O DETETIVE DA ECONOMIA
Maria Maria
A porta da cozinha está entreaberta...
Erik, encolhidinho atrás da porta, escuta a conversa séria entre o pai e a mãe:
_ Não sei mais o que fazer.... (diz o pai)
_ Eu também não, querido... Já cortei todos os gastos que podia cortar... (responde a esposa)
_ O que vamos fazer?? Vou ficar maluco se chegar o final do mês e eu não tiver o dinheiro
para pagar o aluguel.
_ Calma, meu bem... vamos rezar e cruzar os dedos que tudo vai dar certo.
O semblante de Erik ficou bastante sério com o que ouviu. Erik é um menininho lourinho, de
quase 9 anos, muito esperto e levado. Faces coradas, quando nervoso, chegava a ficar
vermelho, como agora.
Sai dali devagarinho e vai sentar na soleira da porta de casa.
Afinal, o que era aluguel? E de que forma poderia ajudar os pais??
Erik estava ali queimando a “piolhenta” conforme o avô diria, quando surge sua “grande” e
“velha” amiga Raquel. Ela é tão bonitinha... Erik se derrete todo quando conversa com ela.
Longos cabelos cacheados, castanhos, olhos cor de mel, com a pele mais sedosa que já tinha
visto. Parecia mais uma boneca.
_ Oi Erik, está triste?
_ Não, preocupado.
_ Mas, porque?
_ Uma conversa estranha que acabei de ouvir... Meu pai e minha mãe...
_ Hi!!! Vão separar, já sei. Igual aos meus pais! Aaaaposto!
_ Nada disso. Uma coisa estranha chamada aluguel. Vc sabe o que é isso?
_ Sei não, mas lá em casa já rolou essa coisa... Escutei minha mãe brigando com meu pai,
pelo telefone, sobre esse ai...
_ Se importa de perguntarmos a sua mãe o que é????
_ Ah! Até parece, claro que não me importo!
Erik deu um pulo e pôs-se de pé.
_ Então tenho que me preparar, vai entrar em ação “Sir Erik Holmes”, o maior detetive de
todos os tempos. E você, prepare-se: será minha assistente “Drª Quelson”.
Ahhhá!!!!!!!!!!!!!!!!! Vamos vencer o inimigo!
_ (de olhinhos arregalados Raquel, assustada, começa a falar sem parar) Calma, calma!!! Tá
doido! Que história é essa: quem é esse tal de “Sir Erik Holmes”?? E que história é essa de
detetive?? E porque tá me chamando de Quelson... e Drª?? Doutora do quê??? E...
_ (Erik interrompe a amiguinha) Senta, vou explicar tudinho.
Os dois sentaram lado a lado na soleira da porta, bem juntinho, e Erik começou a contar, em
tom de suspense e mistério:
_ Meu vô era muiiiito fã de um detetive famosão e sempre me contava histórias dele.
_ Era um tal de Sherlock Holmes (continua). Meu vô começou a ler de curioso porque o
sobrenome era igual. Acabou virando mania. Desde que eu era pequenininho que ele me
conta. É um cara muito legal que sempre resolve qualquer mistério...
_ E o que é “mistério”? (pergunta Raquel)
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_ Mistério é uma coisa “secreta”, “escondida”, que não se sabe a resposta. Como esse tal de
aluguel. E eu, o maior detetive do mundo, “Sir Erik Holmes”, vou investigar. E como o
Sherlock do meu avô, preciso de um assistente. O assistente do Sherlock era o Dr Watson.
Como você é minha amiga, será minha assistente. E já que você é crânio em ciências, “Drª
Quelson”, perfeito. Agora, só tenho que pegar minhas “armas” e cair de cabeça no “mistério”.
_ Armas? Que armas?
_ Sherlock nunca andava sem seu boné, capote, cachimbo e... um treco que esqueci o nome,
mas serve para aumentar as coisas... igual a uma lente de óculos. E eu vou providenciar tudo
num minutinho. Me espera aqui que já volto.
