SONIA REGINA MARTIM A ESCOLA SECUNDÁRIA E A CIDADE: Osasco, anos 1950/1960 Doutorado em Educação: História, Política, Sociedade Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo, 2006 Livros Grátis http://www.livrosgratis.com.br Milhares de livros grátis para download. SONIA REGINA MARTIM A ESCOLA SECUNDÁRIA E A CIDADE: Osasco, anos 1950/1960 Tese de doutoramento apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Educação: História, Política, Sociedade, sob a orientação do Professor Doutor Kazumi Munakata Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo, 2006 BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ I RESUMO Este trabalho resgata a história da escola secundária em Osasco, que nasceu em 1950, no período noturno do prédio em que funcionava o Grupo Escolar Marechal Bittencourt, discutindo as relações que se estabeleceram entre a escola, seus sujeitos e os movimentos sociais vivenciados à época. A autora privilegiou o "movimento autonomista" de Osasco, que se desenrolou na década de 50 até a instalação do município em 1962, e o "movimento estudantil" secundarista nos seus desdobramentos locais; o "movimento operário" foi tratado apenas no âmbito das relações que este manteve com a escola, uma vez que esse tema já foi alvo de vários estudos. Em síntese, procurou-se estabelecer as relações entre a escola conhecida, ainda hoje, como Ceneart e a sociedade em que se insere. Palavras-chave: Osasco; movimento autonomista; movimento estudantil; movimento operário; escola secundária II ABSTRACT This work reviews the Osasco's secondary school history, starting from 1950, in the night shift of the building where Grupo Escolar Marchal Bittencourt was established, discussing the relationship between school, its subjects and social movements experimented in those days. The author gives primacy to Osasco's "autonomist movement" that developed in the 50's until the installment of the municipality, in 1962, and secondary school "student movement" in its local unfolding; "workmen movement" is dealt with only in the bounds of the relations it maintained with school, for this theme has been the target of many researches. Synthetically, the goal is to show the relationship between the school today know as "Ceneart" and the society where it is inserted. Keywords: Osasco; autonomist movement; student movement; workmen movement; secondary school III In memoriam, a Ubirajara Coutinho, que primeiro acreditou. IV AGRADECIMENTOS Para que um trabalho de pesquisa se realize, precisamos contar com a colaboração, o acompanhamento, o apoio, a atenção e o incentivo de diversas pessoas, que, de uma forma ou de outra, nos apontam os caminhos que podemos e devemos percorrer. Agradeço a todos aqueles que direta ou indiretamente me possibilitaram a realização desta investigação. Ao meu orientador, professor doutor Kazumi Munakata, por ter me aceitado na metade do caminho e ter conseguido me dar um novo rumo, por ter tido paciência e tolerância e por ter me entendido e apoiado diante de todos os percalços que vivenciei nesse período. Aos professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, especialmente ao ex-docente do Programa, professor doutor Luiz Carlos Barreira, que iniciou esta busca comigo. Aos funcionários do Ceneart, especialmente a diretora, professora Neiva Pereira Cruz da Silva, a vice-diretora, professora Maria de Fátima Cardoso Ramires, a ex-vice-diretora, Celly de Rosset Médici, e em particular às funcionárias Jerusa Barbosa da Silva e Rosalina dos Santos, que facilitaram meu acesso constante ao acervo daquela escola. V A todos que contribuíram com suas memórias e deram muito de si na descoberta e na apropriação dos diversos dados, especialmente a Eduardo Rodrigues, à professora Helena Pignatari Werner, a João Gilberto Port, a Gabriel Roberto Figueiredo e a Francisco Rossi de Almeida. Um agradecimento especial à amiga Márcia Duram, pelo acompanhamento na elaboração do texto e pelo apoio e incentivo em todos os momentos. A meu filho Thales, que, apesar da pouca idade, soube compreender. A minha mãe, pela cumplicidade. VI SUMÁRIO INTRODUÇÃO, 1 CAPÍTULO I: O COLÉGIO, 15 CRESCE A PERIFERIA DA CAPITAL: surgem novas camadas suburbanas, 16 O GINÁSIO ESTADUAL DE OSASCO: a escola para poucos se instala no subúrbio, 22 O COLÉGIO ESTADUAL ANTONIO RAPOSO TAVARES: a difusão dos ginásios traz consigo os colégios, 37 A INSTALAÇÃO DO PRÉDIO PRÓPRIO PARA O COLÉGIO, 47 CAPÍTULO II: O MOVIMENTO AUTONOMISTA, 54 FORMAÇÃO DA SOCIEDADE AMIGOS DO DISTRITO DE OSASCO (SADO): o primeiro plebiscito e a vitória do "não", 55 A ESCOLA SECUNDÁRIA E O MOVIMENTO AUTONOMISTA: o segundo plebiscito, os sujeitos, a escola e o movimento, 69 UMA LONGA JORNADA PELO RECONHECIMENTO DO MUNICÍPIO: após a luta pelo reconhecimento da autonomia, o bairro vira cidade, 80 CAPÍTULO III: ESTUDANTES/OPERÁRIOS/POLÍTICOS/MILITANTES, 87 A INSTALAÇÃO DE UM ORGANISMO POLÍTICO ADMINISTRATIVO: a Prefeitura e a Câmara de Vereadores, 88 VII DA CONVIVÊNCIA ESCOLAR PARA AS ENTIDADES ESTUDANTIS:o Grêmio, a UEO e o CEO, 94 ESTUDANTES SECUNDARISTAS NA LUTA CONTRA A DITADURA, 104 CONSIDERAÇÕES FINAIS, 111 BIBLIOGRAFIA, 114 Anexo 1: Depoimento de Eduardo Rodrigues (8/7/04), 119 Anexo 2: Depoimento de Francisco Rossi de Almeida (29/8/05), 124 Anexo 3: Depoimento de Gabriel Roberto Figueiredo (7/9/05), 132 Anexo 4: Depoimento de Helena Pignatari Werner (19/5/04), 144 Anexo 5: Depoimento de João Gilberto Port (8/7/04), 188 Anexo 6: Livros do "Arquivo Morto" do Ceneart (1950-1960), 211 VIII INTRODUÇÃO Este trabalho visa resgatar aspectos da história da educação secundária na cidade de Osasco (SP), principalmente aqueles em que a escola e seus sujeitos envolveram-se em ações de movimentos sociais, e procura avaliar as implicações dessa combinação. Apesar dos esforços empreendidos nesta pesquisa, tenho clareza que ainda restam lacunas; Espero que este trabalho suscite interesse por novas pesquisas que complementem os espaços que, porventura, permaneceram. O Ceneart, estudantes e docentes Em seu livro Abraços que sufocam, o jornalista osasquense Antonio Roberto Espinosa, que foi militante das organizações Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VARPalmares) e preso político durante quatro anos (1969-1973), usa a seguinte frase para citar um companheiro: "[...] meu colega de Ceneart, de Cobrasma, de Gcan 90 e de entusiasmos José Campos Barreto" (Espinosa, 2000:38). Zequinha Barreto (como José Campos era conhecido), militante da VPR, morreu ao lado do Capitão Lamarca em 1971. Foi colega de Espinosa nos três importantes espaços de convivência dos jovens de Osasco nos anos 60: • a primeira escola secundária pública instalada na localidade, normalmente referida como "Ceneart", que antes se chamou 1 Ginásio Estadual de Osasco (GEO), Ginásio Estadual Antonio Raposo Tavares (Geart) e Colégio Estadual Antonio Raposo Tavares (Ceart) e só recebeu oficialmente esse nome em 1965, quando ali começou a funcionar o Curso Normal; • a Cobrasma, importante indústria metalúrgica da região, onde trabalhavam muitos jovens operários/estudantes, que foi palco de uma greve de repercussão nacional em 1968, onde Zequinha foi um dos líderes. • o Grupo de Canhões Antiaéreos de 90 milímetros (GCAN 90), no bairro de Quitaúna, que também abrigava a 2ª Companhia Leve de Manutenção (CLM), o 4º Regimento de Infantaria (RI), o 17º Batalhão de Caçadores da Força Pública, o Arsenal de Guerra e o GCAN 40, quartéis onde muitos jovens da região prestaram o serviço militar obrigatório. Esse relato aponta e justifica a idéia de que o Colégio era um lugar onde também ocorriam os colóquios políticos da época, entre os amigos/estudantes/militantes. José Álvaro Moisés, ao examinar o envolvimento da classe média osasquense em ações sociais "com o operariado local e demais grupos", argumenta que esta se dava "pelo cotidiano de sua existência" (Moisés. 1978:382). Acreditamos que esse "cotidiano" a que se refere Moisés acontecia, em grande parte, nas relações escolares, principalmente secundaristas. Neste trabalho, destaco o movimento autonomista que, desde a década de 50, lutou pela independência política do, então, bairro paulistano de Osasco, 2 para o qual conseguiu a condição de município em 1962. Em alguns momentos, esse movimento aparece engajado com o movimento operário, fortemente articulado nos anos 60, e com o movimento estudantil, que no qual se destacava a participação secundarista. A idéia desta abordagem nasceu quando preparava minha dissertação de mestrado, A escola primária em Osasco (1900/1949): da Escola Preliminar Mixta da Estação de Osasco ao Grupo Escolar Marechal Bittencourt (cf. Martim, 2001). Ao realizar a pesquisa em busca das fontes que me possibilitassem conhecer a escola primária osasquense, deparei com o processo nº 62.941/51, da Divisão de Ensino Secundário do Departamento Nacional de Educação do Ministério da Educação e Saúde, que correu de 18 de março de 1951 a 8 de setembro de 1959 e instituiu o "Ginásio Estadual de Osasco – GEO", que nasceu no período noturno do prédio inaugurado em 1949 para abrigar o Grupo Escolar Marechal Bittencourt. Percebi que seria fundamental estender o estudo que vinha realizando para a escola secundária, como forma de tornar o trabalho mais abrangente, além de me permitir explorar outra realidade, não só da escola em Osasco, como também da própria cidade. Pesquisei o arquivo do primeiro ginásio a se instalar no ainda bairro de Osasco, em 1950. O exame dos inúmeros documentos (relação de livros em anexo) existentes no arquivo morto da atual E. E. Antonio Raposo Tavares, ainda conhecido como Ceneart, por vezes, nos levou à exaustão, tanto pela quantidade, quanto pela falta de uma organização formal, mas se tornou excepcionalmente gratificante quando encontramos relatos que dão concretude 3 àqueles sujeitos que, até então, só existiam como nomes, sem materialidade, nas diversas relações existentes. Além de pesquisar prontuários de alunos, professores e funcionários que se apresentam como sujeitos significativos desse trabalho, também colhi informações no depoimento do professor Eduardo Rodrigues, osasquense que ingressou na primeira série ginasial aos 14 anos de idade, em 1957, e até 1965 participou intensamente das atividades desenvolvidas na escola e chegou a ocupar o cargo de diretor do jornal O Bacamarte, editado pelo grêmio estudantil daquela unidade escolar, periódico do qual gentilmente me forneceu dois exemplares. Também entrevistei João Gilberto Port, filho de militar transferido de Pirassununga para uma das unidades do quartel de Quitaúna, em Osasco, em 1953, quando transferiu seu filho para a escola secundária local. Port, que nos revelou detalhes do período de instalação da escola secundária na cidade, ingressou na 2ª série do Ginásio de Osasco no seu segundo ano de funcionamento e permaneceu nessa escola até concluir o curso científico, em 1958. Ele desempenhou importante papel na vida social e política local. Além de ter sido presidente do grêmio da escola e de participar ativamente da campanha autonomista de Osasco, foi eleito vereador, pela UDN, nas primeiras eleições realizadas na cidade, em 1962, sendo reeleito, já pelo MDB, em 1967. Foi ainda vice-prefeito na administração do prefeito Guaçu Piteri (MDB), de 1977 a 1983 e deputado estadual, pelo PDS, de 1983 a 1987 Ocupou os cargos de presidente da Fundação Instituto Tecnológico de Osasco (Fito) nos anos de 1989 e 1990 e de secretário de Esportes da cidade em 1995. 4 Entrevistei, também, Francisco Rossi de Almeida, que, no primeiro semestre de 1954 cursou o 3º ano ginasial na escola secundário de Osasco e depois se transferiu para o Ginásio de Agudos, onde concluiu o curso em 1955. Em 1956, de volta a Osasco, Rossi formou-se em uma escola técnica de contabilidade, em São Paulo e, em 1963, preparando-se para os exames de ingresso na Faculdade de Direito, retornou ao Ceneart para freqüentar o curso clássico. Em 1964, Rossi foi eleito presidente da União dos Estudantes de Osasco (UEO), derrotando Gabriel Figueiredo, para quem havia perdido as eleições no ano anterior e que representava as forças estudantis osasquenses mais à esquerda naquele período. Em 1972, Rossi tornou-se prefeito da cidade pela Arena. Em 1978, elegeu-se deputado federal, tendo ocupado a Secretaria de Esportes e Turismo do estado de São Paulo, entre 1980 e 1981, na gestão do governador Paulo Maluf. Foi deputado constituinte, pelo PTB, eleito em 1986, e voltou a ser prefeito de Osasco entre 1988 a 1991. A partir de então, disputou, sem sucesso, outras quatro eleições: para governador do estado, em 1994; para prefeito de São Paulo, em 1996; novamente para governador do estado, em 1998; e mais uma vez para prefeito da cidade de São Paulo, em 2004. Utilizo ainda o depoimento do dr. Gabriel Roberto Figueiredo, que preferiu receber as perguntas e enviar as respostas por escrito, reunidas em um texto intitulado Estudantes de Osasco, no qual incluiu pequeno histórico de sua vida e sua trajetória política e profissional. Em 1954, Figueiredo mudou-se com sua família para Osasco, onde seu tio, Fortunato Antiório, era dentista e também lecionava Matemática no Ginásio local. Em 1957, ingressou no 1ª ano ginasial dessa escola e, em 1960, foi transferido para o recém-instalado 5 Ginásio Estadual de Presidente Altino, onde concluiu o curso ginasial em 1962. Retornou ao Ceneart em 1963, para cursar o científico, até 1966. Esse médico desempenhou importante papel no movimento estudantil osasquense dos anos 60, pois, além de militante do clandestino Partido Comunista Brasileiro (PCB), presidiu a UEO e foi um dos fundadores do Circulo Estudantil de Osasco (CEO), quando a UEO foi colocada na ilegalidade. Esteve preso no 4º RI de Quitaúna, em abril de 1964. Figueiredo — hoje professor titular de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Puccamp) — foi candidato a prefeito de Osasco, em 1982, em uma das três sublegendas do PMDB, partido que conquistou a maioria dos votos, elegendo o prefeito Humberto Parro e derrotando Francisco Rossi, o qual disputava as eleições como candidato único pela Arena. Figueiredo foi secretário de Saúde de Osasco, presidente da Fundação de Saúde do Município de Osasco (Fusam), de 1983 a 1985, e, em seguida, coordenador dos ambulatórios de saúde mental do estado de São Paulo de 1985 a 1987, na gestão do governador Franco Montoro. Em 2002, recebeu homenagem da Assembléia Legislativa de São Paulo por sua trajetória de lutas em prol dos direitos humanos. Atualmente, é membro da Câmara Técnica de Saúde Mental do Conselho Regional de Medicina do estado de São Paulo (Cremesp). Esse militante nos reforçou a premissa de que o movimento estudantil em Osasco, no início dos anos 60, era essencialmente secundarista: — O movimento estudantil secundarista, no meu tempo (1963/4), em Osasco, foi decisivo. Estudantes universitários praticamente não compunham o quadro de correlação de forças políticas. Foi sob minha direção que a UEO historicamente adquiriu identidade secundarista. Sua 6 direção não foi escolhida nos bastidores elitistas, mas legitimada numa eleição extraordinária que envolveu todas as escolas existentes no recém-criado município. E como não tínhamos escolas superiores na cidade, os poucos universitários foram convocados ao voto democrático, numa urna exclusivamente dedicada a eles. E os melhores, dentre os universitários, despojaram-se da arrogância e acabaram aderindo à nossa liderança. Entre eles, destaco Clovis Gloeden, Antonio Carlos Masotti e, principalmente, Sérgio Zanardi. Os dois primeiros estudantes de economia e o último de Direito (Gabriel Roberto Figueiredo, depoimento por escrito concedido à autora em 7 de setembro de 2005). Também entrevistei a professora de História Helena Pignatari Werner, militante do movimento autonomista, catedrática da escola secundária de Osasco entre os anos de 1954 e 1982 e ativa participante da política osasquense. Mas meu primeiro contato com o Ceneart e seus sujeitos ocorreu com a leitura e análise do processo nº 62.941/51, de 18 de março de 1951, data do início da verificação para a instalação do Ginásio Estadual de Osasco. Nas páginas desse documento, comecei a conhecer os avanços e os recuos caracterizados claramente nos procedimentos de instalação não só do Ginásio, mas também do Colégio em Osasco, que culminaram com a construção de um prédio próprio para o Colégio e Escola Normal Estadual Antonio Raposo Tavares (Ceneart), em 1963. Esse processo me possibilitou (re)construir grande parte do período de formação e consolidação do ensino secundário em Osasco. No caso das entrevistas, recorri à prática de elaborar perguntas de maneira que o entrevistado se sentisse totalmente à vontade ao discorrer sobre suas lembranças e adotei a lógica de que muitas das informações mais importantes poderiam estar mais nas entrelinhas do que nas palavras do 7 relator. Para analisar as entrevistas, assim como os documentos, considerei, sobretudo, estes aspectos: a quem as informações se destinavam, qual a posição social e de subordinação dos relatores e qual o enfoque utilizado — uma vez que qualquer documento, por mais objetivo que pretenda ser ou parecer, representa quase sempre a visão subjetiva e, portanto, parcial de quem o elaborou. Sob a ótica de que, suspeita-se, os documentos escolares não reproduzem literal e fielmente a realidade escolar, procurei, a partir desses mesmos textos, fazer uma releitura, investigando aquilo que porventura se ocultasse por detrás das aparências da realidade dada. O ensino secundário Para entender melhor a escola que é meu objeto de estudo, é preciso lembrar que o ensino secundário no Brasil, durante longo período, resumia-se à aplicação das chamadas "aulas avulsas" e a cursos preparatórios que possibilitavam à elite o acesso aos cursos superiores. Mesmo após a instalação em 1837 da primeira instituição de ensino secundário oficial, o Colégio Imperial de Pedro II — que tinha por objetivo criar um ciclo secundário organizado mediante seriação e disciplinas específicas e com freqüência obrigatória, para servir de modelo à nação —, pode-se afirmar que, durante todo o Império, este nível de ensino manteve-se como ciclo de passagem. Com a proclamação da República e a criação de um projeto civilizador, os republicanos afirmavam que haveria a preponderância [...] das luzes e da razão sobre as trevas e a ignorância. "Alicerce das sociedades modernas, garantia de paz, de liberdade, da ordem e do progresso social"; 8 elemento de regeneração da nação. Instrumento de moralização e civilização do povo (Souza, 1998:26). Para o Estado republicano, a educação está "atrelada à cidadania" e a educação popular passa a ser considerada um elemento propulsor, um instrumento importante no projeto prometéico de civilização da nação brasileira. Nesse sentido, ela se articula com o processo de evolução da sociedade rumo aos avanços econômico, tecnológico, científico, social, moral e político alcançados pelas nações mais adiantadas, tornando-se um dos elementos dinamizadores dessa evolução (Souza, 1998:27). Todavia, apesar do discurso renovador, a escola secundária continua sem um projeto sistemático. A evolução do ensino secundário oficial na cidade de São Paulo encerra características próprias que a distinguem dos rumos percorridos pelo sistema de ensino elementar. No momento em que a escola primária começava a se estender a significativa parcelas da população da Capital, nos primeiros trinta anos deste século, a instrução secundária pública ainda lutava por introduzir um padrão de ensino dotado de organização própria que servisse de modelo para a constituição dos estabelecimentos particulares (Sposito, 1992:41). A Reforma Francisco Campos, com o Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931, e sua consolidação mediante o Decreto nº 21.241, de 4 de abril de 1932, foi outra tentativa de sistematização do ciclo secundário. A nova regulamentação tentava diminuir a possibilidade de o estudante obter qualificação sem freqüência às aulas, pois implantava rotina obrigatória de provas e trabalhos escolares durante todo o ano letivo, assim como exames finais no encerramento deste. Quem não obtivesse média para aprovação ao final dos exames dependeria de exame de segunda época, realizado em fevereiro do ano seguinte. No caso de reprovação em dois anos letivos consecutivos, perdia-se o direito de matrícula nos estabelecimentos de ensino secundários oficiais. 9 Para Francisco Campos, a finalidade do ensino secundário seria a formação do homem para todos os grandes setores da atividade nacional, construindo no seu espírito todo o sistema de hábitos, atitudes e comportamentos que o habilitem a viver por si mesmo e a tomar em qualquer situação as decisões mais convenientes e mais seguras. Muito de propósito atribuo ao ensino secundário a função de construir um sistema de hábitos, atitudes e comportamentos, ao invés de mobiliar o espírito de noções e de conceitos ("Exposição de motivos", Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931). Campos dizia constatar o começo de uma época de transformação e de mudança, que apresentava a cada dia novos e complexos aspectos, exigindose "qualidades, hábitos, processos, atitudes e comportamento de espírito capazes de inquirir, investigar, compreender e orientar no sentido de soluções novas, próprias e seguras" ("Exposição de motivos", Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931). Por isso, dizia ele, a educação de verdade concentra o seu interesse antes sobre os processos de aquisição do que sobre o objeto que eles têm em vista, e a sua preferência tende não para a transmissão de soluções já feitas, acabadas e formuladas, mas para as direções do espírito, procurando criar, com os elementos constitutivos do problema ou da situação de fato, a oportunidade e o interesse pelo inquérito, a investigação e o trabalho em vista da solução própria e adequada e, se possível, individual e nova ("Exposição de motivos", Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931). A "Exposição de Motivos" apresentada por Francisco Campos não deixa dúvidas de que essa reforma procurava imprimir um caráter mais prático e menos erudito ao ensino secundário. Não obstante a consolidação da Reforma Francisco Campos, "a situação do ensino secundário mantinha-se, praticamente, inalterada diante da esmagadora supremacia dos particulares que, em 1936, contavam quarenta ginásio em atividade [no Estado de São Paulo]" (Sposito, 1992:44). 10 No início da década de 40 do século passado, nova reforma foi implantada com o Decreto-Lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942, a Lei Orgânica do Ensino Secundário, que, segundo o ministro Gustavo Capanema, tinha por finalidade: 1. Formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário, a personalidade integral dos adolescentes. 2. Acentuar e elevar, na formação espiritual dos adolescentes, a consciência patriótica e a consciência humanística. 3. Dar preparação intelectual geral servindo de base a estudos mais elevados de formação especial (“Exposição de motivos”, Decreto-Lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942). De acordo com o Decreto-Lei 4.244/42, o curso secundário ficou dividido em dois ciclos distintos: • o ginásio, com duração de quatro anos e abrangendo disciplinas nas áreas de línguas (Português, Latim, Francês e Inglês), de ciências (Matemática, Ciências Naturais, História Geral, História do Brasil, Geografia Geral e Geografia do Brasil) e artes (Trabalhos Manuais, Desenho e Canto Orfeônico); • o colégio, com duração de três anos, subdividido em dois cursos paralelos — o clássico, voltado para a formação intelectual e o estudo aprofundado em filosofia e letras antigas, e o científico, dedicado à formação abrangente nas ciências — e abrangendo disciplinas nas áreas de línguas (Português, Francês, Inglês, Espanhol, Latim e Grego; as duas últimas, exclusivas do curso clássico), ciências e filosofia (Matemática, Física, Química, Biologia, História Geral, História do Brasil, Geografia Geral, Geografia do Brasil e Filosofia) e artes (Desenho, exclusiva do curso científico). 11 Este é o modelo de escola secundária que será instalado em Osasco no início dos anos 50. Segundo Sposito (1992:45), é só a partir de 1945 que se inicia o processo de expansão dos ginásios estaduais na cidade de São Paulo. Até 1933, havia apenas três ginásios públicos no estado de São Paulo: na Capital, em Campinas e em Ribeirão Preto. A partir de 1945, sete novos ginásios foram criados. Em 1950, chegou-se ao total de 12 ginásios estaduais paulistas. O Ginásio Estadual de Osasco foi instituído pela Lei Estadual nº 607, de 1950, e o início de seu efetivo funcionamento data de 1952, quando oficialmente existiam 23 ginásios no estado de São Paulo. Dessa informação, inferimos que a instalação de um ginásio em Osasco fez parte de um processo, dirigido pelo governo estadual, de expansão do ensino secundário. Em 1958, ano em que começou a funcionar outro ginásio — o Ginásio Estadual de Presidente Altino (Gepa) — na região do então bairro paulistano de Osasco, o estado de São Paulo já registrava 91 ginásios criados pelo governo estadual, conforme dados fornecidos por Sposito (1992:47). Essa política de disseminação de ginásios estaria ligada às práticas populistas dos governantes paulistas do período. Esta pesquisa O texto a seguir está dividido em três capítulos e vários subitens. No Capítulo I, procuro mostrar a composição social do então bairro de Osasco no final dos anos 40 e as transformações ocorridas durante a década 12 de 50, quando se instalou a primeira escola secundária pública no local. Em particular, exploro o percurso de consolidação das ações dessa escola até a construção do seu prédio próprio. No Capítulo II, dedico especial atenção ao movimento autonomista osasquense, analisando esse processo desde sua origem, com a fundação da Sociedade Amigos do Distrito de Osasco (Sado), em 1947, até a instalação do município, em 1962. Ponho em destaque o papel que a escola e seus sujeitos desempenharam nessa luta, ao mesmo tempo em que busco entender a influência que esse movimento exerceu nas ações sociais vivenciadas pelos jovens osasquenses da época. No Capítulo III, examino o período de instalação do município de Osasco, no início dos anos 60, e a nova configuração social que se revelou, procurando desvendar as relações entre a escola e seus sujeitos e as ações políticas desenroladas antes e após o golpe militar de 1964. Esclareço que, apesar de adentrar pelo movimento operário, essa não é a ênfase de minha análise, uma vez que, por ter sido palco de uma das mais importantes greves operárias do Brasil, em 1968, esse tema foi objeto de vários estudos. Para encerrar esta introdução, faço três observações. Embora se configure como tantos outros ginásios do subúrbio, o Ceneart parece-me peculiar. Acredito que o aprofundamento do exame das relações entre essa escola secundária e os movimentos sociais seja de grande valia, tanto para a história da escola, quanto da cidade. 13 Neste estudo, procuro perceber os movimentos sociais como toda ação coletiva de caráter contestador, no âmbito das relações sociais, que objetiva a transformação ou a preservação da ordem estabelecida na sociedade e que, deve ser observada com cuidado, pois, [...] geralmente, [trata-se de] um fenômeno coletivo que se apresenta com uma certa unidade externa, mas que, no seu interior, contém significados, formas de ação, modos de organização muito diferenciados e que, freqüentemente, investe uma parte importante das suas energias para manter unidas as diferenças (Melucci, 2001:29). Adoto a narrativa como forma de apresentação. Acredito que tal recurso possibilita demonstrar com maior clareza os vários momentos desse "colar de contas" que é a história do objeto de estudo. Ao narrar algo o narrador vai encadeando casos como contas são presas a um fio para formar o colar. A escolha dos casos e a ordem em que eles são encadeados são potencialmente informativos sobre sentimentos ou convicções enraizadas, que muitas vezes são difíceis de serem expressos claramente. Nem todos os eventos vividos pelo narrador são incluídos na narrativa. Já os escolhidos poderiam ser ordenados conforme se queira (Vaz, Mendes & Maués, 2001). 14 CAPÍTULO I O COLÉGIO 15 CRESCE A PERIFERIA DA CAPITAL: surgem novas camadas suburbanas Até 1962, Osasco — um dos municípios que compõem a Região Metropolitana de São Paulo (também chamada de Grande São Paulo) — não passava de mais um bairro da periferia distante da capital paulista. Seu processo de urbanização começou nos últimos anos do século XIX e no início do século XX, decorrente em parte de um projeto de loteamento executado pelo imigrante italiano Antonio Agu, no seu Sítio Ilha de São João (Oliveira & Negrelli, 1992:7) — mais precisamente, quando, em 1895, esse negociante construiu uma estação de alvenaria para a parada do trem na linha férrea da Sorocabana que cruzava essas terras desde 1874 (Werner, 1981:49). Além da estação de trem, que recebeu o nome de Osasco em homenagem à sua terra natal, Agu participou de diversos investimentos na localidade, como a transformação de uma olaria em fábrica de cerâmica (arrendada ao barão francês Evaristhe Sansaud de Lavaud), a instalação de uma fábrica de tecidos (com o italiano Fiorino Beltramo) e a instalação de uma fábrica de papelão (em sociedade com o italiano Narciso Sturlini). Essa combinação da estação ferroviária com as indústrias locais — que também se beneficiavam da parada do trem — atraiu uma leva de imigrantes (principalmente italianos) que, com a derrubada dos cortiços do centro da cidade de São Paulo, buscavam comprar imóveis em prestações acessíveis, mesmo que, como moradia, ficassem distantes do centro da capital. Apesar de, no início do século XX, haver muitas habitações coletivas no centro paulistano, a legislação municipal já estabelecia uma série de restrições a esse tipo de ocupação. A lei de zoneamento urbano excluía casas para operários e estabelecia uma série de exigências que inviabilizavam essas habitações. Isso, de acordo com Rolnik (1999:36-37), levava os imigrantes a procurar instalações em regiões mais periféricas da cidade. No cenário 16 urbanizado e progressista que a elite cafeeira de São Paulo propunha-se a criar, era preciso excluir os pobres, porque, sobretudo os que exibiam a imagem fortemente estigmatizada do imigrante, representavam as doenças e a imoralidade que deveriam ser rejeitadas (Rolnik, 1999:41). A equação era até bem simples do ponto de vista da classe dominante: a fim de promover a limpeza, bania-se a promiscuidade com a qual o imigrante era identificado. Afinal, ele não se enquadrava na nova imagem proposta — moderna e civilizada (cf. Rolnik, 1999:37). É dentro desse contexto que irão proliferar os bairros populares na periferia da cidade. Em geral, eram constituídos a partir de chácaras que, depois de loteadas, passavam a compor pequenos núcleos urbanos. Nessas áreas, as normas legais estabelecidas para a conformação dos lotes não eram respeitadas, e bastava que a localidade dispusesse de alguma forma de acesso à região central de São Paulo para que o investimento imobiliário fosse garantido (cf. Rolnik, 1999:60). Assim surgiu o primeiro núcleo de habitantes da vila que se forma em torno da Estação de Osasco. Com o tempo, também se instalaram na região o Frigorífico Wilson (em 1915) e a fábrica de Fósforos Granada (em 1920). Além disso, lá foi implantado (em 1922) o Complexo Militar de Quitaúna. A conjunção desses dois fatores — o industrial e o militar— serviu para dar vida ao comércio local; e, sobretudo, o operariado obrigou a expansão territorial dos núcleos já existentes, pois, embora muitos operários residissem na capital, outros muitos passaram a habitar na própria região. Esses novos contingentes demográficos eram, em sua maioria, constituídos por italianos ou seus descendentes diretos, o que teria ocasionado, em certa época, a formação de uma "atmosfera" italiana em Osasco (Azevedo, dir., 1958:98). Apesar de todo o desenvolvimento, a vila, em sua infra-estrutura, ainda era muito precária. Até 1923, toda a iluminação era feita a lampião de querosene. Não havia estradas pavimentadas e, além do trem, os meios de transportes — carroças, charretes e cavalos — eram poucos e lentos. O comércio local concentrava-se, quase todo, na Rua da Estação. 17 Em 31 de dezembro de 1918, por força da Lei Municipal nº 1634, Osasco foi elevada à categoria de distrito do município de São Paulo e passou a contar com as primeiras instalações de repartições públicas, como o Cartório de Paz. O fato desencadeou acirrada luta entre os líderes políticos locais pelo domínio e pela ocupação desses espaços e cargos (cf. Martim. 2001:57-78). A disputa culminou com o assassinato de João Baptista, filho de Julio de Andrade Silva, um dos chefes políticos do distrito. No final da década de 30, não se podia mais definir Osasco como um bairro essencialmente italiano. Com as imigrações ocorridas após a I Guerra Mundial e com as migrações que se deram internamente, os italianos, apesar de ainda serem em maior número, compunham apenas 36,75% da população local, em 1938 (cf. Martim. 2001:110). Além dos bairros de Presidente Altino, que se estabeleceu em torno do Frigorífico Wilson, e Quitaúna, que se formou ao redor das instalações militares, foi nesse período que começam a surgir novas áreas habitadas nos arredores da região central, como Vila Mutinga, Jardim Piratininga, Bela Vista e Km 18 (cf. Escritório de Planejamento Integral de Osasco, 1986:20). Conforme o Censo de 1940, Osasco contava com 15.258 habitantes. Sua base econômica era a indústria, setor no qual se destacavam a Companhia Cerâmicas Hervy (com 230 operários), a Fábrica de Tecidos Beltramo (300 operários), o Frigorífico Wilson, a Fábrica de Papelão e a Fábrica de Fósforos Granada, além de pequenas olarias (cf. Alexandre, 1939:22). Só a partir da década de 40 constata-se incremento significativo da população local, também composta a essa época por migrantes nordestinos, que vinham buscar trabalho nas grandes indústrias que começavam a se instalar na região, como a Eternit em 1941, a Cobrasma em 1944 e a Cimaf em 1946 (cf. Dias, 1995:49). Cabe ressaltar que a instalação de novos ramos de produção industrial (que até então se restringia aos bens de consumo) não ocorreu apenas em Osasco. Esse processo fez parte das transformações econômicas vividas no Brasil durante a II Guerra Mundial, que impulsionaram o 18 crescimento da produção industrial brasileira. O crescimento urbano, resultante da intensa industrialização nas regiões periféricas da cidade de São Paulo, criou sérios problemas, principalmente nos bairros que, antes, já não dispunham de infra-estrutura adequada, como era o caso de Osasco. Surgem novos loteamentos, quase sempre irregulares, em localidades distantes da região central do bairro. Essa nova periferia não conta com serviços de luz, água e transporte nem com os benefícios urbanos que caracterizavam o centro ocupado pelos primeiros imigrantes — que, nesse contexto urbano, ganham a condição de elite na localidade. Diante das dificuldades decorrentes da precariedade dos meios de transporte, a população dessa nova periferia ficava obrigada a se abastecer no comércio local, ou seja, no comércio instalado no centro de Osasco, quase totalmente controlado pelos descendentes dos primeiros habitantes. É importante ressaltar que a essa elite — composta na maioria por comerciantes, profissionais liberais e pequenos empresários, moradores na região central de Osasco no final da década de 40 — não se integravam os grandes empresários e proprietários das indústrias de grande porte que se instalavam na região. A população osasquense, naquele período, era formada por uma camada "[...] relativamente jovem, de origem heterogênea, migrantes recentes, de condições econômicas humildes, devido seu baixo nível educacional e profissional", e, nessas condições mister é considerar as origens do próprio município, como extensão dos bairros de periferia da Capital, a fim de compreender a estratificação social da população, onde predomina a classe operária e a baixa classe média, representada por comerciantes e funcionários públicos, com ausência quase completa de estratos sociais com poder aquisitivo mais elevado (Rautner, 1974:132). Em sua obra Subúrbio, José de Souza Martins afirma: A história local não é necessariamente o espelho da História de um país e de uma sociedade. A história local não é nem pode ser uma história-reflexo, porque se o fosse negaria a mediação em que se constitui a particularidade dos processos locais e imediatos e que não se repetem, nem podem se repetir, nos processos 19 mais amplos, que com mais facilidade poderíamos definir como propriamente históricos (Martins, 1992:12). O autor argumenta que a história do subúrbio é local e cotidiana e, portanto, "circunstancial". É na junção dos fragmentos da circunstância que se encontra sua historicidade, ou seja, é "nessas mediações dos fragmentos [que se encontra] o sentido do que não tem sentido [quando fragmentado]" (Martins, 1992:13/14). Dessa circunstancialidade resulta que a história dos subúrbios produz em grande escala a história dos coadjuvantes. Em outras palavras, a história dos primeiros: o primeiro nascimento, o primeiro enterro, o fundador, o primeiro alfaiate, a primeira parteira, o primeiro artesão a fazer caixões de defunto, o dono do primeiro automóvel [em que, porém, esse "coadjuvante" ocupa o papel de] inaugurador de uma era histórica, uma inovação social. Mas, no fundo, inaugurador que inaugura o já inaugurado (Martins, 1992:14). Osasco, na condição de região periférica ou suburbana da cidade de São Paulo, não foge a essa premissa. Foram esses "primeiros" que se acomodaram na região central do bairro, formaram a elite local e que, por serem "os primeiros", ocuparam as terras centrais, região onde se desenvolveu a atividade comercial e que se tornou mais valorizada. O surgimento da indústria metalúrgica pesada contribuiu para tornar Osasco importante como núcleo operário. Mas, aliado a outros fatores, o crescimento industrial trouxe também o crescimento da população e, em decorrência, os loteamentos irregulares e a carência de serviços urbanos, além de modificações no mercado de trabalho relacionadas à aceleração da industrialização. Para os trabalhadores, essas transformações refletiram-se em migração de zonas rurais para zonas urbanas e carestia. Foi também a partir da intensificação do ritmo de industrialização dos anos 40 que as classes populares começaram a se organizar "através de organismos elementares, como a Sociedade dos Amigos de Bairro, Cooperativas de Consumo e Clubes de Recreação" (Moisés, 1978:182). 20 À época, apesar das similitudes com as regiões periféricas da cidade de São Paulo, [se], por um lado, Osasco é semelhante, na sua constituição e crescimento, aos demais bairros operários e subúrbios industriais de São Paulo, por outro lado, pela ação e experiência concreta dos contingentes operários que para lá se dirigiram, tornou-se um caso excepcional [porque] a concentração de novas indústrias e o crescimento do bairro vêm acompanhados do Movimento Autonomistas gerador de um localismo que perdurará até o fim dos anos sessenta, sobretudo nas lutas dos seus trabalhadores-estudantes (Rizek, 1988:1-2). Esse período marca a consolidação das esferas políticas associada às práticas populistas, que necessariamente estavam ligadas às transformações decorrentes do processo de industrialização e de um modelo de participação política das massas. A propósito, Walmsley (1992:23) lembra que Adhemar de Barros dera origem ao populismo paulista e já no início dos anos 40 demonstrava "seu talento para estabelecer um contato direto com a população", mas também inaugurara "um estilo de administração marcado pelo assumido desprezo em relação aos padrões éticos" que caracterizaria o populismo — tanto o adhemarista, quanto o janista, das décadas de 40 e 50 —, além da falta de clareza ideológica, uma vez que acordos políticos eram sistematicamente rompidos e refeitos conforme as necessidades de momento. 21 O GINÁSIO ESTADUAL DE OSASCO: a escola para poucos se instala no subúrbio O primeiro prédio público construído para servir de escola em Osasco foi inaugurado pelo governador Adhemar de Barros, em 3 de agosto de 1949. Destinava-se a abrigar o Grupo Escolar Marechal Bittencourt, que, desde 1925, funcionava no velho casarão da rua Primitiva Vianco — construído pelo barão Evaristhe Sansoud de Lavaud, em 1903, quando esse francês era sócio da Cia. Cerâmica de Osasco — e que fora adaptado como instalação escolar quando se unificaram as seções masculinas e femininas das Escolas Isoladas de Osasco, o que resultou nas Escolas Reunidas de Osasco, provavelmente em 1922 (cf. Martim, 2001:82). Durante quase três décadas, essa única escola pública local ocupou um prédio de cinco salas, assim distribuídas: uma sala central com porta de entrada pela frente e pelos fundos, o que permitia que fosse dividida por armários, servindo a parte da frente como diretoria e a parte dos fundos como sala de aula; e duas salas em cada lateral, de maneira que, vista pela lateral, a planta do prédio lembrava o traçado de um jogo de amarelinha (dois cômodos paralelos, um central, dois paralelos). As condições de funcionamento desse prédio sempre foram precárias. A sala central não dispunha de janelas. Os cinco banheiros, que se localizavam nos fundos do terreno, ainda funcionavam em sistema de latrinas e fossa e 22 serviam a todos os estudantes da escola — que, em 1949, funcionava em três períodos, com média de 48,61 jovens por classe, contabilizando-se cerca de 730 alunos, mais professores e funcionários, para cinco sanitários (cf. Martim, 2001:130). Diante das condições em que se encontravam as instalações dessa escola, o prédio inaugurado em 1949 representava o início de uma nova situação para a escola pública em Osasco. A edificação seguia o modelo de prédios escolares do período, com planta em forma de U, sendo a parte central do corredor da frente destinada às instalações administrativas (diretoria, secretaria, gabinete dentário, biblioteca, sala dos professores e banheiro para funcionários). Cada lateral comportava cinco salas, duas na parte frontal e três nas laterais, num total de dez salas de aula, todas com amplas janelas a leste e corredores a oeste. Nos fundos, um pátio com bebedouros, banheiros (azulejados e com chuveiros) masculino e feminino e, em uma das extremidades, um palco coberto, com coxia. Logo após a inauguração do prédio, a Lei Estadual nº 607, de 2 de janeiro de 1950, criou o Ginásio Estadual de Osasco. A exemplo de tantos outros ginásios implantados naqueles tempos, este funcionaria no período noturno do prédio que abrigava o Grupo Escolar durante o dia. Duas medidas, nesses primeiros anos, possibilitaram ao Estado a disseminação dos cursos ginasiais, inexistentes até 1945: os cursos noturnos e as secções. A reiterada utilização desse recurso permitiu a oferta de maiores oportunidades de acesso à escola ginasial pública, em poucas décadas, criando condições favoráveis à gradual transposição do caráter seletivo que acompanhava a formação secundária até esse momento (Sposito, 1992:47). 23 Cabe lembrar que à época a escola secundária era vista como o marco divisor entre a educação das elites e a educação popular, fato que só será alterado a partir da Lei de Diretrizes e Bases de 1961 e que só desaparecerá em 1971, com a Lei de Reforma do Ensino de Primeiro e Segundo Graus (cf. Sposito, 1992:11). A partir de 1945, "nas regiões urbanas das áreas mais desenvolvidas do país", houve intenso crescimento de escolas secundárias oficiais, o que imprimiu "a estes ramos de escolaridade e, por isso mesmo, ao sistema de ensino como um todo, características inteiramente diversas" (Sposito, 1992:15), transformando-se a instrução secundária em prolongamento da escolaridade elementar e obrigatória. Empreendida como tarefa do Estado, a expansão da rede ginasial ocorreu em condições contraditórias, não só pela ausência de recursos que a realizassem de modo satisfatório ou pela coexistência de orientações conflitantes nos setores ligados à educação em São Paulo, como pela forte pressão das camadas populares que a exigiam (Sposito, 1992:16). A lei que criou o Ginásio Estadual de Osasco data de janeiro de 1950, mas seu processo de instalação só começou em 18 de março de 1951, quando o técnico de educação Joel Aguiar, da Secretaria da Educação de São Paulo, enviou ofício à diretora de Ensino Secundário do Ministério da Educação, Lucia Magalhães, no Rio de Janeiro, solicitando autorização para se realizar o processo de verificação prévia do funcionamento condicional do curso, com a proposta de que este se efetivasse ainda em 1951, com a transferência de alunos de outros estabelecimentos, o que iniciou o processo nº 62.941/51. 