"A piscina despejada" “Jim saltou para o fundo do lado mais baixo. Escorregou na superfície húmida e o seu joelho esfolado deixou uma mancha ensanguentada nos azulejos. Uma mosca pousou imediatamente no sangue.”[1] Logo após este parágrafo Jim tentou imaginar que outra utilidade teria uma piscina que não fosse a de estar cheia de água. Quando parto para a realização do meu trabalho penso nesta questão colocada por Jim. Gosto de olhar para a piscina vazia e pensar em outras utilidades que esta poderá ter. Que objectos se vão encontrar misturados com a sujidade e humidade no canto mais fundo após ter sido esvaziada. Quando entro dentro da piscina e fico a olhar para os vestígios do verão passado penso nas memórias que tudo aquilo me traz e começo a pensar que talvez seja bom fazer algo com essas coisas encontradas. Mas quando olho para cima, vejo na ponta da prancha um grande e velho insecto. Pego nos objectos cobertos de lodo e ponho-os dentro da minha mochila. Vou para casa trabalhar. Uma das coisas mais bonitas que já vi foi ver skaters a usar piscinas vazias. Aí percebi que era possível ser livre. Que há lugar para a liberdade. Quando era miúdo e brincava na piscina cheia de água tentava várias vezes chegar ao fundo. Para isso tirava todo o ar dos pulmões. O que me chateava era que nunca podia desfrutar o tempo suficiente do fundo da piscina porque rapidamente precisava de regressar à superficie de forma a ter oxigénio novamente. Era mais fácil permanecer à superfície. Havia tantos miúdos a brincar sempre que eu tirava a cabeça debaixo de água e olhava à minha volta. Tirava novamente o ar dos pulmões e regressava ao fundo. A meio de um verão abri sem dizer a ninguém a torneira da piscina e fiquei ali sentado a ver o nível da água descer. Quando esta ficou vazia peguei no meu skate e lancei-me lá dentro. Parti na parte das escadas menos funda, passei toda esta zona plana vendo aproximar-se a rampa que me iria conduzir até à zona funda. Quando lá cheguei a velocidade disparou e senti finalmente toda aquela liberdade. Com os objectos encontrados no meio do lodo fiz um desenho. Colei o desenho na parede do quarto e afastei-me para o olhar com alguma distância. Olhei e não reconheci nenhum dos objectos do canto da piscina. Fui até à janela e tive que tapar os olhos porque o reflexo do sol que batia nos azulejos azuis da piscina despejada feria-me. Olhei novamente mas com mais cuidado por entre os dedos e vi uma mosca velha a correr pelo jardim. Ela corria, mas não corria para lado nenhum. Dava voltas e mais voltas ao tanque azul mas nunca entrava. Já estafada, a mosca velha descansava debaixo de uma palmeira. Dela escorria suor, muito suor a escorrer do seu corpo que atraiu a atenção de moscas muito novas que por ali passavam. Elas lambiam-lhe o suor das pernas. Então eu corri, corri muito rápido com uma lata de spray na mão. Desci as escadas de minha casa e logo entrei no jardim. Saltei bem alto como se saltando para a piscina quando esta tinha água. Caí no fundo com a lata de spray e escrevi nos azulejos a palavra liberdade. ‘Tava com medo de me esquecer da experiência de liberdade sentida quando me lancei no skate em cima dos azulejos. Estava com medo de me esquecer de saber como ser livre mesmo a sério, mesmo de verdade. [1] Ballard, J. G. in “Império do sol”. Mauro Cerqueira