Entrou correndo e Raquel ficou ali sentadinha, pensativa, curiosa para saber no que dariam as
fantasias do amiguinho.
Passados alguns minutos, surge Erik. Raquel precisou prender a respiração para não dar uma
gargalhada. Lá estava o lindo menininho, com a jaqueta jeans do pai, um boné e... um enorme
pirulito de bengala, daqueles de confeito açucarado na boca. Na mão um óculos velho e
quebrado do avô.
_ Perguntei prá minha mãe o nome do negócio de lente do Sherlock e ela disse que é “lupa”.
Mesma coisa que “lente de aumento”. E a minha tá aqui. É só o óculos velho do vô mas bem
que serve. Será que sua mãe já chegou do trabalho? Tô pronto!
_ Podemos ir, ela já deve ter chegado sim.
E os dois rumaram para a casa de Raquel. Sua mãe estava no banho. Havia chegado a pouco
da agência da Caixa Econômica, onde trabalhava, e se preparava para iniciar a janta.
Quando Dª Maria entrou na cozinha encontrou as duas crianças sentadinhas, quietinhas,
aguardando, o que já era uma bruta surpresa.
_ Aiaiai! O que aconteceu? O que vocês dois estão tramando? E você menino? Que roupa
estranha é essa???
Os dois começaram a falar rápido e ao mesmo tempo, tentando explicar a Dª Maria o que
estava acontecendo e quais eram seus planos mirambolantes.
_ Calma, calma! Vamos com calma ou vou ficar maluquinha! Fala você Erik. E vê se fala
devagar para eu poder entender.
O menino começou, então, a contar a conversa dos pais que tinha escutado e seu plano
“secreto” de tentar fazer alguma coisa para ajudar.
Dª Maria ficou simplesmente encantada com o senso de responsabilidade daquele menininho
tão pequeno em querer ajudar aos pais e, como funcionária de banco, sentiu alguma
facilidade em dar dicas importantes para que ele pudesse por seu plano em ação:
_ Você está de parabéns e vou ajudar no que for possível. Antes de mais nada, se a Quel vai
ser sua assistente, ela precisa de um bloco e um lápis para anotar tudinho.
Abriu a gaveta do armário e tirou o material para a filhinha.
_ Aqui está. Vamos fazer o seguinte: vou passar os passos necessários ponto por ponto. Passo
uma tarefa e, quando esta estiver executada, tragam o resultado que passo uma nova, ok?
_ Ok! (responderam os dois juntos na maior alegria)
_ Bom... vamos ver... a primeira investigação de vocês será sobre a economia de energia. 1)
Investiguem se, durante o dia, as cortinas são abertas, evitando consumo de energia elétrica;
2) Verifiquem se “todos” em casa estão apagando a luz de um cômodo quando saem do
mesmo; 3)Vejam em toda a casa se há aparelhos elétricos ligados sem necessidade; 4) Vigiem
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para ninguém tomar banho muito demorado; e, 5) Que não sejam ligados chuveiro e ferro de
passar ao mesmo tempo.
_ Pronto, anotei estes itens para vocês no bloquinho da Quel. Podem começar agorinha. Mãos
à obra meninada... ôpa, desculpe... senhores detetives!
_ Muito obrigada Dª Maria, estamos entrando em ação neste minutinho.
E foram os dois para a casa de Erik. Lá chegando, a primeira coisa que viram foi a luz da sala
acessa sem ninguém no aposento. Anotaram no bloquinho e apagaram a luz.
Pé ante pé, foram espreitar o que os pais de Erik e suas duas irmãs estavam fazendo. A mais
velha, Elen, estava ao telefone conversando com o namorado. Na mesma hora Raquel cutucou
o amiguinho:
_ Erik, (falou baixinho) sei que não tá na lista da minha mãe... mas ela sempre reclama se
alguém fica de papo no telefone. Ela diz que telefone é coisa prá se falar rapidinho, que
“assunto grande” a gente conta pessoalmente... Não acha melhor a gente anotar isso?