24 Em seu artigo 2º, a Lei nº 607/50 ressalvava que o funcionamento do ginásio dependia de "oferta ao Estado, por parte do Município interessado, ou por intermédio da população ou qualquer entidade ou pessoa, do respectivo edifício, com toda a instalação e aparelhamento necessário, de acordo com a legislação do ensino". O prédio a ser utilizado seria o do Grupo Escolar, e o prefeito paulistano Armando de Arruda Pereira, pr meio do Ofício 444/51-A, de 8 de março de 1951, concedeu os demais materiais necessários (cf. processo nº 62.941/51, f. 2). Ao final de vários trâmites burocráticos, em 5 de julho de 1951, a titutlar da Diretoria de Ensino Secundário emitiu o seguinte parecer: "Considerando o adiantado do ano letivo, opino por que seja arquivado o presente processo. Maria José O. Imperial, Chefe da SPAE" (processo nº 62.941/51, f. 8) Mesmo diante de todas as dificuldades para a instalação do curso ginasial, em 29 de janeiro de 1951 a Lei nº 968 já autorizava o estabelecimento a funcionar como Colégio. À época, Osasco contava com dois estabelecimentos particulares de ensino: o Colégio Nossa Senhora da Misericórdia, destinado a meninas e fundado por freiras em 1943, que, em dezembro de 1951, realizou os primeiros exames de admissão ao curso ginasial, com a aprovação de 23 alunas, e em 1952 deu início a esse curso (cf. Osasco, Câmara Municipal, requerimento nº 2.648, de 1983); e o Colégio Técnico Duque de Caxias, para meninos, fundado em 8 de maio de 1950 (cf. Município em Marcha, nº 85, 25/8/71), que oferecia o Curso Técnico de Contabilidade. Percebe-se que só após a publicação da lei que criou o Ginásio 25 Estadual em Osasco, em janeiro de 1950, surgiram opções de ensino secundário em escolas particulares locais. Em depoimento à autora, a professora Helena Pignatari Werner observa que, até aquele período, somente continuavam seus estudos, além do curso primário, "aqueles moradores da região central de Osasco, quer dizer, os filhos da burguesia" — ou seja, a parcela da população que podia arcar com os custos da mensalidade escolar e dispunha do tempo necessário para o trajeto até a escola, que normalmente era feito de trem. A professora descreve como foi sua própria vida escolar após concluir o curso primário, no Grupo Escolar de Osasco: — Depois eu fui para o Ginásio Perdizes, porque era o ginásio mais próximo da Estação Barra Funda, e nós viajávamos pelo subúrbio, descíamos na Barra Funda e íamos a pé até a Avenida Água Branca, onde ficava o Ginásio Perdizes. Tinha a Vera, minha irmã, tinha o Jarbas Milani, a esposa do Tidinho, que era Milani, não lembro o nome dela agora. Era um grupo de adolescentes que tomava esse subúrbio toda manhã, ia até Perdizes. [O curso] era no período da manhã, mas nós tínhamos Educação Física e outras práticas à tarde. Era comum ficarmos o dia inteiro em São Paulo, porque Osasco era subúrbio. Então, nós fazíamos essa via crucis com muita disposição, gostávamos muito. [Havia muitos que] também viajavam de Carapicuíba, Barueri. Encontrávamos no trem, então, a amizade que nós tínhamos com a família Guerra, por exemplo, que era de Barueri. Era amizade do trem, e muito namoro aconteceu, e muito casamento aconteceu mais tarde, entre Barueri e Carapicuíba, Osasco, Presidente Altino, porque a turminha ia de trem. E quem viajava também pelo subúrbio eram os filhos do chefe da estação de Carapicuíba, sr. Osmar. Um era o Tutu (chamava-se Valdemar de Barros), o irmão dele mais velho, agora não 26 me lembro o nome, porque é a geração da Vera. Tinha a geração que tinha sido da Othélia e da Tecla, a geração da Vera e a minha geração que eram os menores (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à autora em 19/5/2004; Othélia, Tecla, Vera e Helena são irmãs, e Helena é a caçula). Ao final de 1951, reiniciaram-se os procedimentos a fim de instalar o Ginásio Estadual de Osasco em 1952. Os cargos, tanto de professores, como de funcionários — um diretor, um secretário, 13 professores (de Português, Francês, Inglês, Matemática, Ciências, História, Geografia, Desenho, Canto Orfeônico, Trabalhos Manuais masculinos e femininos, Educação Física masculina e feminina) —, necessários ao funcionamento da escola foram criados pelo governo estadual por meio do Decreto nº 20.984-B, de 29 de novembro de 1951. Enfim, a 11 de fevereiro de 1952, foi designado o inspetor João Penido Monteiro Sales para proceder à verificação prévia do Ginásio Estadual de Osasco e para autorizar seu funcionamento condicional. Em 19 de fevereiro do mesmo ano, Monteiro Sales teve autorização para conduzir os exames de admissão ao Ginásio ((cf. processo 62.941/51. f. 12). Durante os procedimentos das matrículas para o Ginásio em 1952, o inspetor verificador impugnou os pedidos para as terceiras e quartas séries ginasiais, "alegando falta de sala especial para Ciências Naturais, com paredes revestidas de azulejo, com instalações especiais, etc.". A titular da Diretoria de Ensino Secundário opinou pelo atendimento das solicitações, em caráter condicional, por "haver precedentes desse tipo", e permitiu, assim, que se mantivessem as matrículas em todas as séries do curso (cf. processo 62.941/51, f. 23/24). 27 As condições materiais do Colégio Ao referir-se a duas portarias do Ministério da Educação e Saúde, de 1932 e de 1946, Marília Sposito comenta: A lista de itens a serem observados na classificação dos estabelecimentos [...] era extremamente minuciosa. Além dos itens relativos às condições topográficas do terreno, características e dimensões do prédio, salas de aula, pátios, etc., eram inspecionados, também, o número e a qualidade do material didático existente em cada estabelecimento. Atribuíam-se pontos pelo número de livros que a escola possuísse nas bibliotecas (eram previstos escores até para o número de livros da biblioteca de línguas), pelo volume de instrumentos e material de uso nos laboratórios e, até, pelos recursos utilizados para aulas de Educação Física como apitos, bolas, bastões, etc. (Sposito, 1992:52). Segundo essa classificação, os ginásios recebiam a seguinte categorização: "sofrível" de 1.200 a 1.400 pontos; "regular", de 1.401 a 1.500 pontos; "bom", de 1.601 a 1.800 pontos; e "excelente", de 1.801 a 2.000 pontos (cf. Sposito, 1992:52). De acordo com esse critério, o Ginásio Estadual de Osasco enquadrava-se na categoria de "regular", de acordo com a avaliação apresentada pelo inspetor João Penido Monteiro Salles (ver Quadro 1, a seguir). O Ginásio funcionaria em regime de externato para freqüência masculina e feminina, no horário das 18:50h às 22:50h, porque, durante o dia, o Grupo Escolar funcionava com 450 alunos em cada um dos três períodos – das 7:40h às 10:40h, das 10:40h às 13:40h e das 13:40h às 17:40h (cf. processo 62.941/51, f. 37). Em nota, o Inspetor verificador informa ainda que, além do Ginásio, funcionaria no período noturno o Curso de Educação para Adultos, com 80 alunos, e um curso do Serviço Social da Indústria (Sesi), com 60 alunos. 28 Quadro 1 Avaliação do Ginásio Estadual de Osasco apresentada pelo inspetor João Penido Monteiro Salles ELEMENTOS DA FICHA DE AVALIAÇÃO Coeficiente Nota Pontos Divisão I: Locallzação (250 pontos) 1. Salubridade 4 10 40 2. Ausência de ruídos 2 10 20 3. Ausência de perigos 4 10 40 4. Causas perturbadoras da atenção 4 10 20 5. Natureza e permeabilidade do terreno 1 10 10 6. Regularidade de terreno 1 10 10 7. Área coberta para recreio e abrigo 2 5 10 8. Área livre 9 7 63 Total da Divisão I Divisão II: Edifício (300 pontos) 9. Disposição interna 9 10 90 10. Situação 3 10 30 11. Número de pavimentos 2 10 20 12. Material e conservação 7 10 70 13. Entradas 3 10 30 14. Escadas e corredores 6 10 60 Total da Divisão II Divisão III: Instalações (450 pontos) 15. Extintores de incêndio 5 2 10 16. Caixa d'água 9 10 90 17. Instalação para limpeza do prédio 4 9 36 18. Bebedouros 9 9 81 19. Lavatórios 9 9 72 20. Gabinetes sanitários 9 5 45 Total da Divisão III Divisão IV: Salas de Aula (500 pontos) 21. Número 3 00 00 22. Área 9 10 90 23. Forma 3 10 30 24. Isolamento 3 10 30 25. Quadros-negros 3 10 30 26. Pintura 3 10 30 27. Área de iluminação 9 10 90 28. Disposição das janelas 4 10 40 29. Acústica 4 10 40 30. Carteiras 8 10 80 31. Móveis diversos 1 10 10 Total da Divisão IV Divisão V: Salas Especiais (500 pontos) 32. Auditório 5 10 50 33. Biblioteca 6 00 00 34. Sala de Geografia 5 0,5 2,5 35. Sala de Línguas Vivas 4 00 00 36. Sala de Ciências 9 3 27 37. Sala de Desenho 7 00 00 38. Sala de Trabalhos Manuais 4 0,5 2,5 39. Sala de Professores 3 8 24 40. Sala de Administração 7 8 56 Total da Divisão V Total da Ficha Básica Fonte: Processo 62.941/51, f. 27v. Total % 40 20 40 20 10 10 10 63 213 85 90 30 20 70 30 60 300 100 10 90 36 81 72 45 334 74 00 90 30 30 30 30 90 40 40 80 10 470 94 50 00 2,5 00 27 00 2,5 24 56 162 1.479 32 29 Essas atividades reduziam o número de salas disponíveis para o estabelecimento do curso ginasial de dez para sete salas, classificadas conforme o Quadro 2. Quadro 2 "Capacidade Limite máximo da matrícula para cada turno" Salas de Aula Área (m²) Capacidade (alunos) Nº 1 56,60 45 50 Nº 2 56,60 45 50 Nº 3 56,60 45 50 Nº 4 56,60 45 50 56,60 45 50 Nº 5 Nº 6 56,60 45 50 Nº 7 56,60 45 50 Total 361,20 315 350 Fonte: Processo 62.941/51, f. 37. Como se constata no processo 62.941/51, o número de alunos por sala de aula, que era de 45 para o curso primário, altera-se para 50 alunos por sala no curso ginasial. Dentre as doações efetuadas pela Prefeitura de São Paulo e relacionadas na f. 2 daquele processo, verificamos a concessão de 150 carteiras. Apesar de parecer criteriosa, essa situação vem confirmar as condições descritas por Marília Sposito, ao relatar o distanciamento entre a legislação em vigor e a realidade vivida nas escolas públicas do País. Não obstante os documentos legais, introduzindo a classificação material dos estabelecimentos, exprimissem mais um modelo de escola a ser alcançado do que critérios reais que revelassem as condições de seu funcionamento, o distanciamento entre esse modelo e a situação concreta da rede pública tornavase cada vez mais flagrante (Sposito, 1992:53). Instalados em prédios de Grupos Escolares, os cursos noturnos, em especial, tiveram dificuldades para cumprir os requisitos mínimos 30 estabelecidos. Assim, gradativamente, o Ministério da Educação diminuía as exigências que serviam de critérios para classificar as escolas secundárias do País (cf. Sposito, 1992: 53-54). Ainda de acordo com o relatório de verificação (cf. processo 62.941/51, f. 41), o Ginásio Estadual de Osasco, dirigido pela professora Araci Ferreira Leite e mantido pelo estado, funcionaria de acordo com a legislação vigente, ministrando as seguintes disciplinas: Português, Latim, Francês, Inglês, Matemática, Ciências Naturais,História Geral e História do Brasil, Geografia Geral e Geografia do Brasil, Trabalhos Manuais (seção masculina), Trabalhos Manuais (seção feminina), Desenho, Canto Orfeônico, Economia Doméstica (seção feminina), Educação Física (seção masculina), Educação Física (seção feminina). O quadro de professores era assim formado (Quadro 3): Quadro 3 "Corpo docente em exercício" Série Matérias Nome do professor 1ª, 2ª, 3ª Português Miguel Salles 1ª, 2ª, 3ª Matemática Carlos Catony 1ª, 2ª, 3ª Desenho Cecília Maia de Carvalho 1ª, 2ª, 3ª Francês Dagmar de Arnaldo Silva 1ª, 2ª, 3ª História Helena Mendes de Castro 1ª, 2ª, 3ª Geografia Ilka Bruck Lacerda 1ª, 2ª, 3ª Trab. Jarbas Presa Avelar 3ª Ciências Nelson da Silva Barros 1ª, 2ª Inglês Gilberto Rizzo 1ª, 2ª, 3ª Latim Miguel Salles Fonte: Processo 62.941/51, f. 39. Nº de registro ? 8984 15862 F 901 de 14/8/47 15863 15607 15967 11871 D 16281 Proc. 20.037/52 Visto da Secção de Registro Confere Confere Confere Confere Confere Confere Confere Confere ? Ao final do relatório de verificação, encontramos relacionados os materiais necessários e disponíveis para o funcionamento das atividades administrativas e pedagógicas, assim como 15 fotografias (biblioteca, hall de entrada, diretoria, secretaria, gabinete dentário, sala de aulas da parte lateral, 31 corredor da parte interior do prédio, parte posterior do edifício, toalete para alunas, jardim, horta e caixa d'água, pátio interno, pátio, toalete para professoras, toalete para professores, banheiro com chuveiro para alunos) que demonstram as condições das instalações recém-construídas, além da planta do edifício. No ofício que encaminha o relatório de verificação à Diretoria de Ensino Secundário, no Rio de Janeiro, em 23 de abril de 1952, encontramos a seguinte ressalva: Este relatório não pôde ser enviado há mais tempo em virtude de ter ocorrido a dispensa da Diretora que havia sido nomeada para o cargo, sem que até hoje houvesse sido provido novamente. Está, assim, o estabelecimento sem diretor, não tendo ainda sido nomeados todos os professores (processo 62.941/51, f. 76). Mesmo assim, as aulas começaram em 19 de março de 1952, com classes de primeira, segunda e terceira séries do curso ginasial, com a seguinte grade curricular (Quadro 4): Quadro 4 Grade curricular Ginásio Estadual de Osasco 1952 1ª série 2ª série 3ª série Português Português Português Matemática Matemática Matemática Desenho Desenho Desenho Geografia Geografia Geografia Francês Francês Francês Latim Latim Latim História História História Trabalhos Trabalhos — — Inglês Inglês — — Ciências Fonte: Ginásio Estadual de Osasco, Livro de ponto de professores do ano de 1952. 32 Naquele dia, o Livro de ponto dos professores apresenta os seguintes dados (Quadro 5): Quadro 5 Registro no Livro de ponto dos professores Ginásio Estadual de Osasco 19 de março de 1952 Disciplina Séries Nome Português 1as. e 3as. — Matemática 1as., 2as e 3as Carlos Catony Francês 1as Manoel Luiz Moreau Inglês 2as e 3as — Trabalhos masculino 1as e 2as Jarbas Preza Avellar Ciências 3a. Nelson da S. Barros Educação Física, feminina — Educação Física, masculina — Preparadora Nísia Maciel Fonte: Ginásio Estadual de Osasco, Livro de ponto de professores do ano de 1952. E também (Quadro 6): Quadro 6 Registro no Livro de ponto dos professores Ginásio Estadual de Osasco 19 de março de 1952 Assina como diretor Período De 19/03/52 a 04/04/52 De 07/04/52 a 17/04/52 De 18/04/52 a 16/05/52 A partir de 19/05/52 até o final do ano Nome Araci Ferreira Leite Fica sem assinatura Carlos Catony * Passa a ser Helena de Arruda Ramos Nota: * Professor de Matemática que assina como substituto. Fonte: Ginásio Estadual de Osasco, Livro de ponto de professores do ano de 1952. Durante todo ano de 1952, observam-se constantes alterações no quadro dos professores e na direção da escola, o que indica a precariedade do quadro docente apontada no relatório de verificação do inspetor João Penido Monteiro Salles. Apesar das inconstâncias próprias de um período de instalação de curso, observamos que houve a possibilidade de se desenvolverem atividades 33 fora das salas de aulas. Em 11 de novembro 1952, verificamos o registro de uma excursão ao Frigorífico Wilson, com o acompanhamento dos professores Ilka B. Lacerda (Geografia), Luiz D. G. Araújo (Geografia) e Odila Ramos (Trabalhos Manuais); em 25 de novembro, houve outra excursão ao Museu de Arte, com o acompanhamento dos professores Cecília Maia de Carvalho (Desenho), Gilberto Rizzo (Inglês) e Odila Ramos (Trabalhos Manuais). Quanto à instabilidade do quadro docente da escola, relacionamos no Quadro 7 todos os professores que passaram pela escola durante 1952. Quadro 7 Professores Ginásio Estadual de Osasco 1952 Disciplina Professor Miguel Salles Português M. A. Medeiros Amim Aidar Filho Carlos Catony Matemática Vera Giraldes Desenho Cecília Maia de Carvalho Ilka B. Lacerda Geografia Luiz D. Araújo Dagmar de A Silva Francês Manoel Luiz Moreau Miguel Salles Latim M. A. Medeiros História Helena Mendes de Castro Seção Masculina: Jarbas Preza Avellar Trabalhos Manuais Seção Feminina: Jacy Rolim Dias Odila Ramos Inglês Gilberto Rizzo Nelson da Silva Barros Ciências Manoel Luiz Moreau Miguel Salles Preparador Nísia Maciel Seção Feminina: Wandyra Villas Boas Educação Física Seção Masculina: Durval da Silva Zilda Alves Dória Fonte: Ginásio Estadual de Osasco, Livro de ponto de professores do ano de 1952. 34 Pelo Decreto Estadual nº 21.726, de 25 de setembro de 1952, o Colégio Estadual de Osasco passou a denominar-se Colégio Estadual "Antonio Raposo Tavares" (Ceart), fato registrado à f. 270 do processo 62.941/51. Em 27 de maio de 1952 — a despeito de todas as dificuldades apresentadas, embora o artigo 1º da Lei Estadual nº 968, de 29 de janeiro de 1951 (que autorizava o Ginásio Estadual de Osasco a funcionar como Colégio) determinasse que o segundo ciclo só poderia entrar em funcionamento depois de regularizada a autorização federal para o curso ginasial e antes mesmo de concluído o processo de autorização do primeiro ciclo — a Secretaria de Estado dos Negócios da Educação de São Paulo enviou à Diretoria de Ensino Secundário do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro, o ofício 328 no qual informava que o governo paulista pretendia fazer funcionar o segundo ciclo do Colégio Estadual de Osasco em 1953, em período diurno, e solicitava a designação um inspetor federal para proceder à verificação do estabelecimento (cf. processo 62.941/51, f. 95). O governo estadual demonstrava desconhecer as reais condições de funcionamento dessa escola, já que, além do prédio pertencer ao Grupo Escolar Marechal Bittencourt, ali funcionavam três períodos de aulas do curso primário durante o dia. Diante do exposto, o Ministério da Educação e Saúde encaminhou resposta à Secretaria de Educação paulista, informando que solicitara verificação prévia para funcionamento do curso colegial em 1953, em período diurno, mas que o estabelecimento ainda não havia obtido autorização para o funcionamento do primeiro ciclo, porque dependia da indicação do diretor. Além disso, existiam ressalvas com relação à apresentação da lista de docentes, 35 mas, por se tratar de estabelecimento estadual, havia certa tolerância quanto aos prazos determinados. Contudo, enquanto não fosse regularizado o funcionamento do primeiro ciclo, não poderia ser autorizado o segundo ciclo; esse procedimento deveria ser executado posteriormente. Finalmente, por meio da Portaria nº 895, de 30 de setembro de 1952, a Diretoria de Ensino Secundário do Ministério da Educação e Saúde, concedeu autorização para o funcionamento condicional do Ginásio Estadual de Osasco (cf. Processo 62.941/51, f. 105). 36 O COLÉGIO ESTADUAL ANTONIO RAPOSO TAVARES: a difusão dos ginásios traz consigo os colégios Com a autorização do funcionamento condicional para o curso ginasial — apesar das ressalvas —, iniciou-se o processo de verificação prévia para a instalação do segundo ciclo do Colégio Estadual "Antonio Raposo Tavares" (Ceart). Em 22 de outubro de 1952, o Ministério da Educação e Saúde emitiu comunicado que sugeria o encaminhamento do processo ao setor competente, "a fim de designar inspetor para proceder à verificação prévia, para funcionamento do 2º ciclo" (processo nº 62.941/51, f. 106). Em 16 de janeiro de 1953, o Ministério solicitou ainda que o inspetor Alfredo Pereira de Queiroz, encarregado da verificação, informasse "o nome do Diretor e do Secretário; a prova de direito ao uso do prédio e o horário de funcionamento". Como até 2 de março o inspetor ainda não havia tomado qualquer providência, foi substituído pelo inspetor Otavio Teles Rudge Maia (cf. processo nº 62.941/51, f. 108). Este segundo inspetor também não se pronunciou e, em abril de 1954, a Diretoria de Ensino Secundário enviou correspondência ao inspetor regional, solicitando esclarecimentos, o que resultou num documento de cobrança ao inspetor Maia com o seguinte teor: Solicito remessa urgente relatório verificação prévia segundo ciclo Ginásio Estadual de Osasco sediado capital São Paulo fins funcionamento condicional pt Esclareço vosso silêncio não dando conta serviços fostes designado está prejudicando vida estabelecimentos foram confiados pt (processo nº 62.941/51, f. 116). 37 A despeito de todos os trâmites, até novembro de 1954 o relatório de verificação ainda não havia se concretizado. No dia 16 daquele mês, a Inspetoria Federal propôs que, "não tendo sido elaborado o relatório de verificação prévia do Colégio Estadual de Osasco até a presente data, e havendo o inspetor designado solicitado licença, [...] seja indicado novo inspetor" (processo nº 62.941/51, f. 128). Foi designada a inspetora Maria Amália Fortes para proceder à verificação. Em 11 de março de 1955, ela se manifestou nestes termos: Tomo a liberdade de comunicar a V. S. que o Prof. Nilo de Magalhães Ribeiro, Diretor do Ginásio e Colégio Estadual de Osasco "Antonio Raposo Tavares", avisou-me haver perdido no ônibus da linha Aclimação uma pasta em que continha, além de outros documentos, a "Ficha de Classificação" d’aquele estabelecimento que fui encarregada de fazer. Dessa forma, solicito um prazo maior para a entrega da referida "Ficha" em virtude do ocorrido. Maria Amélia Fortes Toledo (processo nº 62.941/51, f. 132). Finalmente, em 28 de março de 1955, a inspetora encaminhou ofício à Inspetoria Seccional de Ensino Secundário, enviando a "Ficha de Classificação" e fazendo as seguintes observações: O estabelecimento funciona em prédio próprio do Estado, em período noturno, construído de acordo com todos os requisitos da moderna arquitetura e pedagogia, sendo ocupado também, no período diurno, pelo Grupo Escolar "Marechal Bittencourt". Quanto às salas destinadas ao ensino das disciplinas de Ciências, Química e História Natural, as suas construções acham-se em concorrência administrativa pelo Convênio Escolar da Prefeitura Municipal, estando assentada a sua entrega dentro de 45 dias. Adianto, ainda, V. S. que, o prédio próprio para o estabelecimento terá a sua construção iniciada dentro de um mês (processo nº 62.941/51, f. 133). Ao longo do exame do processo nº 62.941/51, constataremos não só que as salas especiais não foram entregues no prazo determinado, como 38 tampouco, durante toda a década de 50, se iniciou a construção de prédio próprio. Mas é importante ressaltar que, apesar de todos os problemas burocráticos, o curso científico já operava desde 1953, ano em que funcionaram três salas de 1ª série ginasial (duas mistas e uma masculina), duas classes de 2ª série ginasial (uma mista e outra masculina), uma classe de 3ª série ginasial mista, uma classe de 4ª série ginasial mista e uma classe de 1º ano científico misto — ao todo, oito salas de aula. Naquele ano, a escola mantinha 238 alunos (171 homens e 67 mulheres) no período noturno — enquanto isso, na cidade de São Paulo, o número de matrículas nos cursos noturnos (6.303) já havia ultrapassado o de alunos dos cursos diurnos (5.739); nos cursos noturnos, os homens representavam a maioria, com uma participação de 65%; nos diurnos, eram as mulheres a maioria, com 61% de matrículas (cf. Sposito, 1992:57). O horário de entrada dos alunos do Ceart era às 19:00h, com saída às 22:50h. Dada a sua localização em relação à infra-estrutura local no início dos anos 50, conclui-se que o prédio do Colégio encontrava-se em um ponto afastado do largo de Osasco, ou seja, da região central onde residia grande parte da população do bairro. Um trecho da entrevista concedida pela professora Helena Pignatari indica o impacto que foi a instalação do Colégio, assim como as conseqüências decorrentes de sua localização. — Você tem que falar [do] impacto que foi o aparecimento dessa escola no cenário. Quando a escola aparece no noturno, aquele lado do alto da Igreja era tudo escuro, não havia iluminação elétrica. Isso é que 39 vai explicar por que você vai encontrar mãe e filha na mesma sala, tio e sobrinha, tio e sobrinho. Porque aquele caminho não era muito fácil, não: era um caminho bastante perigoso, e a volta às 11 horas da noite — como é que as meninas vão voltar a essa hora? Então, os pais vinham buscar; na saída, tinha muito pai, muito tio, muita mãe, esperando, e outros que ficavam fazendo hora e à toa, para esperar o filho, resolveram entrar junto, como foi o caso da Rosinha Perini, que foi uma aluna brilhante. E [no caso da] Rosali, também, eram mãe e filha ali, as duas eram excelentes alunas (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à autora em 19/5/2004). Esse impacto atingiu o cotidiano osasquense: — [Ser estudante secundarista dava] status junto aos jovens da localidade. Quem não passava no exame de admissão do Ceart virava pária local [...] ninguém dava prestígio — só se projetava na sociedade entrando no Ginásio [...] as meninas só queriam namorar os meninos que estivessem no Ginásio (Eduardo Rodrigues, entrevista concedida à autora em 8/7/2004). Para Rodrigues, a instalação do curso secundário local deu oportunidade àqueles que "não tinham dinheiro" de se lançar na sociedade, pois, ao se elevarem intelectualmente, ingressavam na elite: "— Só se projetava na sociedade entrando no ginásio". O entrevistado relata ainda que "no ginásio encontravam-se o filho do comerciante, do sapateiro, do operário, e todos tinham por ideal o reconhecimento intelectual" (Eduardo Rodrigues, entrevista concedida à autora em 8/7/2004), indicando que naquele espaço prevalecia a lógica da busca por ascensão social via escolarização. Confirmando a informação de que a "instalação de ginásios noturnos em prédios de Grupos Escolares", trouxera profundas conseqüências sociais, 40 [...] imprimindo um novo caráter à instrução secundária. Ao serem criadas maiores possibilidades de acesso ao curso secundário, podendo ser incorporados como alunos os jovens que trabalhavam em período diurno, os horizontes educacionais de populações economicamente desfavorecidas tendem a se ampliar, transformando-as em clientela interessada em disputar as vagas oferecidas por essas unidades oficiais [mesmo que] as vagas existentes {fossem] poucas e os exames de admissão filtrassem grande parte do contingente candidato às vagas nas primeiras séries (Sposito, 1992:49). De 1952 a 1958, o número de alunos da escola cresceu gradativamente. Como a escola só contava com 10 salas de aula, a décima primeira classe — que, segundo informou João Gilberto Port (entrevista concedida à autora em 8/7/2004), passou a existir a partir de 1955 (ver Quadro 8, a seguir) — foi alojada na coxia (espaço que ficava atrás do palco) do teatro existente no pátio, e ali passou a funcionar o 3º ano do curso científico, por ser a classe que reunia o menor número de alunos. Nas Tabelas 1 e 2 nos Quadro 8, observamos que, no período indicado: a) dos alunos ingressantes no curso ginasial, 40% o concluem; b) dos alunos ingressantes no curso ginasial, 28,7% passam para o curso colegial; c) dos alunos ingressantes no ginasial, 7,5% concluem o curso colegial; e d) dos alunos ingressantes no curso colegial, 26% o concluem. Estes números confirmam o nível de seletividade empreendido, já que menos de 10% daqueles que iniciam o secundário concluem o colégio. 41 Tabela 1 Distribuição dos estudantes nas classes e número de classes, segundo anos Colégio Estadual "Antonio Raposo Tavares" 1952-1958 Ano letivo Número de estudantes Curso ginasial 2º X 2º M 2º M 2º F 3º X 3º M 1º X 1º X 1º M 1º M 1º F 1952 38* - - - - 19** - - - 15*** 1953 38 - 39 27 - 35 25 - - 1954 25 19 21 - - 36 28 - 1955 31 29 20 - - 40 33 1956 40 41 - - - 1957 38 - 30 - 38 1958 43 - 44 - - Curso científico 1º X 2º X 2º M 3º X Total Nº de salas 4º X 4º M - - - - - - - 72 3 35 - 17 - 16 - - - 232 8 - 28 - 25 - 12 9 - - 203 9 - - 33 29 24 - 29 - 12 6 286 11 39 27 43 42 37 39 - 32 - 17 9 366 11 40 39 - - 46 38 45 - 42 19 - 11 386 11 45 41 - - 43 42 41 33 30 37 - 16 415 11 Fonte: Livro de Atas de Resultados Finais, Arquivo do Ceneart. Legenda: X = misto; M = masculino; F = feminino. Notas: (*) Nove desistências. (**) Três não compareceram ao exame. (***) Quatro não compareceram ao exame. 42 Tabela 2 Distribuição dos estudantes por ano, segundo classes Colégio Estadual "Antonio Raposo Tavares" 1952-1958 Anos e séries Misto F M 1os G Misto F M Masculino Masculino Subtotal 2os G Misto F M Masculino Masculino Feminino Subtotal os 3 G Misto F M Masculino Subtotal 4os G Misto F M Masculino Subtotal 1º C Misto F M Subtotal 2º C Misto F M Masculino Subtotal 3º C Subtotal Total Misto F M 1952 38 6 32 38 19 7 12 19 15 2 13 15 0 72 1953 38 27 11 39 27 104 35 19 16 25 60 35 15 20 35 17 7 10 17 16 3 13 16 0 232 Número de estudantes Anos 1954 1955 1956 25 31 40 9 9 12 16 22 28 19 29 41 7 17 13 12 12 28 21 20 65 80 81 36 40 18 30 18 10 28 33 39 27 43 64 73 109 28 33 42 11 19 28 17 14 14 29 37 28 62 79 25 24 39 9 3 12 16 21 27 25 24 39 12 29 32 0 3 3 12 26 29 12 29 32 9 12 17 9 12 17 6 9 6 9 6 9 203 286 366 1957 38 11 27 38 21 17 30 106 40 23 17 39 79 46 33 13 38 84 45 16 29 45 42 11 31 42 19 1 18 19 11 11 11 386 1958 43 29 14 44 87 45 22 23 41 86 43 28 15 42 85 41 25 16 33 74 30 5 25 30 37 9 28 37 16 1 15 16 415 Fonte: Livro de Atas de Resultados Finais, Arquivo do Ceneart. Legenda: G = curso ginasial; C = curso científico; M = estudantes de sexo masculino; F = estudantes de sexo feminino. 43 Classes 1º Ginasial 2º Ginasial 3º Ginasial 4º Ginasial 1º Científico 2º Científico 3º Científico Quadro 8 Distribuição dos estudantes por ano, segundo classes Colégio Estadual "Antonio Raposo Tavares" 1952-1958 Anos 1952 1953 1954 1955 1956 1957 38 104 65 80 81 106 19 60 64 73 109 79 15 35 28 62 79 84 17 25 24 39 45 16 12 29 32 42 9 12 17 19 6 9 11 1958 87 86 85 74 30 37 16 Fonte: Livro de Atas de Resultados Finais, Arquivo do Ceneart. Além de seletivo, notamos que as mulheres – sempre em menor número no curso ginasial (ver Tabela 2) – tornam-se ainda mais raras no científico. Tabela 3 Distribuição dos estudantes por ano, segundo sexo Colégio Estadual "Antonio Raposo Tavares" 1952-1958 Classes 1º G Total 2º G Total 3º G Total 4º G Total 1º C Total 2º C Total 3º C Total F M F M F M F M F M F M F M 1952 N % 6 15,8 32 84,2 38 100 7 37 12 63 19 100 2 13,3 13 86,7 15 100 - 1953 N % 27 26 77 74 104 100 19 31,5 41 68,5 60 100 15 43 20 57 35 100 7 41,2 10 58,8 17 100 3 18,8 13 81,2 16 100 - 1954 N % 16 24,6 49 75,4 65 100 18 28 46 72 64 100 11 39,3 17 60,7 28 100 9 36 16 64 25 100 0 0 12 100 12 100 0 0 9 100 9 100 - Anos 1955 N % 26 32,5 54 67,5 80 100 30 41 43 59 73 100 19 30,6 43 69,4 62 100 3 12,5 21 87,5 24 100 3 10,3 26 89,7 29 100 0 0 12 100 12 100 0 0 6 100 6 100 1956 N % 25 31 56 69 81 100 43 39,5 66 60,5 109 100 28 35,4 51 64,6 79 100 12 31 27 69 39 100 3 9,4 29 90,6 32 100 0 0 17 100 17 100 0 0 9 100 9 100 1957 N % 32 30 74 70 106 100 23 29 56 71 79 100 33 39,3 51 60,7 84 100 16 35,5 29 64,5 45 100 11 26 31 74 42 100 1 5,3 18 94,7 19 100 0 0 11 100 11 100 N 29 58 87 22 64 86 28 57 85 25 49 74 5 25 30 9 28 37 1 15 16 1958 % 33,3 66,7 100 25,6 74,4 100 33 67 100 33,8 66,2 100 16,6 83,4 100 24,3 75,7 100 6,3 93,7 100 Fonte: Livro de Atas de Resultados Finais, Arquivo do Ceneart. Legenda: G = curso ginasial; C = curso científico; M = estudantes de sexo masculino; F = estudantes de sexo feminino. 44 De 1953 a 1958, apenas uma mulher chegou a concluir o curso científico, frente a 41 homens que chegaram à sua conclusão, o que aponta para uma "vocação feminina" no período. Ser mãe, esposa e dona de casa era considerado o destino natural das mulheres. Na ideologia dos Anos Dourados, maternidade, casamento e dedicação ao lar faziam parte da essência feminina; sem história, sem possibilidade de contestação. A vocação prioritária para a maternidade e a vida doméstica seria marca de feminilidade, enquanto a iniciativa, a participação no mercado de trabalho, a força e o espírito de aventura definiriam a masculinidade. A mulher que não seguisse seus caminhos estaria indo contra a natureza, não poderia ser realmente feliz ou fazer com que outras pessoas fossem felizes. Assim, desde criança, a menina deveria ser educada para ser boa mãe e dona de casa exemplar. As prendas domésticas eram consideradas imprescindíveis no currículo de qualquer moça que desejasse se casar. E o casamento, porta de entrada para a realização feminina, era tido como ‘o objetivo’ de vida de todas as jovens solteiras (Bassanezi, 1997:609). É provável que esse desinteresse aparente das mulheres pelos estudos tenha ligação com o fato de que a participação das mulheres no contingente de trabalhadores das fábricas, dos escritórios e do comércio de Osasco, bairro operário, normalmente ocorria enquanto eram solteiras e precisavam ajudar nas despesas da casa, onde, de costume, os irmãos mais velhos ajudavam os pais na manutenção dos mais jovens que ainda não podiam trabalhar. Ao se casarem, a situação mudava. Cresceu na década de cinqüenta a participação feminina no mercado de trabalho, especialmente no setor de serviços de consumo coletivo, em escritórios, no comércio ou em serviços públicos. Surgiram então mais oportunidades de emprego em profissões de enfermeira, professora, funcionária burocrática, médica, assistente social, vendedora, etc., que exigiam das mulheres uma certa qualificação e, em contrapartida, tornavam-se profissionais remuneradas. Essa tendência demandou uma maior escolaridade feminina que provocou, sem dúvida, mudança no status social das mulheres. Entretanto, eram nítidos os preconceitos 45 que cercavam o trabalho feminino nessa época. Como as mulheres ainda eram vistas prioritariamente como donas de casa e mães, a idéia da incompatibilidade entre casamento e vida profissional tinha grande força no imaginário social. Um dos principais argumentos dos que viam com ressalvas o trabalho feminino era o de que, trabalhando, a mulher deixaria de lado seus afazeres domésticos e suas atenções para com o marido: ameaças não só à organização como também à estabilidade do matrimônio (Bassanezi, 1997:624). Em 1958, segundo Sposito (1992:72), instalou-se a segunda instituição de ensino ginasial nas imediações da estação ferroviária de Osasco: o Ginásio Estadual de Presidente Altino (Gepa). Presidente Altino era a designação de antigo bairro de São Paulo que, com a emancipação, se tornara bairro das imediações do centro da cidade de Osasco. Os anos de 1957/1958, período em que se instalaram 61 ginásios em diversos bairros e vilas da periferia paulistana, "pode ser configurado como a gênese da expansão do ensino ginasial na cidade de São Paulo [criando-se] condições favoráveis à gradual transformação do caráter seletivo que acompanhava a formação secundária até esse momento" (Sposito, 1992:47). Nesse período, Jânio Quadros era o governador do estado de São Paulo, e a implementação daqueles estabelecimentos de ensino em áreas remotas da cidade deve-se à ação deste político, "que não só ofereceu apoio irrestrito à proliferação dessas escolas, como determinou a sua imediata instalação" — ainda que com ordens à Secretaria de Educação para "escolher procedimentos" que permitissem o início do funcionamento de equipamentos escolares cuja criação e cuja regulamentação não estavam legalizadas (cf. Sposito, 1992:61-63). 46 A INSTALAÇÃO DO PRÉDIO PRÓPRIO PARA O COLÉGIO Apesar do crescimento verificado na cidade, o Colégio Estadual Antonio Raposo Tavares (Ceart) continuava instalado em dez salas de aula e, no período noturno, uma décima primeira improvisada na coxia do palco do prédio pertencente ao Grupo Escolar Marechal Bittencourt, que já se mostrava acanhado para a crescente demanda. Datado de 28 de junho de 1958, encontramos o seguinte comentário: não [é] intenção da Prefeitura do Município da Capital construir as referidas dependências [laboratório de Física e Química e gabinete de História Natural] junto ao prédio ocupado provisoriamente por esse educandário, visto o estudo definitivo da construção do edifício próprio destinado ao Colégio já estar concluído e aguardando, apenas, os expedientes de praxe para a sua concretização (processo nº 62.941/51).∗ Não obstante, em 6 de junho de 1959 — quase um ano depois — o ofício nº 53/59, do diretor do Colégio, professor Onésimo de Moura Muzel, informa que "o prédio para funcionamento deste Colégio não se encontra em construção e nada existe até o momento que indique o seu início, que seja do conhecimento desta direção" (processo nº 62.941/51). Finalmente, em 20 de junho de 1959, no ofício nº 55/59, Muzel declara à Inspetoria Seccional que tem a grata satisfação de informar V.S. para os devidos fins que, conforme processo 19.114/58-DE, o prédio onde funciona o Colégio Estadual "Antonio Raposo Tavares" em Osasco, foi incluído no plano 1959/1960, as seguintes obras: 10 salas de aula para o Ginásio; 2 Laboratórios; 1 Sala de trabalhos Manuais; demais dependências, para instalação do Ginásio (processo nº 62.941/51). Mas, no ofício de nº 80/59, ele observa que, ∗ As páginas finais do processo não estão numeradas. Por essa razão, os documentos são referidos por meio de sua data. 47 de acordo com a informação recebida da Chefia de Prédios, tomamos ciência de que foi incluída no plano de 1959/1960 a construção de 10 salas, 2 laboratórios, sala de Trabalhos Manuais e outras dependências, sem contudo se determinar o tempo previsto para a sua conclusão. Quanto ao início das obras em apreço, que serão realizadas em terreno próprio do Grupo Escolar, também nada recebemos a respeito (processo nº 62.941/51) Por meio de um exemplar de O Bacamarte (nome da arma empunhada por Antonio Raposo Tavares no brasão da escola), "Órgão Oficial do Grêmio E. A. Raposo Tavares", de abril/maio de 1962, constatamos que a essa época o colégio ainda funcionava nas mesmas instalações do grupo escolar. Esse jornal — que, conforme matéria de capa intitulada "A volta do O Bacamarte", surgira em 1956 e publicara cinco edições até 1958 — reaparecia em cumprimento a uma das propostas da plataforma apresentada pela direção do Grêmio durante sua campanha eleitoral. A partir da reportagem intitulada "3000 alunos poderão ser abrigados no novo prédio do Ceart", constata-se que finalmente estava em construção o prédio próprio para a escola secundária. Essa reportagem indica que o prédio deveria ser inaugurado em setembro de 1962 e ocupava uma área de 4.007 metros quadrados de construção total, com 109 metros de frente. O novo prédio, com 23 salas de aula e três salas de laboratório, quadra de jogos, pista de corrida e um pequeno salão de festas, funcionaria em três períodos, assim distribuídos: "De manhã o ginásio misto e colégio A e B e à tarde apenas o ginásio feminino, normal e primário, bem como à noite ginásio misto, colégio A e B." Da designação "colégio A e “B", deduzo que se tratava do curso colegial científico e clássico, uma vez que até então só o curso científico funcionava na instituição, pois não havia salas que comportassem o curso clássico. E, se, à época, o colégio contava com cerca de 500 alunos, no ano seguinte (1963) esse número poderia ser sextuplicado, resolvendo-se "o problema da falta de vagas no curso secundário em Osasco". A partir do "Livro de candidatos à transferência para o estabelecimento", pode-se observar que, para o ano de 1962, havia um total de 251 alunos em lista de espera de vaga naquela escola (ou seja, cerca de 50% do total corrente 48 de alunos): "42 alunos para o 1º ginasial; 67 alunos para o 2º ginasial; 52 alunos para o 3º ginasial; 27 alunos para o 4º ginasial; 46 alunos para o 1º científico; 10 alunos para o 2º científico; 7 alunos para o 3º científico." Com o funcionamento do novo prédio, em 1963, o Ceart passou a oferecer 41 classes, 16 no período diurno e 25 no noturno, assim distribuídas: 13 classes de 1a. série ginasial — 8 diurnas e 5 noturnas 09 classes de 2a. série ginasial — 4 diurnas e 5 noturnas 07 classes de 3a. série ginasial — 3 diurnas e 4 noturnas 04 classes de 4a. série ginasial — 1 diurnas e 3 noturnas 04 classes de 1a. série científico — todas noturnas 01 classes de 2a. série científico — noturno 01 classes de 3a. série científico — noturno 02 classes de 1a. série clássico — noturno ("Livro de ata de exames finais e de 2a. época"). Em chamada na primeira página de O Bacamarte nº 6, noticia-se que o diretor Onésimo de Moura Muzel debatia a Lei de Diretriz e Bases da Educação (LBD), publicada em 1961, e apresentava as mudanças decorrentes dessa nova legislação. A página com a íntegra da matéria extraviou-se, mas, pela introdução do artigo, parece tratar-se apenas de uma discussão sobre questões práticas de aplicação da lei, nesse caso específico com comentários sobre "a mudança no sistema [de avaliação] entre o ginásio antigo e o sistema atual". Até o ano passado, a lei favorecia grandemente o aluno para sua aprovação, pois as notas mensais tinham valor reduzido computando-se apenas dois décimos de valor total. A segunda época, por exemplo, com peso cinco, possibilitava ao aluno fechar média apenas com aquele exame, pois com nota oito obtinha os quarenta pontos necessários para aprovação (jornal O Bacamarte no. 6, p 1). A Lei nº 4.024, publicada em 1961, de maneira geral, não altera substancialmente a estrutura de ensino secundário implantado desde a Reforma Capanema; apenas estabelece a equivalência entre o cursos secundário regular e o técnico e reduz o número de disciplinas, o que permite a pluralidade de currículos em termos federais. 49 O jornal O Bacamarte permite ainda conhecer as diversas atividades desenvolvidas na escola, como peça de teatro escrita e apresentada pelos próprios estudantes, espetáculo de música, excursões e atividades esportivas. Traz também uma relação de aniversariantes dos meses de abril e maio, uma crônica escrita por Eduardo Rodrigues ("O homem que queria atravessar a rua") e a apresentação de um serviço de divulgação que funcionava todas as noites das 18:00h às 19:00h e no intervalo das aulas. Uma coluna de "Mexericos" e outra de "Fatos e boatos" apresentavam situações do cotidiano da escola, como a informação de que "é proibido fumar no pátio é fato... mas que a turma fuma TAMBÉM É FATO" (O Bacamarte, nº 6, p. 5, abril-maio de 1962). O Grêmio informa que o colégio passaria a funcionar todos os domingos pela manhã, "proporcionando aos sócios horas de distração, com jogos de pingue-pongue, xadrez, dominó, dama e outros. Fará funcionar a quadra de esportes, a fanfarra e o 'Serviço de Divulgação' estará transmitindo uma ótima seleção musical" (O Bacamarte, nº 6, p. 2, abril-maio de 1962). O jornal traz um anúncio sobre a realização de um "Baile à Caipira" promovido pela comissão de formatura dos alunos do Ceart, com a presença do conjunto musical de Roberto Ferri, em um clube local. Pelos anúncios publicitários inseridos em duas edições (nº 6, de abrilmaio de 1962, e nº 7, de abril de 1963) de O Bacamarte, percebe-se que sua publicação contava com o patrocínio do comércio local — lojas de calçados e de tecidos, bazar de miudezas e artigos escolares, bazar de confecção, loja de material esportivo, livraria, bonbonnière e padaria. A edição seguinte, a nº 7, data de abril de 1963, quando a escola já estava instalada em seu próprio prédio, próximo ao Mercado Municipal, no centro de Osasco, e onde funcionavam 41 classes (16 no período diurno e 25 no noturno). Era uma "edição de despedida" da direção do Grêmio, pois em 15 de abril houvera eleição e a agremiação empossava nova diretoria. 50 Capa de O Bacamarte Apesar desse novo prédio estar capacitado para receber 3.000 estudantes, observa-se que, em seu primeiro ano de funcionamento, apenas cerca de 1.600 alunos e alunas ali estudavam — um grupo bem participativo, pois, no resultado das eleições para a direção do Grêmio, 1.503 votantes compareceram às urnas, ou seja, cerca de 94% do corpo discente da escola. Duas chapas concorreram ao pleito. A Unificação e Progresso (UP), encabeçada pelo Sidney Lucas de Oliveira, do 1o. Clássico e a Dobradinha, encabeçada pelo Irizon Amaral Arantes, do 1o. Científico. A segunda saiu vencedora por pequena margem de votos. Nas 16 classes do período diurno o resultado foi o seguinte: Unificação de Progresso (UP), 233 votos; Dobradinha, 381 votos; Nulos, 8 votos; Brancos 2 votos. Nas 25 classes do noturno: Unificação e progresso (UP), 445 votos; Dobradinha 384 votos; Nulos, 31 votos; Brancos, 19 votos; TOTAL GERAL: Unificação e Progresso (UP), 678 votos; Dobradinha 765 votos; Nulos, 39 votos; Brancos 21 votos. No total de 41 classes a Unificação Progresso (UP) obteve 20 51 vitórias contra 20 da Dobradinha e houve 1 empate em uma das classes (O Bacamarte, nº 7, p. 3, abril de 1963). Segundo a professora Helena Pignatari, nesses momentos de eleição do Grêmio havia muita participação, não só de alunos, como de professores que ajudavam no processo. Nessa mesma edição de O Bacamarte, observa-se que o Grêmio mantinha estreita ligação tanto com as questões internas da escola, quanto com as questões relativas ao movimento estudantil para além dos muros do colégio. Na página 3 do periódico, publica-se a reportagem "Dois professores, cinco perguntas", na qual são entrevistados o professor de Português, Emir Macedo Nogueira, e a professora de História, Helena Pignatari Werner. Na página 5, encontra-se matéria escrita por Gabriel Roberto Figueiredo sob o título "Você sabia o que é UEO?", em que o então aluno faz uma explanação sobre o tema e convoca os colegas a participar das próximas eleições da entidade. UEO, esta sigla tão pequena, mas de valor grandioso significa UNIÃO DOS ESTUDANTES DE OSASCO. Uma entidade que deve representar as aspirações do estudante osasquense. A finalidade da UEO é a unificação da classe estudantil em torno de um ideal comum. Ela deve ser independente. Deve em nome da classe estudantil empunhar uma bandeira de luta, cujas cores deverão ser a justiça, o direito e a verdade. Na manutenção dos princípios democráticos a UEO deve defender a livre manifestação do pensamento e tem por obrigação não criar distinções entre estudantes, seja qual for seu credo, raça, religião ou ideologia. Na luta pela defesa de seus princípios, a UEO precisa manter-se apolítica, isto é, não tomar partido político e nem defender interesses de políticos, afim de não afetar seu conceito de independência. Em defesa dos interesses fundamentais da classe estudantil a UEO tem de lutar, associando-se aos grêmios e juntos, harmoniosos, reivindicarem seus direitos às autoridades competentes e indicadas. Em síntese isto é a UEO, entidade cuja diretoria os estudantes elegerão no próximo dia 5 de maio de 1963. Como a UEO congrega estudantes de curso secundário e superior, só estes poderão votar para eleger a nova diretoria. Para ter condição de votante é necessário que o aluno apresente a caderneta escolar ou carteirinha de sócio do grêmio ao qual pertence. É um dever cívico que os estudantes de Osasco terão no próximo dia 5 de maio. Vamos comparecer em massa às urnas, demonstrando assim o poderio da nossa classe. LEMBRE-SE, COLEGA, A UEO É VOCÊ. DÊ VALOR A SI (O Bacamarte, nº 7, p. 5, abril de 1963). 