DESTAQUE Projeto de vida para milhares de Marias A origem do nome Maria, muito comum no Brasil, é hebraica. Significa amargura, mágoa, mas também senhora soberana, serenidade, força vital e vontade de viver. O significado do nome remete a outro pensamento, também bastante popular por aqui: “Todo mundo tem direito a uma segunda chance”. Esses são pensamentos que envolvem o Projeto Maria Marias, desenvolvido para integrar ações que possibilitem melhorar ou iniciar a qualificação profissional de mulheres encarceradas no Brasil. Decorrente da parceria entre Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça, Senac, Sesi, Sebrae e Senai, o projeto busca esforços para implementar atividades produtivas, elevar a escolaridade, possibilitar a integração familiar e comunitária e promover, de fato, a 4 | JAN/FEV 2008 | correio do Senac | nº 685 reintegração social, preparando essas mulheres para o enfrentamento digno no mundo de trabalho. O Maria Marias vem se juntar a algumas ações de capacitação e projetos voltados para a população encarcerada feminina já existentes no país. Porém, ainda não havia um projeto nacional. A parceria estabelecida irá propiciar a construção de projetos estaduais que identificarão as necessidades e o planejamento das atividades educacionais e capacitações de presidiárias e egressas. Em março de 2007, foi dado o primeiro passo. Numa reunião realizada em Brasília, os participantes assinaram o protocolo de intenções que, além de estabelecer a parceria, indica as atribuições de cada um e os passos necessários para a implantação do projeto. Os recursos investidos são provenientes do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), que custeará as despesas relacionadas à concretização das parcerias. O processo começa assim: as secretarias de Justiça dos Estados enviam ao Depen/MJ ofício de adesão ao protocolo de intenções. Depois, o Departamento Nacional ratifica com o Departamento Regional dos Ss a adesão ao projeto. Realiza-se, então, uma reunião de articulação, in loco, com representantes de todos os parceiros envolvidos, quando será estabelecido o cronograma para a realização do projeto, que acontecerá em duas etapas. Na primeira, serão identificadas questões relacionadas ao mercado de trabalho, como viabilidade, ofertas de emprego e perfil das ocupações, a fim de avaliar em quais locais as internas podem ser inseridas, capacitando-as, posteriormente, para o serviço. Depois, será feito o diagnóstico da situação e do perfil de mulheres que cumprem pena, coletando, por meio de pesquisa de campo, dados como escolaridade, saúde e lazer. O objetivo é subsidiar ações de trabalho e renda compatíveis com o perfil da população carcerária feminina. Na segunda parte, com base nos resultados dos estudos, será implementado o projeto, disponibilizando cursos profissionalizantes. É quando o Senac entra em ação propriamente dita. Cabe a ele promover e administrar cursos de capaci- tação e aperfeiçoamento para a população carcerária feminina, com base na demanda pesquisada, oferecendo programações com estrutura curricular e carga horária compatível com o perfil profissional definido, propiciando ao participante uma formação ampla que transcenda a dimensão estritamente técnica e garanta o desenvolvimento da consciência da cidadania e de princípios éticos referentes à prática profissional e à vida em sociedade. O projeto-piloto está sendo implantado no presídio feminino de Catanduvas, no Espírito Santo. Levantamento da Secretaria de Estado de Justiça do Espírito Santo revela que 60% das detentas cumprem pena por envolvimento com o tráfico de drogas. Elas são jovens, de origem humilde, desempregadas ou vivem com remuneração abaixo de um salário mínimo. Por isso, é fundamental desenvolver uma nova visão do futuro, apontando perspectivas de inclusão social, resgate de auto-estima e valor da feminilidade. Segundo o diretor-geral do Depen, Maurício Kuehne, o estado foi escolhido por enfrentar sérios problemas carcerários. No entanto, outros estados, além do Distrito Federal, serão contemplados em breve. São eles Amapá, Bahia, Ceará e Goiás. Educar para o trabalho Há alguns anos, o Senac já trabalha com projetos relacionados à população carcerária. Essa experiência foi fundamental para o desenvolvimento do Projeto Maria Marias. O diretor de Políticas Penitenciárias, Ivo da Motta Azevedo Corrêa, por exemplo, afirmou ter certeza do sucesso da parceria, relatando experiência vivida com o Senac Pará, em 2001, quando era diretor do Presídio de Belém. Um dos alunos do curso de Cozinheiro oferecido pelo Senac, preso em regime semi-aberto, foi aprovado em concurso para cozinheiro do Hotel Hilton e, hoje, ocupa o cargo de chef. São inúmeros os exemplos que corroboram a visão do Senac de que a educação para o trabalho ajuda a transformar atitudes, potencializa a capacidade integradora e facilita a reintegração na vida extramuros após o cumprimento da pena. nº 685 | correio do Senac | JAN/FEV 2008 | 5 Afrânio Lima, detento do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus/Caracaraí, tem 