Prosa - 3.º Prosa – Conto Princípio da Felicidade Estive num mundo onde a realidade do pecado é inexistente, onde podia falar de assuntos de meu próprio interesse sem ser julgado. Aliás, o que era ser julgado? Não havia pecado, não havia asneiras, não havia julgamento. Aquele mundo era tão belo…Ao acordar, senti a brisa fresca a passar-me pelo cabelo, as árvores estavam lindas, como sempre. Saí sem medo, medo não sei de quê, mas não o tinha. Sentia-me livre e sabia que aquele pássaro que, por acaso, pousou sobre a minha mochila era tão livre quanto eu e estava a sorrir para mim… Cheguei à escola e, como sempre, dei os bons dias a tudo e a todos, independentemente da idade ou da aparência. Basicamente, eram todos iguais a mim. A primeira aula foi no laboratório e, sem querer, deixei cair um gobelé de vidro no chão. Olhei à minha volta e verifiquei se alguém se magoou… Felizmente não. Logo de seguida, fui buscar a vassoura e o apanhador e tentei não deixar nenhum vidro no chão. Os meus amigos continuavam concentrados na aula prática. No fim da aula, fui para o intervalo e passeei pela escola, juntamente com toda a minha turma e juntos falávamos, ou melhor, tentávamos imaginar um mundo perfeito. De repente, de uma maneira muito sobressaltada, como se tivesse visto um fantasma, acordei. Tinha a sensação que tinha estado no paraíso há dez minutos atrás, mas não tinha tempo para pensar nisso, estava atrasado… Ao tomar o pequeno-almoço, liguei a televisão e, como sempre, dezenas de notícias más, aterrorizadoras e impensáveis invadiram todos os meus sentidos, no entanto, não tinha tempo para pensar nelas mas sabia que um dia aquela anormalidade normal teria que acabar. Acabei de tomar o pequeno-almoço, saí porta fora a correr, mas observei algo que me despertou à atenção… O meu vizinho estava a discutir com a mulher, supostamente seria o seu quarto divórcio. Olhei à minha volta e reparei num grupo de pessoas que tinham, mais ou menos, a minha idade. Elas estavam a olhar para mim…Senti-me com medo, senti-me preso a um mundo mau, senti-me vazio... Com olhar cabisbaixo continuei e, por fim, cheguei à escola. Disse um “olá” a um colega meu, só um porque os outros estavam ocupados a falar uns com os outros e não queriam saber de mim. Fui discriminado, mais uma vez. Sentei-me à frente da porta do laboratório, sozinho, e pensei na vida. Soou um toque estridente, era a campainha da escola, entrei no laboratório um pouco desajeitado porque atrás de mim estava um colega da minha turma a tentar fazer com que eu caísse. Seria uma risota geral se assim fosse. Já durante a aula, enquanto pegava num gobelé, alguém me empurrou e deixei-o cair, talvez fosse sem querer, ou talvez não…só sei que fui criticado, gozado e mal tratado, no entanto, não liguei a isso e fui à procura de uma vassoura e de um apanhador. Quando os encontrei, comecei a limpar a porcaria que tinha feito. Os meus colegas começaram a chamar-me varredor de rua, como se de uma profissão menos digna se tratasse. Voltei a não fazer caso e continuei a limpar, no entanto, quando acabei, alguém com o objectivo de me rebaixar ainda mais voltou a deitar tudo para o chão. A professora, que parecia ser simpática, obrigou-o a limpar. Ao sair da sala de aula, o “tal” alguém que, durante a aula, teve a ideia de voltar a deitar os vidros todos para o chão, agarrou-me e começou a agredir-me. Acho que sai dali só com dois hematomas, nada de mais. O que até nem foi muito mau. No intervalo, sentei-me ao lado de uma árvore e comecei a imaginar um mundo perfeito, um mundo parecido com o daquele sonho. Cheguei a casa, depois de mais um dia normalíssimo, e sentei-me à mesa para jantar. Observei a data do dia na televisão… era 10 de Dezembro de 1948 e uma notícia fez-me acordar, um brilho nos olhos compareceu, senti o cheiro a liberdade, a justiça, a um mundo bem melhor. Saí à rua e, como se de um sonho se tratasse, consegui sentir que algo tinha mudado. Metaforicamente, as portas da prisão tinham sido abertas e sabia que todo o mundo agradecia nesse instante… O título da notícia era “Foi criada a Declaração Universal dos Direitos Humanos”. Abel Nicolau, n.º 8044, do 10.º S 5