52 Na reportagem com os dois professores da escola, a preocupação com questões relativas às relações democráticas apresenta-se a todo momento, o que confirma o alto nível de discussão política estabelecido entre estudantes e docente. Como exemplo desse debate, reproduzo a seguir duas passagens das entrevistas. Pergunta: Como o senhor encarou as eleições do grêmio? Professor Emir: Pode parecer lugar-comum, mas o que as eleições do grêmio me sugerem é isto: um espetáculo de democracia. Tive a honra de participar dos entendimentos relativos ao tom que deveria ser imprimido à campanha. Posso testemunhar que ela foi limpa, que os adversários se respeitaram e reprimiram excessos. Por isso, creio que não houve vencedores nem vencidos, mas um grande vitorioso: a classe estudantil. [...] Pergunta: Soubemos que a senhora visitou a cidade de Recife e trouxe novidades de lá. O que nos diz? Professora Helena: Realmente, estive em Recife para ver o que se faz por lá em matéria de educação e cultura. Em Recife nunca se fala só em educação, fala-se sempre em educação e cultura, e isso é feito de forma extraordinária. A viagem a Recife foi feita com o objetivo de conhecer o mais profundamente possível o método Paulo Freire. O professor Paulo Freire é um educador pernambucano que desenvolveu um método de alfabetização pelo qual consegue alfabetizar adultos em 30 horas. — Impossível? — Eu também achei impossível, e bem por isso banquei o São Tomé e fui ver isso de perto. Realidade maravilhosa para uns e assustadora para outros. Conversei longamente com o professor Paulo Freire, vi o método, senti os resultado e estou aturdida até hoje. A vontade grande é trazer o método para São Paulo. Mas como? É sobre isso que penso noite e dia, porque não se trata só de alfabetizar, mas trata-se de dar cultura ao homem, politizar o homem, libertar o homem, conhecer, criticar, julgar sozinho porque tem condições para isso. Vi também outras coisas, como o Movimento de Cultura Popular – MCP, que está integrado num fabuloso plano de educação em Recife, mas sobre isso falarei em outra oportunidade (O Bacamarte, nº 7, p. 3, abril de 1963). Em 1963, a professora Helena Pignatari participou de uma experiência com o método de alfabetização Paulo Freire, com cerca de 200 alunos, na região do Jardim Helena Maria – periferia de Osasco, num projeto promovido pelo Sede Sapientae, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). 53 CAPÍTULO II O MOVIMENTO AUTONOMISTA 54 FORMAÇÃO DA SOCIEDADE AMIGOS DO DISTRITO DE OSASCO (SADO): o primeiro plebiscito e a vitória do "não" A seguir, focalizo o momento de formação da Sociedade Amigos do Distrito de Osasco (Sado) e a atuação desta entidade de referência para o resgate da história do primeiro plebiscito pela autonomia do bairro de Osasco à condição de município, em 1953. Os dados aqui apresentados foram retirados, principalmente, dos "Livros de Atas da Sociedade Amigos do Distrito de Osasco – SADO": "Livro de Atas Número 1", que cobre o período de 10 de março de 1947 a 2 de março de 1950; "Livro de Atas Número 2", de 2 de março de 1950 a 11 de março de 1950, quando deixa de haver registro, que é retomado em 30 de janeiro de 1960 e chega até 7 de maio de 1987; "Livro de Atas da Comissão Promovedora da Autonomia de Osasco", relativo ao intervalo de tempo que foi de 21 de agosto de 1952 a 27 de dezembro de 1957. O plebiscito de 1953 é quase sempre desprestigiado por aqueles que se debruçam sobre a história do movimento emancipacionista da cidade, pois, além de ter sido um pleito no qual se rejeitou a autonomia municipal, muitos osasquenses o vêem como exercício para a realização do plebiscito de 1958, que foi quando saiu vitoriosa a campanha pelo "sim" à instalação do município. Segundo depoimentos colhidos nas entrevistas com João Gilberto Port, que foi aluno do Colégio Estadual Antonio Raposo Tavares (Ceart) de 1953 a 1958, e com a professora Helena Pignatari Werner, que ministrou aulas de História nessa escola de 1954 a 1982, esse primeiro plebiscito — o de 1953 — foi de menor importância (para os vitoriosos do segundo pleito) e, de fato, serviu para preparar a campanha para o segundo pleito. Para Port, "não houve, efetivamente, mobilização [dos estudantes] por ocasião do primeiro plebiscito" (entrevista concedida à autora em 8/7/2004). Para Helena Pignatari — que em 1953 morava na Casa Universitária, no bairro 55 do Paraíso, em São Paulo, pois cursava História e Geografia na Universidade de São Paulo, com aulas, à época, na ra Maria Antonia, e vinha para Osasco só nos fins de semana —, esse movimento teve como principal função despertar os osasquenses para o problema, pois como ela mesma justifica, "a conscientização vem depois, com o tempo. A conscientização, a tomada de posição vem depois" (entrevista concedida à autora em 19/5/2004). Ainda segundo a professora Helena Pignatari, outro obstáculo na primeira campanha emancipacionista foi a falta de recursos financeiros, uma vez que um processo dessa natureza necessita de fundos para que possa se desenrolar. "Havia muita despesa nessa época. Tinha que viajar entende?... Tinha que ir para o Rio de Janeiro e voltar. Tinha que estar em contato com os deputados..." (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à autora em 19/5/2004), e, naquele momento, a campanha não contava com uma sólida estrutura financeira. A professora Helena Pignatari também se refere ao movimento como tendo sido encabeçado pela "burguesia de Osasco". Neste ponto, vejo como fundamental entender como era a composição dessa "burguesia" osasquense. Como a própria professora relata, a elite local era formada por uma camada de "comerciantes, negociantes, pequenos empresários, profissionais liberais...". Para melhor entender os valores dessa elite local, recorro a parte da descrição feita pela professora Helena Pignatari sobre uma de suas contemporâneas: "A Maria Regina, que era a moça mais rica da cidade, era a filha do sr. Vasco, que era o dono da farmácia." Essa representação permite avaliar o poder aquisitivo da população local e o que representavam status e poder. A fim de discutir e procurar soluções para os problemas do bairro, no dia 20 de março de 1947, um grupo de onze moradores da região central realizou sua primeira reunião: Na sala da frente do prédio número cincoenta e sete da Rua André Rovai, deste Distrito de Osasco, da Capital de São Paulo, para o fim de fundarem um bloco com a finalidade de trabalharem em prol de melhoramentos, benefícios e progresso de Osasco,... as reuniões e os ideais do grupo seriam despidas de qualquer cor política ou religiosa (Sado, "Livro de Atas Número 1", p. 1v). 56 Cabe salientar que, de acordo com o Sumário de Dados do Município de Osasco de 1986 (p. 32), em 1950, Osasco contava com 41.326 habitantes. Portanto, em 1947, um grupo de onze residentes em região específica da cidade não se qualificava como representante de toda a comunidade. Como a entidade associativa estava em processo de formação, suas reuniões ocorriam em salas cedidas ou na residência de algum membro do grupo. Enquanto não havia estatuto, sua diretoria funcionava em caráter rotativo: ao final de cada reunião, elegia-se a composição da mesa para o encontro seguinte. Não havia mensalidade obrigatória, mas contribuições espontâneas. Em 1º de abril de 1947, na terceira reunião, o grupo passou se a denominar Sociedade Amigos do Distrito de Osasco e, no dia 29 de junho de 1947, mesmo sem registro legal ou estatuto, elegeu sua primeira diretoria, que tinha à frente o dentista Reinaldo de Oliveira. Na reunião de 17 de junho de 1947, ficou registrada a sugestão de que fosse formulada uma solicitação "que dirigisse aos poderes competentes um pedido para a instalação de um Ginásio em Osasco", demonstrando-se que a luta da comunidade pela instalação de uma escola secundária no local já era um fato. Ressalto que, nesta data, o bairro ainda não contava sequer com prédio próprio para o grupo escolar, que funcionava num velho casarão da rua Primitiva Vianco, sem as mínimas condições de ocupação. No dia 2 de março de 1950, em reunião extraordinária realizada na rua da Estação, 73A, residência e consultório do dr. Reinaldo de Oliveira, com a presença de 14 associados, começaram os trabalhos para a elaboração de um estatuto para a Sado, usando-se como modelo o da Sociedade Amigos de Pinheiros. Após as devidas alterações, foi aprovado o Estatuto da Sociedade Amigos do Distrito de Osasco, em que o artigo 1º indicava tratar-se de "sociedade civil sem fins políticos, religiosos ou burocráticos" e o artigo 2º atribuía à entidade o objetivo de "estudar e contribuir para solução de todos os problemas que direta ou indiretamente, interessem ao desenvolvimento e melhoramento do Subdistrito de Osasco e adjacências". 57 Ao final dos trabalhos, foram eleitos por aclamação os membros da nova diretoria da Sado, tendo como presidente o dr. Reinaldo de Oliveira e como vice-presidente o empresário Antonio Braz Menck. As reuniões da Sado prosseguiram, e continuou-se a tratar dos mais diversos problemas: melhorias no sistema de transporte urbano, com críticas ao monopólio representado pela Companhia Municipal de Transporte Coletivo (CMTC); a falta de luz elétrica em muitos bairros, onde "crianças que carecem de estudo, fazendo-o a luz de velas ou lampiões", além de problemas com a companhia de gás; críticas à companhia telefônica, uma vez que, apesar de Osasco pertencer à cidade de São Paulo, as ligações para o centro da capital eram cobradas como interurbanos; ausência de parque infantil, de centro de saúde, de empresa funerária, de serviço de guarda noturna, radiopatrulha, corpo de bombeiros, etc. Apesar de a entidade afirmar-se sem finalidade política, era significativa em muitas dessas reuniões a presença de vereadores e deputados, como intermediários das reivindicações da entidade; e mesmo com a autoqualificação "sem vínculo político-partidário", era comum as discussões enredarem-se nos posicionamentos partidários estabelecidos. Foi esse o caso quando se decidiu fazer um convite ao governador Adhemar de Barros para que visitasse Osasco e se designou um grupo suprapartidário para realizar o convite e receber o governador. Os integrantes do Partido Social Progressista (PSP), que alegavam ter exclusividade quanto a essas providências, formularam independentemente tal convite e organizaram a recepção, desconsiderando a decisão da entidade (Sado, "Livro de Atas Número 1", p. 1v). No texto "A evolução de Osasco", produzido pela extinta autarquia municipal Escritório de Planejamento de Osasco (EPO), encontra-se o seguinte relato sobre a campanha pela emancipação, encabeçada em 1953 pela Sado: Os descendentes dos primeiros imigrantes constituem as camadas médias da sociedade local: são comerciantes, advogados, dentistas, médicos. Boa parte deles pertenciam a famílias que tiveram uma participação mais tradicional em Osasco, e serão também os primeiros a construir um projeto político para a 58 cidade, baseado no ideal de autonomia político-administrativa. Primeiro fundam a Sociedade Amigos de Osasco.... Através dela se inicia uma campanha para obter o apoio popular à campanha da emancipação. A população em geral, composta em parte pelos migrantes nordestinos e mineiros, com poucos anos de Osasco, demora um pouco mas acaba apoiando o movimento. Prova disso é que foram precisos dois plebiscitos para se conseguir um veredicto favorável à emancipação (Escritório de Planejamento de Osasco, "A evolução de Osasco", s/d, texto fotocopiado). Em 21 de agosto de 1952, provavelmente sob o estímulo decorrente do desmembramento, em 1948, de São Caetano do Sul do município de São Bernardo do Campo e de Barueri do município de Santana de Parnaíba, realizou-se a primeira reunião da Comissão Promovedora da Autonomia de Osasco, com a presença de 42 pessoas, o que deu início à luta pela emancipação político administrativa de Osasco. Na segunda reunião dessa Comissão, constatamos a presença do deputado Eumeno Machado (PTB), do vereador da capital, Altimar Ribeiro de Lima, que também representava o deputado Diógenes Ribeiro de Lima (PSP), e do subdelegado de polícia de Osasco, Mario Torres (Comissão Promovedora da Autonomia de Osasco, "Livro de Atas", p. 2v). Nesta reunião, Reinaldo de Oliveira, presidente da Sado, fez o seguinte depoimento: Bem-vindos sejam, amigos, nesta hora da luta, nesta hora "H" em que vamos nos lançar na maior campanha que Osasco jamais empreendeu [...] Com esta reunião a Sociedade Amigos de Osasco vê a oportunidade de dar por cumprida a sua finalidade, qual seja propugnar pelo bem coletivo o de dar início nesta campanha sem o menor laivo de glória para si [...] Sendo como será esta campanha muito trabalhosa a sua diretoria não se vê suficiente para arcar sozinha com tamanha responsabilidade, mas, também não se exime de compartilhá-lo e até faz questão e se sentirá honrada em pôr à disposição os seus recursos e o seu nome para o que dela se faça útil (Comissão Promovedora da Autonomia de Osasco, "Livro de Atas", p. 4v). A despeito de a Sado haver declarado que não encabeçaria a campanha pela autonomia de Osasco, na sua quarta reunião, em 26 de setembro de 1952, Walter Negrelli expôs que estivera em São Caetano do Sul, que nesse município a luta pela autonomia fora toda encabeçada pela Sociedade Amigos de São 59 Caetano e sugeriu que também em Osasco a Sociedade Amigos de Osasco liderasse a comissão emancipacionista. Assim, mesmo diante de alguns protestos, a Sociedade passou a conduzir os trabalhos da Campanha pela Emancipação de Osasco, e, depois de longa discussão sobre o valor a ser estipulado como contribuição para os fundos destinados à realização de seus trabalhos, ficou aprovado que a participação de cada um deveria ser espontânea. Resolvidas essas primeiras questões de ordem, passou-se à formação das comissões que ficariam responsáveis pelos trabalhos: Comissão Jurídica (15 membros), Comissão de Finanças (15 membros), Comissão de Propaganda (20 membros) e Comissão de Plebiscito (número ilimitado) — estando tais comissões "sempre em concordância e sob a orientação direta da Sado". Fato interessante ocorreu quando Manoel Fiorita sugeriu que "elementos femininos" fossem incluídos nas comissões, "porquanto se vem notando a boa vontade e esforço de senhoras e senhoritas, que talvez, por um lapso não foram lembradas" [nas comissões]. O presidente da Sado respondeu, dizendo que pretendia criar um Departamento Feminino na Sociedade, "onde serão aproveitados todos estes notáveis valores", e que a Sado aceitava a colaboração de todos. Fiorita esclareceu, todavia, "que apenas fez notar que não constavam das comissões nomes de elementos femininos". Estabeleceu-se que cada comissão seria autônoma, mas que seu presidente prestaria contas ao presidente da Sado e que, embora as reuniões das comissões fossem abertas a outros interessados, estes não poderiam "ter a palavra em assuntos que digam respeito às comissões" (Comissão Promovedora da Autonomia de Osasco, "Livro de Atas", p. 15v). A 30 de outubro de 1952, realiza-se grande reunião com a presença dos deputados Jânio Quadros (PDC), Scalamandré Sobrinho (PTB) e Hilário Torloni (PRP), que se dispõem a prestar "esclarecimentos e ensinamentos para o assunto". Walter Negrelli, presidente da Comissão de Finanças, enfatizou a necessidade de numerário para a campanha, ao que foi apresentada a proposta de abertura de "livros de ouro" para a coleta de contribuições, sendo um para a indústria e o comércio e outro para a população em geral. Negrelli ponderou que 60 seria prematuro procurar o apoio da indústria e do comércio, "porquanto ainda [não havia] informes seguros sobre se estamos em caminho certo". Da fala do deputado Scalamandré Sobrinho, destaque-se: "Todo o [bairro] que tiver a sua renda razoável deve trabalhar pela sua independência, criar a sua prefeitura, eleger o seu prefeito, seus vereadores que tomem conta dos interesses do município." O deputado Jânio Quadros, por sua vez, assim se manifestou: Há cinco anos, quando eu era vereador, defendi com unhas e dentes a autonomia de Osasco e Santo Amaro. Este movimento parece novo, mas, os anais que o digam, já vem de longe. Os operários não moram no centro e vivem afligidos, a população de uma cidade que cresce vertiginosamente e só acha tempo para tratar da cidade e os bairros aristocráticos. Ficam o centro e estes bairros aristocráticos sugando, chupando, a arrecadação em seus benefícios que brilham cada vez mais, ficando à margem os demais bairros, distritos e subdistritos. Os projetos estão lá e podem ser encontrados. A capital arrecada dois bilhões e gasta com pessoal 67%. Ponha-se material e outras despesas e o que sobra para Osasco, Santo Amaro, São Miguel, etc.? A formula é esta que estamos adotando, levem-na de vencida, que não é deste nem daquele, PTB, PSP, UDN, etc., é de todos. A prefeitura, boa madrasta, não abrirá mão dos seus enteados sem luta, tudo faz para que eles fiquem seus. O governo é o governo presente, lixo, água, telefone, luz, esgoto, escolas e o governo da família, com o apoio de Scalamandré e Torloni e outros colegas de parlamento e ajuda do povo traremos a autonomia para Osasco. [E continua a ata do evento:] Termina sua excia. salientando o nome da SADO que em boa hora reuniu esse povo para a sua redenção que bem merece (Comissão Promovedora da Autonomia de Osasco, "Livro de Atas", p. 20v). Em 1952, Jânio Quadros cumpria sua curta legislatura (1951-1952) como deputado estadual em São Paulo, já que em 1953 fora eleito prefeito da capital. Segundo John French (apud Walmsley, 1992:31), sua trajetória meteórica — de vereador (1947 a 1950), deputado estadual (de 1951 a 1952), prefeito (de 1953 a 1955), governador (de 1955 a 1960) e presidente em 1961 —, resultou de um processo iniciado entre 1945 e 1947, momento em que a classe trabalhadora passou a perceber a sua importância nas decisões eleitorais e a se identificar como grupo que tem poder para interferir na arena eleitoral, canalizando seus votos para partidos mais classistas, como o PCB e o 61 PTB. Porém, "esse instante fugaz teria sido quebrado, segundo ele, pela política antioperária e anticomunista de Dutra, que cassou a expressão pública do Partido Comunista e por outro lado, pela conquista eleitoral do operariado" (Walmsley. 1992:31/32), o que resultou numa nova relação de forças — mas também não haverá o retorno à velha política anterior a 1930, pois a classe média aprende a trabalhar com as novas realidades sociais e passará a dividir os votos operários com os partidos tradicionais, o que lhe proporcionará criar um novo espaço político. Nesse contexto, vários políticos assumiram o modelo de comportamento populista consagrado por Adhemar de Barros, e ocorreu a "descoberta por parte dos políticos de classe média do eleitos enquanto 'morador'" (Walmsley. 1992:32). Jânio Quadros foi a figura mais expressiva dessa prática política. Por ser um político sem tradição familiar e que não representava grandes grupos econômicos, esteve muito mais à vontade no papel de representante das massas. Seu expressivo contingente eleitoral percorria os bairros periféricos da cidade de São Paulo, como Osasco e "é possível que este grupo que Michelle Perrot chama de 'os mais deserdados' tenha se ligado mais estreitamente a Jânio Quadros, justamente porque não estavam vinculados ao trabalhismo ou ao comunismo" (Walmsley, 1992:37), pois, "em Jânio, todas as imagens remetem a um determinado projeto de ordenação social que vê no Estado o promotor do bem comum e que deve atuar, implacavelmente, na distribuição da justiça" (Walmsley, 1992:42). É este Jânio que passa a advogar o direito da autonomia e a criação de um organismo público que possa ser controlado pelo morador local, nas regiões mais afastadas do centro da capital paulista, e que vem na defesa de um plebiscito pela emancipação de Osasco. Mas, quando do plebiscito, Jânio, que naquele momento era prefeito de São Paulo, parece hesitar. O jornal O Emancipador, que se pretende o portavoz do grupo emancipacionista, lhe faz duras criticas. O jornal surgiu como uma necessidade de dar resposta ao grupo favorável ao "Não" no plebiscito que começava a surgir; o jornal tratava exclusivamente de problemas relacionados com a situação das vilas que formavam o subdistrito além de debater a atuação do prefeito de São Paulo, que já era Jânio Quadros. O jornal 62 fazia oposição a Quadros, pois achava que o prefeito tinha um débito com o subdistrito. Durante a campanha à prefeitura de São Paulo, Jânio prometera que, eleito, apoiaria o movimento de autonomia para Osasco. A promessa era coerente com a tônica da campanha do "Tostão contra o milhão" de Jânio, e com a idéia exposta durante as concentrações de "integrar a periferia na cidade". Conduzido por seus cabos eleitorais locais, Jânio tinha percebido, durante a campanha, a necessidade de se referir ao movimento autonomista de Osasco. Entretanto, na condição de prefeito, procurava adiar qualquer comprometimento com o movimento, pois o desmembramento do subdistrito implicaria uma perda nas arrecadações da prefeitura. Jânio ajudara a reconhecer a problemática da periferia, mas agora se comportava como alguém que não estivesse obrigado diante das populações suburbanas. O nascente movimento de Osasco iria começar cobrando a posição do prefeito que mais tarde, quando governador, mudaria a sua posição (Moisés, 1978:307). Em outra grande reunião que, segundo a ata da Sado, ocupou aproximadamente três quartos do grande salão de exibição do Cine Glamour de Osasco, em 28 de novembro de 1952, foi notável a presença de deputados, vereadores e autoridades dos mais diversos partidos políticos. Isto demonstra que, apesar de apartidário, o movimento mostrava-se cada vez mais encaminhado por parlamentares e representantes políticos locais. Sempre por meio do exame das atas da Sado, toma-se conhecimento do episódio em que o deputado Gilberto Chaves "aconselhou a todos os membros, especialmente os lideres do movimento autonomista a manterem-se unidos aos seus partidos e evitem animosidade [...] para que não fosse criado um ambiente de inveja e desarmonia". Em ata do dia 2 de janeiro de 1953, pela primeira vez, foi sugerido que se coletassem assinaturas junto às fábricas, mais uma indicação de que o movimento caminhava à margem da maioria da população operária. No dia 10 de abril de 1953, compareceu o advogado Arruda Viana, que tinha como incumbência esclarecer as diversas dúvidas que as comissões levantavam quanto às exigências legais para que Osasco pudesse reivindicar sua autonomia. Na reunião de 7 de outubro encontramos alguns comentários. 63 Segundo o art. 1º, § 4º, letra "b" da Lei Estadual nº 2.081, de 27 de dezembro de 1952, a localidade precisava contar com um mínimo de oito mil habitantes; segundo atestado fornecido pela Inspetoria Regional de Estatística Municipal, em 1950, Osasco tinha 41.679 habitantes. A renda mínima da região deveria ser de Cr$ 600 mil; como a Prefeitura de São Paulo não havia fornecido documento que comprovasse a renda arrecadada em 1952 ou a renda orçada para 1953, os autonomistas juntaram fotocópias de recibos de impostos de indústrias e profissões e imposto predial (a primeira cota paga por algumas firmas de Osasco naquele exercício), o que atingiu a soma de Cr$ 684.779,20, montante superior ao mínimo. A Lei nº 2.081/52 exigia ainda que a região ficasse, no mínimo, a 12 quilômetros de distância de outro centro urbano (segundo o art. 110 daquela lei, a zona urbana compreende as áreas de edificações contínuas das povoações e as partes adjacentes diretamente servidas por algum destes melhoramentos: iluminação pública, esgoto, abastecimento de água, calçamento ou guias para passeio) e que houvesse solução de continuidade entre o seu perímetro urbano e o do município a que pertencia. As informações do Instituto Geográfico e Geológico indicavam o calçamento das ruas Erasmo Braga e Euzébio Matoso, estando para ser calçado o trecho entre a rua Euzébio Matoso e o bairro de Pinheiros, via Jaguaré, pela estrada de Presidente Altino. A Estrada de Itu, numa das ligações entre Pinheiros e Osasco servida pela linha da CMTC, era rua oficial em que a numeração atingia os oito mil, quatrocentos e tantos ao cruzar com a rua Dona Primitiva Vianco. Havia, ainda, mais duas ligações entre o distrito e a sede da capital, além da ferrovia. Apresentaram-se, ainda, fotocópias de recibos de imposto territorial rural incidente sobre propriedades situadas ao longo da Estrada de Itu, entre a capital e Osasco, o que comprovaria em definitivo a solução de continuidade existente entre os perímetros urbanos de ambas as localidades. Descontinuidade existia, pois não havia melhoramentos públicos entre o bairro de Pinheiros, via Jaguaré, e a rua Euzébio Matoso. "Salta a vista o largo trecho, de mais de um quilômetro, ao longo da estrada de Presidente Altino, sem uma casa sequer [...] Aliás, Osasco constituiu-se de longa data um núcleo 64 demográfico de vida própria" (Livro da Comissão Promovedora da Autonomia de Osasco. f. 36). Como Osasco satisfazia as exigências legais, apresentou-se à Comissão de Divisão Administrativa e Jurídica de São Paulo uma representação com 371 assinaturas de eleitores de Osasco que reivindicavam a criação do Município. Esse processo deu entrada na Assembléia Legislativa em 22 de abril de 1953 e recebeu o seguinte parecer: A Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo resolve: Artigo 1º – Determinar, em cumprimento ao que estabelece o art. 73 da Constituição Estadual e de acordo com o disposto na Lei nº 1, de 18 de setembro de 1947 (Lei Orgânica dos Municípios), com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 2.081, de 27 de dezembro de 1952, a realização de plebiscito de consulta à população do território compreendido pelas atuais divisas do subdistrito de Osasco, município da capital, comarca da capital, que se pretende seja elevado à município. Artigo 2º – Esta Resolução entrará em vigor na data de sua aprovação, revogadas as disposições em contrário. Sala das Comissões, em 2 de outubro de 1953. Hilário Torloni – redator (Livro da Comissão Promovedora da Autonomia de Osasco. f. 36v). Apesar de toda a vibração demonstrada nos relatos dessa última ata — quando deputados presentes até pedem que comissões de moradores se encaminhem à Assembléia Legislativa no momento de se votar a data do plebiscito, dando "uma demonstração de pujança" —, encontramos também manifestações sobre a necessidade de se "expor a questão da divulgação e propaganda entre o povo, de maneira mais eficiente, concitando o mesmo a dar sua adesão à causa da autonomia" (Livro da Comissão Promovedora da Autonomia de Osasco. f. 37). Essas considerações fazem refletir sobre a composição da Sociedade Amigos do Distrito de Osasco e sobre o que se caracteriza como "povo" na fala daqueles interlocutores. Apesar de haver significativo movimento em torno da causa emancipacionista, estava circunscrevia-se principalmente à população da região central de Osasco, junto àquela elite local formada de comerciantes, 65 profissionais liberais, empresários e representantes políticos que viam na emancipação mais uma forma de ascensão social e manutenção do poder político de que desfrutavam. Esta afirmação fica mais clara no momento em que João Gilberto Port relata, em entrevista, que a mobilização preparatória para o segundo plebiscito iniciou-se —... com reuniões realizadas nas casas do dr. Reinaldo de Oliveira [dentista], do dr. Edmundo Burjato [médico],... do dr. Fortunato Antiório [dentista], Rodolfo, e a sede maior sempre foi a casa do velho Menck [empresário]. Ah, e a casa do Negrelli [engenheiro, funcionário de uma metalúrgica local]. Estes eram, então os locais de aglutinação do pessoal (João Gilberto Port, em entrevista concedida à autora em 8/7/2004). Ou ainda quando a professora Helena Pignatari afirma em sua entrevista que tanto os defensores do "sim", quanto os do "não" pertenciam à mesma camada social, ou seja, como ela mesmo os define: "a burguesia de Osasco". Na ata da reunião do dia 9 de novembro de 1953, destacamos a fala do presidente da Sado, Reinaldo de Oliveira. A segunda fase do movimento pró-autonomia está praticamente encerrada, pois já conseguimos que a Assembléia Legislativa do estado determinasse a realização do plebiscito [...] Disse a seguir que, entrados na última fase do movimento, desejava o concurso de todos sem distinção por ser esta a fase em que o trabalho será feito junto ao povo; durante a segunda fase, em que o trabalho foi apenas de provas documentais e acertos com parlamentares, não foi necessário senão o concurso de uns poucos, porém, doravante se torna imprescindível o esforço de todos a fim de que possamos apresentar um plebiscito que seja a expressão legítima do povo (Livro da Comissão Promovedora da Autonomia de Osasco. f. 37v). Esta exposição leva a se questionar em que medida houve ou não efetiva participação popular na organização, no andamento e na realização do 66 plebiscito. Pode-se supor que a grande maioria da população osasquense esteve à margem desse processo, sem a menor participação. Reproduzo, a seguir, cópia de panfleto distribuído pelo grupo do "sim", em 1953. Apesar de toda a mobilização feita pelo grupo do "sim", o referendo popular deu vitória ao "não" com uma vantagem de 105 votos. Quando, no segundo semestre de 1953, a Assembléia Legislativa do estado aprovou o pedido de realização do plebiscito, o PSP de Adhemar de Barros faria a campanha contra o autonomismo. Argumentava-se que, com a emancipação, 67 Osasco se tornaria "cidade do interior": os níveis do salário mínimo vigente (que era o mesmo da capital até então) cairiam aos correspondentes do interior; além disso, os produtos de consumo diário, como gêneros, roupas e cigarros, sofreriam majoração de impostos e custariam mais (Moisés, 1978:312). Os autonomistas alegaram que esse plebiscito fora fraudado. O movimento em defesa da não autonomia de Osasco, tanto neste primeiro plebiscito (em 1953), quanto na segunda consulta, ocorrida em 1958, teve à frente o sr. Lacides Prado, dono do único cartório instalado no subdistrito e que, segundo Helena Pignatari, antes de mais nada, temia perder seu monopólio. Além dele, aglutinavam-se em torno do "não" alguns comerciantes que viam a transformação do bairro em município como um retrocesso, na medida em que, ao se tornar Osasco "cidade do interior", seus habitantes perderiam o status de moradores da capital paulista, transformando-se em "caipiras", e que esse processo acarretaria a desvalorização do seu patrimônio. 68 A ESCOLA SECUNDÁRIA E O MOVIMENTO AUTONOMISTA: o segundo plebiscito, os sujeitos, a escola e o movimento A 7 de dezembro de 1957, transcorridos quase quatro anos da vitória do "não" no plebiscito de 1953, reiniciaram-se os trabalhos da Comissão Promovedora da Autonomia de Osasco. De acordo com a Lei nº 2.081/52, consultas públicas sob forma de plebiscito para emancipação de municípios só podiam ser feitas a cada cinco anos, para que o mandato dos novos prefeitos das cidades emancipadas coincidisse com o mandato dos demais prefeitos eleitos. Na reunião daquela data, registrada em ata, lembraram-se as "diferentes falhas involuntárias que a experiência" do plebiscito anterior mostrou e determinou-se que, como quatro anos antes, a Sociedade Amigos do Distrito de Osasco (Sado) ficava encarregada de organizar e encaminhar à Assembléia Legislativa a documentação necessária para que novo plebiscito ocorresse em 1958. Essa primeira ata exibe 85 signatários, demonstração de que, diferentemente do sucedido em 1953, havia um grupo mais organizado à frente dos trabalhos relativos à luta pela autonomia osasquense. Cabe destacar que agora havia componentes específicos da década de 50, os quais fortaleciam a idéia de manter na localidade os impostos recolhidos pelas empresas e pelos moradores locais: novas e importantes empresas haviam chegado ao bairro, além da instalação da Cidade de Deus, sede do Banco Brasileiro de Descontos (Bradesco), em 1953. Afora essas mudanças, nesse período presenciaram-se novas formas de inserção urbana da classe operária e novas práticas políticas específicas do período populista — mas é inegável que foram sobretudo os setores médios locais que se interessaram pela autonomia municipal, e a "sua capacidade de envolver os setores assalariados e operários foi muito variável ao longo do tempo" (Rizek, 1988:22). A Sado, liderada pelo dentista Reinaldo de Oliveira, "vinculado à antiga UDN" (Moisés, 1978:303), fomentava a idéia de que os moradores do bairro 69 deveriam se organizar para defender seus interesses como cidadãos, já que seus impostos ajudavam a construir "a fortaleza", isto é, a Prefeitura de São Paulo, o que, segundo Rizek (Rizek, 1988:23), configurava a idéia marcante de oposição "centro" versus "periferia". Note-se que, muito antes da retomada oficial da luta pelos emancipadores, as manifestações em favor da autonomia já ocorriam, organizadas pela Sociedade Amigos de Vila Yara (bairro do subdistrito), a qual, já em 1956, promovia comícios "visando recolocar a idéia da autonomia" (Moisés. 1978:319). Nesta nova campanha, de 1958, verificamos que, se muitas das lideranças autonomistas se mantêm, como Reinaldo de Oliveira (dentista), Antonio Menck (negociante), Nelson Soares de Freitas (jornalista), Walter Negrelli (engenheiro), novos atores entram em cena: Albertino de Souza Oliva, advogado trabalhista e um dos fundadores da Frente Nacional do Trabalho, vários comerciantes, alguns altos postos de direção de empresas e alguns trabalhadores (Moisés. 1978: 320). Gabriel Figueiredo, em entrevista à autora, observa que seria um "reducionismo vulgar colocá-los [os trabalhadores], todos, num mesmo saco e considerá-los massa de manobra da burguesia". Esse ex-aluno do Ceart, exmembro do Partido Comunista Brasileiro e ativista dos movimentos estudantil e operário, argumenta que, embora o PCB não tivesse "empunhado com ardor a bandeira dos emancipacionistas", em momento algum impedira que seus militantes participassem desse "movimento da sociedade civil, liderado por conhecidas figuras da burguesia", que, por outro lado, contava com a participação de sindicalistas, metalúrgicos, ferroviários, comerciários e bancários. A retomada do movimento teve bases mais populares que as ações de 1953. Buscou-se apoio em setores assalariados e operários da população. Nesta diretriz, um novo jornal — A Vanguarda — mudará o tom que marcava a campanha no início da década, adquirindo uma linguagem mais popular e agressiva. Entretanto, o levantamento das reivindicações nos bairros e os comícios em trens de subúrbio eram, fundamentalmente, formas de propagandear o movimento, não de organizar a população. Ou seja, as lideranças da campanha autonomista não se propunham criar laços mais orgânicos com os setores de 70 baixa renda e com os trabalhadores de quem esperavam apenas um apoio suficientemente genérico para que o processo continuasse sob o controle de quem sempre estivera: os setores médios locais (Rizek, 1988:29). Ao mesmo tempo em que o "sim" retoma sua luta, o grupo defensor do "não" também se organiza. Entre seus líderes, encontramos Lacides Prado, ligado ao grupo de Adhemar de Barros, dono do único cartório existente na localidade e que, segundo as entrevistas concedidas à autora por Werner e Port, o fazia muito mais por temer a concorrência nos negócios, que poderia acontecer com a instalação do município, do que por convicções políticas. Um dos fortes argumentos utilizados pelo grupo do "não" era o fato de que o Matadouro de Carapicuíba, pertencente à Prefeitura de São Paulo e que ficava na divisa de Osasco com Carapicuíba, demitiria todos os seus funcionários com o evento da emancipação, já que, por lei, estes não poderiam residir fora do município de São Paulo. Também cessariam os serviços de transporte s da CMTC e sobreviria a desvalorização imobiliária. Os opositores da autonomia trabalha[va]m o velho argumento segundo o qual, com o desmembramento, Osasco deixaria de fazer parte da região administrativa da capital de São Paulo para fins da determinação dos níveis de aumento do salário mínimo. Naturalmente, este era um argumento de peso para uma comunidade formada de população majoritariamente trabalhadora, especialmente se se tiver em conta o fato de que parte substancial da classe operária de Osasco era composta de trabalhadores não-qualificados que estavam situados nas faixas inferiores de renda (Moisés, 1978:322). Não se pode esquecer, ademais, que o movimento pelo "não" tinha a vantagem de se beneficiar do aparato administrativo da Prefeitura paulistana. Na véspera do plebiscito, tentando influir diretamente nos resultados da votação a ser realizada dois dias mais tarde, a Prefeitura de São Paulo divulga uma nota ameaçadora do prefeito Adhemar de Barros, enumerando os problemas que surgiriam caso a população de Osasco e dos outros distritos decidissem pelo SIM: 1. Os servidores da Prefeitura de São Paulo por lei não podem ter domicílio fora da 71 área administrativa da Capital, sob pena de perda de cargo. Desta forma, 5 mil pessoas que servem na área do matadouro de Carapicuíba estão ameaçadas de ficarem desempregadas, e entre elas há grande número que são moradores de Osasco; 2. Com a separação, cessará o serviço de ônibus da CMTC na linha capital-Osasco, já que por força de lei municipal, essa companhia não pode atingir áreas situadas fora do município de São Paulo; 3. Os impostos sofrerão majoração, pois com a nomeação em massa de novos servidores públicos para o futuro município, os encargos de instalação de novos prédios e instalações onde funcionaria a prefeitura exigirá arrecadar mais recursos, suficientes para todas essas medidas; 4. Ocorreria uma desvalorização geral dos imóveis no futuro município, que passaria a ser considerado interior; 5. Cairiam os níveis do salário mínimo, pois Osasco seria incluída entre as cidades do interior do estado (Moisés, 1978:325-326). Enquanto isso, a Comissão Promovedora da Autonomia de Osasco esforçava-se para esclarecer a população sobre os benefícios na instalação do município. Argumentava-se que os impostos arrecadados em Osasco não mais iriam para os cofres da capital, para depois apenas pequena parcela desses recursos serem investidos em Osasco; que a comunidade passaria a gozar da instalação de coletorias, delegacias, postos de saúde, cartórios, prontossocorros, além de se poder promover a ampliação da iluminação, buscar empréstimos federais para saneamento básico, requerer instalação de posto do Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários (Iapi), etc. Alegava-se que, com a instalação da Prefeitura, seus titulares estariam mais próximos da população, a qual poderia lembrá-los de suas promessas de campanha, e que estes governantes sairiam da própria comunidade, promovendo, portanto, a representação dos diversos bairros e vilas nas esferas das decisões políticas e evitando os desvios das verbas ali arrecadadas. Com esse discurso, a elite local justificava a criação de um espaço político próprio. Segundo a professora Helena Pignatari, essa campanha foi muito mais consciente que a campanha de 1953, e a discussão em torno das vantagens 72 do "sim" foi levada com muito mais clareza, até porque se pode contar com recursos financeiros que não existiram no primeiro plebiscito. — O processo de emancipação só foi adiante quando o Reinaldo convenceu o velho Menck a apoiar, e ele apoiou e financiou. Então, não tinham mais problemas com advogados, viajar para o Rio de Janeiro, pagar aquela papelada toda que tinha de ingressos de "coisarada" lá. A parte econômica foi resolvida com a entrada do Menck, e ficou muito mais fácil, daí pra frente (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à autora em 19/5/2004). A campanha pelo "sim" teve grande penetração nos meios estudantis e efetivamente esteve presente nas discussões que ocorriam no interior da escola. João Gilberto Port, como ex-presidente do Grêmio Estudantil, depõe: — Eu me lembro perfeitamente quando me convidaram e eu, de pronto, me propus a movimentar a classe estudantil em torno do movimento autonomista. Passamos, então, a participar das reuniões e o grupo foi crescendo [...] a participação da juventude estudantil na vitória da emancipação foi muito significativa. E nós tivemos o condão de termos atrás de nós como conselheiros [os professores] Emir Macedo e Helena Pignatari, que realmente deram aquele embalo pra juventude (João Gilberto Port, entrevista concedida à autora em 8/7/2004). Esse relato confirma que, além dos estudantes, a campanha do "sim" beneficiava-se da militância de docentes, como o professor Emir Macedo (de Português), Helena Pignatari (de História), além de Fortunato Antiório (de Matemática), pois a professora Pignatari disse fazer campanha "na escola, na rua, em casa, com a empregada, com o jardineiro, com todo mundo, pra explicar o que seria [a autonomia]" e dizia aos alunos: — "Olha, minha gente, a luta pela emancipação significa isso, aquilo e aquele outro". Um dos argumentos que eu defendi o tempo todo era o fato de que muita gente de Osasco saía pra trabalhar em São Paulo. Então, essa viagem diária, ida e volta, tal e coisa. Eu dizia: "se 73 nós formos independentes, os empregos vão aparecer aqui no município. Aqui surgirão os empregos, realmente, certo? Vai ter Câmara — essa Câmara não vai precisar de gente pra datilografar? A parte administrativa: você não vai ter o Secretário de Saúde? Os médicos, os enfermeiros da cidade, vão pra onde? Vão pra cá." Então, ia explicando que cada uma dessas secretarias iria absorver mão-de-obra de Osasco, e nós teríamos empregos dentro da cidade. Esse era um argumento fortíssimo (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à autora em 19/5/2004). A professora ainda acrescenta: — Havia um grupo de alunos, militantes, fazendo passeata. Por exemplo: comício do "não" no Largo, na praça de Osasco. Um grupo de alunos resolve bagunçar e eu falei: "Bagunçar não pode, o que vocês podem é fazer uma passeata." "Ah, mas nós queremos cortar a Praça inteirinha de ponta a ponta." Eu falei: "Então, vão fazer a passeata, e, quando chegar ali, a turma toda atravessa, cantando o hino nacional, e vai embora. Não pode bagunçar, não pode sair da linha, não pode sair." (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à autora em 19/5/2004). A escola secundária era muito dinâmica. O Ceart costumava abrir "suas portas para atividades culturais e recreativas. Era comum também a formação de grupos de estudos de fins de semana, sobretudo para os alunos do noturno que precisavam colocar as matérias em dia, pois não tinham tempo durante a semana" (Gabriel Roberto Figueiredo, depoimento escrito concedido à autora em 7/9/2005). Segundo Eduardo Rodrigues, os professores do Ceart influenciaram a sua geração e assim foram descritos por Figueiredo quando perguntado sobre o papel destes na sua formação: "Dentre vários, vou citar três pela influência maior: Josué Augusto da Silva Leite (História); Helena Pignatari Werner (História) e Emir Macedo Nogueira (Português), cujo relacionamento com os alunos foi descrito como “cordial, solidário, de camaradagem". Essa relação fica patente no relato da professora Helena Pignatari, quando ela afirma que os alunos costumavam freqüentar a sua casa 74 e que chegou a passar "as férias de janeiro e fevereiro ensaiando peça de teatro com alunos". — Era sábado e domingo com os alunos. As férias inteiras. Não se perdia contato, entende? No primeiro dia de aula, a inauguração. Era peça, não é? Muitas peças — algumas sérias, que os alunos bagunçaram e virou comédia em vez de tragédia, mas era essa a ligação entre eles, a idéia de teatro, de autores. Tudo isso (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à autora em 19/5/2004). Helena Pignatari acrescenta que, nessa relação, ela e outros professores da escola chegaram a ser padrinhos de casamento em vários matrimônios que ocorreram entre alunos e alunas do colégio. — Nós conhecíamos todos os alunos pelo nome. Nós sabíamos dos namoricos e, como sabíamos dos namoros, nós sabíamos também das brigas — que as alunas vinham, às vezes, chorando porque brigavam com os namorados, brigavam umas com as outras. Nós sabíamos tudo, eles contavam tudo para a gente; eles sabiam que não tinha nenhum professor dedo-duro, que ninguém ia dar bronca, pelo contrário, iam tentar entender a situação (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à autora em 19/5/2004). Sobre os textos que eram lidos, Figueiredo informa: — Machado de Assis era fundamento. Depois vinha Graciliano Ramos, Gonçalves Dias, Olavo Bilac, José de Alencar e outros. Dentre os portugueses, Fernando Pessoa e padre Antonio Vieira marcaram forte presença. Na literatura internacional clássica pelo menos três obras são inesquecíveis: Os miseráveis, de Victor Hugo, Crime e castigo, de Fiódor Dostoiévski, e Cândido, de Voltaire. Não constituíam leitura obrigatória, mas foram estimuladas no científico. Para mim, particularmente, que tive o privilégio de ingressar ainda jovem, aos 15 anos, no PCB, acabei sendo contemplado com leituras complementares de Marx, Engels, Lênin, Goethe, Nietzsche, Gramsci, Sartre... Lembro- 75 me que uma semana antes de prestar vestibular para a Faculdade de Medicina, suspendi todos os meus estudos de Física, Química, Matemática, Biologia, Português e outras matérias para ler, intensamente, Assim falava Zaratustra (Gabriel Roberto Figueiredo, depoimento escrito concedido à autora em 7/9/2005). Reforçando essa conscientização empreendida na escola, transcrevemos mais um trecho do depoimento da professora Helena Pignatari: — Porque o aluno que vai votar... Uma das coisas, sérias, que eles aprenderam dentro do Ceart era o voto. Isso não era na cadeira de História, todas as cadeiras explicavam que, especialmente quando chegava perto de eleição, conscientizar que o voto era uma coisa muito séria. Não se falava em arma ainda, né? Que o voto era uma arma. Mas que era muito sério, que tinha que pensar, que tinha que conhecer o candidato que tal e coisa. Então eu acredito que muito aluno votou com muita consciência no "sim" (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à autora em 19/5/2004). Às vésperas do plebiscito, os dirigentes do movimento emancipacionista desdobram-se na ofensiva para obter a maioria dos votos na consulta popular — como o voto não era obrigatório, cada adesão ganhava maiores proporções —, fazendo veicular pela imprensa, pelo rádio e pelo serviço de alto-falantes que ficava no largo da Estação as razões por que todos os cidadãos do subdistrito deveriam comparecer e votar "sim" na consulta popular, além de espalhar cartazes e faixas pelas principais ruas de Osasco. Finalmente, a 21 e um de dezembro de 1958, o "sim" sagrou-se vitorioso no segundo plebiscito. Esse plebiscito foi reconhecidamente fraudado até pelos adeptos do "sim", como declara Helena Pignatari, ao relatar o dia da votação nas dependências do colégio. — Havia a sala, e essa sala era cheia de janelas. Todas as salas eram bem iluminadas, e nós pusemos a urna ali. E os votos? Do "sim", o 76 papel era branco escrito "sim" em preto; o papel do "não" era preto escrito em branco. Os envelopes eram os mais vagabundos que você possa imaginar, baratinhos, baratinhos. Então, quando a pessoa punha o voto, quem estava como fiscal da porta, contra a luz, via se o voto era branco ou preto, e aí íamos contando. As urnas que receberam muitos votos do "não" foram "socorridas". Por exemplo, na última hora, hora e meia antes de terminar, deu um temporal naquela cidade que foi uma coisa bárbara, foi um horror, sumiu todo mundo. Não apareceu mais ninguém para votar, e aquele temporal danado lá fora. Nesse momento, nós pegamos a lista dos ausentes, assinamos e colocamos tudo "sim". Alguns [fizeram isso] com a conivência do presidente da banca. A minha sala, por exemplo, foi sem a conivência do presidente da banca, que não quis. Era a Nair Bellacosa — não deixou... [Mas] uma hora, ela teve que ir ao banheiro, e nesse momento, então, nós fizemos uma festa na urna. Muito voto "sim", tudo com a assinatura, entende? Nenhum defunto, não, só os que estavam na lista (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à autora em 19/5/2004). Ou ainda no relato de Port: — Esse também é um lado pitoresco. Como os autonomistas já haviam tido uma lição em 53, que muitos disseram que a eleição foi fraudada, etc., os autonomistas tiveram, desta feita, o cuidado de tomar conta das mesas. Aliás, eu vou contar uma passagem — todos nós sabemos, isso não é segredo nenhum, que se não tivesse fraude em 58, também a emancipação seria muito difícil de ser conseguida, porque os argumentos da época eram muito fortes contra a emancipação, argumentos ridículos. Os Coutinho, pessoal do cartório, o Lacides Prado, a Íris, né, então eles... Ah, como é que se chamava aquela senhora, Maria Genta — Nossa Senhora, essa era uma praga né? No bom sentido, eu estou dizendo... Então, esse pessoal realmente mobilizava. Osasco era muito pequeno, e esse pessoal normalmente controlava bem com essa argumentação de imposto, da condução, e isso realmente 77 atrapalhava muito a nossa luta, mas, em 58, quando por ocasião da realização do plebiscito. Como eu dizia, tivemos o cuidado de tomar conta das mesas. Aliás, eu vou contar outra história muito interessante: eu fui secretário de mesa e o presidente da mesa em que eu estava era meu diretor do grêmio, tinha sido meu diretor do grêmio, o nome dele era Severino, era um nortista, na época já tinha vindo uma grande migração de nortistas para Osasco. E ele era o presidente e eu era o secretário, eu era o presidente do grêmio e ele era o meu subordinado; lá, era o presidente e eu era o secretário, e nós ficamos no hall de entrada do Gepa, que era local de votação e situado à nossa frente. Havia uma pessoa que não saía daquele posto, como se fosse um guarda. Na época eu não o conhecia e depois se tornou um grande amigo, era Antonio Salve, advogado. E nós tínhamos a missão realmente de fraudar, e o Antonio Salve não tirava o olho da nossa mesa, até duas horas da tarde. Imagina, a eleição começou acho que às oito ou nove horas, eu não me lembro, e eu estava desesperado, porque nós tínhamos que fazer maracutaia, e não tinha como. Quando chegou lá pelas tantas, eu falei pro Severino: "Deixa eu conversar com esse rapaz aí." Cheguei nele e falei: "Puxa, você está parado todo esse tempo aí... Vamos até a padaria, vamos tomar um café." Aí fomos tomar o café, no bate-papo com ele eu falei: "Escuta, me diz uma coisa, permita-me fazer essa pergunta, eu estou vendo você aí parado esse tempo todo, não abre mão, você é fiscal, qualquer coisa?" Ele vira pra mim e diz o seguinte: "Olha, eu estou aqui para fiscalizar, sim, sabe por quê? Porque em 53 nós fomos roubados na eleição e nós precisamos ganhar agora." Eu falei: "Seu cretino, faz cinco horas que nós não fazemos nada por tua causa." Bom, aí não precisa dizer mais nada, porque o que tinha que ser feito foi feito. E, felizmente pra todos nós, realmente houve a fraude na eleição, todo mundo do plebiscito sabe disso. Mas eu acho que foi uma fraude no bom sentido, se podemos dizer assim (João Gilberto Port, entrevista concedida à autora em 8/7/2004). 