QUANDO
B
UDA, «Mestre d o s homens e
dos deuses», ia m o r r e r . O
Venturoso, o Vencedor e
o Realizado, aquele q u e
>conquistou os oito conhecimentos sobrenaturais e cumpriu as quinze p r á ticas sagradas», r o d e a d o d o s amados
discípulos, num cenário oriental, em
leito p r e p a r a d o entre frondosas árvor e s da misteriosa índia, ia ditar a s
suas palavras d e r r a d e i r a s , semear
ainda mais o seu v e r b o luminoso da
fraternidade e, depois d e passar por
todas as m u t a ç õ e s a que a sua alma
seria lançada, segundo os conceitos
da filosofia que e r g u e u , entraria na
paz do Nirvana.
B u d a , o d o c e príncipe, o c o r a ç ã o
e n c a n t a d o , o r e i o r m a d o r espiritual
pela g e n e r o s i d a d e , aquele que, cm
criança, ao Vêr um d o e n t e , um velho
e um morto, abandonou o palácio d e
maravilhas para a t r a v e s s a r vales, subir montes, levar a todos os s e u s irmãos o V e r b o eloqilente do Amor, na
última hora da vida, t e n d o em sua
volta numerosos bikús, pedia-lhes doc e m e n t e que soubessem interroga lo,
que aproveitassem o fugidio momento
d e ouvir d o s s e u s lábios de apóstolo
a resposta a qualquer dúvida ou perplexidade que possuíssem ainda s o b r e
a «Doutrina que faz do homem um
vaso purificado onde a felicidade s e
acolhe».
Insistiu ; e os s e u s a m a d o s discípulos bikús não souberam interroga lo. Mas ê l e falou ainda. Exaltou
com encanto a palavra da paz e do
amor que t a n t a s vezes saíram d o s
s e u s lábios felizes E c o n t o u l h e s a s
s u a s e s p e r a n ç a s , la mergulhar nas
profundidades do Nirvana, penetrar
em si, e, imóvel, procuraria a palavra
da ciência para trazê-la aos h o m e n s .
Incitou os bikús a que fizessem frutificar a palavra do amor. S a b i a m e n t e
c o m p r e e n d e r a que s ó assim poderia
dar aos homens as o u t r a s palavras
que no Nirvana procuraria.
De que serve a ciência — se não
è para mais vincular o homem à vida
e mais o Hbertar das primárias
condições, entre as quais está a luta e o
ódio cego ?
«Antes da minha volta e da minha
nova generosidade fazei, pois, oh discípulos, que t o d o s c o m p r e e n d a m , até
a praticar, a palavra do amor. Q u a n d o
um homem seja louco e superficial
até chamar a outro homem seu inimigo, curai o da loucura, fazendo-o
olhar profundamente a s d u a s almas
que julga hostis ; mostrai lhe como êle
próprio é também aquele que julgava
odiar e mostrai-lhe como o ama. Porque, p a s s a d a s a ilusão e a loucura,
n ã o podemos deixar d e nos amar por
todas as p a r t e s o n d e nos e n c o n t r e mos, isto é, como o sabeis, em todo
o ser vivente. Ante c a d a ser, que os
homens exclamem amorosamente: «Eu
sou esse».
« Q u a n d o todos os espíritos estiverem esclarecidos e t o d o s os c o r a -
Dlini
BUDA
ç õ e s modificados por esta primária
v e r d a d e , voltarei a um mundo que fizestes fraternal. Ao homem, então incapaz d e a b u s a r do seu poderio, eu
trarei a ciência que o t o r n a r á dono
d a s coisas e o fará vencedor do morte. Mas. concedida a quem não se libertou das trevas do ódio, a ciência
seria um meio de sujar e e m p o b r e c e r
o mundo. Nas mãos d e s t e s loucos
odiosos, seria a arma do suicídio mútuo»
Calou s e . Durante muito tempo
silencioso, o s discípulos julgavam
vê-lo entrar, e n t ã o , nas sucessivas
regiões que levavam ao Nirvana. Enganaram-se; com os olhos vertendo
lágrimas, Buda, o S u g a t a , fixou de
novo o s discípulos.