_ Eita Doutora! Sabida mesmo. Claro!!!!!!!!!!! Anota logo que vou adorar o pai cortar essa
conversa mole!
Os dois continuaram se esgueirando pelo corredor até o quarto da irmã do meio, Efani. Esta
dormia, com o livro sobre o peito e a luz acesa. Erik fez sinal para Raquel anotar e apagou a
luz de mansinho.
Na cozinha encontraram a mãe e o pai conversando baixinho, sentados à mesa. Raquel
começou a puxar a manga da jaqueta de Erik e fez sinal mostrando, disfarçadamente, o bule
de água fervendo e fervendo no fogão. O menino piscou o olho para ela e fez sinal para que
anotasse também.
_ Mãe, você tá fazendo café?...
Dª Antonia levantou assustada exclamando:
_ Chi!!!!!!!!! A água já ferveu e nem reparei... Estou fazendo café sim, filho. Porque, você
quer??
_ Quero não mãe... só perguntei...
Rondaram por toda a casa checando a lista de Dª Maria. Quando entraram no quarto do casal,
a TV estava ligada... sozinha...
_ Paiê!! Você tá vendo TV?
_ Ô filho, esqueci ligada quando vim conversar com sua mãe. Desliga para mim, ok?
(respondeu o pai da cozinha).
Após checar toda o apartamento voltaram correndo para a casa de Raquel.
_ Dª Maria, (chama Erik esbaforido) acabamos. Dê uma olhada em nossa lista.
Dª Maria checou a lista e deu os parabéns aos dois:
_ Muito bem, vejo que pegaram o espírito da coisa. Anotaram até duas coisas sobre as quais
ainda não falei...
_ Obra da minha eficiente assistente...
Dª Maria sorri e afaga o rostinho da filha.
_ É... Quel sempre colaborou comigo e aprende direitinho o que ensino.
_ Vocês estão no caminho certo. Continuem anotando todo desperdício que observarem.
Prestem atenção a tudo que estiver ligado sem necessidade “incluindo gás”, anotem quando
perceberem qualquer coisa sendo jogada fora por ter estragado... ou sem necessidade. Por
exemplo, aqui em casa não imprimimos nada que não seja absolutamente necessário e quando
imprimimos procuramos usar os dois lados do papel, sempre que possível. Mas não adianta só
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anotar. Anotem e você Erik, vá passando ponto por ponto aos seus pais. Tome cuidado para
não arrumar encrenca com suas irmãs. Quando notarem que elas estão cometendo algum
desperdício, não brigue com elas. Lembre que elas não nasceram sabendo, como você. É
melhor só dar uma alertada em sua mãe que ela é sabida o bastante para saber como falar com
as meninas, ok?
_ Ok, senhora! Tudo entendido direitinho mas... isso vai dar resultado?
Dª Maria riu do jeitinho sério do menino, tão pequeno.
Claro que vai. Faça como disse e espere até o final do mês. Depois venha me contar que terei
“novas” orientações a passar, certo?
_ Certo, inspetor.
E saíram os dois em disparada.
Por todo o mês Erik vigiou, fiscalizou e, detalhe a detalhe, foi mostrando aos pais onde e
como economizar.
O mês transcorreu na maior animação por parte da dupla esforçada. Não deixavam passar
nadica de nadica. Na parte da manhã, cedinho, Raquel corria para a casa de Erik e os dois
começavam a fiscalização e vigília. Se alguém acendia uma lâmpada, lá vinha o fiscal abrindo
as cortinas e apagando a luz e Raquel anotando tudinho. Na parte da tarde, assim que
voltavam do colégio, recomeçavam animadamente, sempre buscando novas orientações de Dª
Maria.
Os pais de Erik eram só orgulho. Sem comentários, percebiam o esforço do menino em
colaborar.
No final do mês, quando as contas chegaram, Seu Mário e Dª Antonia, após conversarem
baixinho por um bom tempo, resolveram reunir toda a família na sala. Seu Mário abriu a porta
da sala e chamou:
_ Erik, dá uma chegadinha aqui, filho!