78 Jornais de São Paulo chegaram a dizer que "até os mortos votaram em Osasco", pois eleitores falecidos, cujos nomes ainda constavam das listas, receberam assinaturas e tiveram seus votos válidos (cf. Oliveira, 1992:96). Apesar da fraude, 6.677 eleitores participaram desse plebiscito. Foram contados 3.922 votos pelo "sim", 2.671 votos pelo "não", 36 votos em branco e 42 votos nulos (cf. Moisés, 1978:289). São números que nos parecem significativos, diante de outros que ocorreram nos plebiscitos de 1958 — em Cajamar, vitória do "sim", com 389 votos; em Embu, vitória do "sim", com 261 votos; em Guaianazes, vitória do "não", com 452 votos; em Itaquera, "não", com 902 votos; em Perus, "não", com 760 votos; em Pirapora do Bom Jesus, "sim", com 339 votos: em São Miguel Paulista, "não, com 3.209 votos; e em Taboão da Serra, "sim", com 78 votos (cf. Moisés, 1978) —, mas que merecem ser questionados, uma vez que representavam "menos de 30% dos 21 mil eleitores do bairro naquele momento" (Dias, 1995:54). 79 UMA LONGA JORNADA PELO RECONHECIMENTO DO MUNICÍPIO: após a luta pelo reconhecimento da autonomia, o bairro vira cidade O processo para o reconhecimento da autonomia de Osasco foi singular, pois demorou mais de três anos para se consolidar. Esse evento tornou a autonomia osasquense diversa das várias que ocorreram no período, visto que, apesar de o plebiscito ter sido referendado pela Assembléia Legislativa paulista por meio da Lei nº 5.121, de 31 de dezembro de 1958, sancionada pelo governador Jânio Quadros, o procedimento ocorreu sem que os deputados examinassem o recurso que fora impetrado contra o plebiscito pelo então prefeito da cidade de São Paulo, Adhemar de Barros, pelo deputado estadual André Nunes Júnior (PTB) e pelo sr. Lacides Prado, sob a justificativa de que muitas irregularidades impediam o reconhecimento da consulta popular. Em parecer elaborado pelo jurista Miguel Reale no processo nº 20.568, de 15 de junho de 1962, da Prefeitura do Município de São Paulo, encontramos a seguinte informação: Inconformado, o Chefe do Executivo Municipal impetrou mandato de segurança (nº 92.801), que foi denegado pela E. Quarta Câmara Civil do Tribunal de Justiça, sob os seguintes fundamentos: a) remetendo o autógrafo à sanção, sem ter apreciado o recurso, a Assembléia, implicitamente, o rejeitou; b) a questão é meramente política, extravasando da órbita judiciária; c) o resultado do plebiscito, sem embargo das sérias irregularidades que, confessadamente, o inquinaram, deve, com a rejeição implícita do recurso, ser tido como definitivo. Pela Lei nº 5.121, as eleições para prefeito, vice-prefeito e vereadores do novo município aconteceriam no momento em que ocorressem as primeiras eleições municipais que se seguissem; o novo município seria administrado, até sua instalação, pelo prefeito do município de que havia se desmembrado. Diante do impasse que se estabeleceu, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) 80 sustou as eleições em Osasco e, a 19 de setembro de 1959, convocou a população do distrito a "exercer seus direitos políticos, participando das eleições de vereadores do Município da Capital" (processo nº 20.568), realizadas em outubro de 1959. Mesmo depois que a Assembléia Legislativa rejeitou o recurso impetrado pelo prefeito (resolução nº 322, de 18 de outubro de 1960), por "inconsistência das razões alegadas", o TRE indeferiu o pedido de que se realizassem eleições, por entender que o Supremo Tribunal Federal decidira pela nulidade da lei que criava o município e que, assim sendo, Osasco não era município e, portanto, não haveria eleições, uma vez que a "simples rejeição de recurso não tem o mérito de revalidar uma lei nula" (Acórdão nº 50.732). Desta forma, em 23 de março de 1961, a população foi novamente conclamada pelo Tribunal Regional Eleitoral a votar nas eleições para prefeito e vice-prefeito do município da Capital, argumentando-se que "só através de outra lei regularmente votada e promulgada, e não de simples resolução, ocorreria a desejada emancipação". Parece-nos que, de fato, o sentimento emancipacionista tomou vulto a partir da contestação do resultado do plebiscito, pois, a partir da vitória do "sim", a sociedade política osasquense começou a se preparar para concorrer nas eleições que se seguiriam, e o fato destas terem sido postergadas criou um sentimento de fraqueza naqueles que pretendiam ocupar os cargos públicos, eletivos ou não, que seriam criados. Segundo Helena Pignatari, depois do plebiscito "a gente podia trabalhar muito mais e explicar. Eu não digo convencer. Conscientizar e mostrar o que significava emancipação e tudo mais". Curiosamente, é exatamente a partir da Vitório fraudulenta de 58 que a participação popular se tornou mais efetiva, com uma alteração na orientação do movimento. Pode-se dizer que é a partir desta fase que se dá o movimento. Além disso, nos anos 58-62 assiste-se o surgimento ou ascenso de outras mobilizações, sobretudo sindicais e estudantis, que repercutem no âmbito local. Tal alteração tem como índices a solidariedade dos estudantes ao "Sim", expressa em passeatas e em uma greve de protesto contra a inversão do resultado do plebiscito, a apelo das SAB’s do Jardim Helena Maria, Vila Iara e Bussocaba a favor da emancipação, um número do jornal dos trabalhadores da Cobrasma 81 dedicado à luta autonomista. Também é neste momento que, em Osasco, a campanha pela emancipação assume, de forma clara, o caráter de luta contra a prefeitura de São Paulo (Rizek, 1988:34). Afinal, o Tribunal Federal julga improcedentes os recursos impetrados contra o plebiscito (Acórdão de 16 de junho de 1961, relatado pelo desembargador Barros Monteiro). Em seguida, o TRE designa a data de 7 de janeiro de 1962 para a realização das eleições em Osasco, mas Prestes Maia, então prefeito de São Paulo, entra com novo mandado de segurança, fazendo com que as eleições fossem mais uma vez suspensas às vésperas de sua realização. Segundo o sr. José de Moura Leite, um dos maiores lutadores pela emancipação e ex-chefe da Estação Ferroviária – "Depois de muita luta, passeatas etc como protesto para libertar Osasco de São Paulo, os emancipadores conseguiram que fosse marcada a primeira eleição para a escolha do primeiro prefeito e vereadores de Osasco." Seria 7/1/62, mas depois de tudo preparado para o grande dia, os osasquenses tristemente ouviram a terrível notícia na véspera, às 20 horas, do dia 6, pela Radio Difusora de São Paulo: "ATENÇÃO, ATENÇÃO, Osasco! Por ordem do sr. Ministro Ribeiro da Costa, ficam canceladas as eleições de Osasco" ("A emancipação vista pelos seus organizadores", Osasco, Secretaria de Educação e Cultura, Biblioteca Municipal Monteiro Lobato, s/d., Movimentos sociais e políticos, documento xerocopiado). Os estudantes secundaristas, por sua vez, organizaram uma caravana de estudantes e demais moradores para se dirigirem até a Assembléia e exigir dos deputados um compromisso visando a rápida solução do caso. Dessa manifestação resulta a criação oficial de um "Movimento Estudantil em Prol da Autonomia de Osasco" (Moisés, 1978:345). Esse processo de confirmação e suspensão das eleições contribuiu para a revolta da população local, pois a essa altura já havia o desenrolar das campanhas para prefeito, vice-prefeito e vereadores e, tanto os candidatos como o próprio eleitorado, sentiram-se ultrajados com o descaso das autoridades competentes. Esse procedimento traz consigo a expansão de uma luta com características de conquista popular, pois nos anos 60 são as manifestações 82 estudantis e de trabalhadores que, "acabam por tentar se apropriar de parcelas de um espaço político que não foi criado por seu próprio movimento" (Rizek, 1988:34), que deram a tônica ao movimento autonomista. A partir dos anos 60, as formas de ação foram bastante diversificadas e se articularam em pelo menos duas "frentes": o movimento estudantil e o movimento dos trabalhadores, sobretudo metalúrgico [pois] as lutas estudantis não tinham as mesmas características das que se desenvolviam na cidade de São Paulo. Se havia vínculos com o movimento dos estudantes universitários, por outro lado, o movimento secundarista de Osasco, inclusive pela base social, estava em interrelação mais estreita com o movimento operário local e com a dinâmica da política municipal desde o período que J. A. Moisés chamou de terceira fase do movimento de emancipação (1958-1962). Pode-se, assim, perceber que a institucionalização da União dos Estudantes de Osasco (U.E.O), em 1962, e o movimento que nela resultou foram realizados pelos mesmos estudantes que participaram do movimento autonomista, quase como uma interface do processo. Essa conexão conferia à U.E.O um prestígio político, a nível local, maior do que poderia angariar qualquer outra entidade de secundaristas. Assim, a entidade se transforma em aparelho cobiçado por diversas lideranças (Rizek, 1988:34-35). A mesma autora afirma ainda que haviam três forças políticas, que atuavam, "ora através de disputas, ora através de alianças", de forma significativa naquele momento em Osasco: "o PCB, hegemônico no movimento sindical, as concepções do Padre Lebret na F.N.T. [Frente Nacional do Trabalho] e a idéia de um movimento de massa que ganha as ruas para pressionar os poderes públicos no movimento secundarista" (Rizek, 1988:35). Confirmando a ênfase na composição secundarista do movimento estudantil na luta autonomista, encontramos no depoimento de Gabriel Figueiredo a afirmação de que "vários alunos secundaristas participaram da luta pela emancipação". Ele acrescenta que a União dos Estudantes de Osasco (UEO) "nasceu nas lutas emancipacionistas", tendo João Gilberto Port como um de seus fundadores. O próprio Port depõe, a respeito: 83 — Fazíamos passeatas. Vou contar outra história muito interessante: quando suspenderam as eleições, na véspera da eleição — o prefeito de São Paulo da época era o falecido Prestes Maia —, quando os estudantes souberam que a mulher dele, dona Maria Maia, vinha a Osasco na casa da Maria Genta comemorar, foi uma noite inteira de estudante procurando onde estava o carro dessa mulher, porque eles queriam fazer represálias contra a primeira dama de São Paulo (João Gilberto Port, depoimento concedido à autora em 8/7/2004). A suspensão das eleições levou a inúmeros protestos: os comerciantes fecharam suas portas em sinal de luto; o subdistrito cobriu-se de faixas pretas; "intensifica-se novamente a prática de comícios e concentrações com o objetivo de manter as bases de apoio informadas do andamento da batalha judicial" (Moisés, 1978:346); no Largo de Osasco — nesse momento rebatizado como "Praça da Independência" —, muitas pessoas ameaçaram rasgar seus títulos de eleitor e foi acesa uma pira simbólica, com fogo trazido pelos autonomistas da pira do Ipiranga. Uma passeata é convocada pelos líderes autonomistas e, segundo "O Estado de São Paulo", mobiliza mais de 5 (cinco) mil pessoas para virem até o centro de São Paulo manifestar o seu protesto. A marcha dos manifestantes primeiro vai ao Ibirapuera, onde estava o gabinete do prefeito; depois, dirige-se ao palácio dos Campos Elísios, para reclamar o apoio que havia sido prometido pelo governador da época, Carvalho Pinto, eleito pelo esquema de apoio do Janismo e, finalmente, alcança as imediações da Assembléia Legislativa (Moisés, 1978:349). Esse episódio foi assim descrito por Port: — Nós, estudantes, nos posicionamos em frente ao antigo Senadinho, que era a padaria do Portela, ali na João Batista, em frente ao cine Glamour. Nós nos posicionamos ali e nós recolhemos, naquela época, aproximadamente dois mil títulos de eleitor em protesto. Nós íamos queimar esses títulos no Largo de Osasco. Não tenho a menor dúvida de afirmar que, após a suspensão das eleições, às vésperas do pleito — foi na véspera do pleito, porque a eleição seria no domingo e no sábado à noite eu tinha ido a uma sessão de cinema no cine Estoril. 84 Quando eu saí, o que estava acontecendo? Rodinhas aqui e no antigo bar Bandeirante, e todos comentando: "Oh, acabou a eleição, não tem eleição." Este fato realmente ajudou a incrementar o sentimento autonomista. Aí o movimento cresceu muito. E tem uma certa explicação. Você sabe, tem uma eleição, várias famílias lançam candidatos. Bom, já que vai ter, muitas famílias, que eram inclusive contra a autonomia, lançam candidato e, com a suspensão às vésperas, aquilo provocou um ódio tão grande, que todo o movimento cresceu e muito. E aí, se tivesse qualquer plebiscito lícito, nós ganharíamos fácil, fácil. Com isso, cresceu o movimento, e aí foram praticamente o quê? A eleição foi em 62: foram aí uns três anos de batalha. Nesses três anos, os estudantes continuaram a participar. Nós fomos, fizemos, participamos das caravanas à Assembléia, da passeata em São Paulo; nós fizemos movimento na cidade novamente. Aí entrou o fechamento do comércio, e aquele negócio todo. Os estudantes participaram também [do enterro do "não"]. Foi todo o movimento, mas com a participação dos estudantes... Fizemos caixão, né?! (João Gilberto Port, depoimento concedido à autora em 8/7/2004). O movimento foi ampliado e diversos telegramas foram enviados ao Supremo Tribunal Federal como manifestação de apoio. Mas parece que o ato mais relevante desse episódio foi o fato de milhares de eleitores terem depositado seus títulos de eleitor no ponto de mobilização montado na padaria do Portela, ou "Senadinho", como era conhecido. Esse protesto recebeu o nome de "Movimento de reação contra a decisão do STF" e foi acompanhado de um comício que se transformou numa grande manifestação política — com a participação dos líderes autonomistas, dos candidatos a prefeito, como Hirant Sanazar e Antonio Menk, e de representantes de partidos políticos —, na qual foi levantada a importância de não se rasgar os títulos, já que o voto representava a arma que a população tinha contra os poderosos. Finalmente, em 17 de janeiro de 1962, o Supremo Tribunal Federal, reunido em Brasília, ratificou a Lei nº 5.121 que criava o município de Osasco. 85 Em 4 de fevereiro de 1962, ocorreram as eleições que escolheram os primeiros prefeito, vice-prefeito e vereadores osasquenses. 86 CAPÍTULO III ESTUDANTES/OPERÁRIOS/POLÍTICOS/MILITANTES 87 A INSTALAÇÃO DE UM ORGANISMO POLÍTICO ADMINISTRATIVO: a Prefeitura e a Câmara de Vereadores Durante o período das lutas emancipacionistas, na década de 50, ocorreu vertiginoso crescimento industrial e populacional no bairro. A instalação de novas industrias, além das já estabelecidas na localidade, atraiu um contingente cada vez maior de migrantes para a região. As principais empresas que lá chegaram naquele período, segundo dados da Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal de Osasco, foram: em 1951, Adamas do Brasil, Lonaflex e Rilsan Brasileira; em 1952, Benzenex Cia. Brasileira de Inseticidas; em 1954, Induselet S/A Ind de Materiais Elétricos Charleroi e Industria Alves e Reis; em 1955, Osram do Brasil; em 1957, Brown Boveri Materiais Elétricos; em 1959, Ford Motor do Brasil; em 1960, White Martins; em 1961, Resisthal e Cersa Colas e Resinas. Segundo Fontes (2002:55), esse crescimento foi um fenômeno em toda a Região Metropolitana de São Paulo, que "nos anos 50 foi palco de um acelerado e diversificado processo de industrialização e urbanização". O mesmo autor acrescenta: A região foi a principal responsável pela elevada taxa de crescimento industrial do país. Entre 1945 e 1960, o setor secundário cresceu em média 9,5% ao ano, constituindo-se um dos mais acentuados processos de industrialização no período em todo o mundo. Em 1959, quase 50% de todo o emprego fabril do país estava concentrado no estado de São Paulo. Adicionalmente, o crescimento industrial paulista estimulou uma grande expansão do setor de serviços na região, ampliando ainda mais a oferta de empregos e possíveis oportunidades (Fontes, 2002:55). Esse crescimento atraiu inúmeros trabalhadores nordestinos, mineiros, paranaenses e do interior de São Paulo, pois, "além dos salários, a expectativa de receber os direitos trabalhistas, ausentes nas relações de trabalho na zona rural, foi outro fator considerado importante pelos imigrantes" (Fontes, 88 2002:56); ademais, contariam com todos os atrativos decorrentes da infraestrutura urbana, como educação e saúde. O autor amplia a descrição desse processo: Em resumo, a situação de miséria no campo, a concentração fundiária e o avanço do latifúndio sobre as terras dos pequenos proprietários, assim como as alterações das relações de trabalho, o alto índice de crescimento demográfico nordestino e as periódicas secas seriam alguns dos fatores que imporiam a migração como última saída ao trabalho rural. {Os migrantes], por sua vez, atraído pelos empregos e maiores rendimentos da vida urbana, pela possibilidade de acesso aos direitos sociais e trabalhistas negados no campo, bem como pela maior oferta de educação e saúde, tornariam-se proletários, preenchendo, dessa forma, a demanda por mão-de-obra do processo de industrialização (Fontes, 2002:65). Esse contingente de trabalhadores vinha em busca de uma vida mais digna, pois seus integrantes acreditavam que a vida em São Paulo seria mais fácil em comparação com as condições de vida que levavam. Mas as condições reais eram outras. Além da quase inexistente experiência industrial, a geração de migrantes do pósguerra possuía índices bastante baixos de educação formal. Refletindo a extrema debilidade do sistema educacional brasileiro no período, particularmente nas regiões rurais, eram significativamente altas as taxas de analfabetismo entre os migrantes nordestinos. Um levantamento de 1962 apontava um índice de mais de 60% de analfabetos dentre os trabalhadores daquela região que se transferiam para São Paulo [...] Para além das dificuldades intrínsecas a um mercado de trabalho que passava por intensas transformações, os migrantes nordestinos defrontaram-se, em sua busca por emprego, com explicitas demonstrações de preconceito e exclusão (Fontes, 2002:79-82). A discriminação apontada por Fontes fica evidente em dois trechos do livro Osasco: sua história, sua gente, escrito por Hirant Sanazar, osasquense descendente de armênios que ocupou o cargo de primeiro prefeito da cidade. Quando apresenta a imigração européia, Sanazar faz a seguinte descrição, que apesar de longa, vale pelo conteúdo. Os portugueses [eram] preferentemente comerciantes de bares, empórios e panificadoras e sempre prosperaram em razão de seus costumes regrados e persistentes. Trouxeram no sangue e no caráter os cânticos poéticos do maior 89 literato da língua portuguesa, escritos no clássico "Os Lusíadas", de Luiz Vaz de Camões, em cujo intróito exclama epicamente: "As armas e os barões assinalados, que da ocidental praia lusitana..., em perigos e guerras esforçados mais do que prometia a força humana, e entre gente remota edificaram Novo Mundo, que tanto sublimaram". De verdade, em Osasco, como em todas as searas, eles ajudaram a levantar uma grandiosa Comunidade e a encantam sempre com sua lealdade de conduta e seriedade de propósitos. Em São Paulo predominaram os italianos, embarcados em Gênova, na Lombardia e na Calábria e aqui em Osasco se multiplicaram na área central, e jamais deixaram de cooperar com o seu desenvolvimento, enquanto seus descendentes continuam a obra primordial dos fundadores da Vila. [...] Mas como são economizadores por hábito e zelosos trabalhadores, acabaram prosperando vertiginosamente e se tornaram capitães de Industria na Capital de São Paulo. Os armênios, de modo muito arrojado, se agruparam na Várzea de Presidente Altino loteada pela Cia. Cerâmica Industrial, e, simultaneamente às construções de seus próprios lares, edificaram sua Igreja Apostólica São João Batista e a sua Escola, de nome Externato José Bonifácio. Desde logo, incrementaram o Escotismo, o esporte e os corais musicais, e seu espírito coletivista esteve ligado à saudosa Pátria [...] Tem sido admirável a integração dos armênios no seio da coletividade osasquense, com visível miscigenação, de forma tal que, nos tempos atuais, desponta uma robusta e generosa Sociedade armeno-brasileira e seus descendentes ocupam as mais expressivas missões nas áreas da economia, comércio, ciências sociais, jurídicas e vida pública. Os eslavos, como russos, poloneses e búlgaros, lituanos também igualmente levantaram suas igrejas, haja vista a Batista de Presidente Altino e a Ortodoxa do Jardim Agu. A maioria destes imigrantes se engajou no então Frigorífico Wilson, de preferência nas suas câmaras frias, cujo rigor de temperatura eles suportavam com naturalidade, além de outras empresas da época. Os espanhóis não se ativeram especificamente a uma profissão, mas são hábeis comerciantes e se integraram com aquele espírito alegre e envolvente, talvez motivados pelos ideais do romantismo dos cavaleiros andantes, que ricamente se lê do Dom Quixote de la Mancha, de Miguel Cervantes de Saavedra. Os japoneses, seja como feirantes e ativos mercadores de produtos utilizados no dia-a-dia, sempre se revelaram progressistas e serenos de comportamento. Trabalham em silencio, traduzindo muito respeito e sentimento interior. É inegável a contribuição permanente dos imigrantes dos continentes europeu e asiático, que transferiram aos seus descendentes a tarefa progressista pelo bem geral, em retribuição ao hospitaleiro acolhimento que receberam do governo, do povo e das leis liberais do Brasil (Sanazar, s/d:44-47). 90 Ao se referir aos migrantes brasileiros, o texto é bem menos elogioso. Aqui chegaram embarcados nos toscos e humilhantes "paus-de-arara", caminhões cobertos de lona, apinhados de adultos e crianças desnutridos, pálidos, de rostos e mãos esturricados pelo sol e o pó das intermináveis estradas. Era uma longa e homérica travessia destes brasis infindos. Apresentavam-se esfalfados pela miséria, o desemprego, a doença, com olhares vazios projetados para o imenso "nada", comendo e bebendo aqui e acolá em condições desumanas e incrivelmente agressivas para com a sua dignidade. Eram os flagelados da vida nômade, injusta e agreste. Seu destino? A grande a avassaladora Capital do maior Estado do País, São Paulo e suas cidades satélites, notadamente Osasco, e mais precisamente Presidente Altino, Rochdale, Helena Maria, Munhoz, Baronesa, Santo Antonio, Roberto, Veloso, D’Avila e outros (Sanazar, s/d:64-65). Pela forma enobrecedora como este autor se refere ao europeu e pela maneira piedosa como descreve o migrante, fica patente a representação preconceituosa que pairava sobre as relações sociais vigentes em Osasco no momento da sua emancipação. O relato de Sanazar mostra ainda como se dava a ocupação física da cidade. Confirma que, na região central, com maior infra-estrutura urbana e de ocupação mais remota, estavam instalados os descendentes dos primeiros imigrantes, vindos do exterior; enquanto isso, ao migrante brasileiro restava a ocupação mais periférica, onde proliferavam bairros precários como Rochdale, Jardim Helena Maria, Jardim Munhoz, Jardim Baronesa, Jardim Santo Antonio, Jardim Veloso, Jardim Roberto, Jardim D’Avila, Vila Ayrosa, Vila dos Remédios, etc. O antigo subúrbio cresceu graças a ligação ônibus-trem, e uma série de fatores alterou a estrutura da cidade. O processo de crescimento demográfico de Osasco nunca foi tão intensificado como no início dos anos 60, registrando-se nos primeiros 4 anos da década, uma taxa de incremento anual de 10,8% contra 5,7% para o município de São Paulo. Isto significa que a população aumentou aproximadamente 22.250 pessoas ao ano. Assim, se em 1960 a população era de 114.000 pessoas, em 1964 esta cifra se eleva para aproximadamente 205.000. Osasco, apesar da emancipação que ocorre apenas na dimensão político-administrativa, estava estreitamente vinculada a São Paulo. O novo município se compunha de um conjunto de bairros desarticulados entre si que mantinham com os bairros paulistanos relações de 91 dependência mais estreita do que com o seu próprio centro. Evidentemente, este crescimento demográfico é um forte índice de que o antigo subúrbio ganhava rapidamente uma nova função: a de cidade-dormitório. O que permite explicar este novo caráter é menos um aumento quantitativo do parque industrial, e por conseqüência da oferta de empregos, e mais a disponibilidade de terrenos a preços acessíveis, o que permitia a muitas famílias de trabalhadores concretizar um projeto cada vez mais arraigado em suas aspirações: instalar-se em casa própria (Rizek, 1988:40). Outro elemento que reforça esses dados é a constatação de que, entre 1962 e 1965, enquanto os empregos aumentam 1.000 por ano, a população local cresce a uma cifra de 15.000 habitantes, o que altera de maneira notável o espaço urbano em Osasco. Alguns eixos comerciais do centro do município constituem uma oferta de consumo típica dos bairros da periferia: vestuário, alimentos, materiais de construção. Do ponto de vista da moradia, Osasco já era um mar de casas autoconstruídas, onde se destacam a precariedade e a instabilidade que permeavam as condições de vida da população (Rizek, 1988:42). Foi nessa configuração física e social que, em 4 de fevereiro de 1962, ocorreram as primeiras eleições municipais. Para este efeito, atuavam no recém-criado município nada menos de 11 agremiações políticas: o Partido Democrata Cristão (PDC), o Partido Liberal (PL), o Partido Republicano (PR), o Partido de Representação Popular (PRP), o Partido Rural Trabalhista (PRT), o Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Partido Social Democrático (PSD), o Partido Social Progressista (PSP), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido Trabalhista Nacional (PTN) e a União Democrática Nacional (UDN). Poe essas siglas quatro candidatos competiam pelo cargo de prefeito (Antonio Menck, pelo PDC, Fuad Auada pelo PSP, Hirant Sanazar pelo PRT e Nicolau Atra pelo PTB) e quatro para o de vice-prefeito (Albertino de Souza Oliva pelo PSD, João de Oliveira,∗ Marino Pedro Nicoletti pela coligação PTN-PDC-UDN e Roberto Pignatari pelo PTB). Para essas eleições, conforme Reinaldo de Oliveira: ∗ Não consegui obter informações acerca do partido pelo qual Oliveira se candidatou. 92 AUTONOMISTAS NÃO POSTULAVAM CARGOS POLÍTICOS: Havia um compromisso entre nós [emancipadores] no qual acordávamos que não iríamos postular cargos políticos. Nenhum de nós nos candidataríamos, mas apoiaríamos como candidato a prefeito o Menck. E ele aceitou financiar a campanha, pois era, na época, o homem mais rico de Osasco ("A emancipação vista pelos seus organizadores", Osasco, Secretaria de Educação e Cultura. Biblioteca Municipal Monteiro Lobato, s/d, Movimentos sociais e políticos, documento fotocopiado). Além de Menck, candidato natural dos autonomistas e representante de Jânio Quadros na política local, figuravam na disputa Auada, liderança política de Adhemar de Barros em Osasco, e o advogado descendente de armênios Sanazar, que já ocupava uma cadeira de vereador na Câmara de São Paulo, onde representava pelo antigo bairro de Osasco. Ao final do pleito, Sanazar se elegeu, tendo como vice o engenheiro Nicoletti. As bancadas da Câmara Municipal de Osasco, integrada por 23 vereadores, ficaram assim constituídas: PDC, seis vereadores; PR, dois; PRT, três; PSB, dois; PSD, três; PTN, quatro; e UDN, três. Segundo o jornalista Antonio Júlio Baltazar, em sua coluna do jornal Correio Paulista, de 17 de setembro de 2004, "todos apostavam suas fichas nos candidatos Auada e Menck. O jovem Hirant era, na época, o que se poderia chamar de 'grande zebra'". Mas, segundo a professora Helena Pignatari, aquele resultado teve uma razão: — O Hirant ganhou porque tinha mais traquejo político. Ele tinha sido vereador em São Paulo, então ele conhecia os meandros todos. Na eleição, ele já sabia como fazer uma campanha e os outros todos [eram] neófitos (Helena Pignatari Werner, entrevista à autora em 19/5/2004). 93 DA CONVIVÊNCIA ESCOLAR PARA AS ENTIDADES ESTUDANTIS: o Grêmio, a UEO e o CEO No início dos anos 60, os estudantes secundaristas de Osasco desempenharam intensa atividade política, tanto que, como informou João Gilberto Port em entrevista concedida à autora em 8/7/2004, a vitória de sua candidatura à vereança na primeira eleição municipal, em 1962, só foi possível porque pode contar com a participação e o apoio daquele segmento. Em 1963, segundo Eduardo Rodrigues (também entrevistado pela autora em 8/7/2004), a Câmara Municipal de Osasco chegou a ser paralisada a partir de uma mobilização que teve início no Grêmio Estudantil do Ceart, contra o aumento dos salários dos vereadores recém-empossados. Port descreve o episódio da seguinte forma: — [Foi] a primeira vez que houve na Câmara de vereadores um grupo cuja maior preocupação era a fixação de subsídios e eu não concordei com a hipótese e levei para os estudantes. Menina, fizeram um movimento na porta da Câmara, que se via vereador saindo para tudo quanto é lado (João Gilberto Port, entrevista concedida à autora em 8/7/2004). Ele conclui, afirmando que, a partir dessa mobilização, "foi mantido [para os vereadores] um salário razoável para a época". Questionada se recordava esse fato, a professora Helena Pignatari afirmou "— Nós cercamos a Câmara" e acrescentou: — Aí começam a aparecer as lideranças políticas nas escolas. Então isso era comentado. Mas na realidade quem morava em Osasco era eu. E, na hora que os alunos cercaram a Câmara Municipal, o único professor que estava ali comandando o pessoal era eu, porque eu morava lá. E a sessão era à noite, então os professores da manhã e da 94 tarde não participaram. Participaram os professores da noite, se quisessem, mas a escola ficou vazia, eles foram embora. Eu morava lá, fui com os alunos (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à autora em 19/5/2004). Um pesquisador desses eventos comenta: Quando recém-instalada a Câmara Municipal, que muitos moradores viam como seu órgão de representação, os vereadores eleitos, em uma de suas medidas tomadas, decidem fixar os seus vencimentos em nível até duas vezes superiores aos subsídios dos vereadores da Capital. Imediatamente se desencadeou uma reação tão forte que os vereadores foram obrigados a voltar atrás na decisão e adotar um regime de não remuneração durante toda a legislatura daquele ano. Em menos de 24 horas, noticiada a primeira decisão da Câmara, estudantes e populares, tendo Reinaldo de Oliveira entre eles, organizaram uma manifestação que praticamente sitiou a Câmara durante uma de suas sessões, colocando os vereadores em fuga, ocupando o prédio onde se realizavam os trabalhos do legislativo e destruindo todo o recinto das reuniões, móveis, cadeiras, etc. Dessa forma, diante de uma medida que consideraram contrária ao espírito do movimento, um setor da massa que tinha sido mobilizado pelo movimento reage através de uma iniciativa que demonstrava que os seus horizontes não se limitavam às simples reivindicações imediatas nem aos limites do protesto urbano (Moisés, 1978:353). A União dos Estudantes de Osasco (UEO) nasceu com a cidade, em 1962, e sua origem foi descrita por Orlando P. Miranda. A União dos Estudantes de Osasco foi institucionalizada em 1962 pelos mesmos estudantes que haviam participado do movimento autonomista, e ainda sob sua inspiração. Só havia ginásios no centro [Ceart] e em Presidente Altino [Gepa], sendo, portanto, natural que o movimento dos estudantes surgisse como um desdobramento da conquista da autonomia (Miranda, 1987:47). Esclareça-se que, nesse relato, Miranda refere-se aos ginásios estaduais, uma vez que mais duas outras escolas secundárias particulares atuavam na região central da cidade: o Colégio Nossa Senhora da Misericórdia, de clientela feminina, e o Colégio Técnico de Contabilidade Duque de Caxias. 95 Por sinal, essas duas escolas eram constantes rivais do Ceart nas competições esportivas, e havia uma disputa ferrenha para decidir qual dos três estabelecimentos mantinha a melhor fanfarra. A fanfarra do Ceart constituía motivo de orgulho para a escola e era mantida pelo grêmio, que, conforme a professora Helena Pignatari, se desdobrava para mantê-la: "— O Grêmio mantinha a fanfarra, a roupa da fanfarra cada um tinha que cuidar da sua, comprar a sua, que era cara." Para além das disputas esportivas, havia intensa campanha junto aos alunos e alunas dessas escolas quando das eleições para a UEO. Em 1963, a direção da entidade foi disputada por lideranças vinculadas a posições de esquerda de um lado e, de outro, Francisco Rossi de Almeida, que dispunha de uma máquina bem montada e se manifestava por meio de um discurso em que identificava seus opositores como comunistas. A conexão autonomista desde logo emprestava ao movimento estudantil um prestígio político institucional, e a UEO cedo tornou-se um aparelho cobiçado. Na eleição de 1963, Gabriel, com suas correntes de apoio e sua plataforma reformista, teve de enfrentar um estudante recém-matriculado, Francisco Rossi de Almeida, que se dizia cristão e, com uma máquina bem montada, levou a campanha para o plano ideológico. [...] Gabriel venceu, e bem, as eleições. Mas a tônica da campanha demarcara definitivamente a União dos Estudantes como um órgão político. A organização de jogos esportivos, o atendimento de problemas específicos de estudantes locais, embora cuidados, constituíam uma dimensão secundária da entidade, que atuava principalmente como força política no plano local, no respaldo à atuação nacional de João Goulart, na conexão e na organização do movimento estudantil em seu sentido mais amplo. Claro está que, num primeiro momento, toda essa movimentação era inteiramente distante e desconhecida do conjunto dos trabalhadores. Estava restrita ainda ao centro, à política local, aos estudantes. Mas haveria pontos de conexão bastante próximos (Miranda, 1987:47-48). Confirmando a crescente importância política da UEO e o papel desempenhado pelos estudantes na eleição de João Gilberto Port, transcrevemos a seguir o depoimento de Gabriel Figueiredo: — Em 1963, eu fui eleito presidente da UEO. Nossa chapa chamava-se "Ação-63" e vencemos a chapa "Bandeirantes", 96 encabeçada por Francisco Rossi. Em 1962, o movimento estudantil de Osasco, apesar da UEO já existir, visto que nasceu nas lutas emancipacionistas, tinha pouca expressão. Nesta época, e nas mãos dos poucos universitários existentes na cidade, aglutinou-se em torno do nome de João Gilberto Port e elegeu-o vereador. Port foi um dos fundadores da UEO e chegou a cumprir vários mandatos como vereador, chegando até à condição de vice-prefeito de Osasco (Gabriel Roberto Figueiredo, em depoimento escrito concedido à autora em 7/9/2005). A sede da UEO funcionava numa rua do centro de Osasco, a Rua Antonio Agu, e ficava em cima do Bar Central, ponto de encontro dos estudantes, ao lado do consultório do dentista e professor de Matemática Fortunato Antiório, que também era tio do Gabriel Figueiredo e, segundo Eduardo Rodrigues, cedia a sala anexa ao consultório, "talvez porque seu filho também fosse operário/aluno do ginásio e convinha manter boas relações com uma entidade que apoiava o governo federal". Em 1963, a UEO obteve um terreno doado pela Prefeitura para que futuramente construísse sua sede. A criação do município, em 1962, além de resultar no estabelecimento de um organismo administrativo local, também acarretou a instalação de uma sede própria para o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, que, até então, funcionava como uma seção do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, dirigida por Conrado Del Papa: Conrado Del Papa, militante do Partido Socialista, chegou a Osasco como delegado do Sindicato dos Metalúrgicos da capital para instalar e gerir a subsede local. Veio no início dos anos 50 e durante toda essa década dirigiu a política sindical, que consistia fundamentalmente na aplicação da linha mais geral do sindicato paulistano. Assim, a ação operária não passava por mediações locais nem tendia a se organizar lutas específicas. A participação concretizava-se em São Paulo, com as delegações enviadas às assembléias da categoria, as manifestações da classe, as passeatas de protesto, onde a representação osasquense, em regra, aparecia como significativa (Miranda, 1987:52). Miranda acrescenta: 97 Com a autonomia, os sindicatos locais, Papa à frente, trataram de criar o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, desligando-se de São Paulo. Puderam ficar no prédio da Rua Erasmo Braga (que mais tarde foi comprado do Sindicato de São Paulo) e com algum equipamento (inclusive a lambreta, depois devolvida à capital), mas tiveram cortada qualquer possibilidade de apoio financeiro. Enquanto não auferiram recursos próprios pelo pagamento de contribuições e do imposto sindical, a nova entidade foi virtualmente patrocinada pelo dono de um bar vizinho ao Sindicato. Em 1963, superados os problemas legais e organizacionais, elegeuse a primeira diretoria. Papa tornou-se presidente, em chapa única de ampla matriz, com o respaldo do Partido Comunista. A Frente [Nacional do Trabalho], recém-organizada, representou-se na diretoria (através de Roberto, da Manutenção) e participou de forma expressiva das eleições. A diretoria política, naturalmente, permaneceu a mesma, voltada para o quadro de amplas alianças e o chamamento à participação nas causas populares nacionais. Entretanto, o sindicato passou a buscar de maneira mais intensa a solução dos problemas específicos das indústrias de Osasco, e a se vincular aos problemas da cidade (Miranda, 1987:53-54). Outra entidade de luta que merece destaque nesse período é a Frente Nacional do Trabalho (FNT), que, a partir de 1962, atuou ao lado do Sindicato dos Metalúrgicos, representando a forma organizacional para a aplicação da política operária da Igreja Católica e tendo como seu principal dirigente Albertino de Souza Oliva, que já havia ocupado o cargo de chefe do Departamento de Pessoal da Cobrasma e que havia "mudado de lado". Albertino participou da campanha de Emancipação, retomou os estudos em Direito, acompanhou os pensadores cristãos, freqüentou a Igreja e suas reuniões. Julgava-se um bom cristão. Um dia disseram-lhe que não era, e ele ficou pensativo. Com o tempo, os gritos se espaçaram, o sorriso aumentou, deixando de parecer sarcástico. A empresa já não podia tê-lo como um executor silencioso de diretrizes superiores; algumas reivindicações buscavam nele um canal representativo para a negociação. Em 1962, com a formação da Frente, estimulou e advogou a formação da Comissão de Empregados (a "Comissão dos Dez") para discutir diretamente os problemas com a gerência. Um dia ele foi inquirido com propósitos que lhe pareceram claros sobre quem seriam os autores, os cabeças de determinada reivindicação. Ele se negou a responder. Mudara de lado e, após um curto exílio no Escritório Central de São Paulo, foi demitido [da Cobrasma]. No dizer jocoso dos estudantes, o único caso comprovado de um "estalo de Vieira" (Miranda, 1987:49). 