— S e o Realizado chora, para que
servem e n t ã o os oito conhecimentos
e as quinze práticas ? — entre si, inquietos, perguntaram os bikús.
O espírito venerando do suave
M e s t r e em p o u c o s momentos Vivera
a angústia dos séculos futuros Vira a
sua obra desfigurada, os iconos erguidos, levantados novos templos onde o
dogmatismo bramânico seria substituído por um budismo transfigurado,
a sua figura humana, grande, supe
riormente humana, erigida em ídolo,
s a c e r d o t e s inactivos e m a d r a ç o s med r a r à sombra do seu «Nirvana-*, deix a n d o a sua parte d e esforço vital
s o b r e os «ombros esmagados de seus
irmãos». «Oh, meus filhos, os vossos
filhos r e s t a b e l e c e r ã o , p r e t e n d e n d o
honrar me, os sacrifícios absurdos,
MORRIA
as mortificações ridículas, a injustiça
d a s castas».
Previra os séculos futuros. O s
homens não s e amavam.
O Realizado não levou, pois, ao
conhecimento d e tais s e r e s a palavra
d e ciência C o m p r e e n d e u que dela se
serviriam uns para aniquilar os outros
e não para um c o n c e r t o , na vida e na
fecunda grandeza de a humanizar. Em
lugar d e s e r uma libertadora d a s primeiras condições animais, ao contrário, seria a arma d e aniquilamento
que iria ferir os peitos fraternais dos
vencidos n a s pugnas. P a r a que dar
mais um poder ? para que fornecer
mais uma força ? — se ela contribuirá
para mais sangue d e r r a m a r e mais
perverter os c o r a ç õ e s pelo ódio ?
/
Mas, meus amigos, isto é um
a r r e m e d o da narrativa deliciosa que
o bom Han Ryner, esse arquétipo moral dos novos tempos, príncipe dos novelistas franceses e p r o s a d o r rico d e
colorido, d e forma e d e música, o
mago da harmonia, que o bom Han
Ryner, digo. nos faz da morte d e Çakia Muni, Buda, no livro
Crepúsculos.
Ai coloca, na forma pàlidamente delineada, um problema que tem muito d e
inquietante e que todos já puderam
vêr qual é : — Até que ponto a evoluç ã o moral dos homens deve acompanhar o desenvolvimento técnico ; até
que ponto os homens sabem tornar-se
dignos da altura científica adquirida.
Não é verdade — e os factos não o
confirmam ? — que e n t r e o homem de
hoje e o d e há séculos a t r á s não se
nota d ferença moral sensível e que,
na vertigem do struggle for Ufe, as
maravilhas da invenção só têm servido
para mais dividir os h o m e n s ?
Mas a obra d e reconciliação entre o ser moral, sensível, e o racional,
puramente c e r e b r a l , não deve, por
isso, paralizar. Buda voltará tantas
vezes quantas forem necessárias para
a edificação da sua obra soberba.
«—O meu c o r a ç ã o é valente para
r e c o m e ç a r a s e m p r e necessária obra
salvadora. S e o a z e d u m e s e m p r e se
renova a ponto d e não poder salvar
os homens, gosarei, por Vezes, a d o çura de salvar um d o s meus irmãos.
iE como não me salvarei a mim próprio se emprego toda a minha força
para tentar salvar os meus irmãos?...»
«A valentia do V e n c e d o r , fogo
triunfante, tinha s e c a d o as suas lágrim a s . O sorriso voltou aos lábios, onde
poisou um feliz silêncio, e as pálpeb r a s p r o t e c t o r a s desceram sobre os
olhos. Então, a t r a v e s s a n d o os extasis
apaziguadores, dirigiu-se para o sereno Nirvana. E o sorriso florescia
nos lábios d o s bikús porque viam a
face do Baghavat resplandescer como
um sol».
J. Soares Lopes.
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QUANDO Dlini BUDA MORRIA