33 anos. Participou, em 2007, do curso Serviços Administrativos e Informática Básica que o Senac Amazonas, por meio do Programa de Ações Inclusivas da Educação Profissional (Paiep), ministrou para 26 detentos do regime semi-aberto. Para ele, o curso, que durou três meses e meio, representou uma chance que nunca tivera na vida: “Vi nos estudos a oportunidade de renovar a mente, melhorar meus conhecimentos e buscar um meio de ganhar a vida”. Em 2006, em parceria com a Secretaria de Justiça do Estado e o Instituto Degrau, o Senac Ceará ministrou aulas de corte e costura para mulheres egressas do Presídio Feminino Desembargadora Auri Moura Costa, em Fortaleza. As ex-detentas que se destacaram foram incluídas numa equipe que confeccionou fardamentos para a Petrobras. Em 2007, com os cursos Pintura em Tela, Arte em Estopa, Patchwork, Fuxico e Confecção de Vassouras em Pet, cerca de 100 pessoas (ex-detentos e detentas) ingressaram, capacitadas, no mercado de trabalho. Na Penitenciária Feminina de Macapá, a realização de feiras para a comercialização dos produtos confeccionados pelas internas durante o curso Pintura em Tecido, oferecido pelo Senac Amapá, ajudou a comprovar que talentos podem ser desenvolvidos e incentivados. Essas experiências reafirmaram um dos objetivos do Maria Marias: consolidar a marca “Maria Marias” para fins Demonstração dos produtos feitos nos cursos do Presídio Feminino Estadual de Tucum, no ES. 6 | JAN/FEV 2008 | correio do Senac | nº 685 de identidade, divulgação, comercialização e inserção dos produtos no mercado. A marca servirá como instrumento de sensibilização da sociedade, que terá a oportunidade de conhecer e reconhecer o valor produtivo das mulheres custodiadas. Para que a produção seja garantida, linhas de produção serão implantadas na penitenciária estadual feminina do Espírito Santo, por exemplo. Os produtos artesanais fabricados pelas internas serão vendidos em lojas, stands etc. Além da técnica Atualmente, a população encarcerada feminina no Brasil é composta por 22 mil detentas, número que corresponde a 5% do contingente carcerário nacional. Segundo o “Termo de referência para o envolvimento de ações integradas entre o Depen e o Sistema S”, o percentual de evolução do encarceramento feminino aumentou 24% de 2001 a 2005. O perfil geral das mulheres presas demonstra como essa estatística é preocupante: a maioria tem entre 20 e 35 anos, é chefe de família, possui, em média, mais de dois filhos menores, e apresenta baixa escolaridade. Por isso, a meta do convênio que desenvolve o projeto Maria Marias é oferecer programações com estrutura curricular e carga horária compatível, e propiciar à participante uma formação ampla, que ultrapasse a dimensão estritamente técnica. “O intuito é chegar a soluções que nos permitam melhorar a situação atual e, dessa forma, contribuir para dar tranqüilidade ao clima dos presídios e oferecer expectativas de reintegração para presas e egressas”, afirma Maurício Kuehne. No processo de educação, há a preocupação em desenvolver a reinserção social, depois da condenação e da prisão. Por isso, a realização de capacitações em diversas áreas, a implementação de atividades produtivas, o desenvolvimento da cultura empreendedora são preocupações fundamentais. Pesquisas mostram que a ressocialização gera trabalho, diminui penas e índices de reincidência, ajuda na orientação do planejamento familiar e no contato com as crianças, muito presentes no ambiente da carceragem feminina, e fortalece o vínculo familiar. Palestras, oficinas e cursos iniciais para as Marias Após os resultados das pesquisas, o Projeto Maria Marias foi estruturado no Espírito Santo propondo o conceito de ressocialização focado no trabalho, no empreendedorismo, no fortalecimento do vínculo familiar e, conseqüentemente, no direito à cidadania. Estas serão as palestras e oficinas oferecidas: Família de Maria – preparação para retorno ao lar: ética, valores, afetividade e atitudes. Maria vai à luta – reflexão e reconhecimento das dificuldades pessoais e sociais de cada mulher custodiada. Prevenindo as Marias – conhecer para prevenir as doenças sexualmente transmissíveis. Maria planejando sua família – cuidados básicos de puericultura e cuidados maternos gerais. Maria e a higiene bucal – orientação sobre saúde bucal, cárie e suas conseqüências. Maria alimentando-se melhor – palestras sobre alimentação complementar. Agora, os cursos que serão ministrados: Artesanato – Cursos de técnicas artesanais; Marketing no setor artesanal; Pátinas e texturas especiais. Beleza e Estética – Manicura; Depilação; Modelagem para sobrancelhas. Culinária – Preparação de pães; Preparação de doces; Preparação de salgados; Preparação de bolos, recheios e confeitaria. Confecção – Corte e costura; Customização. Informática – Informática básica. Empreendedorismo – Mulher empreendedora; Despertando para o associativismo; Custo-formação de preço e venda do produto; Relações interpessoais e qualidade de vida no trabalho. nº 685 | correio do Senac | JAN/FEV 2008 | 7