98 Nessas condições, os três aparelhos — o sindical, o estudantil e a Frente —, adaptados à nova realidade administrativa urbana, e em fase de instalação e expansão, representam as diferentes concepções do movimento popular: o Sindicato, e com ele o Partido Comunista [...]; a Frente e a Igreja [...]; finalmente, a entidade estudantil, [que] recorre com freqüência às concentrações e passeatas, em geral com o objetivo de pressionar os poderes públicos locais para fazer pesar sua opinião política ((Miranda, 1987:56). Nas palavras de Gabriel Figueiredo: — A partir de 1963, a relação estudantes-operários estreitou-se. A bem da verdade, já vinham se estreitando desde a campanha para a emancipação, em que, ao contrário do que muitos pensam e apregoam, não foi uma campanha exclusiva da burguesia. Liderada por esta, sim, mas exclusiva, não. E o próprio Partido Comunista Brasileiro, de forma bem discreta, dela participou, porque entendeu nela uma capacidade de mobilização de massa até então inexistente na história de Osasco. Assim, em 1963, pouco antes do golpe, o PCB, que tinha a Secretaria Geral do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e na presidência um aliado fiel, me convida para compor a mesa de debates sobre "A luta da Classe Trabalhadora", com a presença do então ministro do Trabalho, Almino Afonso, na qualidade de presidente da União dos Estudantes de Osasco (Gabriel Roberto Figueiredo, em depoimento escrito concedido à autora em 7/9/2004). Para Rizek (1988), o movimento estudantil secundarista de Osasco "não foi o único berço" de uma "jovem vanguarda", que virá a ser conhecida como o "grupo de Osasco" e que, em 1968, liderará uma das mais importantes ações operárias dos anos 60, a greve da Cobrasma, "mas, sem dúvida, foi um ponto de partida imprescindível": O movimento estudantil local toma novo fôlego e cresce. É um período de intensa mobilização que resultará na formação de uma associação regional — o Conselho Regional dos Estudantes da Baixa Sorocabana. Criam-se grêmios estudantis em todos os colégios. Entretanto, é preciso distinguir o caráter do movimento 99 secundarista local das mobilizações de São Paulo, que acontecem em colégios com uma tradição de "ensino crítico", como o Vocacional e o Colégio de Aplicação da USP. Em Osasco, ao contrário, são escolas públicas com uma composição marcadamente mais operária que dão impulso a este ascenso (Rizek, 1988:64-65). Para as eleições da UEO, em 1964, ao final do seu mandato, Gabriel Figueiredo indicou Helio Bohovsky à sua sucessão. De novo, a disputa foi contra uma chapa encabeçada por Francisco Rossi. Segundo Rossi: — Nós tínhamos também uma postura de esquerda, mas éramos taxados de direita, porque não entravamos naquele esquema mais ligado ao Sindicato — liderado pelo Papão [Conrado Del Papa] que, comentava-se, era do Partidão. O movimento de esquerda estudantil era muito identificado com a esquerda mais estruturada que era o Partidão, mas eu confesso que eu não tinha uma visão muito clara a cerca disso. É comunista: eu tô fora (Francisco Rossi de Almeida, entrevista concedida à autora em 29/8/2005). E Eduardo Rodrigues acrescenta: — O Rossi era funcionário do Bradesco. Conta-se uma história de que, para se eleger, ele, que era bonitão e encantava as garotas, teria insinuado junto às alunas do Colégio Misericórdia que estava muito doente e que logo morreria e que, por isso, precisava vencer as eleições da UEO, pois era seu último desejo — até onde é verdade ou imaginação da oposição, não sabemos (Eduardo Rodrigues, entrevista concedida à autora em 8/7/2004). Questionado sobre as razões que o teriam levado a ganhar a eleição em 1964, no momento em que há indicações de que a esquerda estava muito forte na região, Rossi argumenta: — Tenho a impressão de que os estudantes esperavam alguma coisa naquele momento — eu não me lembro quais foram as promessas —, mas era muito difícil fazer alguma coisa, e tinha aquela coisa dos 100 20%, que era o artigo 169 na Constituição, que, se não me engano, determinava que tinha que se gastar 20% ou 25% no município, eu não me lembro bem, e na época a Prefeitura de Osasco não investia. Eu lembro que eu fiz uma campanha em cima disso, e a UEO não fez a campanha como deveria (Francisco Rossi de Almeida, entrevista concedida à autora em 29/8/2005). Figueiredo, por sua vez, vê outros motivos para a vitória do adversário: — Na eleição de Rossi, eu estava preso, incomunicável, no 4º Regimento de Infantaria de Quitaúna. A vitória de Rossi se deu devido à desmobilização do movimento estudantil impactado em grande parte pela minha prisão. Eles estavam sem rumo e sem liderança. Foi neste vácuo que Rossi deu grande impulso a sua pretendida carreira política (Gabriel Roberto Figueiredo, em depoimento escrito concedido à autora em 7/9/2005). Como demonstração do grau de importância que o movimento estudantil secundarista osasquense junto às forças políticas da época, há o fato de que Gabriel Figueiredo foi o primeiro estudante a ser preso em território nacional, naquele período (cf. Rizek, 1988: 84). Com o golpe militar de 1964, quando Rossi era o presidente da União Estudantil de Osasco, a UNE e suas subseções foram colocadas na ilegalidade, dissolvendo-se a UEO. Rossi descreve esse episódio da seguinte forma: — Resolvi fazer uma greve [...] O Marino era o prefeito e tinha doado um terreno para construir a sede da União dos Estudantes. Como o governo extinguiu as Uniões Estudantis, o Marino pega o terreno que era nosso, que tinha até uma escola de madeira em cima, e doou para a Força Pública. Quer saber de uma coisa? Vamos fazer um movimento contra a doação para a Força Pública e vamos também fazer um movimento contra a extinção das Uniões Estudantis. Fizemos uma convocação dos estudantes e nos reunimos ali onde é o [supermercado] Jumbo. Juntamos acho que uns 500 estudantes na porta do prédio que 101 tinha sido doado pelo Marino, em regime de comodato, para a Força Pública. Fizemos um barulho, e a Força Pública veio lá, com uns 200 soldados. Tinha muito soldado, eles vinham em caminhões, e foi todo mundo caindo fora, todo mundo dando no pé, e só ficamos eu, o Edgar Domingues e o Zé Maria, ficamos nós três. Chegou uma hora, eles pegaram a gente e levaram lá para dentro, porque era um quartel provisório e ficamos lá. Veio o Ubirajara Silveira, que era o comandante da Polícia Militar [do Exército] do 16º Batalhão. Iam autuar a gente, mas não autuaram, e daí a gente entrou para aquela "lista negra" de agitador. Como estavam proibidas as Uniões Estudantis, foi formado o CEO, se não me engano com o atual secretário da Cultura [de Osasco], o Roque e ai voltou o Gabriel, aquela turma toda, e nessa altura eu fiquei com medo mesmo, porque eles iam na minha casa, na Cidade de Deus, e foram me pegar noite lá. Eu morava com a minha mão, eu não trabalhava lá, mas meu irmão trabalhava, minha irmã trabalhava. Eles encostaram lá, um dia, uma kombi na porta da minha casa, 1:30h da manhã, e fizeram o maior barulho, minha mãe doente, eu fiquei intimidado e pensei: "Vou parar com esse negócio." Me pagaram uma vez, ali na Antonio Agu, me colocaram numa kombi, me levaram lá na delegacia, eu passei a maior vergonha. O dia em que eles foram na Cidade de Deus foi o dia em que cassaram o Juscelino. Aí eu parei. Quando surgiu o CEO, eu dei graças a Deus. Passei todo o acervo documental da UEO para eles — eu nem sei se existe isso ainda hoje. E me afastei do movimento, porque eu fiquei muito intimidado. Eu estava namorando, pensando em casar, constituir família, e eu não entrei, mas por um triz que eu não entrei (Francisco Rossi de Almeida, entrevista concedida à autora em 29/8/2005). Com a extinção UEO em 1964, surge o Circulo Estudantil de Osasco (CEO). Segundo Gabriel Figueiredo, o CEO emergiu "como modelo alternativo de organização, sem estatuto e registro, funcionando praticamente na clandestinidade", que, com a passar dos anos e a ação repressiva dos 102 militares, foi aos poucos se dissolvendo, e seus membros se ligando a outras atividades. 103 ESTUDANTES SECUNDARISTAS NA LUTA CONTRA A DITADURA Logo após o golpe militar de 1964, o governo municipal de Osasco sofreu intervenção, com o pretexto de acusações de corrupção e subversão. Em 26 de maio de 1964, o Exército ocupou o prédio da Prefeitura e acomodou uma metralhadora na sacada do prédio instalado na rua Primitiva Vianco, próximo à Estação Ferroviária (cf. Osasco,Secretaria de Educação e Cultura, Departamento de Cultura, Seção de Memória e Documentação do Museu Dimitri Sansoud de Lavaud, S/d, Resumo dos fatos históricos de Osasco: 1890-1983). O prefeito e todos os 23 vereadores foram detidos no quartel de Quitaúna e, contrariando a Lei Orgânica dos Municípios, os edis foram libertados apenas para retornar à Câmara, votar a vacância do cargo de prefeito e empossar o vice-prefeito. O engenheiro Marino Pedro Nicoletti fora eleito vice-prefeito em eleições nas quais não havia vinculação de votos entre os candidatos a prefeito e a vice. Compusera chapa com seu sogro, Antonio Menck, derrotado nas eleições. Nicoletti era funcionário do Instituto de Polícia Técnica e, "segundo suas palavras manteve-se alheio a movimentação política, até que foi chamado a assumir a prefeitura em 29/5/64" (cf. Resumo dos Fatos Históricos de Osasco 1890-1983 (Caderno de Memórias de Osasco, II.). Depois que tomou posse como prefeito, logo nomeou um "assessor especial" indicado pelo II Exército, o coronel Domingos Costa Hernandez. Desenvolveu-se então intensa luta política entre os partidários do prefeito e do vice-prefeito, e uma grande alternância dos mesmos no poder. Marino Pedro Nicoletti governa a princípio, de maio de 1964 a janeiro de 1965. Hirant Sanazar retorna de janeiro de 65 a julho de 65 e Marino Pedro Nicoletti retorna definitivamente para governar de julho de 65 a janeiro de 1966. Certa feita, por força de um mandato de segurança, Hirant sanazar governou por apenas 24 horas. A situação era tão estranha que os funcionários e munícipes jocosamente perguntavam qual era o prefeito de plantão. A 19 de fevereiro de 1966 encerra-se o mandato da Câmara Municipal e o Dr. Marino Pedro Nicoletti é convidado a 104 assumir o cargo de interventor, ou seja: fazendo leis e executando-as. A partir daí até a posse do novo prefeito eleito e da nova Câmara de Vereadores, Marino governou auxiliado por um conselho composto por representantes dos clubes de serviços e entidades de classe (Osasco,Secretaria de Educação e Cultura, Departamento de Cultura, Seção de Memória e Documentação do Museu Dimitri Sansoud de Lavaud, S/d, Resumo dos fatos históricos de Osasco: 1890-1983). Rizek (1988:95) observa que, com a perseguição às antigas lideranças, "é no movimento estudantil que a questão da redefinição do caráter dos aparelhos e entidades aparecerá em primeiro lugar em Osasco" e afirma que o movimento secundarista se rearticulou "mais rápido que o sindicato". O jornal Primeira Hora, de 20 a 26 de outubro de 1990, em artigo pela comemoração dos "40 anos de Ceneart", afirma que, "como principal escola da cidade, [a instituição] agregava os que se dispunham a questionar a repressão". Após o golpe militar de 1964, que fechou todas as entidades estudantis, como seu próprio grêmio e a UEO (União dos Estudantes de Osasco), as paredes do CENEART transformaram-se em trincheiras libertárias. Estudantes do CENEART construíram associações, por cursos, reconstruíram seu grêmio e lideraram a fundação do CEO (Círculo Estudantil de Osasco). Organizaram salões de artes plásticas, concursos de música, poesia e teatro, que continuaram a revelar novos artistas (CENEART faz 40 anos pensando no passado, Primeira Hora, 20 a 26 de outubro de 1990, p. 5). As ações culturais desempenharam importante papel de mobilização junto aos movimentos sociais, não só em Osasco, como em todo o Brasil — a exemplo dos Centros Populares de Cultura (CPC), ligados à União Nacional dos Estudantes (UNE), que, tendo por base de atuação o teatro de rua, encenavam peças que tratavam dos acontecimentos do cotidiano e usavam linguagem popular para atingir o grande público, além de promover cursos, realizar filmes e documentários, exposições (gráficas e fotográficas) e festivais de cultura popular, patrocinar gravação de discos e manter publicações. O objetivo era "contribuir para o processo de transformação da realidade brasileira, principalmente através de uma arte didática de conteúdo político" (Paiva, 1973:233). 105 Destacaram-se, também, os Movimentos de Cultura Popular (MCP) de Recife: A valorização das formas de expressão cultural do homem do povo e o estímulo ao desenvolvimento de sua capacidade de criação funcionava no MCP, como a própria condição de diálogo entre as intelectualidades e o povo: partia-se da arte para chegar à análise e à crítica da realidade social. A intelectualidade participante devia libertar-se de todo espírito assistencialista e filantrópico e, sem querer impor seus padrões culturais, procurar aprender com o povo através do diálogo (Paiva, 1973:237). Havia ainda o Movimento de Educação de Base (MEB), ligado a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que, tomando como base a idéia de que a educação "deveria ser considerada como comunicação a serviço da transformação do mundo". Esta transformação, no Brasil, era necessária e urgente, e, por isso mesmo, a educação deveria ser também um processo de conscientização que tornasse possível a transformação das mentalidades e das estruturas. A partir de então defendia-se o MEB como um movimento "engajado com o povo nesse trabalho de mudança social", comprometido com esse povo e nunca com qualquer tipo de estrutura social ou qualquer instituição que pretendesse substituir o povo” (Paiva, 1973:24). Encontram-se outras formas de expressão cultural o período, como o Teatro de Arena e o Grupo Oficina, em São Paulo, e o Teatro Opinião, no Rio de Janeiro, que encaravam o teatro como ferramenta política capaz de contribuir para a mudança da realidade brasileira. Em Osasco, por sua vez, a juventude também se mobilizou em torno das questões culturais. Todos lêem a crônica diária de Stanislaw Ponte Preta, sobrinho de Zulmira, a sabia macrobiótica da Boca do Mato; primo de Altamirando e Rosamundo; a família do Bom-Senso, do Senso Cínico, da lógica do cotidiano. Lalau, como podem chamar-lhe os íntimos, pessoas de bom senso, erigiu-se em monumental consciência crítica da ordem vigente, capaz de desvesti-la das aparências, desmitificá-la, desmoralizá-la, apenas com as armas do senso comum, utilizado com uma percepção aguda e um humor irresistível. O regime é, antes de tudo, ridículo, diz a pena na sua luta contra a espada. E os estudantes, principalmente, crescem com Lalau, identificam-se, se representam através dele. E também Carlos Heitor Cony, a partir de "O Ato e o Fato". Mais ainda, Drummond, Manuel 106 Bandeira, Boal, Guarnieri, os trabalhadores da música, Elis Regina. A cultura parece aos jovens revestir-se de uma inquebrantável dignidade, pela qual se superam, se apequenam, se desimportam as tiranias maiores. [...] Mais que nunca é preciso contar, criar, reproduzir. Eurenides, Jesse, que queria ser "gangster", Paulo Sérgio Machado, o que gostava de olhar as calcinhas das meninas no recreio, produzem e publicam "O Bacamarte", jornal da escola. Bira escreve; Dudu prefere o teatro; Marson e Afrânio compõem. E surgem textos lidos nos bares, passados de mão em mão, depois guardados. Encenam-se peças, shows, festivais de música. Há a questão do talento, da vocação, mas o ambiente respalda, mostra receptividade, participa. Agir na cultura e transformar a estrutura dos valores; é de certo modo, como estar vivo (Miranda, 1987:135). Com o golpe militar e a intervenção nas entidades representativas dos trabalhadores, o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco enfrenta uma crise de representatividade e legitimidade e passa a ter "apenas uma vida vegetativa, funcionando como órgão assistencial". A maior expressão no movimento operário local era a comissão de fábrica que atuava no interior da Cobrasma — empresa da qual grande parte dos funcionários, além de operários, são estudantes do período noturno do agora Ceneart, pois, com a instalação do Curso Normal, em 1965, passou a denominar-se Colégio Escola Normal Estadual Antonio Raposo Tavares. A comissão de fábrica da Cobrasma, nascida a partir de diretrizes propostas pela Frente Nacional do Trabalho (FNT), fora aceita pelos dirigentes da empresa, os quais, antes do golpe militar, acreditavam que seria mais fácil negociar com um grupo de empregados do que com as delegações de um sindicato controlado pelo PCB. O que mais tarde se revelou o contrário, pois permitiu uma forma de organização interna dos trabalhadores totalmente nova para a realidade local. A partir dessa concessão, foi possível que a organização operária se consolidasse "pela base", o que permitiu o desenvolvimento de um movimento operário de características específicas. Essa estrutura organizacional do operariado de Osasco foi fundamental no processo que culminou com a greve da Cobrasma, em 1968. Como o sindicato estava sob intervenção e muitos dos operários eram também estudantes, tornou-se natural que as discussões sobre questões 107 operárias se confundissem com as discussões estudantis e ocorressem nas dependências da entidade estudantil que marcava sua resistência ao golpe, ou seja, o Círculo Estudantil de Osasco (CEO). Tanto que, a nortear a elaboração do programa proposto pela Chapa Verde que venceu as eleições para a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, em 1967, e voltou a dar a este características de resistência estava "a preservação da unidade que vinha sendo construída tanto na Cobrasma como no movimento secundarista", como enfatiza Rizek (1988:116). Em novembro de 1967, a significativa participação secundarista num evento promovido contra o arrocho salarial chegou a gerar polêmica entre os Sindicatos dos Metalúrgicos de São Paulo e de Osasco, quando José Ibrahim, recém-saído do Ceneart, era presidente da entidade osasquense e, tanto na comissão de fábrica da Cobrasma, como no próprio Sindicato, destacam-se nomes vinculados às lutas promovidas pelo CEO, entidade estudantil que resistia na cidade. No contexto local, o movimento dos estudantes secundaristas acabou por se constituir uma escola de militância e de prática política. Os trabalhadores-estudantes alimentaram também, de forma compatível com a conjuntura mais geral do seu movimento, uma outra visão de suas entidades representativas, visão essa que supunha, como forma de viabilizá-las, sua manutenção na clandestinidade desde a proibição de seus antigos canais de representação e defesa. É necessário que se recorde que são estes mesmos estudantes-operários que se integram ao movimento dos trabalhadores da Cobrasma tentando mudar o caráter da Comissão, e que em função desse processo posteriormente integram-se na direção do sindicato (Rizek, 1988:126). É importante lembrar que toda essa mobilização política também foi possível porque, nas eleições municipais de 15 de novembro de 1966, elegeuse prefeito o ex-líder estudantil do movimento emancipacionista, Antonio Guaçu Dinaer Piteri, do MDB. Guaçu Piteri, como era conhecido, assumiu a Prefeitura como opositor do regime militar e contou com o apoio expressivo do movimento estudantil secundarista e do movimento operário local (Osasco,Secretaria de Educação e Cultura, Departamento de Cultura, Seção de Memória e 108 Documentação do Museu Dimitri Sansoud de Lavaud, S/d, Resumo dos fatos históricos de Osasco: 1890-1983). Além de Piteri, vários vereadores foram eleitos com o apoio dessas forças. Seu vice, João Gilberto Port, como vimos, iniciara sua trajetória política à frente do grêmio estudantil do Ceneart. Essa tendência persistiria até as eleições para prefeito de 1969, quando foi eleito, também pelo MDB, o professor José Liberatti. O número de habitantes no município de Osasco mais do que dobrou durante a década de 60, passando de 114.828, em 1960, para 283.073, em 1970 (Sumário de dados do município de Osasco. 1984. Escritório de Planejamento Integral de Osasco (EPO). Autarquia Municipal. p. 46). O antigo bairro transformava-se em grande cidade. O Ceneart também cresceu grandemente nesse período, tanto que em 1967, de acordo com o "Livro de entrega das notas e faltas bimestrais" da instituição escolar, ali funcionavam 64 classes, em seus três períodos (não incluídas as classes do curso primário que funcionavam na escola): 10 classes de 1ª série ginasial; 12 classes de 2ª série do curso ginasial; 12 classes de 3ª série do ginasial; oito classes de 4ª série do ginasial; quatro classes de 1ª série do curso científico; três classes de 2ª série do científico; duas classes de 3ª série do científico; duas classes de 1ª série do curso clássico; duas classes de 2ª série do clássico; duas classes de 3ª série do clássico; duas classes de 1ª série do curso normal; três classes de 2ª série do normal; duas classes de 3ª série do normal. E em 1968 já contava com 4.366 alunos (cf. CENEART faz 40 anos pensando no passado, Primeira Hora, 20 a 26 de outubro de 1990, p. 5), apesar do número de escolas secundárias também ter crescido na cidade. Mesmo assim, no "Livro de candidatos à transferência para o estabelecimento" da instituição, computamos 306 inscritos em 1967, 561 em 1968 e 669 em 1969. Em Osasco, aquela década ficou marcada pelos elos que uniram o movimento operário e movimento estudantil marcadamente secundarista e suas peculiaridades — de forma tão íntima que, em alguns momentos, "mal se 109 pode afirmar que os dois movimentos são externos um ao outro, tal é o grau de imbricações e coincidências de atores" (Rizek, 1988:128). 110 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao se examinar o processo de instalação da escola secundária em Osasco, é importante considerar tanto as especificidades dessa instituição naquele período, quanto as ações sociais que se desenrolaram na localidade e deram características próprias a esses episódios. Em termos de escola secundária, o pequeno número de ginásios públicos existentes no início dos anos 50 — que gradativamente foram se multiplicando — fez com que com que, ao final da década, fosse "inegável a percepção das significativas transformações ocorridas no ensino oficial da cidade de São Paulo em nível ginasial", embora "o número de escolas secundárias públicas ainda [fosse] insuficiente para atender à procura que assumia a cada dia maiores proporções" (Sposito, 1992:75). Aquela unidade escolar mostrava-se insuficiente para atender a demanda e os exames de admissão continuaram a excluir uma parcela de candidatos ao ginásio. Mas é inegável que um contingente estudantil oriundo das camadas operárias da sociedade local e que antes não tinha acesso à essa escola começa a poder freqüentá-la, principalmente quando, em 1963, o prédio próprio foi inaugurado. Apesar de toda a debilidade de infra-estrutura, esse conjunto de operários/estudantes, que conheciam as dificuldades da vida do trabalho, teve o privilégio de conviver com um seleto corpo docente que fora formado no período em que essa função ainda era privilégio de poucos — pois o quadro de professores da rede pública, em função do reduzido número de escolas, era pouco extenso e seu processo de seleção podia ser mais rígido, como lembra a professora Helena Pignatari Werner. — No começo de 54, eu prestei um concurso público, em que nós tínhamos uma prova escrita duríssima, uma prova oral em público e uma aula didática. Então, essa prova foi feita na USP. A aula foi no Colégio Pedro II, em São Paulo, ali naquele caminho que vai pra Mooca, onde tem a Secretaria da Fazenda, descendo um pouco, antes da praça, ali 111 tinha o Colégio Pedro II, estadual. Tudo isso com banca. Na prova oral, nós sorteávamos, 24 horas antes, de uma lista de 40 questões — que você tinha que preparar as 40, porque te davam 24 horas pra você fazer uma dissertação sobre um assunto. Isso era público: você subia numa espécie de um púlpito, expondo, durante 40 minutos, as suas questões, para ser aprovado (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à autora em 19/5/2004). Entre tantos outros, vale destacar o privilégio que aqueles estudantes tiveram de contar com profissionais do gabarito do professor Emir Macedo Nogueira, o qual, além de docente de Português no período noturno, atuava como jornalista no período diurno, chegou a ocupar o cargo de secretário de Redação na Folha de S. Paulo, foi eleito presidente do Sindicato dos Jornalistas, em 1981, e, segundo Eduardo Rodrigues "influenciou toda a sua geração". No início do processo de expansão da escola secundária, que definitivamente se consolidaria a partir dos anos 70, ainda se encontra a escola que defende a expressão para a formação crítica. O ensino público da época, contudo, era de primeira qualidade, superando largamente as entidades particulares. Logo a disputa por uma vaga num colégio estadual se transformaria numa verdadeira guerra [...] Desde o final dos anos 50 e principalmente durante a turbulenta e criativa década de 60, o Ceneart juntou seu nome à história de Osasco e sua fama ultrapassou os limites da cidade, atraindo estudantes dos municípios vizinhos e da Capital (CENEART faz 40 anos pensando no passado, Primeira Hora, 20 a 26 de outubro de 1990, p. 5). O mesmo periódico, na mesma matéria, afirma que os professores do Ceneart formaram "a primeira geração de artistas da então nascente cidade de Osasco". Junte-se a essas especificidades o fato de que o movimento emancipacionista que se desenrolou entre 1953 e 1962 proporcionou um espaço de envolvimento dos estudantes/operários osasquenses com as questões políticas do lugar, familiarizando-os com a prática de atuar de forma 112 participativa em ações sociais mais amplas. Isso leva a afirmar que, em alguns momentos, mal se pode perceber um movimento social como externo ao outro. Para concluir, se não consegui analisar a fundo todos os textos que pretendia, nem todos os documentos que deveria, nem conversei com todos os atores desse episódio, pois o tempo e solicitações inesperadas impediram-me de realizar o projeto que almejava, tenho bem claro que estes obstáculos não me atingem exclusivamente nem justificam as possíveis falhas. Contudo, espero que este seja o ponto de partida para desenvolver outras pesquisas e que as lacunas remanescentes possam ser preenchidas. 113 BIBLIOGRAFIA ALEXANDRE, José Franco Domingues. S/d. 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São Paulo: Cortez. 118 Anexo 1 DEPOIMENTO DE EDUARDO RODRIGUES (nascimento: dez/42) - Em 1957, entrou no 1o. ginasial noturno, ainda no prédio do Grupo Escolar Marechal Bittencourt. - acredita que neste momento já encontrou o grêmio funcionando na escola. - Professores que influenciaram a sua geração: - Emir Macedo – professor de português no período noturno e jornalista no período diurno: • Chegou a ser Secretário de Redação da Folha de São Paulo e • Presidente do Sindicato dos Jornalistas • Influenciou a movimentação dos estudantes em torno do grêmio. • Apesar de polido e reservado, tinha espírito de liderança forte e era bastante esclarecido, além de apresentar visão crítica (até por ser jornalista) dos fatos. - Hélio de Filosofia – Eduardo não tem certeza, mas parece que veio transferido do interior por problemas políticos. • as meninas do colégio suspiravam por ele, o que causava a ira dos alunos que, apesar de admirá-lo, o viam como um rival. • era comunicativo e expansivo. • casou-se com uma aluna (das mais cobiçadas) do colégio. 119 - Contou uma história do prof. Emir, bastante pitoresca: ... o portão do colégio fechava às 19 horas e depois disso ninguém mais entrava. Certo dia um aluno foi pego pelo inspetor (sr. Mane – apelido: Compostura) ao pular o muro para entrar no colégio e foi levado para a diretoria onde recebeu uma suspensão. O professor Emir, que não costumava ser de espalhafatos, tomou as dores do aluno e foi à diretoria onde argumentou com o diretor (Walter Silvio Dominas), que não havia lógica aquela punição, uma vez que, pela primeira vez um aluno pulava o muro para entrar na escola e não para sair. - Além dos alunos do ginásio estadual, havia ainda secundaristas de dois outros colégios particulares locais: Colégio Nossa Senhora da Misericórdia (as meninas que podiam pagar) fundado por freiras, em 1943, e que formava normalistas (quem não podia pagar o Misericórdia tinha que ir estudar o normal no Colégio Anhanguera, que ficava na Lapa) Colégio Duque de Caxias (os meninos que podiam pagar), que formava técnicos em contabilidade. - Ser estudante secundarista representava status junto aos jovens da localidade. - Quem não passava no exame de Admissão do GEART virava paria local, ninguém dava prestígio. - Só se projetava na sociedade entrando no ginásio. - As meninas só queriam namorar os meninos que estivessem no ginásio. 120 - Quem não tinha dinheiro, tinha que se projetar intelectualmente para fazer parte da elite. - No ginásio encontrava-se o filho do comerciante, do sapateiro, do operário, e todos tinham por ideal o reconhecimento intelectual. - As classes eram heterogêneas, pois as mais diferentes faixas etárias estudavam juntas no noturno (de 11 a 40, 50 anos), mãe e filha chegaram a estudar na mesma classe. - No movimento pela emancipação de Osasco, que durou de 1953 a 1962, existe a participação dos estudantes da escola, muitas vezes influenciados pelos professores ou por grande parte desses alunos que já era bastante adulto para entender o que se passava na política local. - A UEO é anterior ao CEO – parece que o CEO foi criado quando a UNE caiu na ilegalidade e, portanto, caiu também as UEE’s, Nessa época já existiam outros ginásios em Osasco: pelo menos o GEPA já existia. Em 63, o grêmio do CEART paralisou a Câmara de Osasco contra o aumento dos salários dos vereadores recém-empossados em Osasco. Em 1963, o presidente era o Gabriel Figueiredo. A sede ficava na Rua Antonio Agú, em cima do bar Central (ponto de encontro dos estudantes). A sede ficava ao lado do consultório dentário do Dr. Fortunato Antiório, que cedia a sala para a UEO. Ele foi professor de matemática do ginásio e fazia parte do Rotary Club local e, ainda, tinha um filho que trabalhava na Cobrasma durante o dia e à noite era estudante do ginásio (José Antiório – apelido: Pingüim - é presidente do Rotary Club ainda hoje). Era período do governo Jango e a UEO apoiava o governo. 121 A UEO sofria influência da célula do PC em Osasco (Papa, Lino, Sergio Zanardi). Por que um Rotariano (que não era PC, é claro) cederia uma sala para a UEO? Talvez porque seu filho também fosse operário/aluno do ginásio e convinha manter boas relações com uma entidade que apoiava o governo federal. As eleições para a UEO eram disputadas e as chapas faziam campanha tentando ganhar adeptos, além do CENEART, nas outras escolas locais como: GEPA, Misericórdia e Caxias. Em 1964, no fim do mandato do Gabriel, que indica o Helio Bahovski como candidato à sucessão, aparece como oposição a essa chapa: Francisco Rossi de Almeida. O Rossi era funcionário do Bradesco. Conta-se uma história que para se eleger, ele, que era bonitão e encantava as garotas, teria insinuado junto às alunas do Colégio Misericórdia que estava muito doente e que logo morreria e que, por isso, precisava vencer as eleições da UEO, pois era seu último desejo - até onde é verdade ou imaginação da oposição não sabemos. Em 1966, Guaçu sai candidato a prefeito de Osasco e recebe o apoio dos estudantes de Osasco e se elege. - Com a UNE na ilegalidade nasce o CEO Em 68, o presidente era o Eduardo, que já cursava a USP e seu vice era o Zequinha Barreto (José Campos Barreto). A cúpula do movimento estudantil em Osasco já estava na universidade, mas ainda carregava origem secundarista e mantinham elos com os secundaristas locais. No governo Guaçu Piteri, a prefeitura pagava o aluguel do CEO que ficava na Rua Antonio Agú, quase esquina com a 122 Marechal Rondon, numa sala no primeiro andar de um prédio comercial. Roque participa do CEO (tinha origem no ginásio do Helena Maria e depois o GEPA e CENEART). Luizão foi liderança e veio do Julia Lopes de Almeida, no Rochdale. Do Caxias vieram: Antonio Salgueiro e João de Deus Pereira Filho. Antes disso, ainda quando UEO, já se buscava forças junto às escolas particulares (Misericórdia e Caxias) e estaduais que começam a funcionar. 68 – invasão do CEO pela repressão. . Osasco já tinha 2 grandes escolas públicas (CENEART e GEPA), além das 2 particulares. . Os jovens de Osasco normalmente trabalhavam como funcionários do Bradesco ou das metalúrgicas (principalmente grupo Cobrasma). . Essas duas frentes tinham 2 sindicatos fortes (metalúrgicos e bancários). 123 Anexo 2 ENTREVISTA COM FRANCISCO ROSSI DE ALMEIDA, REALIZADA EM 29/08/05 - Concluiu o Curso Ginasial, em 1955, no G. E. de Agudos, tendo cursado o 1o. semestre do 3o. ginasial no GEART, Osasco. - No começo de 1956 mudou-se para Osasco. - Primeiramente fez Curso Técnico de Contabilidade, em São Paulo. Trabalhava no Bradesco, à tarde, e fazia curso técnico pela manhã. Nos dois últimos anos trabalhava durante o dia, no Bradesco, e fazia o curso à noite. - Fez curso técnico de contabilidade seguindo os passos do pai, que também foi contador e bancário, além de lecionar em curso preparatório para concursos. - Depois, em 1963, começou o Curso Clássico no CENEART, como preparatório para ingressar na faculdade de Direito. - No segundo Clássico prestou vestibular para a Faculdade de Direito e entrou em São José dos Campos, abandonando o curso Clássico. PERGUNTA - Havia atividades, na escola, no final de semana? RESPOSTA - Não me lembro – se tinha eu não participava. Não participava, seguramente, eu não participava. PERGUNTA - Você diria que o Curso Clássico influenciou a sua cidadania? RESPOSTA - Influenciou porque naquela época se discutia muito política dentro da escola, a gente participava de muitos movimentos contra o governo, contra o prefeito – e havia uma corrente de esquerda muito forte no CENEART e eu não gostava muito dessa posição de esquerda radical, eu era mais moderado e eu era taxado de direita, porque não fazia parte daquele movimento estudantil que freqüentava o sindicato dos metalúrgicos. 124 PERGUNTA - Você tinha alguma filiação partidária? RESPOSTA - Não – eu tinha assim uma visão – talvez influenciada pelo interior - contra o comunismo – eu tinha uma visão distorcida do que seria o comunismo. - Porque meu pai era do Partido Comunista e a gente sofreu muito dentro de casa – eu não tenho muito clara essa participação dele, mas eu me lembro que a gente comentava que ele era comunista e a minha mãe, o pessoal dentro de casa detestava isso. PERGUNTA - Qual era o seu grupo dentro da escola? RESPOSTA - Eu liderava um grupo que tinha o Alexandre (não se lembrou do sobrenome), o Lincon, que depois entrou na esquerda bem radical e o Espinosa. Era um grupo mais moderado. - Nós tínhamos também uma postura de esquerda, mas éramos taxados de direita, porque não entravamos naquele esquema mais ligado ao sindicato liderado pelo Papão que, comentava-se era do Partidão. PERGUNTA - Havia linha divisória entre o movimento operário e o movimento estudantil ou era um movimento só? RESPOSTA - O movimento de esquerda estudantil era muito identificado com a esquerda mais estruturada que era o Partidão, mas confesso que eu não tinha uma visão muito clara a cerca disso. É comunista: eu tô fora. - Depois eu vi quanto equivoco cometi achando que era uma coisa e era outra. O Papão era um idealista, era uma pessoa que lutava pelos direitos dos operários, se posicionou contra o governo militar e eu tive aquela coisa de me filiar pelo movimento estudantil – como o pessoal mais de esquerda se filiou ao MDB, e como eram dois partidos, eu acabei me filiando à ARENA, pois nasceu em mim o desejo de disputar as eleições em Osasco e eu fui parar na ARENA – tive a maior dificuldade para ser candidato porque eu era tido como de esquerda. Dentro da ARENA eu era tido como comunista. Tive a maior dificuldade, não foi fácil conseguir a candidatura. Fizeram a intervenção na 125 ARENA para que fosse o Enio Grup candidato, no meu lugar, e nós ganhamos aquela convenção. Eles achavam que a gente era comunista – agitador. PERGUNTA - Você tinha participação no Grêmio, na Fanfarra...? RESPOSTA - Eu gostava da Fanfarra e tudo que eu podia fazer para ajudar a Fanfarra – era o Helio Barrovisk que dirigia a Fanfarra – Tinha um pessoal legal na Fanfarra, mas eu nunca tive vontade de participar porque era um regime quase que militar a Fanfarra e o HB era severo – era quase que militar, tinha que marchar era muito bem organizada e a Fanfarra do CENEART era maravilhosa. PERGUNTA - Você ganhou a presidência da UEO ou do CEO? RESPOSTA - Da UEO. Eu disputei a eleição de 63, perdi para o Gabriel. Mas aí o pessoal da esquerda, que era ligado ao sindicato, acabou tendo problemas com o exército, eu não me lembro bem quem foi que criou caso com eles. Eles tinham problemas, parece que foram presos, eu não me lembro bem e eu tinha problemas com a Força Pública – era uma coisa interessante, porque o exército não sei porque motivo foi para cima do pessoal do PC e como eu não tinha vínculo com o PC a Força Pública veio para cima de mim. A ponto de ir à minha casa, me levar para a delegacia, me deixar lá à noite. Uma coisa muito interessante. - Disputamos as eleições em 63 e perdemos por poucos votos e aí em 64 tornei a disputar a eleição e ganhamos estourado. PERGUNTA - A que você atribui ter ganho a eleição em 64, quando temos uma série de indicativos de que a esquerda estava muito forte na região? RESPOSTA - Tenho a impressão de que os estudantes esperavam alguma coisa naquele momento – eu não me lembro quais foram as promessas – mas era muito difícil fazer alguma coisa e tinha aquela coisa dos 20%, que era o artigo 169 na Constituição, que se eu não me engano, determinava que tinha que se gastar 20% no município, eu não me lembro bem ou 25%, e na época a 126 prefeitura de Osasco não investia. Eu lembro que eu fiz uma campanha em cima disso e a UEO não fez a campanha como deveria. PERGUNTA - Você teve algum apoio nessa campanha? RESPOSTA - Não, eu tive o mesmo apoio – tinha o Bradesco que fazia material para o Gabriel e fez para mim também – eu fui cobrar lá no Banco, porque se ele fez para eles eu quero também. PERGUNTA - A que você atribui o fato do Bradesco fazer esse material? RESPOSTA - É uma coisa curiosa, na época eles ajudavam todo mundo. Se aparecesse alguém pedindo alguma coisa lá, eles ajudavam – se aparecesse um jornal, eles ajudavam – se fosse movimento estudantil, eles ajudavam – eu senti que o Bradesco queria ter uma interação com a comunidade de Osasco. - Porque a Cidade de Deus por ser dentro de Osasco – O Amador Aguiar apoiava todo mundo, se você fosse lá pedir móveis, por exemplo, um movimento de jovens, ele dava. Impressionante. Até hoje eu tenho uma imagem muito boa do Bradesco. Eu soube que eles tinham feito o material para o pessoal lá, pelo menos era o que se comentava na época – e deve ter feito porque eles fizeram para mim também. PERGUNTA - Onde você trabalhava nessa época? RESPOSTA - Eu trabalhava, não me lembro, eu tive tanto emprego – provavelmente, em 64, acho que eu trabalhava na Brown Boveri – precisaria ver. PERGUNTA - Como se deu essa passagem de UEO para CEO? RESPOSTA - Quando eu tava como presidente da UEO, veio o governo e dissolveu a União Estudantil. Resolvi fazer uma greve que desse uma conotação, primeiro: O Marino era o prefeito e tinha doado um terreno para construir a sede da União dos Estudantes, como o governo extinguiu as Uniões Estudantis. O Marino pega o terreno que era nosso, que tinha até uma escola de madeira em cima, e doou para Força Pública. Quer saber de uma coisa, 127 vamos fazer um movimento contra a doação para a Força Pública e vamos também fazer um movimento contra a extinção das Uniões Estudantis e fizemos uma convocação dos estudantes e nos reunimos ali onde é o Jumbo. Juntamos acho que uns 500 estudantes na porta do prédio que tinha sido doado pelo Marino, em regime de comodato, para a Força Pública. Fizemos um barulho e a Força Pública veio lá com uns 200 soldados, tinha muito soldado, eles vinham em caminhões e foi todo mundo caindo fora, todo mundo dando no pé e só ficamos eu, o Edgar Domingues e o Zé Maria, ficamos nós três. Chegou uma hora eles pegaram a gente e levaram lá para dentro, porque era um quartel provisório e ficamos lá. Veio o Ubirajara Silveira que era o comandante da Polícia Militar, do 16.o Batalhão. Iam autuar a gente, mas não autuaram e daí a gente entrou para aquela lista negra de agitador. - Como estava proibida as Uniões Estudantis foi formado o CEO, se não me engano com o atual Secretário da Cultura, o Roque e ai voltou o Gabriel – aquela turma toda, e nessa altura eu fiquei com medo mesmo, porque eles iam na minha casa, na Cidade de Deus, e foram me pegaram à noite lá. - Eu morava com a minha mãe, eu não trabalhava lá, mas meu irmão trabalhava, minha irmã trabalhava – eles encostaram lá, um dia, uma Kombi na porta da minha casa, 1:30 da manhã e fizeram o maior barulho, minha mãe doente, eu fiquei intimidado e pensei vou parar com esse negócio – me pagaram uma vez ali na Antônio Agu, me colocaram numa Kombi, me levaram lá na delegacia, eu passei a maior vergonha. O dia que eles foram à Cidade de Deus foi o dia em que caçaram o Juscelino. Aí eu parei, quando surgiu o CEO, eu dei graças a Deus. - Eu passei todo o acervo documental da UEO para eles – eu nem sei se existe isso ainda hoje. E me afastei do movimento, porque eu fiquei muito intimidado. - Eu tava namorando pensando em casar, constituir família e eu não entrei, mas por um triz que eu não entrei. PERGUNTA - Esse movimento era majoritariamente secundarista ou ele já tinha uma participação universitária? 128 RESPOSTA - Totalmente secundarista – pelo que eu me lembro eu só via secundarista, eu não via universitários – era um movimento eminentemente secundarista – não tinha participação – Você quase não conhecia universitário – era raro ver-se um universitário. PERGUNTA - Havia muitos militares estudando no Colégio em função dos quartéis da região – como era o relacionamento com os alunos? RESPOSTA - Muitos vinham até uniformizados, mas eu não me lembro muito bem como era – era normal. PERGUNTA - Como era o relacionamento dos alunos com os professores? RESPOSTA - Excelente. Tem alguns professores que a gente até forçava a barra para estar com eles, por exemplo: eu ia à casa da Helena Pignatari, que era uma pessoa muito culta, que fascinava a gente, mas ela não ia muito com a minha cara, não. Ela já era uma pessoa marcadamente de esquerda e já tinham me carimbado como uma pessoa de direita, eu notava que havia uma resistência à minha presença lá, mas ia porque tinham umas pessoas com quem eu tinha bom relacionamento e que eram familiares dela, então eles me convidavam e eu ia. PERGUNTA - Havia livros didáticos – quais eram as leituras que vocês faziam na escola? RESPOSTA - Estudava-se francês, inglês, latim – eu sou um devorador de livros – eu aprendi a ler no ginásio e depois me apaixonei pela leitura. PERGUNTA - Qual era a qualidade dessas leituras? RESPOSTA - Excepcional, literatura de autores franceses, ingleses, coisa de altíssimo nível – não era livrinho, não – eu lia muito um negócio chamado Tesouro da Juventude. Porque meu primo tinha uma condição financeira boa, tinha essa coleção e o tempo que eu morei com eles e depois eu ia lá para pesquisar nesse Tesouro da Juventude – não tinha essa coisa de enciclopédia Barsa de fácil acesso como é hoje. A gente lia os prêmios nobeis de literatura. 129 PERGUNTA - E a vida com a comunidade, em relação aos bailes, às festas, teatro, cinema, qual era a relação da escola com tudo isso? RESPOSTA - Tudo tava dentro da escola, nascia dentro da escola – o Clube Paulistinha – depois a UMO – União da Mocidade Osasquense. Tinha origem na escola. Dentro da Escola. A escola era forte. PERGUNTA - Como era a relação na escola entre os alunos filhos dos operários e os demais? RESPOSTA - Uma coisa excepcional, porque não tinha diferença – ninguém enxergava essa diferença. Podia até ter gente rica, nunca a gente identificou ninguém rico dentro da escola. Todos alunos, simplesmente alunos. Ninguém queria saber se era da família tal e isso já tinha no interior, onde os filhos das famílias mais ricas da cidade estavam na escola pública. Tinha a escola particular e quem queria ser professor ia para a escola normal. Todo mundo sabia quem era quem, mas todo mundo se tratava igual. PERGUNTA - Você tinha 23 anos quando entrou no Clássico, já tinha feito um curso técnico e com certeza tinha colegas de classe com menos idade, como se dava essa convivência? RESPOSTA - Havia uma coisa muito interessante, nós só notávamos quando a pessoa tinha mais de 30 anos, que era considerada velha. O relacionamento era igualzinho, porque as meninas saíam do ginásio com 14, 15 anos e entravam no Clássico com 16 anos – para 23 anos – sete anos – diferença nenhuma. A gente não achava que havia uma diferença. Tanto que eu fiz grandes amizades naquela época com mulheres e havia amizades sinceras. Eu tinha algumas amizades femininas e eu as tinha como minhas irmãs. PERGUNTA - E na militância, havia muitas mulheres? RESPOSTA - Elas eram meio tímidas na política estudantil – era mais coisa para homem – era uma ou outra que participava. 130 PERGUNTA - Você teve alguma participação no movimento de emancipação? RESPOSTA - Não, eu fui apenas um espectador. Eles me convidavam para ir ao cineminha da igreja e eu ia, mas até hoje eu não me lembro se fui contra ou a favor. Eu era apenas um mero observador. Não era uma coisa que me afetava porque eu tinha uma vida assim, primeiro eu morava na Cidade de Deus, depois eu morei ali na Campesina. – Eu trabalhava em São Paulo – me lembro, eu morava em São Paulo, nessa época. PERGUNTA - Você vê alguma importância do movimento secundarista junto aos movimentos sociais da década de 50/60? RESPOSTA - Importância tremenda. O movimento estudantil secundarista era muito articulado, tinha boas lideranças. Pessoal muito articulado, inteligente, criativo. Hoje somos todos amigos, nós queríamos todos a mesma coisa, só queríamos chegar lá de maneira um pouco diferente. - Outra coisa, os professores eram excepcionais, eles estão marcados na memória desses estudantes, a Helena Pignatari, o professor Emir, o professor Alcyr Porciúncula, têm outros que agora a memória não ajuda a lembrar, mas havia outros professores excepcionais. Tinha a professora Laura, excepcional, ela me despertou o gosto pela literatura clássica. Eram professores fantásticos, gênios. 131 Anexo 3 - DEPOIMENTO DE GABRIEL ROBERTO FIGUEIREDO ESTUDANTES DE OSASCO - Respostas às questões de Sonia Regina Martim solicitadas a Gabriel Roberto Figueiredo PERGUNTA - Quem fazia curso secundário antes da instalação do GEO – Ginásio Estadual de Osasco? RESPOSTA - Quando cheguei em Osasco, em 1954, o GEO já existia, há cerca de 2 anos, se não me engano. PERGUNTA - Com que objetivo fazia-se o secundário? Quais eram as expectativas de quem concluía o colégio? RESPOSTA - O objetivo de fazer o curso secundário era o de se qualificar para o mercado de trabalho, sobretudo técnico de nível médio. Ingressar na Universidade ainda não era ambição maior. PERGUNTA - Houve envolvimento dos alunos do ginásio na luta pela instalação do município? RESPOSTA - Sim, os estudantes secundaristas de Osasco, dentre os quais me incluo, participaram ativamente dos movimentos emancipacionistas. João Gilberto Port, mais tarde vereador e vice-prefeito da cidade, foi a liderança maior deste segmento. PERGUNTA - Como foi seu envolvimento com o plebiscito de 58 e a luta que se segue? Segundo Moises, a orientação do PC era a de que essa era uma luta de burgueses e que, portanto, não deveria envolver seus membros – é verdade? 