O menino chegou desconfiado, Raquel ao seu lado de olhinhos arregalados:
_ Que foi, pai... fiz alguma besteira?
_ Não filho. Chega aqui. Você também Raquel. Afinal, você também fez parte...
Os dois entraram e sentaram juntinhos no sofá.
Seu Mário começou, em tom de discurso.
_ Elen, Efani, Erik,... eu e a mãe de vocês estávamos muito preocupados no início do mês.
Nossas contas estavam muito altas e... estávamos até com receio de não conseguirmos pagar
todas. Pois bem... sem qualquer pedido, Erik começou a se empenhar bravamente para
economizarmos. Se meteu em tudo dentro de casa. Saiu apagando luzes... chamando
“banhistas demorados” no chuveiro, lembrando a mãe de frutas, biscoito e outras coisas que
estavam prestes a se perder para que fossem colocados em sua merenda... Enfim, essas e
outras coisas que, no final das contas... fez com que conseguíssemos pagar todas as contas e
ainda sobrou R$ 150,00...
_ Foi só isso não, pai. Tem mais aqui.
Falando isso Erik tirou um saquinho plástico cheio de moedas e entregou ao pai.
_ O que é isso, filho?
_ O troco do dinheiro que a mãe me dá prá comprar refrigerante na escola. Não gastei. A Quel
me ensinou que refrigerante estraga os dentes e que o suco é mais barato... Tem mais R$
30,00 ai.
O casal ficou com os olhos cheios de lágrimas. Dª Antonia abraçou o filho e não se conteve:
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_ Ô menino! Que orgulho estou de você. A mãezinha estava tão preocupada com medo de não
conseguirmos pagar o aluguel que um monte de coisas, aparentemente insignificantes estavam
passando despercebidas. Meu lindo menino notou e foi, dia a dia, pontuando, mostrando onde
poderíamos economizar.
_ Pai (chamou Erik, meio encabulado) posso dar mais um pitaco, então?
_ Claro, filho. Dê todos os pitacos que tiver vontade.
_ É que eu e a Quel tivemos a ajuda da mãe dela, Dª Maria, que trabalha em banco e sabe tudo
de economia. Foi ela que me explicou o que era aluguel e o que eu tinha que fazer prá ajudar.
Ela também explicou o que é poupança... e que, juntando todo mês um dinheirinho na
poupança, rapidinho o senhor vai poder dar um tal de “sinal” prá comprar um apartamento
prá gente. Ela garantiu que ajuda para o senhor financiar o que estiver faltando. Disse que
financiando o senhor vai pagar, todo mês, menos que paga hoje de aluguel. Só que ela
explicou que o aluguel é dinheiro jogado fora e financiamento, depois de um tempo acaba de
pagar... ai a gente mora “de grátis”. Não é legal?
Dª Antonia estava com tanto orgulho do filho que parecia explodir de alegria. Seu Mário
estava perplexo:
_ Erik... você é tão pequeno ainda e já sabe tanto!!! Que filho eu tenho!!! Bendito seja... (e as
lágrimas escorriam) Vou hoje ainda conversar com Dª Maria. Sua mãe está em casa, Raquel?
_ Tá sim, seu Mário. Tá sim e tá desocupada agora. Se o senhor quiser, vai lá...
Dª Antonia e seu Mário se abraçaram felizes, abraçaram os filhos e saíram imediatamente
para conversar com Dª Maria.
Erik e Raquel sentaram, do jeitinho que gostavam, lado a lado, no degrau da escada e Raquel,
tímida:
_ Viu, deu certo seu plano... tudo certo!!
_ Ah!!! Mas só porque vc me ajudou (disse Erik todo meiguinho).
Os dois se entreolharam, tímidos... felizes... e certos de que aquela parceria iria durar muitos e
muitos anos... e, quem sabe, dando um belo namoro no futuro...
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