MONDAY, DECEMBER 31, 2012 Luiz Gonzaga – memórias da sua música no ano de seu aniversário de 100 anos As memórias da minha infância em Recife (e/ou arredores) são marcadas por aromas característicos de épocas específicas do ano, como também por canções e ritmos que celebravam estes períodos. No fim do ano e nas férias de verão, era a queima da castanha de caju inevitavelmente o aroma das viagens ao litoral sul de Pernambuco, para as praias de água azul esverdeada de São José da Coroa Grande. Esta é uma memória que insiste cada vez mais em ressurgir. O mar, os coqueiros altos que se veem ao se aproximar da praia, esta uma das memórias mais alegres da infância despreocupada no nordeste em que eu cresci. A música de Luiz Gonzaga marcou outras épocas da minha infância, das festas juninas, em que a família inteira se dedicava aos preparativos. Era ao som de Luiz Gonzaga que os meus pais preparavam a comida de milho e nós aguardávamos com ansiedade a fogueira, os fogos e a animação que ainda existe, mas de forma um tanto diferente. Ouviam–se tanto as canções de Luiz Gonzaga na minha casa que a grande maioria das letras de suas canções emergem com a maior naturalidade hoje em dia na minha memória, mesmo depois de doze anos de ausência de Pernambuco. Na época, eu não compreendia muito bem por que uma voz simples, que falava de elementos comuns, era tão apreciada. Na verdade, naquela época, eu estava muito próxima à minha própria cultura para poder apreciá-la profundamente. Hoje em dia, as canções de Luiz Gonzaga, aquelas mesmas canções que embalaram a minha infância e adolescência, ganham uma renovada importância. Meu pai, um nordestino que ainda se refere a outros como “Mestre”, sempre foi um apreciador da música de Luiz Gonzaga, e a minha volta para casa é sempre marcada pelos velhos LPs com as canções que ouvíamos em família quando da minha infância que ele insiste em tocar. Tentei ouvir sozinha, de longe, as canções de Luiz Gonzaga apenas para descobrir uma nostalgia que não podia conter. “Que nem jiló”, “Assum preto”, “De Teresina a São Luís” são algumas das canções que não posso ouvir sem deitar muitas lágrimas de saudades. “Ai, ai que dor no coração”, como cantava Luiz Gonzaga. De chapéu de couro e gibão, com a sanfona branca, Luiz Gonzaga cantava o nordeste na sua expressão mais singela e também mais poética. Depois de estudar tanto a linguagem e como fazemos sentido de nossas identidades e das dos outros com base em manifestações linguísticas, a expressão de Luiz Gonzaga adquire um novo significado. Talvez uma das razões por que tanto se aprecie a música de Luiz Gonzaga seja que ele incorporava em ritmo, palavras e na narrativa contidas nas suas canções aquilo que há de mais autenticamente nordestino. Mesmo que a maioria (ou muitos) de nós nunca tenha enfrentado a dificuldade daquilo que se descrevia em “Triste partida”, ou em “Asa Branca”, podemos nos conectar à narrativa pela linguagem e pelo universalismo que a luta pela sobrevivência e a influência do meio sobre o homem sempre exercerá. Luiz Gonzaga também representa a mistura tão característica da nossa cultura, seja pelo uso do seu instrumento (a sanfona, de origem europeia), pela confluência de ritmos (europeus, africanos) como pela própria identificação étnica (mestiça) que se podia verificar no cantor, tão típica de tantos (se não de todos) nós, brasileiros. Luiz Gonzaga é um símbolo da cultura nordestina, do sofrimento, mas também da alegria de um povo e das celebrações que acabamos por abraçar como nossas, mesmo que só tenham pertencido a outros (nós) em um tempo distante. Posted by Mércia Regina Santana Flannery at 7:20 PM Fonte: http://merciaflannerytextoseideias.blogspot.com/2012_12_01_archive.html