132 RESPOSTA - Os comunistas de Osasco participaram do movimento. Sergio Zanardi, ao lado de Lino Ferreira dos Santos foram seus principais ativistas. Conrado del Papa, que transitava muito bem entre o PSB e o PCB, assim como o líder ferroviário Reginaldo Valadão também pontuaram... A liderança do movimento, no entanto, estava sendo conduzida por empresários, comerciantes e profissionais liberais. Dentro desta liderança encontrava-se alguns simpatizantes do PCB. O principal deles era o ilustre médico Edmundo Burjato, que chegou a participar de algumas reuniões do Partido na sua sede clandestina, pois era ilegal antes mesmo do golpe militar, situada na Avenida João Batista, esquina com a rua do Mercado Municipal. Dr. Edmundo também contribuiu para as finanças do partido. Eu, particularmente, com 15 anos de idade participei do movimento e foi neste contexto e no contexto metalúrgico (eu já era funcionário da CIMAF), que fui cooptado, por Sergio Zanardi, para as fileiras do Partido Comunista Brasileiro. PERGUNTA - Como foi o envolvimento dos alunos do CENEART na luta pela emancipação? RESPOSTA - Vários alunos secundaristas participaram das lutas pela emancipação de Osasco. PERGUNTA - Os alunos tinham atividades nos finais de semana: - como eram essas atividades? - Quem os acompanhava? RESPOSTA - As escolas abriam suas portas para atividades culturais e recreativas. Era comum também a formação de grupos de estudos de fins de semana, sobretudo para os alunos do noturno que precisavam colocar as matérias em dia, pois não tinham tempo durante a semana. PERGUNTA - Como a escola influenciou na sua cidadania? RESPOSTA - Do ponto de vista institucional acredito que a minha família de origem, a escola e o trabalho me conferiram a consciência de cidadania. Minha militância no PCB estruturou esta consciência. Lamento quando vejo jovens 133 nos dias de hoje sem militância e, portanto, sem causa. O mundo alienado das drogas e da violência social tem tudo a ver com isso. PERGUNTA - Quem eram os professores e qual o papel/importância destes na formação política dos alunos? RESPOSTA - Dentre vários, vou citar três pela influência maior: Josué Augusto da Silva Leite (História); Helena Pignatari Werner (História) e Emir Macedo Nogueira (Português). PERGUNTA - Como era o relacionamento entre alunos e professores e/ou professores/ professores? RESPOSTA - Relacionamento cordial, solidário, de camaradagem. PERGUNTA - Como era o relacionamento entre os alunos? RESPOSTA - Relacionamento de amizade e companheirismo. Competição, ciúme e inveja eram sentimentos perceptíveis. Também ora, estamos tratando de seres humanos. PERGUNTA - Havia livros didáticos? Quais? RESPOSTA - José Cretella Júnior (Latim), Osvaldo Sangiorgi (Matemática) e Hadock Lobo (História) foram os que mais me marcaram. PERGUNTA - Que livros e/ou textos eram utilizados em aula? RESPOSTA - Machado de Assis era fundamento. Depois vinha Graciliano Ramos, Gonçalves Dias, Olavo Bilac, José de Alencar e outros. Dentre os portugueses Fernando Pessoa e Padre Antonio Vieira marcaram forte presença. Na literatura internacional clássica pelo menos três obras são inesquecíveis: "Os miseráveis", de Victor Hugo; "Crime e Castigo" de Fiódor Dostoiévski e Cândido, de Voltaire, não se constituíam leitura obrigatória, mas foram estimuladas, no científico.Para mim, particularmente, que tive o privilégio de ingressar ainda jovem, aos 15 anos, no PCB, acabei sendo contemplado com leituras complementares de Marx, Engels, Lênin, Goethe, Nietzsche, 134 Gramsci, Sartre... Lembro-me que uma semana antes de prestar vestibular para a Faculdade de Medicina, suspendi todos os meus estudos de física, química, matemática, biologia, português e outras matérias para ler, intensamente, "Assim falava Zaratustra". PERGUNTA - Como era seu relacionamento com os professores, com o Grêmio, Fanfarra, UEO, etc? RESPOSTA - Meu relacionamento com estes grupos sempre foi bom e produtivo. Da UEO inclusive fui eleito presidente em 1963, em acirrada disputa eleitoral com Francisco Rossi de Almeida, que alguns anos depois seria eleito prefeito de Osasco e que a partir de então emergiu para uma carreira política até hoje destacada. PERGUNTA - Quando surgiu a UEO e quando e porque ela foi substituída pelo CEO? Onde ficavam? Quem e como se pagava o aluguel? RESPOSTA - A UEO (União dos Estudantes de Osasco) foi extinta em 1964, alguns meses após o golpe militar. O CEO (Círculo Estudantil de Osasco), surge como modelo alternativo de organização, sem estatutos e registro, funcionando praticamente na clandestinidade. A UEO tinha como sede um cômodo cedido pelo professor de matemática do CENEART e conceituado cirurgião dentista de Osasco, militar da reserva, Fortunato Antiório, um dos principais líderes do movimento emancipacionista. Este cômodo fazia parte de uma área onde funcionava seu consultório privado, na rua Antonio Agú. No andar de baixo havia um bar muito freqüentado pelos estudantes do noturno, após as aulas. Chamava-se "Bar Central". Fortunato Antiório tinha simpatia pelos estudantes e, além disso, era casado com minha tia, Maria Figueiredo Antiório, irmã do meu pai. Penso que esta simpatia e este parentesco foram decisivos para ele ceder, gratuitamente, o cômodo para a sede da UEO. Também, momentos decisivos da participação estudantil nos movimentos políticos e sociais da primeira metade da década de 1960, tiveram suas resoluções saídas de grandes discussões no Bar Central. 135 PERGUNTA - Como se deu a extinção do CEO? RESPOSTA - Por ocasião da extinção do CEO eu já estava praticamente na clandestinidade. Já havia sido preso duas vezes, na segunda com preventiva decretada e aguardando julgamento em liberdade devido a graves erros técnicos e éticos cometidos pelos militares responsáveis pelo IPM (Inquérito policial militar) e que para minha sorte envolvia figuras importantes tais como o ex-prefeito de Osasco Hirant Sanazar, o próspero dono do Bradesco, Amador Aguiar, entre outros. A bem da verdade acredito, hoje, que os erros cometidos pelos militares moralizadores da época foram mais éticos do que técnicos. Eu já não morava mais em Osasco. Minha família mudou-se para a região do Horto Florestal, na zona norte da capital. Cheguei a Ter contatos esporádicos com Orlando Miranda, José Campos Barreto, Eduardo Rodrigues e Nilton Landa sobre o CEO. Na minha memória o CEO foi se dissolvendo e seus membros se ligando a outras atividades. Penso que antes mesmo de 1968 o CEO já havia declinado. E de todos os companheiros e camaradas deste período, ainda retorna na minha mente, como um "flash-back", o jovem poeta Barreto, estudante do GEPA (Ginásio Estadual de Presidente Altino), alguns anos depois assassinado no sertão baiano ao lado do seu compatriota Carlos Lamarca. PERGUNTA - Como você explica a derrota para o Rossi na eleição do CEO? – (pág 94 da Saliba tem uma explicação – será que é valida?). RESPOSTA - O Francisco Rossi de Almeida, se não me engano, nunca disputou eleição para o CEO. Ele foi eleito presidente da UEO em 1964, logo após o golpe militar. Foi candidato de chapa única. Na eleição de Rossi eu estava preso, incomunicável, no 4º Regimento de Infantaria de Quitaúna. A vitória de Rossi se deu devido à desmobilização do movimento estudantil impactado em grande parte pela minha prisão. Eles estavam sem rumo e sem liderança. Foi neste vácuo que Rossi deu grande impulso a sua pretendida carreira política e alguns anos depois elegeu-se prefeito. Aproveito também este depoimento para lembrar que apesar da minha trajetória ideológica ter sido contrastante com a de Rossi, NÃO TENHO NENHUM INDÍCIO DE QUE 136 ELE ME "DEDOU" PARA OS MILITARES, COMO FOI AMPLAMENTE DIVULGADO. FUI PRESO PORQUE EU ERA FIGURA PÚBLICA E OCUPAVA UMA FUNÇÃO INDESEJÁVEL PELA DITADURA. PENSO QUE É INJUSTO ATRIBUIR AO ROSSI ESTE COMPORTAMENTO DE DELATOR. ELE JÁ SABE DESTA MINHA OPINIÃO, POIS CONVERSAMOS PESSOALMENTE A RESPEITO. PERGUNTA - Qual foi sua atuação e dos alunos nas eleições de 62? RESPOSTA - Em 1963 eu fui eleito presidente da UEO. Nossa chapa chamava-se "Ação-63" e vencemos a chapa "Bandeirantes", encabeçada por Francisco Rossi. Em 1962, o movimento estudantil de Osasco, apesar da UEO já existir, visto que nasceu nas lutas emancipacionistas, tinha pouca expressão. Nesta época, e nas mãos dos poucos universitários existentes na cidade, aglutinou-se em torno do nome de João Gilberto Port e elegeu-o vereador. Port foi um dos fundadores da UEO e chegou a cumprir vários mandatos como vereador, chegando até à condição de vice-prefeito de Osasco. PERGUNTA - Qual foi sua atuação e dos alunos na manifestação contra o aumento dos salários dos vereadores? RESPOSTA - Liderei as manifestações contra o aumento dos salários dos vereadores. Não achava justo, e entendia estar representando a indignação pública, inconformada de que a primeira preocupação dos edis de um nascente município fosse a de aumentar os seus próprios salários. Junto com meus companheiros estudantes e sindicalistas promovemos greves e movimentos populares. PERGUNTA - Como era a relação entre escola-sindicatos-sindicalistas? RESPOSTA - A partir de 1963 a relação estudantes-operários estreitou-se. A bem da verdade elas já vinham estreitando-se desde a campanha para a emancipação, onde ao contrário do que muitos pensam e apregoam que foi uma campanha exclusiva da burguesia. Liderada por ela sim, mas exclusiva não. E o próprio Partido Comunista Brasileiro, de forma bem discreta, dela 137 participou, porque entendeu nela uma capacidade de mobilização de massa até então inexistente na história de Osasco. Assim, em 1963, pouco antes do golpe, o PCB que tinha a Secretaria Geral do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e na presidência um aliado fiel, me convida para compor a mesa de debates sobre "A luta da Classe Trabalhadora", com a presença do então Ministro do Trabalho, Almino Afonso, na qualidade de presidente da União dos Estudantes de Osasco. PERGUNTA - Como era a relação entre a escola e a vida social da comunidade? (bailes, festas etc). RESPOSTA - Era comum festas, bailes e atividades esportivas. PERGUNTA - Como eram as relações entre a escola e vida cultural de Osasco? (teatro/cinema). RESPOSTA - Teatro e cinema eram objetos de freqüentes discussões. PERGUNTA - Havia muitos alunos em faixas etárias diferentes freqüentando as aulas? Como era esse relacionamento? RESPOSTA - Nos cursos noturnos alguns poucos alunos chegavam a ser de 10 a 15 anos mais velhos. BREVE RESGATE HISTÓRICO DE GABRIEL FIGUEIREDO Saí de Ribeirão Preto para São Paulo, mais propriamente para o subúrbio de Osasco, em janeiro de 1954, com 11 anos de idade. Já havia concluído o curso primário no Grupo Escolar Fábio Barreto, em Ribeirão. Meu pai era bancário e minha mãe do lar. Transferido pelo Banco de São Paulo S/A para a capital, meu pai, funcionário de carreira, decidiu vir com a família para Osasco. Viemos assim em cinco, visto que meus irmãos mais novos, Walter e Marina, engrossavam a prole. 138 A vinda para Osasco não foi por acaso, visto que no bairro morava uma irmã de meu pai, Maria Figueiredo Antiório, casada com um dos poucos dentistas existentes no pedaço, Fortunato Antiório e que parece terem lhe dado apoio para se instalar. Poucas semanas após nossa chegada, meu pai já havia alugado uma pequena casa e ainda que de forma precária nos instalamos e uma nova vida começou. Ao chegar em Osasco tive um transtorno de adaptação com perturbação de conduta e demorei quase 5 anos para me acertar. Neste período fui um púbere e adolescente rebelde, agressivo, de pouca fala. Ainda assim, contribuía para a renda familiar trabalhando como engraxate, guardador de bicicletas em feiras-livres, entregador de encomendas das Casas Pernambucanas e office-boy de uma loja comercial chamada "Sport Spada". Isto tudo no período de 11 a 14 anos, quando então o trabalho do menor já era autorizado e tirei minha primeira carteira profissional. Meus estudos foram prejudicados por estes primeiros anos tumultuados e só consegui, de fato, começar a ser produtivo na escola em 1960, no Ginásio Estadual de Presidente Altino (GEPA). Nesta época do GEPA, entre 1960 e 1962, quando concluí o ginásio, eu já trabalhava como metalúrgico. O primeiro emprego foi na Companhia Industrial e Mercantil de Artefatos de Ferro (CIMAF) entre 1958 e 1961 e depois na Companhia Brasileira de Material Ferroviário (COBRASMA) até 1963 de onde fui demitido devido às repercussões das minhas atividades políticas. Também, em 1963, atrasei novamente minha carreira de estudante para me dedicar à política estudantil. Desisti do primeiro ano do colegial (Científico) para esta finalidade. Em 1963 só fiz política. Não tinha emprego e larguei a escola. Mais uma vez tive a compreensão e a amizade dos meus pais. O velho Figueiredo era um bancário, assalariado, sindicalista e simpatizante dos comunistas. Dona Dirce, um pouco mais preocupada e cautelosa, vivia me alertando para não cometer exageros e completava a baixa renda familiar sentada na sua Elgin costurando camisas para fábricas de roupas. Minhas economias, produto da minha indenização da Cobrasma, ajudaram na 139 manutenção na atividade exclusivamente política. Em abril de 1964 minha situação era dramática, pois além de já não dispor mais de recursos financeiros, estava preso e incomunicável no 4º RI de Quitaúna. Na escola, tanto no ginásio quanto no científico, a maioria dos meus colegas tinham mais ou menos a mesma condição sócio-econômica. Éramos todos estudantes do noturno e neste período quase não estudavam filhos de famílias abastadas. No período da noite era uma relação praticamente de iguais. O movimento estudantil secundarista, no meu tempo (1963/4), em Osasco, foi decisivo. Estudantes universitários praticamente não compunham o quadro de correlação de forças políticas. Foi, sob minha direção, que a UEO historicamente adquiriu identidade secundarista. Sua direção não foi escolhida nos bastidores elitistas, mas legitimada numa eleição extraordinária que envolveu todas as escolas existentes no recém criado município. E como não tínhamos escolas superiores na cidade, os poucos universitários foram convocados ao voto democrático, numa urna exclusivamente dedicada a eles. E os melhores, dentre os universitários, despojaram-se da arrogância e acabaram aderindo à nossa liderança. Entre eles destaco Clovis Gloeden, Antonio Carlos Masotti e, principalmente, Sérgio Zanardi. Os dois primeiros estudantes de Economia e o último de Direito. Entre os secundaristas havia estudantes de várias categorias profissionais. No período noturno todos trabalhavam durante o dia e estudavam a noite. Até militares, soldados (conhecidos como récos), cabos e sargentos. Atuavam pouco, quase nada, nos Grêmios. Alguns deles, eu soube e conheci, foram perseguidos pela ditadura. Quanto às mulheres, elas eram, na sua maioria, sem emprego remunerado. Algumas ajudavam os pais no comércio, outras eram funcionárias públicas da recente cidade de Osasco. Ainda estava para explodir o papel da mulher no mercado de trabalho. Por fim, a importância da escola secundária para os movimentos sociais de 50/60 merece um aprofundamento maior que uma simples resposta. Não dá para ser sintético. É o espírito analítico que se impõe. Para todos os efeitos fica aberta a tese de que o cidadão, estudante secundarista ou não, teve, entre 50 140 e 64, um acesso maior à participação e à organização e isto o tornou, potencialmente, mais capacitado a promover as necessárias transformações que a sociedade requer, apesar de algumas decepções vividas nestes últimos tempos. ESCLARECENDO TEXTOS 1) José Álvaro Moises afirma que, seguindo orientação do Partido (que valia para todas as lutas pela emancipação que se desenrolavam na periferia de São Paulo), também, em Osasco, o PC não tem significativa participação na luta dos autonomistas. Isso é fato? 2) No entanto, o PC tem uma histórica relação com as SAB’s, como era a relação entre PC/SADO e a luta que se desenrola de 58 a 62? 3) José Álvaro Moises cita um líder comunista chamado: André Nunes Filho, “que mais tarde se notabilizaria em Osasco por sua oposição ao movimento de protesto urbano daquele subdistrito”. Você conheceu essa pessoa? - (pág 279) RESPOSTA - A afirmação de J.A.Moisés procede na medida em que realmente o PCB não empunhou com ardor a bandeira emancipacionista. Participou, é verdade, conforme já expressei anteriormente. O que não acredito é que esta participação pouco significativa tenha se dado pelo desprezo que a direção do PCB tinha pelas lutas da burguesia. Não me lembro, de em nenhum momento, ter recebido qualquer tipo de observação dos comunistas da época que aquele movimento não deveria contar com apoio. Era um movimento da sociedade civil, liderada por conhecidas figuras da burguesia, dentre as quais, algumas delas, como já falei, eram simpatizantes e até colaboradores do PCB.A presença de sindicalistas, metalúrgicos, ferroviários, comerciários e bancários neste movimento me parece que deve ser bem mais estudado e 141 aprofundado. É de um reducionismo vulgar colocá-los, todos, num mesmo saco e considerá-los massa de manobra da burguesia. Não conheci André Nunes Filho, a menos que ele tivesse um "nome de guerra" que eu possa localizar documental ou mnemicamente. CONSIDERAÇÕES FINAIS O movimento estudantil de Osasco, entre 1962 e 1964, confundia-se com o movimento operário. As bandeiras de luta giravam em torno das reivindicações para melhor qualidade do ensino, acesso democrático à educação, atividades esportivas e culturais, apoio às reformas de base propostas pelo governo de João Goulart, ampliação da organização do movimento para toda a região através da criação do Conselho Regional de Estudantes da Baixa Sorocabana (CREBS), e, finalmente, de uma posição definida contra o imperialismo norte-americano. Havia, pois um projeto, um programa. Não era um movimento espontaneista, alienado. Era ideologicamente alimentado pelos movimentos de esquerda, onde o PCB e o PSB marcavam presença. Também muitos estudantes ativos e participantes da época não eram filiados a nenhum partido político, o que evidentemente não os tornava mais puros e muito menos alienados. SUMÁRIO DE TRAJETÓRIA POLÍTICA E PROFISSIONAL GABRIEL ROBERTO FIGUEIREDO é médico graduado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, em 1973. Especializou-se como médico residente em psiquiatria pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Referendou seu título de especialista pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Doutor em medicina pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina - com a tese "A evolução do hospício no Brasil". Autor de livro, 142 capítulos de livros e de vários trabalhos científicos publicados em revistas indexadas. Apresentou trabalho de pesquisa médico-social em Portugal, França, Bélgica, Itália, Holanda e Estados Unidos. Neste último país o trabalho foi apresentado em Washington pelo co-autor o médico e pesquisador Nelson Carozo. Foi secretário da saúde de Osasco e presidente da Fundação de Saúde do Município de Osasco (FUSAM) de 1983 a 1985. O prefeito era Humberto Parro. Foi coordenador dos ambulatórios de saúde mental do Estado de São Paulo de 1985 a 1987. O governador era André Franco Montoro. Recentemente, em 2002, recebeu homenagem da Assembléia Legislativa de São Paulo, pela sua trajetória de lutas em prol dos direitos humanos. Exerceu atividades docentes na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e na Faculdade de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) entre 1977 e 1982. Desde 1991 é professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). A partir de 1996, na carreira acadêmica, alcançou o topo, como Professor Titular desta Universidade. Atualmente é membro da Câmara Técnica de Saúde Mental do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP). Exerce clínica psiquiátrica em consultório privado na cidade de São Paulo, na Rua Fradique Coutinho 1945, bairro Vila Madalena. São Paulo, 7 de setembro de 2005 143 Anexo 4 ENTREVISTA COM A PROFESSORA HELENA PIGNATARI WERNER Praia Grande, 19 de maio de 2004 Sonia - Primeiro, eu queria que você me dissesse seu nome completo, data de nascimento e local. Helena - Helena Pignatari Werner, nasci em 12 de maio de 1929, em Osasco. PERGUNTA - Você me autoriza a usar as informações da entrevista no meu trabalho de doutorado. RESPOSTA - Sim, pode usar as minhas declarações para sua tese de doutoramento. Sonia - Obrigada. PERGUNTA - queria começar pela sua formação; queria saber onde você estudou, e quem, em Osasco, fazia ginásio, no período em que você fez. A sua formação primária é o Grupo Escolar Marechal Bittencourt? RESPOSTA - Não, é o Grupo Escolar de Osasco. Sonia - Ah! Era de Osasco, tá, certo. RESPOSTA - Depois eu fui para o Ginásio Perdizes, porque era o ginásio mais próximo da Estação Barra Funda, e nós viajávamos pelo subúrbio, descíamos na Barra Funda e íamos a pé até a Avenida Água Branca onde ficava o Ginásio Perdizes, tinha a Vera, minha irmã, tinha o Jarbas Milani, a esposa do Tidinho que era Milani, não lembro o nome dela agora; era um grupo de adolescentes que tomava esse subúrbio toda manhã. PERGUNTA - O ginásio era só na parte da manhã ou era o dia inteiro, como era o horário? RESPOSTA - Era no período da manhã, mas nós tínhamos Educação Física e outras práticas à tarde. Era comum ficarmos o dia inteiro, em São Paulo, porque Osasco era subúrbio. Então, nós fazíamos essa via crucis com muita 144 disposição, gostávamos muito. PERGUNTA - Ia bastante gente, em grupos? RESPOSTA - Muita gente, muita gente, porque também viajavam de Carapicuíba, Barueri, PERGUNTA - Vocês se encontravam no trem? RESPOSTA - Encontrávamos no trem, então, a amizade que nós tínhamos com a família Guerra, por exemplo, que era de Barueri, era amizade do trem, e muito namoro aconteceu e muito casamento aconteceu mais tarde, entre Barueri e Carapicuíba, Osasco, Presidente Altino, porque a turminha ia de trem. Tinha um namoradinho que era o Alceu, era o filho do Delegado e quem viajava também pelo subúrbio, eram os filhos do chefe da estação de Carapicuíba, Sr. Osmar: um era o Tutu -- chamava-se Valdemar de Barros -- o irmão dele mais velho, agora não me lembro o nome, porque é a geração da Vera. Tinha a geração que tinha sido da Othélia e da Tecla, a geração da Vera e a minha geração que eram os menores. PERGUNTA - E de Osasco, iam meninos e meninas juntos? RESPOSTA - Juntos, juntos. PERGUNTA - Quem de homem ia? RESPOSTA - O Jarbas Milani, que eu me lembre assim, o Alceu Augusto Gregório, Rubens Nicolete. Mas é posterior, mas também é mais ou menos da mesma época, a Naide, a irmã da Nice Odália,. Todas essas pessoas faziam parte daqueles moradores da região Central de Osasco, quer dizer, nós éramos filhos da burguesia. Comerciantes, negociantes, pequenos empresários, os Filhos de médicos, dentistas, profissionais liberais. Quem começou a viajar depois foi a Maria Regina, que era a moça mais rica da cidade, era a filha do Sr. Vasco, que era o dono da Farmácia. 145 PERGUNTA - Ela era a mais rica de Osasco? RESPOSTA - Porque tinha carro, a Maria Regina ia para a escola de carro voltava de carro, aquilo não existia. Meu pai tinha a indústria de cerâmica em Carapicuíba, mas nunca teve carro. Outras que realmente tinham dinheiro, mas não estavam praticamente em Osasco, eram as filhas do Menck, a Cida e a ... elas estavam no Internato, no Colégio Santa Inês, que é para onde eu fui. Quando eu estava com quinze anos, eu fui paro Colégio Santa Inês. No Ginásio das Perdizes, eu fiz o que eles chamavam do curso propedêutico. Era uma formação para ser técnica em contabilidade e depois, aos quinze anos, terminado o ginásio, eu fui para o Internato Colégio Santa Inês, naturalmente porque as filhas do Menck, que eram do dinheiro mesmo em Osasco foram estudar lá e meu pai não ia ficar por baixo. Então quando chegou a vez do internato eu fui para lá e aí eu fiz o curso de técnica em contabilidade. PERGUNTA - O curso técnico dava direito à universidade? Pelo que eu sei a legislação era bem restrita. RESPOSTA - Aí é que foi o problema. Quando chegou a época de faculdade, todos esperaram que eu fosse pra uma GV, fazer economia, fazer administração, mas eu tinha horror disso. Eu já comecei o propedêutico por que? Para não viajar sozinha de trem. A Vera fazia o propedêutico, meu pai me pôs junto com a Vera e eu fiz o curso que o meu pai quis, e não o meu, né? E aí já tinha o propedêutico, vou fazer o quê? Eu queria fazer Humanas, eu queria fazer o colegial, mas eu não tinha condições de colegial porque eu não tinha o ginásio tradicional. Sonia - Porque o colégio técnico era restritivo. RESPOSTA - Ele era restritivo. Formada, frustradíssima, porque eu não queria fazer outra coisa, eu queria fazer História. Geografia e História. Aí quando eu fui fazer a minha inscrição na USP, eles disseram: ‘ah, mas só pode fazer Geografia e História’ Única cadeira que deixavam um técnico de contabilidade fazer na faculdade era Geografia e História. Para mim, a felicidade. E esse lado é o lado da felicidade, agora, tem o lado da tristeza: quando eu fui fazer a minha matrícula, que eu queria estudar na USP, é claro. Além de tudo era 146 gratuito e era a melhor faculdade de São Paulo. Por outro lado, todos aqueles pracinhas que tinha servido a guerra tinham o direito de fazer matrícula sem vestibular, em 48, pracinha não fazia vestibular, se inscrevia direto. Então veja você, como foi mais difícil esse vestibular, porque a concorrência dos pracinhas não foi brincadeira, Não. - Eu não quero misturar muitas coisas. São informações que vêm na minha memória. PERGUNTA - Mas são informações que me interessam, eu gostaria mesmo de conversar abertamente, sem restrição, sem fechar questão, porque é desse bate-papo que nascem informações que eu desconheço e essas informações são importantes para gente construir. RESPOSTA - Então consegui, entrei na faculdade, mas o curso era Geografia e História. Eu sou formada em Geografia também. Então é Geografia e História, eram treze matérias, um massacre. Isso ali na Cidade Universitária, na Maria Antônia, no prédio que foi destruído no golpe de 64. Foi incendiado... Os reacionários do Mackenzie acabaram com a USP ali. PERGUNTA - Quer dizer que para você fazer o ginásio, fazer o curso técnico, você não trabalhava? RESPOSTA - Não. PERGUNTA - Até terminar a faculdade você não trabalhou? RESPOSTA - Não trabalhei. Quando eu estava fazendo a faculdade, eu resolvi sair de Osasco e fui morar na Casa Universitária. Existia a Casa Universitária, primeira Casa Universitária. PERGUNTA - Onde que ficava? RESPOSTA - No Paraíso. Essa casa foi criada da seguinte forma: havia, num quarteirão, a residência do Cardeal, metade do quarteirão era a residência do Cardeal, na outra ponta era a residência da família Maluf, no meio, entre essas 147 duas propriedades, existia o prostíbulo e, no governo do Lucas Nogueira Garcez e a dona Carmelita, a pedido do Bispo e da família Maluf, foi desativado o prostíbulo. Fizeram uma reforma, a dona Carmelita se entusiasmou em transformar aquilo numa Casa Universitária, que seriam vizinhos decentes para os dois lados e então montou e cuidava da casa. Era um casarão muito velho, mas foi muito bem organizado. PERGUNTA - E moravam homens e mulheres? RESPOSTA - Não, só moças. Moças do interior. Que moças? Filhas dos fazendeiros, Filhas de grandes capitais e eu fiquei na Casa Universitária, então durante o meu curso na USP. PERGUNTA - E seu pai nunca se opôs? RESPOSTA - A família foi contra, foi um escândalo, porque falavam muitas coisas. Entre outras coisas, diziam que eu fui embora com um homem rico e tal... PERGUNTA - Em Osasco? RESPOSTA - É, em Osasco falam barbaridades e só calaram a boca quando eu voltei como dona da cadeira de História. Efetiva da cadeira de História. Então, aí é uma coisa mudou: ‘Não é que ela estava estudando mesmo?’ PERGUNTA - Você terminou a faculdade em que ano? RESPOSTA - 53. Começo de 54, eu prestei um concurso público, onde nós tínhamos uma prova escrita, duríssima e uma prova oral, em público e uma aula didática. Então foi feita essa prova na USP, a aula foi no Colégio Pedro II, em São Paulo, ali aquele caminho que vai pra Mooca, onde tem a Secretaria da Fazenda, descendo um pouco, antes da praça, ali tinha o Colégio Pedro II, estadual. Tudo isso com banca. A prova oral nós sorteávamos 24 horas antes, de uma lista de 40 questões, que você tinha que preparar as 40 porque aí, te davam 24 horas pra você fazer uma dissertação sobre um assunto. Isso era público, você ia numa espécie de um púlpito expondo, durante 40 minutos, as 148 suas questões, para ser aprovado. PERGUNTA - Quer dizer, você tinha uma outra formação, era uma formação realmente para assumir um status. RESPOSTA - Claro, efetivo, efetivo era muito complicado e depois, para tomar posse da sua cadeira era de acordo com a sua classificação. Então, podiam ser, sei lá quantos, na época uns 200, eu estava em 17º lugar. Mas foi curioso, porque na minha turma de faculdade, nós tínhamos uma aluna excepcional, era Maria Tereza Jher da USP, casada com um professor, um doutor importantíssimo da USP, ela era brilhante, mas era nervosa, então foi uma surpresa muito grande eu ficar na frente da Maria Tereza. Isso aí não tinha cabimento, ela só tirava 9 e 10, que não era exatamente o meu caso. Então, foi uma surpresa. Mas veja você: em 17º lugar eu acabei indo parar na última estação da douradense, na cidade de Dourado. Lá eu tomei posse, como efetivo na minha cadeira. Agora, o que existia e não existe mais era a famosa permuta. Quando um professor de São Paulo queria ir para o interior, ele permutava, eu permutei com um professor meu. Ele era dono da cadeira de Osasco e ele propôs a permuta, então ele foi para o interior e eu vim pra Osasco. PERGUNTA - Manoel Nunes Dias? RESPOSTA - Isso. Você já tinha essa história da permuta? Sonia - É, eu já fiz um levantamento na documentação da escola, isso se deu em março de 55. Por permuta você trocou com Manoel Nunes Dias. RESPOSTA - Casei em 54, voltei de viagem de núpcias e fui tomar posse da minha cadeira. Aí, era muito longe isso, era Maria Fumaça ainda, você tinha que usar guarda-pó. PERGUNTA - Mas você foi lá, assumiu e já fez a permuta? RESPOSTA - Não, eu assumi e fui pedindo licença. Se eu podia me afastar três meses, mais três meses e tal. Enquanto eu negociava com Manoel Nunes Dias, eu fui procurando não tomar posse da cadeira, quer dizer, eu tomei 149 posse, mas fiquei afastada até conseguir a permuta, quando eu consegui a permuta, eu fui para o Ceneart, e lá fiquei até me aposentar. PERGUNTA - Então, em 53, quando houve o primeiro plebiscito para a autonomia de Osasco, você não estava em Osasco, ou você já participou deste primeiro plebiscito? RESPOSTA - Participei porque a minha família era a favor da emancipação, então quando havia alguma coisa assim, meu pai exigia que eu fosse para Osasco, eu saía da casa universitária e passava o fim de semana em Osasco época de votação, ele me avisava e eu corria para votar. E, então, em 53, eu participei, mas distante. PERGUNTA - Nessa eleição de 53 você diria que houve alguma participação dos alunos do Ginásio. Porque você vê, o ginásio estava começando, era o segundo ano de funcionamento do ginásio. Ele tinha o que? Acho que primeiro e segundo ginasial só, não tinha 3º e 4º ainda. RESPOSTA - Eu ainda não estava no ginásio. PERGUNTA - Mas você não se lembra se a escola chegou a participar ou não. RESPOSTA - Eu tenho impressão que não. A conscientização vem depois, com o tempo. A conscientização, a tomada de posições vem depois. PERGUNTA - Eu gostaria que você explicasse porque eu nunca entendi direito, essa eleição de 53, ela é muito pouco discutida. RESPOSTA - Essa eleição, entre outras coisa, quem era cabeça disso tudo era o Dr. Reinaldo Oliveira, ele que foi realmente a cabeça. Mas acontece que esse grupo que iniciou esse primeiro movimento da emancipação não tinham respaldo econômico e havia muita despesa nesta época. Tinha que viajar para o Rio de Janeiro, tinha que estar em contato com os deputados e tudo mais. Tinha gente do “não” muito importante, o cartório era do “não”. PERGUNTA - Sim, mas tanto o “sim” quanto o “não” era formado por pessoas 150 da elite osasquense. A cúpula. RESPOSTA - A cúpula sim. Mas o povo foi começando a tomar conhecimento. PERGUNTA - Sim, mas a origem do “sim” e do “não” está na mesma camada da sociedade. RESPOSTA - Está. Você vê, o “sim” era o Dr Reinaldo que era um dentista conceituado e o não tinha o cartório, pessoal do cartório, que era a família Carvalho, uma potência dentro da cidade, o Cartório, os Coutinho eram do “não”. Ate gozei muito a cara do Toninho, alias, eu e o Toninho, politicamente nunca nos entendemos. O Klaus não entendia o que a gente tanto conversava, mas era uma amizade que não tinha nada a ver com política nem nada, ele era um reacionário de marca e eu querendo as revoluções do mundo. PERGUNTA - Então você tem, na mesma origem da sociedade, o “sim” e o “não” e aí uma outra coisa também que eu me questiono com relação ao movimento emancipacionista, porque havia uma alteração de lados, de repente, no de 53 o Jânio era contra porque era prefeito de São Paulo e os partidários do Jânio em Osasco eram do “Não”, em 58, quando houve o plebiscito, o Jânio.... RESPOSTA - Era o Ademar, hein? Era o Ademar de Barros. PERGUNTA - O Ademar estava como prefeito? RESPOSTA - Ademar era prefeito de São Paulo e não queria desmembrar Osasco. PERGUNTA - E o Jânio estava no governo do estado? RESPOSTA - No Governo do Estado. PERGUNTA - E o Jânio era a favor do “sim”, então. RESPOSTA - Era porque, ele era amigo do velho Menck. PERGUNTA - Aí você tem o velho Menck, amigo do Jânio, que tinha sido 151 contrário. RESPOSTA - O processo da emancipação só foi adiante quando o Reinaldo convenceu o velho Menck a apoiar e ele apoiou e financiou. Então não tinham mais problemas como advogados, viajar para o Rio de Janeiro, pagar aquela papelada toda que tinha de ingressos de “coisarada” lá, a parte econômica foi resolvida com a entrada do Menck e ficou muito mais fácil daí pra frente. PERGUNTA - E como é que se explica esses partidários do Jânio? Em 53 eram “não”? Em 58 eram “sim”. RESPOSTA - Porque o Jânio começa a freqüentar Osasco. PERGUNTA - Em 53 ele era do não. RESPOSTA - Em 53 ele era do não, mas depois ele foi conquistado pelo velho Menck. Certo? PERGUNTA - Não pode ter uma outra explicação, do tipo, em 53 não lhe convinha como prefeito de São Paulo perder os impostos de Osasco e em 58, como era o Ademar que estava na prefeitura, era o Ademar que perdia. RESPOSTA - Claro, mas foi isso que aconteceu, porque na época da emancipação, como eu estava muito a frente disso tudo, o Ademar de Barros faz o que? Ele tira o emprego da minha irmã e do Roberto Pignatari, a minha irmã na escola e o Roberto Pignatari no mercado, era fiscal do mercado. A sobrinha do velho Menck também perdeu a cadeira, a Elide. Quando eu soube que isso aconteceu, minha irmã veio lá aos prantos, não tive duvida, marquei uma audiência com o Ademar de Barros e fui conversar com ele. Ele me recebeu e eu falei o senhor não pode fazer isso, falei: - papai foi correligionário seu, trabalhou a vida inteira, a minha irmã é adhemarista roxa, fica lá trabalhando e procurando votos para o senhor, o Roberto, que é meu primo, e a Elide...“Como é que em uma penada vai todo mundo para rua?” O desespero da minha irmã, o desgosto, não dá. Aí o Adhemar ainda argumentou comigo. “Não, porque...”. Eu falei “Não, o senhor não faz estrada, porque aqueles ônibus que estão chegando lá de Barueri naquela buraqueira toda, aquilo é um 152 horror e nem Iluminação certa nós temos na cidade.” Eu desanquei, né? Ele disse “Olha, eu vou dizer uma coisa pra você: Se todos os meus inimigos fossem como você, seria muito bom pra mim, pelo menos você chegou aqui e despejou tudo.” Eu falei: “Olha Dr Adhemar, é que o senhor é prefeito. Quando o senhor for Governador, o senhor vai me dar razão e aí toda aquela linha lá do meu pai, da minha irmã e tal, vão votar no senhor, mas eu sou a caçula da família...” “É a rebelde, né?” Eu falei “Sou, sou a rebelde da família.” Aí ele chamou o secretario e falou “Olha, a irmã que vota em mim, o primo que também é Pignatari, que é do meu correligionário lá, o Antonio Pignatari voltam, mas a filha do chefe da oposição da emancipação, essa não volta.” Aí eu ainda não consegui colocar de volta. Quem mais? Eu acho que era... a Marina Melli também tava nesse rolo ai. Eu sei que o Adhemar foi muito decente comigo. Ele colocou todo mundo de volta e disse: “Não, Menck não.” PERGUNTA - É, houve também uma troca de lado entre as pessoas de Osasco, entre o “sim” e o “não”. RESPOSTA - Não, eu não acho que houve uma troca de lado, eu acho que houve uma conscientização. PERGUNTA - Pessoas do “não” que vieram para o “sim”. Agora do “sim” que foram pro “não” não. RESPOSTA - Não. Porque com a conscientização, ele diziam que tudo iria ficar mais caro, desde sabonete, tudo que fosse seria mais caro, os impostos seriam mais caros, tudo ia passar a ser caipira. Então eram os argumentos que nessa altura dos acontecimentos eu já estou lecionando no Geart, né? PERGUNTA - Sim, isso já é pós-plebiscito de 58. RESPOSTA - Aí a gente podia trabalhar muito mais e explicar. Eu não digo convencer. Conscientizar e mostrar o que significa emancipação e tudo mais. PERGUNTA - Vamos falar um pouquinho do plebiscito de 58. No plebiscito de 58 você foi ativa, militante. 153 RESPOSTA - Ativa O Klaus tem as fotografia em frente à Assembléia. PERGUNTA - Você teve uma proximidade com o partidão, ou pelo menos são informações que me chegaram. RESPOSTA - Mas não, nunca pertenci a partidão. É, tive amigos que eram do partidão, mas eu nunca fui. O primeiro partido que eu cheguei a pertencer foi o Partido Socialista Brasileiro quando eu fui candidata a vereadora. PERGUNTA - Em que ano? Por São Paulo ou por Osasco? RESPOSTA - Por Osasco. PERGUNTA - Então já é 62? RESPOSTA - É. Foi quando eu estava já preparando minha campanha e o material de propaganda de campanha, tudo isso, quando o Klaus ficou doente, ele teve uma infecção a vírus no pulmão, foi terrível e o medico colocou por um cano o remédio lá e tal e falou que daí pra frente ele teria que ficar pelo menos 15 dias num lugar completamente isolado num lugar sem poeiras, sem nada. Eu falei: “Mas onde eu vou arrumar isso?” Ele disse: no mar e nós viajamos para a Europa de navio. PERGUNTA - Você fazia campanha dentro da escola. RESPOSTA - Fazia: na escola, na rua, em casa, com a empregada, com o jardineiro. Tudo mundo, para explicar o que seria. PERGUNTA - Como os alunos recebiam essa tua posição militante, sendo professora. Nesse viés que eu gostaria de ver. RESPOSTA - Eu estou explicando, certo? Falo: Olha, minha gente, a luta pela emancipação significa isso, aquilo e aquele outro e um dos argumentos que eu defendi o tempo todo era o fato de que muita gente de Osasco saia pra trabalhar em São Paulo, então essa viagem diária, ida e volta, tal e coisa. Eu dizia: Se nós formos independentes, os empregos vão aparecer aqui no município, aqui surgirão os empregos, realmente, certo? Vai ter Câmara – essa 154 Câmara vai precisar de gente para datilografar, tal... A parte administrativa. Você não vai ter o secretario de saúde? Os médicos, os enfermeiros da cidade, vão para onde? Vão pra cá, então explicando que cada uma dessas secretarias iria absorver mão de obra de Osasco e nós teríamos então empregos dentro da cidade, esse era um argumento fortíssimo. PERGUNTA - E a campanha dentro da escola? Ela realmente aconteceu, havia mobilização dos alunos. Porque eu já cheguei a ouvir de emancipador coisa tipo assim: “Ah, os alunos não fizeram nada, eles queriam era fazer bagunça.” RESPOSTA - Não, não era assim, porque o aluno que vai votar... Uma das coisas, sérias, que eles aprenderam dentro do Geart era o voto e isso não era na cadeira de Historia, todas as cadeiras explicavam, especialmente quando chegava perto de eleição, conscientizar que o voto era uma coisa muito seria. Não se falava em arma ainda, né? Que o voto era uma arma, mas que era muito serio, que tinha que pensar, que tinha que conhecer o candidato que tal e coisa. Então eu acredito que muito aluno votou com muita consciência no “sim”. PERGUNTA - E campanha? Houve campanha do tipo fazer passeata... RESPOSTA - Ah, havia um grupo de alunos militantes fazendo passeata, por exemplo: comício do “não” no Largo, na praça de Osasco, um grupo de alunos resolve bagunçar e eu falei: bagunçar não pode, o que vocês podem é fazer uma passeata.. “Ah, mas nós queremos cortar a praça inteirinha de ponta a ponta.” Eu falei: então vão fazer a passeata e quando chegar ali a turma toda atravessa cantando o hino nacional e vai embora. Não pode bagunçar, não pode sair da linha, não pode sair... PERGUNTA - Atravessar o comício do outro cantando o hino nacional não é bagunça? RESPOSTA - Não, ai era bonitinho, aí ia embora. Então esse foi a única interferência do “não” direta. Mas o grosso mesmo foi na hora de votar na urna, porque a votação foi feita no Geart, no ginásio. Então, havia a sala e essa sala era cheia de janelas, todas salas eram bem iluminadas e nós pusemos a urna 155 ali. E os votos do “sim”, o papel era branco escrito sim em preto e o papel do “não” era preto escrito não em branco. Os envelopes eram os mais vagabundos que você possa imaginar, baratinhos, baratinhos, então quando a pessoa punha o voto, quem estava como fiscal da porta, contra aquela luz, via se o voto era branco ou era preto e iamos contando. As urnas que receberam muitos votos do “não” foram socorridas. PERGUNTA - O que você chama de socorridas? RESPOSTA - Por exemplo, na ultima hora, hora e meia antes de terminar, deu um temporal naquela cidade que foi uma coisa bárbara, foi um horror, sumiu todo mundo, não apareceu mais ninguém para votar e aquele temporal danado la fora. Nesse momento, nós pegamos a lista dos ausentes, assinamos e colocamos tudo “sim” - alguns com a conivência do presidente da banca -. Na minha sala, por exemplo, foi sem a conivência do presidente da banca, que não quis, que era Nair Bellacosa e não deixou. PERGUNTA - Mas como vocês fizeram sem a conivência dela? RESPOSTA - Era o dia inteiro, né? A tarde inteira sentada ali, nós começamos a mandar guaraná para Nair e ela tomou bastante guaraná, chegou uma hora que ela teve que ir ao banheiro, e nesse momento, então, nós fizemos uma festa na urna, muito voto “sim”, tudo com a assinatura, entende? Nenhum defunto não. Só os que estavam na lista. PERGUNTA - Mas muitas urnas foram impugnadas. O grande argumento para a luta de 4 anos, de 58 a 62, era de que os mortos tinham votado. RESPOSTA - É, os que não apareceram na hora do temporal. Uma das pessoas que ajudava e comandava tudo isso era o Walter Auada. O Walter Auada que era ligadão com o Ademar, mas o Ademar já é Governador. O Walter era outro bom vivant, mas era amigo, né? Da direita, extrema direita. Então eu tinha amigos do partidão, o Partido Socialista Brasileiro foi o que eu fui candidata. Única vez na vida e depois disso, é PT. Eu nunca pertenci ao partidão, isso aí é intriga da oposição. 