha, costurando e esperando. Costurava cada vez melhor, passava temporadas trabalhando
na fazenda dos Paes Leme e em outras da região cafeeira de Paraíba do Sul, que
disputavam os seus serviços.
Maria Imaculada era adolescente quando seu pai viajou para a Itália e
nunca mais voltou, sumiu sem deixar rastros. Sua mãe enlouqueceu de amor: sua
vida se tornou uma eterna espera, ela ouvia passos e dizia “é o Antonio”, sentia
sua presença em tudo, pedia à filha que colocasse o nome dele em seu primeiro
filho. Foi tomada por uma profunda e irreversível depressão.
Dois anos mais velho que Maria Imaculada, Altivo nasceu em 1900, também em Sebolas, filho do português Manoel Rodrigues Maia, conhecido como
Neca Maia, e de Joana Maria da Conceição, uma índia escura de origem amazônica, de cabelos lisos e negros em longas tranças, que fumava cachimbo e
gostava de uma boa briga.
Mestiço de pele clara, muito simpático, com belos dentes branquíssimos,
Altivo conhecia Maria Imaculada desde garoto, e com 18 anos, quando a viu
saindo da missa de domingo, linda em um vestido feito pelas mãos exímias de
Carolina, disse ao pai:
“Eu vou casar com essa moça!”
O pai achou graça, mas o advertiu:
“Se você quer namorar essa moça, primeiro tem que usar uma gravata.”
No domingo seguinte, de gravata, Altivo pediu Maria Imaculada em namoro e foi aceito. Já estavam noivos, felizes e enamorados, quando a bomba estourou:
a mãe do noivo — uma índia quizumbeira — brigou feio com a da noiva, em depressão cada vez mais profunda, e exigiu que o noivado acabasse imediatamente.
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Separado à força de sua amada, Altivo foi para o Rio de Janeiro, mas
continuou se correspondendo com Maria e esperando que a vida melhorasse e a
raiva entre as mães passasse. Foi trabalhar, primeiro como copeiro e depois como
garçom, na mansão da família Modesto Leal. Juntou um dinheirinho, aprendeu
a cozinhar e foi trabalhar como cozinheiro em uma pensão, sonhando em algum
dia ter a sua.
Em 1922, no aniversário da cidade, Altivo voltou a Sebolas, de gravata,
para enfrentar não só sua mãe, como a ex-futura sogra, que já havia até arrumado
um noivo para a filha. O amor venceu, as mães ficaram com seu ódio e os filhos
se casaram e foram morar no Rio de Janeiro, onde Altivo alugou um velho casarão na rua Afonso Pena, na Tijuca, e abriu a sua pensão.
A clientela inicial era de alguns hóspedes da pensão em que havia trabalhado, a que logo se somaram novos fregueses, atraídos pela comida farta, saborosa e barata do seu Altivo, feita em um velho fogão a lenha. A pensão tinha
cinco quartos e cinco mesinhas na sala, e Maria ajudava nas compras, na arrumação e a servir a comida. Logo nascia o primeiro filho, que Maria chamou de
Antonio, cumprindo o prometido à mãe. Altivo ficou furioso, queria que tivesse
o seu nome. Maria prometeu que o próximo teria, mas ele emburrou e disse que
depois não queria mais.
Quando o segundo filho nasceu, Altivo foi o nome escolhido de comum
acordo. Com suave firmeza, a católica e recatada Maria conseguia tudo do alegre
e festeiro Altivo e comandava a vida do casal — da cozinha para fora — enquanto criava os filhos: Antonio, Altivo, Hugo, Maria Aparecida, José, Isolda, Luzia,
João, Luiz, Maria Imaculada, Anna Maria e finalmente Sebastião.
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