156 PERGUNTA -Mas você tem muitos amigos que foram e acho que é em função disso que, na realidade, acaba apontando que você tenha sido. RESPOSTA - É, mas o partidão nunca teve o prazer da minha presença. PERGUNTA - Vamos por um pouco da escola e em outras questões, por exemplo, a escola tinha muita atividade nesse período, pelo que eu vi. RESPOSTA - Você tem que falar, o impacto que foi o aparecimento dessa escola no cenário: qando a escola aparece noturno, ela foi instalada como noturno, aquele lado todo do alto da Igreja era tudo escuro, não havia iluminação elétrica, então isso é que vai explicar porque você vai encontrar mãe e filha na mesma sala, tio e sobrinha, tio e sobrinho, porque aquele caminho não era muito fácil não, era um caminho bastante perigoso e a volta 11 horas da noite, como é que as meninas vão voltar a essa hora? PERGUNTA - Lá de cima da estrada de Itu até o largo. RESPOSTA - Então vinham os pais vinham buscar, na saída tinha muito pai, muito tio, muita mãe, esperando, e outros que ficavam fazendo hora e à toa para esperar filho, resolveram entrar junto, como foi o caso da Rosinha Perini, que foi uma aluna brilhante e a Rosali também, eram mãe e filha ali, as duas eram excelentes alunas. PERGUNTA - As duas estudavam na mesma classe? RESPOSTA - Comigo, nenhuma melhor do que a Lígia Barros, ela é Presidente da APAE em Osasco. A Lígia Barros foi fantástica, ela nunca tirou uma nota diferente de dez em História, três anos de Colegial. Então a Lígia foi fantástica. Outro aluno brilhante que eu tive chamava-se Orlando Geisel, o filho do General Geisel de Quitaúna, Ernesto Geisel, o Presidente da República, o filho dele, foi meu aluno. Brilhante! Brilhate! Os rapazes, filhos dos militares estudavam no Ginásio de Osasco e vinham no mesmo caminhão, e o Orlando Geisel vinha também, era um menino excepcional, excepcional! Ele só tirava dez. Então, um dia ele chegou e pediu 157 se ele poderia falar com a classe, ele era bom, o menino era bom e tinha bom caráter, mas mal visto pelos colegas porque ele era o filho do Coronel, e tal e coisa -- é pó de arroz, é isso e aquilo -- e um dia ele se cansou e eu, inadvertidamente, ele pediu se eu poderia dar os últimos dez minutos da aula que ele queria conversar com a classe. Pois não, e dez minutos antes, eu disse para a classe, eu vou me retirar porque o Orlando quer conversar com vocês e a classe fica com ele e fui embora, era a última aula. No dia seguinte, eu sou chamada na diretoria porque a coisa ficou feia lá dentro da sala, ele desafiou quem dizia que ele era florzinha, pó-de-arroz e tal e coisa, ele afastou a mesa e falou, bom, eu não posso brigar com todos, mas então venham um por um e vamos ver no braço aqui, como é que vai ser: deu um quiprocó, no final ficaram amigos dele, porque acharam que era peitudo, raçudo e entende? PERGUNTA - Isso era valorizado. RESPOSTA - Era valorizado ele desafiou sozinho, não é? E o diretor me chamou porque ficou sabendo da história toda e tal. Brilhante o aluno. Eu tive um desgosto imenso, muito grande, tinha acabado de nascer a Susi, eu tinha voltado para casa, tinha tido uma filha e estava afastada da escola, a Susi tinha um mês, não sei, quando chegou uma aluna e me contou que o Orlando Geisel tinha morrido. Eu perdi até o leite, chorei dois dias de desgosto de saber que aquele moço tinha morrido. Ele foi atropelado pelo trem naquela passagem que vai para Quitaúna, não esperou, achou que dava tempo para atravessar de bicicleta e não deu. Sonia - Essa aí é uma história que eu não conhecia. RESPOSTA - Foi uma coisa horrível, tanto é que eu fiquei apavorada quando o Prof. Emir foi, em nome dos professores fazer uma visita, o Geisel tratou muito mal, foi muito seco, falou que isso acontece. Então, quando ele chegou à Presidência, na época do golpe militar, eu falei agora é que a coisa vai ficar feia mesmo, porque o filho maravilhoso, morreu, a filha era um pouco deficiente e a mulher ficou louca, então, hás de ver o que vamos ter na Presidência da República. Aí foi outro dia que eu chorei feito uma doida. Então a história desse 158 moço aí foi muito, muito triste. E falando nisso tudo, eu quero dizer o seguinte: “Então todos aqueles que gostariam de estudar e não puderam – porque as escolas eram particulares e eram em SP – puderam ir pra escola e foram, e foram adultos. Então eu, quando chego em classe encontro meus colegas de infância, os meus parceiros do baile, dos matines do Floresta, na sala de aula, como meus alunos. E aí, um pouco daquela fama de eu ser muito austera, muito antipática, muito isso, muito aquilo é que não era brincadeira você pegar alunos da sua idade ou mais velhos que você. Então o pulso tinha que ser firme, não dava pra muita brincadeira, se bem que de fim de semana minha casa vivia cheia de alunos. PERGUNTA - É você era a única de Osasco. RESPOSTA - Eu era a única de Osasco. PERGUNTA - Quer dizer, os outros, mesmo que fossem jovens, eram pessoas que não eram conhecidas dos alunos. Você, além de ser da mesma faixa etária, era da comunidade, era conhecida deles. RESPOSTA - Essa coisa, pelo menos depois eu fiquei sabendo. Minha irmã que me dizia: A turma lá disse que você é muito brava. Mas não era, era uma questão de ou você se impõe ou não impõe. Mas eu adorei dar aula no CENEART, nossa mãe, foi a melhor coisa da minha vida. Eu entrei no começo da minha carreira e terminei minha carreira lá - foi tão gratificante - poucas pessoas tiveram essa felicidade. PERGUNTA - Em 81 você pediu a aposentadoria e se aposentou em 82. RESPOSTA - É. PERGUNTA - Você ficou de 54 a 82. RESPOSTA - Certo. E com muito prazer. Só piorou depois de 64, porque em 64 eu sou presa como subversiva e as coisas ficam complicadas. PERGUNTA - Essa sua prisão se deu em função da sua militância na cidade 159 ou em função da sua atuação na escola, ou ambas? RESPOSTA - Ambas as coisas. Bom, o que eu queria contar antes de chegar nisso era o seguinte: na escola, todos que puderam entrar e se inscrever para estudar foram. Os que já estudavam em São Paulo acabaram se matriculando no ginásio de Osasco porque não precisavam mais viajar pelo subúrbio, iam a pé pra escola, voltavam a pé, era uma tranqüilidade para os pais. Esses eram naturalmente os filhos da burguesia e chegaram na escola e encontraram quem? Os operários, não é? Um operário, por exemplo, da cerâmica de Osasco, hoje doutor Figueiredo. Ele era operário da cerâmica, ele era aluno lá, como era o Barreto e como eles, muitos, e mais aparece a raça negra dentro da escola. PERGUNTA - Havia discriminação? RESPOSTA - E vão se conhecendo ali. O que aconteceu foi o seguinte: eu acho que um elemento importantíssimo, importantíssimo para a conscientização e a formação e a lucidez desses jovens todos foi o esporte, porque o que aconteceu? Eles eram muito bons em futebol, tinham um time de futebol que não era brincadeira. Eles eram bons em vôlei, eu sei que num campeonato de vôlei, um dos melhores faltou, foi uma complicação, acho que perderam o jogo, ficaram zangados e alguém sugeriu aos alunos que fosse à casa dele saber o que estava acontecendo, e os alunos foram, e chegaram lá, era uma casa paupérrima, o colega deles desesperado, aos prantos, que a filhinha dele tava morrendo. Ele era pai, o jogador que faltou. Aí os alunos entraram em contato com a pobreza, a infelicidade do colega, a doença da criança e sem dinheiro para o medico, remédio, coisa nenhuma. Aí que entra então os meninos da burguesia, quem era filho de medico já foi se mexer, já arrumaram para internar a criança, para arrumar remédio, para pedir para os pais. Aí que vai haver a integração entre a burguesia e o proletariado de Osasco, eles se integraram perfeitamente. O proletariado cresceu na medida que teve que mudar ate seu linguajar, para conversar dentro de sala de aula e com os outros. Aula de português era o mais importante, provavelmente, para eles. E o Emir, não tem, é impar, não tem. Os burgueses viram que a realidade 160 da vida era outra, porque eles têm ali, na classe, ao lado deles, os problemas dos pobres. E com isso, houve integração. Vão estudar juntos, vão fazer o trabalho que você desse, eles tinham que se reunir, né? Se bem que nem existia muito esse negocio de trabalho em grupo não. Mas sempre um ajuda o outro, que tem o livro, já aproveita, sabe que o outro não tem dinheiro para comprar, já empresta. Alguns melhores em uma matéria, alguns melhores em outras, e com isso houve a integração. E daí, minha filha, com aquele corpo docente do Ceneart, tinha que abrir a cabeça de todo mundo mesmo. Era em tudo: Geografia não entrava só geografia, era Geografia humana, geografia econômica, ia abrindo a cabeça. Historia então, sai da frente, porque sempre tem que saber da situação política, econômica e social de cada região e outra coisa, eu nunca entrava em sala de aula para dar aula de História sem mapa. É, minhas aulas sempre com mapa, porque se eu estou falando dessa região ou daquela região eles têm que saber onde é que está, ainda mais quando eu comecei a ficar só mais assim com o colegial, 3º colegial, imperialismo, fascismo, nazismo, que foi a minha especialidade depois da faculdade. Meus alunos conheciam a África, conheciam a Ásia, não é? Imperialismo... Quando aparecia uma Guerra do Vietnã, um aluno meu não precisava procurar num Atlas para saber onde era, ele já tinha informação. PERGUNTA - Naquela entrevista que você deu para o Bacamarte em 63, há uma questão do Grêmio perguntando como você dava suas aulas, se você tinha mudado alguma coisa no seu programa, adaptado alguma coisa, que você começava a dar atualidade, porque você trabalhava com jornal e tudo mais. Eu gostaria que você me falasse um pouco do material que você usava, como você começou a falar em mapa. Se havia livro didático, que livro didático era esse? RESPOSTA - Havia, o meu livro era o Burns “Historia e Civilização” do Burns. PERGUNTA - Hoje, o Burns é um livro considerado pesado. Porque é um livro de texto... RESPOSTA - É factual. 161 Sonia - Ele não é um livro analítico. RESPOSTA - Não é interpretativo, não é analítico. É. Mas se você não conhece os fatos, se você não tem uma seqüência lógica dos fatos, se você não sabe, você não conhece os fatos, você não sabe como você vai atravessar da época medieval para a moderna, você não sabe como você sai da moderna para entrar na contemporânea: essa evolução, Como é que você vai evoluir a máquina e a sociedade... PERGUNTA - Mas por exemplo, o Burns é um livro caro. É hoje. Para a época, os livros deveriam ser mais caros. RESPOSTA - Era caro, era caro. PERGUNTA - Os alunos compravam? RESPOSTA - Compravam. Mesmo os mais pobrezinhos, tanto eles faziam e ganhavam também, e a biblioteca... PERGUNTA - A biblioteca funcionava? Isso é uma coisa que me interessa. RESPOSTA - A biblioteca funcionava e tinha vários volumes do Burns na biblioteca. Quem não tiver pode sentar lá e ler o Burns sossegadinho - tem. Os alunos que estudaram pelo Burns não acham o Burns pesado, por que? Mudou a mentalidade. Como é que eles conhecem tanto de historia? Porque depois que você conhece o factual, minha filha, a analise e a interpretação dos textos, outros quaisquer que cheguem à sua mão, você sabe do que você ta falando, do período que você ta falando, o que aconteceu naquela época. Você vai ta fazendo uma analise... PERGUNTA - Todas as disciplinas utilizavam livro didático? RESPOSTA - Olha, eu não lembro. Bom, continuar falando do material didático: o Burns. Quando eu falo para você que a Ligia Barros foi a que só tirou 10 comigo. Eu dizia para os alunos: “Esse fim de semana vocês prestam atenção, se tiver alguma coisa ligada com a matéria, ou lembrar alguma coisa da matéria, tomem nota. Canal tal, tal hora passou tal filme assim e assim, 162 lembrei disso, disso e disso. Se vocês tiverem um almoço com os avos, perguntem para os avós como era, entende? De onde eles vieram, qual é a origem, como é que chegaram em Osasco, especulem os avós, fiquem sabendo da vida de vocês mesmos, da família”. Na segunda feira, eu perguntava para a classe: “Alguém tem alguma coisa para contar?” “Ah, eu tenho. Passou um filme assim, era sobre a revolução francesa tal, toda aquela matéria que a senhora deu e...” Entende? Ou aquele jornal que nós lemos apareceu todo aquele mapa lá da Ásia, que a gente não conhecia direito e tal. Falou alguma coisa, eu conversei com meu avô. O meu avô diz que passou a Primeira Guerra na Europa. ... .Aí ele me conta e tal. Cada um que levanta, vem lá na frente e conta alguma coisa, eu punha um + na caderneta, na frente do nome. Cada + desse significava meio ponto na média, tinha aluno com 6, 7 avaliações, chega a ter 780 alunos, todos os meus alunos no mínimo 3, 4 avaliações, mas por que? Para ele começar a ligar historia com os fatos. Isso foi muito bom. Por isso que eu falo da Barros, porque eu fiquei devendo nota pra ela. Ela só tirava 10. PERGUNTA - Além de ser um lugar de estudo, a escola era um ponto de encontro. RESPOSTA - Era. PERGUNTA -Principalmente depois que abriu o prédio novo. Você tinha fanfarra, você tinha vôlei, você tinha basquete, você tinha futebol, você tinha, por exemplo, aos domingo tinha uma sessão de cinema que o grêmio passava, pelo menos eu li num Bacamarte, os alunos se organizavam, a escola abria, quem ficava com os alunos? RESPOSTA - Os professores participavam. PERGUNTA - Os professores iam no sábado e domingo para a escola? RESPOSTA - Iam, iam, iam. O ano de 54 para 55, as férias de janeiro e fevereiro, eu passei em casa, ensaiando peça de teatro com alunos. 163 PERGUNTA - Isso era uma coisa constante? RESPOSTA - Então, mas era sábado em domingo com os alunos. As férias inteiras. Não perdia-se contato, entende? Então, no primeiro dia de aula, a inauguração. Era peça, não é? Muitas peças, algumas sérias, que os alunos bagunçaram e virou comedia em vez de tragédia, mas era essa a ligação entre eles, a idéia de teatro, de autores. Tudo isso. PERGUNTA - Havia muita peça de teatro na escola? Pelo que eu tenho percebido, os alunos escreviam, o alunos montavam, os alunos encenavam. RESPOSTA - Depois de 54 eu fiz a primeira né? Passei lá dois meses com os alunos e tal, daí pra frente eles entenderam que poderiam escrever as peças e levarem. Um queria ser diretos, o outro queria ser maquiador, outro queria ser isso, aquilo e foram. PERGUNTA - O Bira escreveu varias peças. RESPOSTA - Escreveu, então, eles passaram a escrever, eles passaram a representar. Aí eles cuidavam, o grêmio cuidava. PERGUNTA - Havia funcionário designado para abrir a escola, para fiscalizar? RESPOSTA - A Dona Ana morava do lado da escola, né? PERGUNTA - Dona Ana Gaban? RESPOSTA - É.; Então era só chegar lá: “Dona Ana!”. E os meninos, quando era de confiança, ela dava a chave, tal. Mas tinha que limpar, né? Deixa limpo, porque não vai deixar pra dona Ana limpar, né? Que ela era adorada pelos alunos, então eles não deixavam nada para ela não. A escola era deles, essa que é a verdade. Nós conhecíamos todos os alunos pelo nome, nós sabíamos dos namoricos e como sabíamos dos namoros, nós sabíamos também das brigas, que as alunas vinham, às vezes, chorando porque brigou com o namorado tal e coisa. Brigavam uma com a outra. Nós sabíamos tudo, eles contavam tudo para a gente; eles sabiam que não tinha nenhum professor dedo-duro, que ninguém ia 164 dar bronca, pelo contrário, ia tentar entender a situação. Então, algumas coisas eram engraçadas, por exemplo: que é minha amiga até hoje, a Deneide Horst, chegou a conhecer? Eles moram nos Estados Unidos hoje, e eles começaram a namorar no ginásio, aí no Colegial eles brigaram, acabaram com tudo, então, eu não sei o que aconteceu, vieram me falar que eles brigaram e eu estou dando a minha aula, ela está sentada aqui e ele estava sentado ali e conversando, ele era muito sério, família alemã, muito séria, mas naquele dia ele estava conversando, estava bravo com alguma coisa, aí eu falei e na bronca: cavalheiro, por favor, sente-se aqui e coloquei ele sentado atrás da namorada que ele estava brigado. PERGUNTA - Ah! Então era cupido? RESPOSTA - É e ainda era cupido. E aí ele sentou atrás dela, começou a passar o dedinho nas costas, puxar o cabelinho e com isso eles voltaram e eu fui madrinha do casamento e essas coisas todas aconteciam. PERGUNTA - Isso quando era lá em cima no prédio do Grupo Escolar? RESPOSTA - É. PERGUNTA - Quando mudou para o prédio novo houve uma limitação, porque o número de alunos cresceu muito. RESPOSTA - Aí cresceu muito. Continuação da entrevista com a Professora Helena Pignatari Werner, no dia 17 de junho de 2004. PERGUNTA - Esta é a relação dos livros enviados pelo Estado para a formação da biblioteca, quando do processo de estabelecimento do curso Colegial. E ela me parece ser uma biblioteca muito rica e uma biblioteca com poucos livros didáticos, eu diria, ela é, muito mais, uma biblioteca com livros clássicos. RESPOSTA - Sim, mas acontece, os livros didáticos, eu tenho a impressão que havia um certo monopólio de editores e de autoras, por exemplo, o 165 Joaquim Silva, de História Geral, ninguém se atrevia a dar uma aula sem consultar o Joaquim Silva. Mais tarde, eu vou modificar essa situação toda só lá no CENEART, com o Colegial e para chegar no Colegial nós tivemos 4 anos, começa fazendo primeiro o ginasial. PERGUNTA - Mas essa lista é de mais ou menos 54/55, ela não é do princípio do Ginásio, ela já é do Segundo processo, do processo do Colégio. RESPOSTA - Porque História, comigo, até o Ginásio tudo bem, dava para tolerar o que o Estado mais ou menos exigia. PERGUNTA - Exigia? RESPOSTA - Exigia, não era assim que você usa o autor que você quiser não. E, aí eu modifiquei, foi quando no Colegial eu comecei a usar Burns. PERGUNTA -É, por exemplo, a biblioteca não tem o Burns, tinha vários exemplares ou não? RESPOSTA - Tinha. Tinha porque o Burns era caro e o Burns era mais caro, e outro problema, eram dois volumes. Então, só o segundo volume que pegava moderna e contemporânea. PERGUNTA - Qual o uso que os alunos realmente traziam dessa literatura? Havia o hábito do aluno ir à biblioteca para ler? O aluno que trabalhava o dia inteiro? RESPOSTA - O aluno que trabalhava o dia inteiro, só vai fazer pesquisa, mas você não pode esquecer que aquele ginásio estava aberto sábado e domingo. PERGUNTA - E a biblioteca também? RESPOSTA - Ficava aberta. PERGUNTA - E havia um Bibliotecário? RESPOSTA - Era só pedir que tinha condições. Não um Bibliotecário para atender, mas os alunos tinham acesso, querendo - porque sempre havia 166 disputas de vôlei. Então, os alunos tinham acesso. A minha filha, por exemplo, quando ela fez o Ginásio, a mais velha, a Susi, ela era muito tímida, então no intervalo ela ia para a Biblioteca e lia livros e livros e livros e livros, até eu descobrir que a menina não ia para o pátio e que eu tinha um problema dentro de casa. Então, era freqüentada, sim, a Biblioteca e havia pesquisa, quer dizer, no ginásio nem tanto, mas no Colegial eles eram obrigados a consultar. PERGUNTA - Havia o hábito de tirar obras clássicas para leitura de lazer ou não, ou eram só aqueles livros indicados pelo professor? RESPOSTA - Não, não podia levar o livro para casa, consulta só dentro da escola. PERGUNTA - Como um aluno vai ler um Dom Quixote na Biblioteca da escola? RESPOSTA - Pois é, só aos pedacinhos e muito tempo mais tarde é que eu descobri isso, porque a minha filha, quando gostava do livro largava todo o recreio e ia lá para acabar de ler o livro. Ela nunca tirou um livro para levar para casa. PERGUNTA - Fale-me um pouco do cotidiano das aulas, havia interesse dos alunos, eram aulas produtivas, o aluno do noturno chegava cansado? Qual era o aproveitamento, como você sentia isso? RESPOSTA - O aluno do noturno realmente chegava muito cansados - deixa eu explicar o sucesso do Ceneart: o professor dava tudo, as aulas eram muito ativas, entende? A exposição era sempre muito interessante, muito curiosa, os alunos ficavam hipnotizados pelas aulas, resumos na lousa, perguntas, conversa entre eles, era aberta, a aula era aberta, eles podiam perguntar à vontade, podiam discordar entre eles e depois você precisava ver o que era uma aula do Professor Emir, o que era uma da Laura. A aula da Laura, o dia que eu dava sabatina, eu ficava na porta, porque a Laura dava aula na sala vizinha, eu ficava ouvindo as aulas de Espanhol da Laura, que eram fabulosas! Então, corpo docente levava, realmente, aquilo para a frente. 167 PERGUNTA - E como era a relação entre os professores da escola, havia uma troca entre os professores sobre assuntos a abordar, havia alguma forma de haver interdisciplinaridade ou não? RESPOSTA - Não. Não como se entende hoje, mas era uma coisa mais espontânea. Por exemplo, eu chegava na Laura e falava: Laura, você está dando tal autor que eu ouvi a sua aula, porque ela falava muito alto - ela falou: é, realmente eu estou dando. Aí eu falei: está batendo com o que eu estou dando em História, então, você puxa para História que eu puxo para esse autor. PERGUNTA - Então não havia uma coisa programada, era uma coisa que saía das discussões em sala de aula. RESPOSTA - Não, era espontâneo dos professores. O Emir, então, embarcava em tudo, porque ele pegava História, ele pegava Literatura, ele pegava o Espanhol e era uma maravilha! PERGUNTA - Como era a relação dos alunos da escola, dos professores da escola, por exemplo, com as instituições internas da escola, como o Grêmio e a fanfarra? E com a UEO. RESPOSTA - Era um contato maravilhoso. PERGUNTA - Vocês tinham acesso? RESPOSTA - Nós tínhamos, nossa, o Grêmio, então, dia de eleição, aquela participação toda, os professores estavam lá, ajudavam na eleição e havia muita participação dos professores. PERGUNTA - Havia disputa ou era uma coisa normalmente fechada? RESPOSTA - Feroz. Feroz a disputa. PERGUNTA - Havia várias chapas? RESPOSTA - Havia, mas geralmente se destacavam duas, então eram as rivais e aquilo era disputa feroz. 168 PERGUNTA - Há alguma característica que pode ser destacada dessas chapas rivais partidariamente ou não? RESPOSTA - Não, era coisa deles, deles alunos. Podia, por exemplo: a turma maravilhosa do futebol. O futebol foi fabuloso, fantástico e a turma do vôlei, por exemplo. Então se dividia assim, né? Aqueles que estavam mais unidos saía um candidato deste e aquele saía um candidato daquele. E no fim era oba-oba, viu? Não ficavam depois inimigos durante o ano. PERGUNTA - Então, por exemplo, o pessoal do futebol ganhava, por acaso, hipoteticamente, e aí havia benefícios para o futebol? Quando o pessoal do vôlei ganhava havia benefícios para o vôlei, ou não? RESPOSTA - Não, não, isso não havia. O que havia muito e tanto faz ganhar grego ou troiano, era fanfarra. A fanfarra era preciosidade. era a menina dos olhos do Grêmio. PERGUNTA - O Grêmio mantinha a fanfarra? RESPOSTA - O Grêmio mantinha a fanfarra, a roupa da fanfarra cada um tinha que cuidar da sua, comprar a sua, que era cara. PERGUNTA - Não havia nenhuma forma de sustentar isso? RESPOSTA - Não, não havia. PERGUNTA - Então só o aluno que podia comprar a roupa da fanfarra é que podia participar da fanfarra? RESPOSTA - É e alguns, que eram bons, tinham sempre o amigo que podia ajudar. No caso das minhas meninas, então, chega em casa e diz ‘Olha, Fulana, não vai entrar porque não tem roupa’. Falei: ‘Como não vai entrar porque não tem roupa? Vamos dar um jeito nisso.’ E a gente acabava providenciando. PERGUNTA - E os instrumentos? 169 RESPOSTA - Os instrumentos a gente exigia do Estado. PERGUNTA - E o Estado fornecia? RESPOSTA - Forneceu alguns e depois começamos a cobrar da prefeitura, dos políticos, começando com o Hirant. Então, quer apoio político? Olha, precisamos disso, disso, disso e a gente ia em todos os políticos: o ganhador, o perdedor, o eleito, o não eleito... PERGUNTA - Havia uma disputa muito acirrada na comunidade local entre fanfarra do Ceneart, do Caxias e do Misericórdia. Havia inclusive um concurso no sete de setembro? É isso? RESPOSTA - Não, não havia um concurso. PERGUNTA - Porque me parece que havia sempre uma que se destacava mais. RESPOSTA - Ah, sim. PERGUNTA - Como é que sabiam quem ganhou este ano? Como é que era tirado isso? RESPOSTA - Ah, não lembro. Havia uma disputa feroz entre essas três fanfarras e era uma maravilha - muito boas. Então, sete de setembro valia por isso tudo aí, né? PERGUNTA - Isso é uma coisa que eu queria saber: quem é que ganhava? Porque tinha que ter um júri, não sei, nunca soube de haver júri em sete de setembro. RESPOSTA - Mas, na verdade, esse era o esforço dos alunos, dos professores, uma parte da comunidade. Mas, muita coisa era boicotada nas férias, a gente acaba se tocando disso muito tempo depois. Infelizmente não foi detectado na hora que aconteceu. Por exemplo, os professores, nós pensávamos: tínhamos que botar esses alunos para aprender um pouco de mecânica, um pouco de carpintaria, por um torno, aprender a trabalhar em 170 torno. Porque eles têm habilidade para isso e tal e é mais uma coisa importante para eles, e, a duras penas, lá vou eu, de fábrica em fábrica a pedir um torno, a pedir uma fresa e as fábricas doaram. Então a comunidade tinha feito essa doação. Aí, eu queria, eu particularmente queria, que quem fosse ensinar fosse o operário que trabalhava no torno. O chefe do torno. E entrei em contato com a fábrica que se dispôs. Eu falei: ‘Olha, esse operário fica meio período na escola conosco e o outro meio período ele volta pra fábrica. Vocês emprestam. Estava conversado, mas acontece que o Estado e a burocracia passou a alegar que eles não tinham diploma, não poderiam dar aula. Porque eles não eram habilitados e aí nós acabamos nas mãos de professores de trabalhos manuais. Aí a professora de trabalhos manuais acaba arrumando um fogão, que foi a maior elevação... o importante, entende? Com o fogão ensina a cozinhar, fazer pão. É, isso foi importante, não é?(ironicamente) E outras coisas que nós queríamos, nada. Eis que, um belo dia depois das férias, nós chegamos em março, toda a ala que era usada para a mecânica, para o torno tinha desaparecido, estava desmontado. Transformaram aquilo em outra coisa. Quem lá em cima? Você vai querer saber é a delegacia. A delegacia fez isso por conta de quem? Provavelmente pela Secretaria da Educação e tudo aí já tinha... PERGUNTA - Isso quando? Em que ano, mais ou menos? RESPOSTA - E tudo isso aí já tinha uma visão política da coisa. PERGUNTA - Quando, mais ou menos, isso? RESPOSTA - Quando que eles montaram tudo? Não sei. No começo dos anos 60. Não lembro, não lembro. PERGUNTA - Por exemplo, havia uma rixa entre colégios, que saía brigas no portão do Ceneart, não tinha essa de briga no portão do Caxias? RESPOSTA - Mas aí também entrava muito namorinho, quem pegou namorada de quem e tal. Então, criavam esse tumulto. 171 PERGUNTA - Essa rixa era uma rixa de fanfarra, era uma rixa de namorados ou era uma rixa de colégios? RESPOSTA - É, é. Ou de clubes, né? Quem era do Floresta contra quem era do Atlético. Que era um absurdo, né? Era um absurdo total. Porque no final, o Atlético tinha a cabeça muito mais aberta do que o Floresta. PERGUNTA - Claro. Porque era um clube de operário, né? RESPOSTA - Não, era um clube aonde moças e moços iam sozinhos. Floresta não, ia pai, mãe, tia, avó, ficava todo mundo sentado naquelas cadeiras, vigiando as meninas. PERGUNTA - E com a UEO? Vocês participavam? RESPOSTA - Nós dávamos todo o apoio aos alunos, todo o apoio. Os professores davam. Agora, o que havia bravo internamente, era um grupo que era a maioria dos professores, o Emir, Laura, eu, Porciuncula, Cibele... Nós tínhamos muito choque com a direção. Vários diretores. Começou com o Nilo e aí foi. Nós tínhamos choque com os diretores, né? Isso não era fácil de superar. Então, de vez em quando a coisa ficava muito feia. PERGUNTA - Numa certa medida, nós precisamos ver também em que medida essa diretoria não era pressionada pela Secretaria da Educação. RESPOSTA - O que ajudou bastante, por exemplo, eu vou dar um exemplo das nossas lutas com a direção, né? O trem que trazia o pessoal de Carapicuíba, Barueri, tal e coisa, não tinha um horário um horário britânico, né? Você sabe como era o trem lá em Osasco, ele podia chegar 15 minutos, meia hora depois. O horário era esse, mas o diretor mandou que fechasse o portão exatamente na hora e o aluno não podia chegar atrasado e nós ficamos indignados. Os professores já se sublevaram ali porque era um absurdo o que estava acontecendo. Conseguimos na primeira etapa que eles entrassem para a segunda aula, mas nós não queríamos, queríamos que, chegou atrasado, chegava um bando no mesmo trem, por que não entra? Não é? O que ajudou muito foi quando apareceu a União de Pais e Mestres, quando os pais, alguns 172 raros pais que vinham sistematicamente chegaram, e nós, professores estávamos na frente de briga com a direção. Por exemplo, a Rina Muso, italiana, que tinha dois filhos lá, ela ficou do nosso lado. Aí ela se levantou e falou para o diretor que aquilo lá era um absurdo e ele perguntou se o filho dela vinha de Carapicuíba, Barueri e tal. Ela falou: ‘Não, mas poderia vir, eu moro em Presidente Altino, meu filho poderia tomar um trem e vir de trem até aqui, em vez de vir a pé.’ E aí o outro pai, então os pais, às vezes pressionavam a direção e nós conseguimos, então, que os alunos que chegavam atrasados por causa do horário do trem pudessem entrar sistematicamente e todos eram conhecidos. Todo mundo sabia quem desceu de tal trem, que horas, mora aonde, sai de Barueri, de Carapicuíba, todos sabiam disso, porque todos os alunos eram conhecidos. Nós conhecíamos os alunos pelo nome. PERGUNTA - Eram poucos. RESPOSTA - Não era tão pouco assim. Não era tão pouco. Porque isso já acontece quando o Ceneart está lá em baixo. Então, era uma escola muito grande, mas do período ainda conhecia os alunos. Principalmente os que tinham migrado do prédio antigo. Conheciamos pelo nome, nós sabíamos onde moravam e, assim, havia uma ligação muito grande. PERGUNTA - Houve uma manifestação de alunos, uma manifestação popular em Osasco, em 64, por causa do aumento de salário dos vereadores, você se lembra desse fato? RESPOSTA - Sim, nós cercamos a Câmara. PERGUNTA - De quem foi a iniciativa? Foi dos alunos, foi de algum político. Eu quero saber como se deu essa organização. RESPOSTA - Aí começam a aparecer as lideranças políticas nas escolas, então, isso era comentado, mas na realidade quem morava em Osasco era eu e, na hora que os alunos cercam a Câmara Municipal, o único professor que 173 estava ali comandando o pessoal, eu, porque eu moro lá. E a sessão era à noite, então os professores da manhã e da tarde não participaram, participaram os professores da noite, se quisessem, mas a escola ficou vazia, eles foram embora. Eu moro lá, eu vou com os alunos, não é? Aí começa a pichação, né? E mesmo o que se falava em classe, entende? Havia a Ciência, dava aula de Ciências, explicava sexo assim, na maior, não é? A mentalidade burguesa da cidade se horrorizou, achando que estávamos levando os filhos para o mau caminho. Aula de História, justamente para manter acesa aquela turma que está cansada, contar lá das amantes do imperador, contar coisas assim, que pareciam um pouco escandalosas na época e isso tudo vai indispondo a mentalidade burguesa tacanha contra os professores e de preferência contra mim, porque eu moro na cidade. E o próprio comportamento na cidade, né? A professora vai a baile, a professora vai a barzinho, vai a boates, pula carnaval, era uma coisa de falta de respeito... PERGUNTA - Era uma coisa que não estaria dentro do padrão moral que se esperasse de um professor. RESPOSTA - O grau de liberdade que eu tinha, especialmente dentro do meu casamento, incomodou muita gente. E havia o comportamento meu, especificamente, altamente condenável. Por exemplo: numa festa importante, sei lá, uma festa no clube, coisa importante, vai ser a festa muito grande, muito boa, o baile vai ser muito bom, etc, etc. As desquitadas, como é que vão? Vão sozinhas para o baile. Aí chega ‘Ai, Lenita, posso ficar na sua mesa?’ Claro que pode. ‘Ai, Lenita, posso ficar na sua mesa?’ Claro que pode. Resultado: ficava eu, o Klaus, o Toninho Coutinho e três ou quatro desquitadas, cinco, às vezes, na mesa. Isso incomodava muita gente. PERGUNTA - É isso que eu queria um pouco que você falasse da escola e da vida cultural. Quer dizer que essa coisa de você ser da cidade e dar aula na escola, em muitos aspectos favorecia o seu entrosamento com os alunos, favorecia uma série de coisas que você podia fazer no seu cotidiano de moradora local, como professora e como companheira desses alunos, por 174 outro lado, você era mais vigiada, você sofria um policiamento maior, quer dizer, havia o comportamento dentro da vida social da cidade, dos outros professores não se tinha notícia. RESPOSTA - O meu aparecia mais, porque eu morava na cidade. Por exemplo, o campeonato de futebol, quando apareceram os interescolar. Esse campeonato de futebol era muito importante. porque o Ceneart tinha jogadores fabulosos, o Galianinho é que pode contar essa história, o Port pode contar, ele sabe melhor do que eu. E daí qualquer dia eu quero tirar diferença com esse tal de Sílvio Luís, comentarista esportivo, entende? Pela sujeira que ele aprontou naquele ano. Isso foi ano acho que de 58. 1958, que aconteceu isso. Quem são os adversários do futebol? Dante Alighieri, São Luís, Mackenzie, Porto Seguro, entende? PERGUNTA - Escolas grandes de São Paulo. RESPOSTA - E o Ceneart. Era dos ricos de São Paulo e nós, Estado. E o nosso time era bom demais. Era bom demais. E o Sílvio Luís que organizou isso, propondo não só a taça, mas que o jogo, a finalíssima, iria passar na televisão, que era uma coisa na época, né? Imagina. Sonia - A televisão tinha acabado de surgir RESPOSTA - É. Então ia aparecer na televisão, resultado, meu bem: o Ceneart foi batendo uns e outros e outros e outros e outros e quando chegou a hora do vamos ver, nós batemos o São Luís e fomos campeões. Cadê Sílvio Luís? Sumiu, desapareceu, não teve taça, não teve medalha, não teve coisa nenhuma, entende? E muito menos a televisão. Esqueceram o tal do campeonato, mas quem pode te contar isso com detalhes é o Port. Sonia - O Port é a minha próxima entrevista. RESPOSTA - E pergunte ao Port porque que a dona Helena tem tanta raiva do Sílvio Luís. Eu falei, qualquer dia eu escrevo um artigo para desmascarar esse cara aí. Então, e os professores iam aos jogos, nós íamos atrás dos alunos. Tinha jogo no domingo de manhã, quer dizer, você trabalha a semana inteira, sábado era difícil sábado que não tivesse casamento de aluno. 175 PERGUNTA - É, os alunos casavam quando ainda estavam no ginásio, no colégio. RESPOSTA - É, aí começa a casar. Aluno, então, todo sábado, casamento. Domingo de manhã, nós tínhamos futebol. PERGUNTA - Além disso, eu via também, a vida cultural da cidade girava muito em torno das atividades do colégio, porque eu me lembro que haviam bailes pró-formatura o segundo semestre todo do ano, praticamente. E era o grande evento do final de semana, não era? RESPOSTA - Era, era. A matinê sempre foi cheia.Sempre estava cheia a matinê do domingo. PERGUNTA - E era pró-formatura, normalmente. RESPOSTA - Muitas vezes faziam pró-formatura e nós estamos aonde, os professores? Então veja você que o professor estava com o aluno de segunda a segunda, entende? Não é essa história hoje dá aula, sai correndo e vai pra casa. Aliás, saí correndo tem uma coisa genial, os alunos, às vezes, depois das provas, terminadas as provas, estão cansados, é o noturno, estão cansados, querem sossego, eles inventaram, no começo, lá em cima. Tinha muito eletricista entre eles, eles davam um jeitinho e apagavam a luz da escola. Eles cortavam. Esperava-se não sei quanto tempo e suspendia-se as aulas. Nós professores íamos para a pizzaria e era aí nesses grandes apagões dos alunos que nós íamos para a pizzaria, comer pizza, tomar cerveja, bater papo, conversar. Então, é que rodava muito papo entre os professores. Acho que era o Prado que nós íamos e lá nós ficávamos, tomando cerveja, comendo pizza e batendo papo, tratando de tudo. Então, nessa convivência toda eu acho que fez a diferença também, né? E não esqueça que os nossos alunos saem do 3º colegial em dezembro, janeiro prestavam vestibular e eram os primeiros lugares, Direito, Medicina e Engenharia, eram do Ceneart. PERGUNTA - E como se mantinha esse contato desses alunos que saiam do ginásio com os alunos que permaneciam no ginásio. Porque é uma coisa que 176 me provoca algumas duvidas, você tinha uma UEO atuante, você tinha o CEO, quando o UEO entrou na ilegalidade, e essas entidades, elas são mantidas em grande parte por estudantes secundaristas, até porque você não tem tanto universitário quanto você tem hoje. A maioria dos estudantes das uniões de estudantes são estudantes secundaristas. RESPOSTA - Foi quando apareceu depois a UMES. Um diretor do CENEART, que foi um desastre, Como é que chamava, a mão direita do Rossi... Sonia - Nélio? RESPOSTA - O Nélio. Era um ditador, né? Ele era um ditador dentro daquela escola. Inclusive pegou o microfone, um dia, proibindo os alunos de se inscreverem na UMES, de participar da UMES, que aquilo era subversivo, era isso e era aquilo. Eu entrei em classe, peguei o giz dobrado e escrevi bem grande na lousa: UMES. Vocês sabem o que é isso? PERGUNTA - Mas isso já é bem depois, né? RESPOSTA - É, já dei endereço, já deixei tudo escrito na lousa, para eles entrarem em contato que aquele era a representação deles. Como é que o diretor vai proibir que o aluno entre para a UMES. Isso ai foi já no finalzinho da minha carreira. Porque durante a ditadura militar não podia fazer. PERGUNTA - Você teve a UEO e o CEU até 68, por ai. RESPOSTA - Nem sei se agüentou tanto. O medo era muito grande, né? PERGUNTA - Como era a relação da escola com entidades do tipo ROTARY, LIONS, que são entidades mais formais, digamos, elitistas da cidade. Você tinha muitos alunos que eram filhos dessa nata que compunha essas agremiações, convivendo ao mesmo tempo com os sindicalistas. RESPOSTA - Os que ficaram ligados aos pais e ao clube, ao LIONS por exemplo, e foi lá no Rotary, que tinha... Como é que chama a juventude do Rotary? Na realidade, quem fez parte da juventude Lions ou Rotary...Eram os mais reacionários. Eu, por exemplo, pertencia ao Lions. As minhas filhas fugiam que nem o diabo da cruz, não queriam nem ouvir falar daquele jantar, 177 daquelas coisas, elas tinham outra orientação, outra cabeça e eu estava no Lions... PERGUNTA - E com os sindicatos? Eu esto pegando as associações de ambos os lados. As associações da elite, Rotary e Lions, por exemplo eu tenho uma informação que a sala que sediava a UEO ficava do lado do gabinete do Professor Antiório. E que ele pagava o aluguel. RESPOSTA - Ah, não sei. O filho dele era o presidente? PERGUNTA - Não, era o Gabriel Figueiredo. RESPOSTA - Ah, era o Gabriel. É sobrinho dele. PERGUNTA - Mas o Gabriel era uma pessoa diferente do Pinguin. RESPOSTA - Outra linha, outra linha. O Pinguin hoje em dia ta no PT, né? PERGUNTA - É? Não sei. Mas, você tem de uma lado, as instituições mais organizadas da elite, que é o Rotary e Lions, de outro lado você tem as instituições classistas. RESPOSTA - Você não pode esquecer que boa parte desses alunos do noturno são operários e eles são ligados aos seus sindicatos e todos esses sindicatos eram muito ligados ao Ceneart. PERGUNTA - Havia espaço para se discutir sindicalismo dentro da escola? RESPOSTA - Isso se fazia em aula de Historia, Português...ou na fabrica. Mas eles discutiam bastante na sala do grêmio, viu? No grêmio existia uma certa divisão ideológica. PERGUNTA - Ah, sim. Então essa, digamos, esse era um assunto que tava mais presente nas discussões do Grêmio. 178 RESPOSTA - Do grêmio e da sala de aula também, por que não? Porque eu vou explicar o que é sindicalismo, o que é corporativismo, o que é anarquismo, o que é comunismo, o que é... ? PERGUNTA - Nas eleições de 62, é uma eleição meio esquisita em Osasco, porque você tem o movimento autonomista, e tem lideres janistas e líder ademartista, que é o caso do Fuad e do Menck. Certo? Ambos são pessoas de destaque, são lideranças políticas, partidários distintas, e que de uma maneira concreta bancaram financeiramente o movimento autonomista... RESPOSTA - Pelo velho Menck. PERGUNTA - E na eleição ganha um 3º. Sai uma tangente a essas duas fortes tendências, que foi o Hirant. Como você explica isso e se os estudantes da escola participaram dessa campanha? RESPOSTA - Não. PERGUNTA - Como se deu essa eleição. Esperava-se que com os dois caciques, digamos, que um dos dois ganhasse. RESPOSTA - É, o Hirant ganhou porque ele tinha mais traquejo político, ele tinha sido vereador em São Paulo. Então ele conhecia os meandros todos, né? Na eleição, ele já sabia como fazer uma campanha e os outros eram todos neófitos. PERGUNTA - Ah, então ai foi uma coisa de experiência de campanha? RESPOSTA - Ah, foi. PERGUNTA - Uma prática de eleição? RESPOSTA - Na minha opinião, né? PERGUNTA - E os estudantes, dentro da escola, havia uma preferência por candidatos? RESPOSTA - Bom, o titulo de eleitor saía aos 21 anos. Porque a hora que 179 esse povo começa a ter idade para ter titulo de eleitor as coisas vão se modificando dentro da cidade, não é? Ai nós começávamos a ter alunos vereadores, ex-alunos vereadores. Tivemos vários prefeitos saídos do Ceneart, o Parro, o Rossi. PERGUNTA - O Guaçu não foi aluno do Ceneart?. RESPOSTA - Acho que não. PERGUNTA - Ele é anterior. É, mas o Guaçu foi eleito com apoio estudantil, da UEO. RESPOSTA - Foi, foi. PERGUNTA - Uma das fortes frentes de campanha do Guaçu foi a UEO, não foi? RESPOSTA - Foi. PERGUNTA - Quando ele volta da pós-graduação dele. RESPOSTA - Que ele foi bolsista? Pelo Ponto 6. PERGUNTA - Não sei, o que é ponto 6? O que que é ponto 6, eu não sei? RESPOSTA - É, é o acordo Brasil – EUA. Nos mandávamos bolsistas e o Brasil abria arquivos pessoais. Tanto é que nos EUA existem arquivos de liderança do Brasil, nem aqui existe, nem o DOPs tem o que os americanos têm. Foi baseado nessas bolsas ai. PERGUNTA - É, e o Guaçu foi fazer sociologia. RESPOSTA - Nesse acordo. PERGUNTA - Eu não sabia qual era a origem da bolsa. RESPOSTA - Mas ainda nessa época, até 64, nós tínhamos uma coisa muito boa dos EUA, que era a Aliança para o Progresso. Aliança para o Progresso não tem nada a ver com todas as outras organizações americanas que vieram 180 para o Brasil. A Aliança era seríssima, estudava sério, era limpa, honesta, clara, transparente, e foi a Aliança para o Progresso que me ajudou a fazer o material para a alfabetização Paulo Freire. PERGUNTA - Eu tenho 3 grandes assuntos que eu gostaria de saber: o primeiro, eu queira saber, da sua atuação, você foi diretora do departamento de cultura. RESPOSTA - Isso foi no tempo do Hirant, primeira prefeitura. Eu fui a primeira secretaria... Secretaria, não. Que não havia secretaria, havia Diretoria de Educação e cultura, imposta pela Câmara. Porque os vereadores eleitos então, tinham a nossa assinatura. Ex-alunos do Ceneart e amigos próximos. Tanto que o presidente vai ser Orlando Calazans. Tinha o Putkammer, olha, vários alunos nossos estavam ali e essa câmara então, se reuniu e falou não: por ser uma postura de esquerda, nós queremos educação e cultura, que a esquerda na época achava que com cultura podia fazer muita coisa. Mas eu fui podada de todas as formas que você pode imaginar, também neófita no assunto, não sabia trabalhar com a burocracia, que o Hirant conhecia muito bem, sabia trabalhar muito bem, da câmara de SP. PERGUNTA - A prefeitura era nova, tudo era novo. RESPOSTA - O que eles fizeram. Com o Moioli, todo aquele pessoal do Hirant, toda a verba da educação comprando livros de direito, porque livro era educação. Então compraram a biblioteca de direito. Com a verba da educação. E eu ó. Mal assessorada, quer dizer, juridicamente, né, nem lembrei disso, até ser obrigada a pedir demissão porque não havia condições de trabalhar. Funcionários de confiança impostos. Então ficou uma situação insuportável e ai eu pedi demissão. PERGUNTA - Queria que você me falasse um pouco, qual era a expectativa desse aluno, do aluno do Ceneart da década de 50, mais claramente. RESPOSTA - Uma expectativa de que, de emprego? 181 PERGUNTA - Em todos os sentidos. Para que fazer ginásio, para que fazer colégio? RESPOSTA - Os grandes alunos, realmente, eles sempre pensavam, em se formar e depois ter um trabalho na coletividade da sociedade, entende? PERGUNTA - Fazer-se homem publico? RESPOSTA - Ajudar ao próximo, sendo excelente profissional, certo? Tanto é que você vai ver quem era o amigão dos patrões e depois deu uma virada era o Albertino. Ele vai trabalhar mesmo com sindicato tal, e o próprio Gabriel, quando eu fui à formatura dele, eu tive a maior decepção da minha vida quando vi que ele era um psiquiatra. Ai eu falei: “Esperava tudo de você, menos isso.” Ele falou: “Claro, a senhora estava esperando que eu fosse um clinico geral.” Mas a psiquiatria também vai atender a classe que a senhora espera. Sonia - E ele foi um excelente Secretario de Saúde. RESPOSTA - Foi. E era um excelente psiquiatra. Médicos: o Dionísio, um excelente medico que se perdeu na política, ele era assistente do Zerbini. Você quer ver outro maravilhoso? O Angelo Melli, esse sim deveria ser o prefeito de Osasco um dia, né? Porque tem uma visão de planejamento. Sonia - É, é uma pessoa que estudou urbanismo. Passou a vida dele estudando urbanismo. RESPOSTA - Então você vê, muitos médicos. O Klaus, que é fotografo das grandes firmas multinacionais em Osasco, quando chega na direção para conversar, primeira coisa: “Como vai Dona Helena, minha professora, como é que está?” Quer dizer, os meus alunos são diretores das multinacionais. PERGUNTA - Esses alunos que foram fazer ginásio e colégio nos anos 50, anos 60 tinham expectativa, é obvio, de melhorar de vida, de atingir um status social, de ter uma ascensão social. E isso foi possível. RESPOSTA - Foi possível. 182 PERGUNTA - O que não se pode dizer do ginasiano de hoje. RESPOSTA - Não. PERGUNTA - Do secundarista de hoje. Quer dizer, a escola secundaria dos anos 50, e anos 60, apesar de não ser mais aquela escola em que você se formou, ela ainda cumpriu o papel de possibilitar a ascensão social. RESPOSTA - Claro, sim. Mas aí, minha filha, é a diferença, a aproximação que nós tínhamos dos nossos alunos desapareceu. Desapareceu, porque a pressão do sistema foi muito grande. Uma das piores coisas que aconteceu foi o supletivo, o supletivo tirou o operário de dentro da sala de aula e as escolas perderam todo o seu caráter político e ficaram medíocres. Entende? Os salários foram aviltados, dos professores, então os professores não têm mais tempo para ficar com seus alunos, eles têm duas ou três escolas por dia. É uma loucura sobreviver sendo professor e a miséria que o professor ganha hoje em dia. E nos tínhamos possibilidade, então, de ficar com o aluno, nos tínhamos possibilidade de ir aos casamentos, de ir ao jogo de futebol, à disputa de vôlei, essa era uma grande diferença. Considerando que depois de formados, eram amigos, freqüentavam a casa, iam lá convidar para o batizado dos nenês e nós continuávamos essa amizade. Eu tenho amigo que mora nos EUA, até hoje ele vem me visitar, os Horst, dois brilhantes alunos. A Rosali é minha amiga até hoje, a Rosinha, a mãe dela, são amigos que ficaram, que ficaram pra vida toda. Toninho Coutinho, como é que começou minha amizade com Toninho Coutinho? Como professor e aluno. PERGUNTA - Quer dizer, nesse primeiro momento em que começa a expansão da escola secundaria nos anos 50 e anos 60 elas ainda cumprem o papel de formar o homem de formação integral, eu diria. RESPOSTA - Sim. PERGUNTA - O homem para a profissão, o homem para a sociedade, o homem para a vida social, para a vida política e para a profissional. RESPOSTA - Esse período todo, esse período todo, desde 54... Foram uns 10 183 anos de gloria, né? 54 – 64. Foi esse o momento em que o proletariado vai conviver com o burguês, é esse o momento que o proletariado passa a freqüentar o clube burguês, a festa burguesa, o casamento burguês e é esse o momento em que o burguês passa a conhecer a periferia, passa a conhecer a festinhas e os churrasquinhos mais pobrezinhos, mas muito alegres, com muita música. Há essa troca de informações e vivência, que isto foi considerado subversivo, então, nós colocávamos uma subversão da ordem, da ordem social, claro. Casar filho de burguês com o filho do proletariado foi uma coisa espontânea, mas maravilhosa.. Sonia - Mas agrediu... RESPOSTA - Agrediu o sistema, tanto é que o Golpe de 64 vai imediatamente começar a desmontar a participação do proletariado dentro das escolas. Criam o supletivo, quem tiver mais de 18 não pode entrar... Sonia - Essa da formação do supletivo, eu acho uma brilhante conclusão. RESPOSTA - Não, mas é a realidade. Sonia - Eu nunca tinha analisado por esse viés. RESPOSTA - Muita gente me acusa, diz “Não, você fala contra o supletivo, você não imagina ....” Imagino que fez bem a muitas pessoas, a Dra. Julia Tonato, como é que ela se formou? Ela fez supletivo. Mas ela era brilhante. Então esse supletivo foi bom para ela porque comeu etapas para ela fazer medicina, e o resto? O resto é uma mediocridade aí que Deus me livre. Operário que consegue condição de ter cultura. PERGUNTA - Bom, e também porque hoje o secundaria mudou o seu caráter. RESPOSTA – Totalmente PERGUNTA - E ele não tem mais o caráter que ele tinha na sua instalação, no momento em que inicia sua expansão lá na década de 50. RESPOSTA - Você vê a importância da escola? Como a escola é importante. A menos que ela seja desmantelada com foi, mas quando era risonha e franca nós conseguimos muita coisa. 184 PERGUNTA - Há uma coisa ainda que me interessa ter dados, sobre o processo de alfabetização Paulo Freire que você levou pra Osasco. Como se deu, quem trabalhou com isso, de onde vinha a verba. Como você chegou ao método Paulo Freire, o que te levou a? RESPOSTA - O que me levou foi o seguinte: Eu era professora do Séde Sapiense, e o Séde Sapiense tinha por costume levar as alunas Norte – Sul, Leste – Oeste desse país. Então todas as férias havia uma excursão das alunas de tal forma que quando elas saíssem da faculdade, elas tivessem conhecido o sul, o norte, o leste e o oeste do Brasil. PERGUNTA - Você era professora na Historia? RESPOSTA - Eu era professora de Historia na Puc. No Séde Sapiense. PERGUNTA - No curso de História. RESPOSTA - História, dava História Moderna, depois passei a dar moderna e contemporânea. O meu foco é contemporânea. Numa dessa viagens, eu fui acompanhar as alunas - eram 2 padres, 2 freiras, o Klaus e eu. Ah, um dos padres era o padre Dario Bevil’aqua, o outro, o padre Benedito que hoje é bispo em Sorocaba, se não me engano e nós saímos de Santos de navio. Então nós tomamos o Ita para o norte: tinha o Itaeté, Itararé, eram 3 Ita, por isso que era o Ita para o norte. Acontece que o Ita que nós estávamos que era o Itararé saiu do porto e, no caminho, entra em greve. Nós éramos 22 moças naquele navio. O Navio era pequeno. 22 moças, a tripulação mais nós que éramos uns 8 professores e tal e essa greve era coisa de terror, porque não me pagam mais ... não faziam mais nada. O navio estava uma imundice só. Quando a marinha de guerra tomou conta do navio. Chegou uma hora foram obrigados a parar, eu não lembro onde foi que eles pararam, acho que foi em Vitória e a Marinha tomou conta. Aí minha filha, foi uma beleza de viagem quando chegou a marinha de guerra, aqueles oficiais maravilhosos. As moças...22 lindas, lindas. A noiva do José Serra estava no navio, a irmã dela é a Sula casada com o Nahas, as filhas de grandes fazendeiros, grandes capitalistas, entende? 185 PERGUNTA - Era uma elite. RESPOSTA - Era uma elite, era classe A e aparecem aqueles oficiais, coisa maravilhosa. Aí imediatamente ficou tudo limpo, maravilhoso e as meninas, né, passarinho. Porque só tinha homem bonito naquele navio. Foi uma viagem muito boa, mas quando chegou ao Recife, entrega o navio ou não entrega? Então houve uma disputa entre a guarda costeira que fazia o Ita, que era dona do Ita, e a Marinha de Guerra, que tinha tomado posse do navio e com isso nós paramos em Recife. Chegou na parada em Recife, falei “Bom, vou andar por ai e ver o que está acontecendo por aqui.” E fui especular como era a educação, isso, aquilo, aquele outro. Aí encontro um amigo e ele diz “Você tem que vir comigo lá num bairro porque eles passam filmes ao ar livre” Tudo americano. Tem que ver o que os americanos estão fazendo lá. Aí eu fui lá para o subúrbio, aquele povo mais simples, no subúrbio pernambucano, gente muito pobre. Numa praça uma bela duma tela, com um caminhão muito bem montado e eles estavam passando filmes, por exemplo, de aviação. Aqueles aviões fazendo manobras no ar e a moçada naquela praça “Oh, e tal” e maravilhados com aquilo e batendo palmas e eu querendo saber qual era o objetivo, qual era o recado dos americanos tinham ali, mas afinal era a Aliança para o Progresso. Não era nada de coisa assim mais agressiva, entende? Eram grupos que aproveitavam para estabelecer contato, um pouco de cultura, tentavam até alfabetizar e naturalmente, tem toda uma ala em Pernambuco, em Recife, que estavam adiantadíssimos, davam um baile em São Paulo. Eles estavam montando a radio Recife. Como Angola. Não é? E essa rádio estava ali para começar. Quando eu cheguei que disseram tem uma palestra sobre não sei o que, la fui eu. Quando eu chego lá, já tinha professor, diretor, um monte de gente me esperando. Eu falei “Eu sou simplesmente a professora de historia, estou acompanhando as meninas.” “Não, a senhora é irmã de Décio Pignatari, ele é o nosso colaborador, ele escreve no nosso jornal, escreve na nossa revista, ajudou a nossa montagem e nós estamos contando ainda com o trabalho do Décio.” Esse trabalho tem um nome que, com a prisão de 64 eu esqueci muita coisa viu? Ai, não lembro. Com isso, eu fui assistir porque 186 disseram “Olha, faculdade daqui, uma vez por semana, é o aluno que da aula. Para todos e para os professores e hoje é aula do aluno e é de história.” Os professores sentados lá e o aluno deu uma aula brilhante , entende? Um cabedal que sai da frente. Eu fiquei maravilhada com aquilo. Maravilhada. Aí, conversa aqui, conversa aqu, mas preciso conversar com o Paulo Freire. Paulo Freire esta alfabetizando em 40 horas. Eu falei: “Pelo amor de Deus, o que que é isso?” 40 horas, alfabetiza em 40 horas... fiquei doida. Falei, ah, quero ver. Acabei indo, fui a casa do Paulo Freire, batemos papo e tal e coisa, mas ele contava, mais encantada eu ia ficando. E desesperei, né? Só falava nisso. Só falava nisso. - Em 1963 a professora Helena Pignatari Werner participou de uma experiência com o método de alfabetização Paulo Freire, com cerca de 200 alunos na região do Jardim Helena Maria – periferia de Osasco -, num projeto promovido pelo Sede Sapiense, da PUC/SP. 187 Anexo 5 ENTREVISTA COM JOÃO GILBERTO PORT – ALUNO DE CENEART DE 53 a 58 Osasco, 8 de julho de 2004 Sonia: Em primeiro lugar, eu gostaria que você me desse seu nome, sua data de nascimento e confirmasse se eu estou autorizada a usar as informações que você vai me passar, para o meu trabalho de pesquisa sobre a escola secundária em Osasco. Port: João Gilberto Port, nascido em 02/10/38, na cidade de Pirassununga. E você, Sônia, está plenamente autorizada a fazer uso das declarações que eu vou fazer nesse instante. Sonia: Obrigada. PERGUNTA - Então, você é uma pessoa que estudou de 53 a 58, quer dizer, você pega praticamente o princípio da escola. Você entra no segundo ano de funcionamento dessa escola... Havia todas as salas ocupadas já, por exemplo, ou não? RESPOSTA - Havia sim. PERGUNTA - Quer dizer que já tinha 1o, 2o, 3o e 4o ginasial? RESPOSTA - Perfeito. PERGUNTA - Já em 53? RESPOSTA - Já em 53. PERGUNTA - Utilizando as dez salas? RESPOSTA - As dez salas 188 PERGUNTA - É isso que me preocupa um pouco, porque logo em seguida vai ser aberto o científico nesse mesmo espaço físico. Quer dizer, você teve que diminuir o número de classes de ginásio, você se lembra disso? RESPOSTA - É eu confesso que eu não me lembro bem disso não. Eu só me lembro que, por exemplo, nós tivemos que usar uma sala acessório, uma pequena saleta atrás do palco. PERGUNTA -Que era a coxia? RESPOSTA - A coxia... Exatamente, para abrigar o 3o científico, no último ano. Isso eu me lembro perfeitamente, eu terminei o curso lá PERGUNTA - Quando você veio pra Osasco, você já veio com o ginásio em funcionamento? RESPOSTA - Perfeito. PERGUNTA - Me diz uma coisa, com que objetivos você foi fazer o ginásio? O que você esperava da escola secundaria? Quais eram seus anseios? Bom, porque não era comum as pessoas fazerem, poucas pessoas faziam ginásio até então não era? RESPOSTA - Pois bem, primeiro porque a escola pública da época realmente tinha um nível muito superior aos dos dias de hoje. Segundo, que a minha origem é de Pirassununga e eu tendo pai militar e mãe professora, o meu pai foi transferido para Osasco, para aqui para Quitaúna e nós viemos, Portanto, de Pirassununga, onde eu tive a oportunidade de estudar numa escola excelente também que era o Instituto de Educação de Pirassununga. PERGUNTA - Era estadual? RESPOSTA - Estado, eu fiz a 1a e a 2a série lá. Vindo para cá evidentemente os recursos também da família, uma família de 5 filhos, não era grande, mãe professora e pai militar, então nós procuramos nos interar a respeito da escola pública. 189 PERGUNTA - E filho de militar, nesse contexto, tem preferência? RESPOSTA - Tem preferência porque foi transferido, tanto é verdade que eu consegui minha vaga em função desta facilidade que a lei conferia pelo fato de ser filho de militar. Foi, então fui, é iniciei a 3a série no CEART, antigo CEART, hoje CENEART e pude verificar, dentro desse contexto da própria transformação da cidade de Osasco, como poucos tinham a felicidade de freqüentar uma escola e pude verificar também a miscigenação no corpo discente logo que eu cheguei; porque realmente houve uma integração. Ah, o filho do industriário, do operário em si com a chamada elite da cidade que também optou pelo colégio público. Nós tínhamos na época o Duque de Caxias também, um ginásio. PERGUNTA - Era uma escola técnica. RESPOSTA - Era uma escola técnica e particular e nós tínhamos também, quando cheguei, se não me falhe a memória, nós tínhamos o GEPA, lá em Presidente Altino. PERGUNTA - O GEPA é de 1958 como ginásio, antes ele era só um grupo escolar. RESPOSTA - Ah, era grupo escolar então não. Nós tínhamos o Misericórdia. PERGUNTA - O Misericórdia, onde as meninas iam fazer o normal? RESPOSTA - É, onde as meninas iam fazer o normal. É eu me lembro exatamente desses três estabelecimentos: o Duque de Caxias, como escola técnica, o CEART e o Misericórdia e a miscigenação era tanta que até tem um fato pitoresco, naquela época, grande parte dos estudantes, não vou dizer a totalidade, mas a sua imensa maioria, numa cidade carente ainda. PERGUNTA - Nem era uma cidade, era um bairro. RESPOSTA - Num distrito carente como Osasco, todos trabalhavam durante o dia e se locomoviam para a escola à noite, em sua imensa maioria, de bicicleta. Tanto é verdade que o pátio interno do Bittencourt, que durante o dia era Grupo 190 Escolar Marechal Bittencourt, externamente era aquele manancial de bicicleta, todas encostadas... PERGUNTA - Você trabalhava? RESPOSTA - Eu trabalhava, trabalhava e estudava. PERGUNTA - Onde você trabalhava? RESPOSTA - Na época, se não me engano, eu passei por duas empresas de Osasco antes de ir para a Bron Boveri, mas a Bron Boveri foi posterior, foi em 60. Ah, eu passei pela Adamas do Brasil e passei pela, pela antiga fábrica de tecidos de Tatuapé, a Santista e eu passei pela Eternit também... Ah, é jovem ainda então não se adaptava num lugar; mudava paro outro. PERGUNTA - É e ainda não tinha uma carreira formada. RESPOSTA - Não, não tinha. É, tanto é verdade que trabalhava e estudava como a grande maioria. PERGUNTA - O ano que você entrou foi o ano do primeiro plebiscito, o plebiscito que o não venceu, certo? RESPOSTA - Perfeito. PERGUNTA - Há muito pouca informação na documentação sobre Osasco sobre esse plebiscito. Me parece que ele é assim alguma coisa que foi feito meio na tentativa de seguir alguns plebiscitos que tinham dado certo, em algumas regiões como acho que São Bernardo, como Barueri, que acho que foram num primeiro momento. Então quer dizer, em 53, você tem uma tentativa de Osasco, de se emancipar e como não deu, eu não sei se fala pouco nele porque o não ganhou, ou porque ele não tenha atingido um espaço muito grande na política local. Eu gostaria de saber, você estava em Osasco nesse ano já, você se lembra desse plebiscito, você se lembra se havia mobilidade ou não? 191 RESPOSTA - Como a escola estava começando também não havia uma formação de lideranças na escola, eram todos muito jovens, muito meninos ainda na época. PERGUNTA - mas havia gente com mais idade. RESPOSTA - não já havia, mas não houve efetivamente. Eu me lembro do Clóvis, do Sérgio Zanarde, todos já falecidos, que foram nossos precursores lá, não é. Só que não houve, efetivamente, uma mobilização por ocasião do primeiro plebiscito, que segundo nos consta também foi um plebiscito controlado pelo cartório. Pelo não. E deve ter havido fraudes também entendeu? E, infelizmente eu acho que esse processo retardou o desenvolvimento de Osasco, vamos dizer assim, o fato da autonomia ter sido derrotada, em 53, atrasou em cinco anos o desenvolvimento de Osasco. PERGUNTA - Me diz uma coisa, você acha que depois que o não venceu, em 53, isso acendeu a chama da emancipação, isso mexeu com os brios dos... RESPOSTA - Você sabe perfeitamente que a emancipação, ela era feita dentro daquela lei qüinqüenal, então nós que perdemos em 53 e nós só poderíamos ter uma outra em 58. Eu tenho a impressão que logo após não houve mobilização, nós tínhamos a Sociedade Amigos de Osasco. Que era controlada pelo Dr. Reinaldo de Oliveira né?. E que já teve uma participação importante por ocasião do primeiro em 53. Mas aí houve praticamente um período de cinco anos de refresco né, porque aí dentro de cinco anos não se podia fazer nada. A verdade é o seguinte, o movimento forte mesmo começou em 57. Por que isso? Porque aí começou uma mobilização preparatória para o plebiscito com reuniões realizadas nas casas de Reinaldo de Oliveira, do velho Menck, do dr. Edmundo Burjato, com a participação do Zé Marques... O Zé Marques Rezende, o próprio pai do Antiório, Fortunato Antiório...As sedes das reuniões mesmo eram a casa do Burjato, a casa do Rodolfo, a casa do Reinaldo, e a sede maior sempre foi a casa do velho Menck . Ah, e a casa do Negreli. Estes eram, então, os locais de aglutinação do pessoal. 192 PERGUNTA - E os alunos? RESPOSTA - Bom, aí eu vou chegar lá...Bem, na época, permita-me dizer isso, eu já exercia uma forte liderança no meio estudantil, a ponto tal que eu fui conduzido a presidência do grêmio. PERGUNTA - Em que ano você foi presidente do grêmio? Você se lembra? RESPOSTA - Eu acho que foi em 57. É, 57, quando eclodiu o movimento; então, eu que vim duma cidade do interior, que na época reunia em seu contexto aproximadamente 35 mil habitantes, hoje a população mais que dobrou, mas uma cidade com receita pequena, toda urbanizada, jardinada, toda calçada; cheguei em Osasco, e a primeira impressão que eu tive foi de um impacto altamente negativo, eu não me envergonho de dizer, porque era jovenzinho, eu chegava a chorar de tristeza, vendo uma cidade, um distrito, que amassava o barro quando chovia, comia uma poeira danada na estiagem; esgoto a céu aberto no centro da cidade e todas as suas travessas, e aquilo me doía muito. Então, realmente dava muita tristeza verificar aquela situação do Distrito e nós sabíamos perfeitamente que Osasco, uma cidade tipicamente industrial captava grandes recursos para a prefeitura de São Paulo e o retorno era mínimo, mínimo. E sorte que, eu não posso precisar agora quem é que foi o...vamos dizer assim, o meu padrinho, a pessoa que teria me convidado para participar do movimento autonomista, eu não sei se foi o... PERGUNTA - Isso como presidente do grêmio, na condição, quer dizer, já como representante dos estudantes? RESPOSTA - Como presidente do grêmio. Eu não posso precisar se teria sido Walter Negreli, se teria sido Reinaldo, mas eu me lembro perfeitamente que quando me convidaram eu, de pronto, me propus a movimentar a classe estudantil em torno do movimento autonomista. E passamos, então, a participar das reuniões, o grupo foi crescendo. PERGUNTA - E essas reuniões se davam dentro da escola? 193 RESPOSTA - Também, mas mais nas residências de Burjato, Negreli. Mesmo porque os filhos deles participaram. PERGUNTA - E esses filhos, eles também eram alunos? RESPOSTA - Também eram alunos, evidentemente. No início, a verdade é que formou-se, em torno da autonomia, um movimento, eu não vou dizer elitizado porque na época poucos tinham essa condição de ser elitizado, mas vamos dizer assim, uma classe média. PERGUNTA - Uma classe que tinha um certo poder político em Osasco. RESPOSTA - É, no início foi assim, mas aí começou-se a recrutar pessoas, tudo a ponto tal que o movimento cresceu tanto que eu nunca deixei de afirmar: a participação da juventude estudantil na vitória da emancipação foi muito significativa e nós tivemos o condão de termos atrás de nós, como conselheiros, Emír Macedo Nogueira, Helena Pignatari, que realmente deram aquele embalo para a juventude e, eu fiquei muito feliz na época, veja bem eu não quero personalizar nada, estou apenas traduzindo a realidade. PERGUNTA - A Helena Pignatari, por exemplo, que eu já entrevistei, ela era a única professora de Osasco. RESPOSTA - Ela era a única de Osasco, era a única. PERGUNTA - Certo, ela era militante do movimento autonomista... RESPOSTA - Não, ela não era a única de Osasco não hein, tinha o Alcir Pornciúncula Sonia: Mas o Alcir veio de fora e passou a morar em Osasco no momento em que ele assumiu as aulas. Port: Perfeito. Sonia: Ele não é uma pessoa nascida em Osasco, por exemplo, essa é a diferença. Ele veio morar em Osasco no momento em que ele assumiu a condição de professor em Osasco. Port: Bom, a grande realidade é a seguinte: é que na época, se nós fizermos uma análise fria, osasquences natos, na juventude eram poucos, eram poucos. A maioria veio de outros lugares e escolheu Osasco para radicar a família. 194 Então, a participação realmente foi muito importante porque o movimento cresceu, nós começamos a organizar passeatas pela cidade com cartazes, cartolina, tudo que nós fazíamos ou na casa do Negreli, ou na casa do Burjato, ou lá no velho Menck, ou no Reinaldo né. Pra você ter uma idéia, na época, por exemplo Antiório estava começando, era um menino, estava fazendo o ginásio, era um moleque. PERGUNTA - O Pingüim? RESPOSTA - O Pingüim, mas na época estava lá os filhos do Burjato, o Vitor, o Edmundo, os filhos do Negreli, o Nicola. Ah, nós tínhamos os filhos do Reinaldo, do Buzone. Nós tínhamos os netos do velho Menck, o Márcio. O movimento começou a crescer e tomou conta do CEART. Tomou conta do meio da juventude e aí nós procuramos buscar apoio com o Caxias, logo veio uma turma do Caxias participar do movimento e realmente ganhou força. Ganhou força a ponto tal que os estudantes, eu não sei se eu posso chegar aí já, na época da emancipação propriamente dita... Sonia: Pode, pode sim... Port: Os estudantes, além de organizar essas passeatas, chegaram a fechar o comércio. PERGUNTA - Isso na luta para reconhecimento? RESPOSTA - Quando a eleição foi suspensa. PERGUNTA - Ah, a eleição já para prefeito? RESPOSTA - Não, primeiro nós tivemos o plebiscito, o plebiscito foi questionado. PERGUNTA - Então, o plebiscito se deu dentro da escola? RESPOSTA - Exato. PERGUNTA - Ele aconteceu no prédio do Bittencourt? RESPOSTA - Não, não só lá. Nós tivemos votação no Floresta, tivemos votação no GEPA.Nós tivemos em vários locais e como, ah esse é um lado 195 pitoresco também, e como os autonomistas já tiveram uma lição em 53, que muitos disseram que a eleição foi muito fraudada etc, os autonomistas tiveram, desta feita, o cuidado de tomar conta das mesas. Aliás, eu vou contar uma passagem, todos nós sabemos, isso não é segredo nenhum. Todos nós sabemos que se não fosse realmente, se não tivesse fraude em 58, também a emancipação seria muito difícil de ser conseguida porque os argumentos da época eram muito fortes contra a emancipação, argumentos ridículos, por exemplo, na época nós tínhamos o papa-fila. O pessoal dizia: não, se ganhar, a prefeitura de São Paulo tira o papa-fila; o imposto vai ficar mais caro, o pessoal do cartório trabalhando à beça nisso. Os Coutinho, pessoal do cartório, o Lacides Prado, a Íris, então eles...ah, como é que chamava aquela senhora, Maria Genta. Nossa senhora essa era uma praga. No bom sentido eu estou dizendo...Então esse pessoal realmente mobilizava. Osasco era pequeno, tanto é verdade que o nosso primeiro prefeito foi eleito com dez mil votos, quer dizer, Osasco era muito pequeno e esse pessoal normalmente controlava bem com essa argumentação de imposto, da condução e isso realmente atrapalhava muito a nossa luta mas, em 58, quando por ocasião da realização do plebiscito, como eu dizia, nós tomamos o cuidado de tomar conta das mesas. Aliás, eu vou contar outra história muito interessante, eu fui secretário de mesa e o presidente da mesa que eu estava era meu diretor do grêmio, tinha sido meu diretor do grêmio, o nome dele era Severino, era um nortista, já na época já tinha vindo uma grande migração de nortistas para Osasco e ele era o presidente e eu era o secretário, eu era o presidente do grêmio e ele era o meu subordinado, lá era o presidente e eu era o secretário e nós ficamos no hall de entrada do GEPA, que era local de votação e situado à nossa frente, não saía daquele posto como se fosse um guarda, estava uma pessoa que na época eu não conhecia e que depois se tornou um grande amigo, era Antonio Salve, advogado. E nós tínhamos uma missão realmente de fraudar e o Antonio Salve não tirava o olho da nossa mesa até 2 horas da tarde. Imagina, a eleição começou acho que as 8 ou 9 horas eu não me lembro, e eu tava desesperado porque nós tínhamos que fazer maracutaia e num tinha como. Quando chegou lá pelas tantas eu falei pro Severino, deixa eu conversar com esse rapaz aí. 196 Peguei e falei, cheguei nele e falei: Poxa você está parado todo esse tempo aí...Vamos, vamos até a padaria, vamos tomar um café. Aí fomos tomar o café, no bate papo com ele eu falei, escuta me diz uma coisa, permita-me fazer essa pergunta, eu estou vendo você aí parado esse tempo todo, num abre mão, você é fiscal, qualquer coisa? Ele vira pra mim e diz o seguinte, olha eu estou aqui para fiscalizar sim, sabe por que? Porque em 53 nós fomos roubados na eleição e nós precisamos ganhar agora. Eu falei, seu cretino, faz 5 horas que nós não fazemos nada por tua causa. Bom, aí não precisa dizer mais nada porque o que tinha que ser feito foi feito. E felizmente, pra todos nós, realmente houve a fraude na eleição, todo mundo do plebiscito, todo mundo sabe disso, mas eu acho que foi uma fraude no bom sentido, se podemos dizer assim. PERGUNTA - Se é que fraude pode ser boa, essa foi? RESPOSTA - Esta foi porque, realmente, nos dias de hoje a gente vê a transformação que sofreu a cidade e basta fazer uma comparação, por exemplo, com São Miguel Paulista que tentou várias vezes e não conseguiu se emancipar. Veja a diferença hoje de Osasco para São Miguel, Guaianazes, etc. A diferença é muito grande. Então, eu acho que foi um mal menor, um mal necessário e pelo qual nós corremos todos os riscos, porque depois deu inquéritos, tivemos que prestar depoimentos, mas felizmente acabou terminando em pizza. PERGUNTA - Mas na prática vocês faziam passeata, vocês faziam reuniões? RESPOSTA - Fazíamos passeatas. Vou contar outra história muito interessante: quando suspenderam as eleições, a véspera da eleição, o prefeito de São Paulo da época era o falecido Prestes Maia; quando os estudantes souberam que a mulher dele, dona Maria Maia, veio a Osasco na casa da Maria Genta comemorar, foi uma noite inteira de estudante procurando onde estava o carro dessa mulher porque eles queriam fazer represálias contra a primeira dama de São Paulo. 197 E outro fato muito importante, quando houve esta suspensão das eleições, nós estudantes, liderados por nós, na época participou também o falecido Zequinha...O Zé Barros de Silva. PERGUNTA - O Zequinha que era repórter? RESPOSTA - Isso, isso...e participou junto com o Orlando Calazans que veio colaborar... Nós nos posicionamos de frente a antigo Senadinho, que era uma padaria, ali na João Batista em frente ao cine Glamour, do Portela. Nós nos posicionamos ali e nós recolhemos, naquela época, aproximadamente dois mil títulos de eleitor em protesto. Nós íamos queimar esses títulos no Largo de Osasco. E eu não tenho a menor dúvida de afirmar que após a suspensão das eleições, as vésperas do pleito, foi na véspera do pleito, porque a eleição seria no domingo, e no sábado à noite eu tinha ido a uma sessão de cinema no cine Estoril, quando eu saí o que estava acontecendo: rodinhas aqui e no antigo bar Bandeirante e todos comentando: “Oh acabou a eleição; não tem eleição”. Este fato realmente ajudou a incrementar o sentimento autonomista. PERGUNTA - Quer dizer, a dificuldade passou a ser algo que valorizava a luta. RESPOSTA - Exatamente, e aí o movimento cresceu muito. E tem uma certa explicação. Você sabe, tem uma eleição, várias famílias lançam candidatos. Bom, já que vai ter, muitas famílias que eram inclusive contra a autonomia, mas lançam candidato e com a suspensão às vésperas, aquilo provocou um ódio tão grande que todo o movimento cresceu e muito. E aí, se tivesse qualquer plebiscito lícito nós ganharíamos fácil, fácil. E com isso cresceu o movimento e aí foram praticamente o que, a eleição foi em 62, foram aí uns três anos de batalha. PERGUNTA - De 58 a 62, quatro anos. RESPOSTA - Não, a eleição foi em fevereiro de 62. Então, foram três anos. Nesses três anos os estudantes continuaram a participar. Nós fomos, fizemos, participamos das caravanas a Assembléia, da passeata em São Paulo; nós 198 fizemos movimento na cidade novamente, aí que entrou o fechamento do comércio e aquele negócio todo. PERGUNTA - E esse enterro do não, quem foi que fez? Esse, de carregar caixão? RESPOSTA - Os estudantes participaram também. PERGUNTA - Participaram, mas foi todo o movimento? RESPOSTA - Foi todo o movimento, mas com a participação dos estudantes... Fizemos caixão, né?! PERGUNTA - Muitos estudantes já saíram candidatos em 62? RESPOSTA - Não, que eu me lembre, por exemplo, no CEART, nós tínhamos uma pessoa que queria ser candidata de qualquer maneira, mas acabou saindo isolado porque o grupo, o grosso do movimento... Olhe, a minha influência naquela época, eu não gosto de falar isso porque parece personalismo, mas é a realidade e eu tenho que falar. Como eu não tinha condição de fazer um cursinho, eu terminei o científico em 58, exatamente na época do plebiscito. Na época, o diretor do CEART chamava-se Nilo Machado, Nilo, não não é Machado, Nilo não sei das quantas era o nome dele. Professor Nilo. Bom, vamos dizer professor Nilo, esse era o diretor. E eu como tinha muita dificuldade e na época eu queria fazer Engenharia, que não tinha nada a ver com o meu dom, no fim eu fui fazer advocacia mesmo que era ramo político né?!. E eu fui procurar o professor Nilo e fiz um pedido, e o meu prestígio era tão grande na escola que pra você ter uma idéia, que os próximos quatro presidentes do grêmio do CEART, depois que eu saí de lá foram indicados por mim. PERGUNTA - Quer dizer, você estava fora da escola... RESPOSTA - Não, eu não estava fora...Agora, eu vou explicar o porquê. Eu fui conversar com o professor Nilo e disse pra ele: “Professor, eu não tenho condições de fazer um cursinho, e na época o grande cursinho que todo mundo 199 queria era o Anglo Latino, lá na rua Tamandaré, e como eu não tenho condição, então eu vim aqui pedir pro senhor o seguinte, que o senhor me permita fazer, assistir aula como ouvinte”. Ele falou como assim e eu disse ah, eu faço o meu horário, eu quero fazer Matemática, Física e Química. PERGUNTA - Assistir as aulas do científico de novo? RESPOSTA - De novo; fazer uma espécie de reciclagem. E ele concordou. Então eu fiz o meu horário, então aconteceram coisas interessantes, assim como eu pegar aula de Matemática no 1o, na primeira aula e, depois, ir na segunda aula no 2o e também em Física e Química. E isso me possibilitou ter uma participação ativa na política da época no colégio. Foram quatro: Irizon, Verter Baster, Alexandre e Rômulo Fazanaro PERGUNTA - Esses são os presidentes do grêmio? RESPOSTA - Esses foram os presidentes após a minha saída. PERGUNTA - Em 57, era você e em 58? RESPOSTA - houve outra eleição e o que aconteceu foi que eu comecei a apoiar candidatos. Olha, agora não me pergunte a ordem porque eu não sei. Nós elegemos, por nosso apoio, os quatro próximos presidentes de grêmio após a minha saída do cargo. O que demonstrava, inequivocamente, a força que a gente tinha no colégio. E aí veio a outra parte, os estudantes, com a fixação das eleições, houveram por bem de escolher um candidato para representar a categoria, a classe... E não precisa dizer mais nada, que o nome natural que fluiu foi o meu... PERGUNTA - Você foi candidato em 66? RESPOSTA - Não, em 62, na primeira candidatura e neste fato a participação dos estudantes foi muito grande, tanto é verdade que eu vou te contar outra história pitoresca; duas pessoas, já falecidas, eram candidatos... A nossa campanha, para você ter uma idéia, eu costumava dizer, na época, que estudante você pegava pelo pé e virava de cabeça para baixo e não caia um 200 centavo, todos estavam absolutamente duros. Então, a questão era como fazer uma campanha, eu era um homem com pouquíssimos recursos, então como fazer? Aí começou um movimento com coisas de casa, tudo fantástico e começavam as sugestões, então vamos pegar papel de açougue, vamos recolher nos açougues tudo e a gente carimba o número e vamos jogar por aí. E foi grande parte da campanha assim. É evidente que eu ganhei algumas ajudas de algumas pessoas, inclusive dos próprios autonomistas, eu fui pedir e eles fizeram alguns santinhos, aquela história toda, mas no restante não tínhamos material suficiente. Bom, no dia da apuração das eleições – esse fato também é pitoresco – eu não tinha condições para ir, a primeira apuração foi feita no ginásio do Pacaembu. E como em 1960, quando era para ser a eleição e não foi, eu estava apoiando um candidato, que eu era namorado duma parente dele, que era o Machado; eu pedi ao Machado, em 62, que me desse uma carona pra me levar até o ginásio porque eu queria acompanhar a apuração. E no carro foram três pessoas; sentado à frente o Machado, dirigindo o carro, ao lado dele o falecido Zé Moreira Leite e o Gilberto Port quietinho no banco de trás, caronista né?! Aí os dois foram conversando durante o trajeto, aí vira um e fala assim: não porque eu fui chefe da estação, os ferroviários me ajudaram muito e eu tenho certeza absoluta que eu vou ser eleito e papapá. E eu ouvindo a conversa. Aí o outro disse assim: não, mas eu também investi muito na campanha, você sabe a família minha é muito grande, trabalhamos muito, eu também acho que dá pra chegar lá. De repente, como que se por um toque de mágica os dois viraram pra mim, acho que perceberam que eu tava quietinho ali atrás, não me lembro qual deles que virou e afirmou: você é muito menino ainda, a sua vez vai chegar, você está começando agora e tem força aí no meio da meninada, então a sua vez vai chegar...Eu falei é, realmente, eu tive um apoio muito difícil, eu não tinha dinheiro. Veio a apuração, o duro foi a volta, viu Sônia, porque nenhum dos dois se elegeu e eu fui o quarto mais votado da cidade... 201 PERGUNTA - Como era o relacionamento entre alunos e professores? E de que maneira isso interferiu na trajetória de todos os alunos, inclusive na sua? RESPOSTA - Eu, com toda franqueza, eu era o líder do movimento e tudo isso pode ser comprovado com todos os autonomistas... E eu trocava muito idéias, não vou dizer com todos os professores, de uma forma geral, porque a maioria não tinha vinculo com Osasco, só vinha aqui para dar aula, mas aqueles que realmente absorveram a causa eu sempre destaco, que foram os meus padrinhos de casamento, a Helena Pignatari e o Emir. Eu trocava muito idéias com eles e eles, durante as aulas, comentavam da necessidade do movimento ser vitorioso. PERGUNTA - O Emir também? RESPOSTA - O Emir também. Quantas vezes eu fui ao Caxingui na previdência onde moravam o seu Emir e a D. Tereza, meus padrinhos, pra trocar idéias com eles, pra pedir orientações, conselhos e realmente, eu achei a participação deles fundamental. PERGUNTA - E esse relacionamento com os professores era geral, ocorria com todos os alunos? RESPOSTA - Sim, sim, tanto é verdade que o Emir foi padrinho de um monte de pessoas. Ele era um ídolo pros estudantes, só tinha um defeito... era mentiroso... PERGUNTA - Me diz uma coisa, na época, pelo que eu tenho pesquisado sobre a escola, havia muitas atividades no final de semana, sábado e domingo, essas atividades era o grêmio quem preparava normalmente? RESPOSTA - Perfeitamente. Ah, veja bem, você sabe talvez porque eu ganhei toda uma projeção dentro do colégio, porque não é fácil, é aquilo que eu lhe falei, fazer quatro sucessões depois que eu saí. Mas, é porque o grêmio tinha uma atividade muito grande, realizava excursões, campeonatos internos e nós eramos freqüentadores assíduos de excursões ao Morro Grande...Nós íamos 202 com o grêmio, nós fizemos excursão para Santos, Sorocaba; jogos, enfim havia uma participação muito grande da classe. PERGUNTA - E dentro da escola, no sábado e domingo, o que vocês faziam? RESPOSTA - Campeonatos internos. PERGUNTA - Havia teatro, havia filme? RESPOSTA - Havia, havia sim, participação em teatro. PERGUNTA -: O Dudu escrevia muita peça de teatro? RESPOSTA - É o Dudu. PERGUNTA - O Bira também escreveu peça de teatro? RESPOSTA - O Bira também. PERGUNTA - No sábado e domingo havia uma atividade constante na escola. Quem cuidava da escola? Port Quem cuidava como? Sonia: Quem abria a escola, quem ficava com os alunos? RESPOSTA - Ah, agora nós vamos chegar lá. Eu não posso deixar nunca de mencionar algumas figuras fantásticas: Dona Ana Gaban, ah uma figura folclórica que sofreu muito com os estudantes que era o Manuel Compostura. Sofreu muito, como nós judiávamos daquele senhor, meu Deus do céu!! Você sabe que quando a gente não queria ter aula a gente parava o colégio né?! Nós tínhamos um fusível que colocava no relógio ali perto do palco e pufti!! Estourava tudo, ficava sem luz no colégio... Terrível né?! Eu vou lhe contar outra história muito interessante da época; geralmente, os causadores de tudo era o pessoal do 3o científico, eram os donos da escola. Toda vez que se chegava no 3o científico, era algo como: “nós somos os donos”... Aquele pátio interno ficava talhado de bicicletas, só que as bicicletas chegavam a ficar de quatro em quatro; uma atrás da outra. Geralmente, o 3o científico matava a 203 última aula e sabe o que fazia, mudava todas as posições das bicicletas... Chegavam a pendurar bicicletas nas árvores, não precisa dizer mais nada né?! Sonia: Adolescente é adolescente em qualquer época. Port: Ah, em qualquer época. Mas então, a atividade no colégio era muito grande. PERGUNTA - Mas quem cuidava do colégio? RESPOSTA - Quem cuidava? Nós tínhamos quem morava lá, que era, agora deixa ver se eu me lembro... PERGUNTA - Morava dentro da escola? RESPOSTA - Morava ali ao lado. Tem a quadra de esportes; no fundo da quadra, lá tinha a casa do zelador, que na época era dona Alice, falecida já, e o seu Nenê. PERGUNTA - E eles abriam e ficavam? RESPOSTA - Abriam a escola, evidentemente, e nós, o grêmio, eramos responsáveis por todas as atividades. Mas eles abriam a escola, quer dizer, tinha acesso fácil porque eles também moravam lá. PERGUNTA - Vamos entrar um pouco mais na questão da escola, você acha que o ginásio e o científico lhe possibilitaram aquilo que você esperava? RESPOSTA - Sim, sem sombra de dúvida. Primeiro porque eu acho que nós não ficavamos a dever nada às melhores escolas públicas do país. Nós tínhamos um corpo docente de alta qualidade, que colaborou e muito com essa juventude. Então, sem sombra de dúvida essa qualidade no ensino, daquela época, não ficava devendo nada as melhores escolas do país. Tanto é verdade que muitos alunos conseguiram até ir para uma faculdade sem necessidade de cursinho, pelo alto nível de ensino. PERGUNTA - Você fez Direito? RESPOSTA - Eu fiz Direito. 204 PERGUNTA - Onde você fez? RESPOSTA - Mackenzie. Mas eu fiz depois que me elegi vereador, tanto é que quando eu terminei o curso eu já estava casado. E outras particularidades que eu ia lhe dizer também sobre o movimento estudantil, e cá entre nós, que eu tive participação nisso, é que a primeira vez que houve na Câmara de Vereadores um grupo cuja maior preocupação era com a fixação de subsídios e eu não concordei com a hipótese e levei pros estudantes, menina, fizeram um movimento na porta da Câmara, que se via vereador saindo pra tudo quanto era lado. PERGUNTA - Que foi aquela coisa do aumento de salário dos vereadores? RESPOSTA - Foi um negócio violentíssimo... Sonia: E que os vereadores voltaram atrás? Port: Ah, sim, foi mantido um salário razoável para a época, porque inclusive, eu não sei bem se foi bem do aumento, ou já da fixação viu, porque o município estava se instalando, estava emprestando imóveis né?! Parece que foi mais da fixação... PERGUNTA - Me dá mais algumas informações: vocês tinham livro didático? Quais eram os textos que vocês trabalhavam em sala? Você se lembra ou não? RESPOSTA - Não, isso aí eu não lembro não ... PERGUNTA - A biblioteca tinha muitos livros? RESPOSTA - Tinha. PERGUNTA - Vocês tinham o hábito de ir a biblioteca retirar esses livros, ler? Havia os livros que se precisava para estudar na biblioteca, ou não? RESPOSTA - Isso eu não me lembro... PERGUNTA - As aulas, como eram as aulas, o cotidiano das aulas em si? Com os professores, os alunos, havia interesse, não havia? RESPOSTA - Ah, não há dúvida. 205 PERGUNTA - Os alunos vinham cansados, eram alunos do noturno, alunos que trabalhavam? RESPOSTA - Sim, mas mesmo assim havia um interesse muito grande, mesmo porque as aulas, como eu disse, eram de alto nível. E quem não se interessava estava frito, porque o curso era difícil. É, estudar no CENEART não era mole não. Ou levava a sério, ou ficava no caminho. Eu fiquei, eu fiquei no 1o científico... Deixa eu me lembrar essa passagem: por meio ponto, eu fui pedir pro professor, até hoje eu me lembro, tem um falecido padrinho meu que era meu colega de escola, ele passou e eu fiquei; e ele presenciou uma conversa minha com o professor de Geografia, durante dois anos ele ficou tirando sarro da minha cara por causa disso. PERGUNTA - Porque você ficou por meio ponto? RESPOSTA - Por meio ponto e eu pedindo pro professor assim: “Pô professor, por meio ponto eu não passo”... Ele vira para mim e diz “E daí, Geografia é uma matéria como outra qualquer, por meio ponto você não passa não.” PERGUNTA - Me diz, no período em que você esteve à frente do grêmio, a fanfarra já existia? RESPOSTA - Já... PERGUNTA - Sempre existiu? RESPOSTA - Sempre existiu. A fanfarra inclusive era a menina dos olhos e era uma excelente fanfarra com participação ativa na vida da cidade. Inclusive, nós homenageamos a fanfarra dando o nome de um jovem que fazia parte do grêmio também, falecido, o Laerte Rizarde. PERGUNTA - Quem mantinha essa fanfarra? Essa fanfarra era ligada ao grêmio, era ligada a direção da escola? RESPOSTA - Não; eu acho que era ligada ao grêmio. PERGUNTA - E essa coisa de uniforme, instrumento? 206 RESPOSTA - Ah, isso eu não me lembro de como nós adquiríamos. Se foi patrocínio, sinceramente eu não me lembro. Isso aí seria bom você ouvir, se você tiver oportunidade, com relação a fanfarra, o Hélio Bohovski. O Hélio foi da fanfarra, então ele conhece muito melhor do que eu esses meandros aí da fanfarra. PERGUNTA - Me fala um pouco da relação da escola com a vida social da cidade, do bairro no caso, os bailinhos, o cinema, os namoricos... Agora é hora da fofoca, é a hora do social... RESPOSTA - É, como eu disse, a escola começou a sofrer um processo de miscigenação, então nós tínhamos lá os filhos dos operários paupérrimos e tínhamos também uma certa castazinha dominante de Osasco. E nesta castazinha dominante de Osasco foram formados dois clubes onde os estudantes se reuniam em bailinhos, um deles chamava-se Saci e era originário da equipe dos Negreli, dos Burjato, dos Barros e o outro era o Paulistinha. O Paulistinha sobreviveu e até hoje, de vez em quando, eles fazem bailes de reencontro. PERGUNTA - E esses clubes tinham sede ou não? RESPOSTA - Não, eles faziam nas casas, nas residências. Então, eram dois clubezinhos, vamos dizer assim, que mobilizavam, na parte social, os jovens daquela época. PERGUNTA - E os operários iam, os alunos? RESPOSTA - Iam, iam sim, alguns né?! Não tinha uma participação, como eu disse para você, era meio fechadinho, mas na época o grande atrativo de onde se reunia a maioria dos estudantes era o Floresta. PERGUNTA - E instituições como o Rotary, o Lions? RESPOSTA - Não, não me lembro. PERGUNTA - Havia alunos de faixas etárias bem diferentes... 207 RESPOSTA - Sim, sim. PERGUNTA - E também por causa do exame de admissão, é isso? RESPOSTA - E também, eu acho, que pela novidade viu, pela novidade porque muitos que não tiveram oportunidade de estudar, com o advento da escola publica, do CEART, então começou a haver maior procura. Nós tivemos lá Armando Matias Braza, veterano, Ângelo Treti, que eu acabei de falar, falecido, que era o dono dos Esportes São José, e tantos outros já, vamos dizer assim, coroas, que estudaram nessa época lá no CEART. Então, houve realmente uma participação de pessoas de mais idade. PERGUNTA - Você esteve mesmo nessa escola no primeiro momento, na primeira década, de 53 a 58, que é um período um pouco difícil da gente encontrar pessoas que tenham vivido presentemente isso... RESPOSTA - O Barbosa Coelho estudou nessa época e poderia te dar subsídios também... O Barbosa, deixa eu ver quem mais; o Ângelo faleceu, você conhece o Armando Matias Brás, advogado? Sonia: Não. PERGUNTA - Tem alguma coisa que você gostaria de completar, mais alguma informação? RESPOSTA - Bom, eu só queria completar da seguinte maneira, com a minha eleição eu tinha um compromisso com os estudantes e naquela época, eu sempre costumo dizer que eu não me conformo até hoje, é você pegar a Constituição Brasileira e ver o seguinte, que os poderes públicos são harmônicos, constituídos do Legislativo, do Judiciário e do Executivo. Eu acho isso hoje uma grande balela, porque muitas vezes há muita atenção ao poder Legislativo que passou a ser o vilão de tudo, vamos dizer assim, mas acontece que o poder Legislativo hoje está com a atividade muito restrita porque ao legislador não é dada condições de apresentar projetos que aumente a despesa ou diminua a receita, então, passou a ser um poder dependente do 208 Executivo; é isso que eu quero dizer, só que na minha época, no meu primeiro mandato, nós ainda podíamos legislar. PERGUNTA - Tanto porque Osasco estava para ser construído administrativamente. RESPOSTA - Mas naquela época então era dada a condição. Assim, para você ter uma idéia, todos os grêmios tiveram subvenções. PERGUNTA - A subvenção vinha através da prefeitura, estado? RESPOSTA - Através de projeto de lei nosso, na Câmara. CENEART teve, Caxias teve. Aí entra talvez aquilo que você me perguntou e eu não lembro bem; recursos até para fanfarra, vinha tudo através da subvenção do município. Segundo, um dos grandes benefícios que nós pudemos dar a classe estudantil foi que nós criamos as bolsas de estudo do município, que sem sombra de dúvida beneficiou muitos. PERGUNTA - Essa bolsa de estudos fazia o quê, ela dava material? RESPOSTA - Não; recebia em cheque, para escola, era para pagar a escola. PERGUNTA - Ah, para Universidade? RESPOSTA - Universidade e escolas particulares também. Muitos estudavam em escolas particulares ainda né?! Então foram criadas as bolsas de estudo que atenderam a uma leva muito grande de estudantes. E uma das coisas que eu mais lamento até hoje foi que nós fizemos a lei que criou a Casa do Estudante, que na época poderia parecer sem sentido, mas nós estavamos pensando no futuro. Você imagina hoje Osasco, muita gente vêm estudar e trabalhar aqui, mas não mora nessa cidade, assim, poderia estar desfrutando da Casa dos Estudantes, até por razões econômicas. Qual o objetivo da Casa dos Estudantes? Alojamento, biblioteca. E foi dado o terreno onde hoje está construído o Barateiro - em frente ao Floresta. Era o antigo terreno... Nós conseguimos, até tinha uma parte do 209 terreno que era do município, foi lançado até pedra fundamental e tudo, e depois acabaram desativando e dando outra destinação. Então, são feitos assim que eu acho que colaboraram muito na época, somente a bolsa de estudo, por exemplo, eu achei que ajudou muito... 210 Anexo 6 LIVROS DO ARQUIVO MORTO DO CENEART ANOS 1950/1960 No. Nome Extensão Marechal Bittencourt - 247 assinaturas Inventário do material do colégio Termo de compromisso Atas dos exames de admissão Cópias de títulos de nomeação – administrativo Atas das reuniões pedagógicas Registro de inscrições em concurso de remoção de professores Termos de visitas de autoridades escolares Ata de resultados finais Alunos candidatos à transferência para a escola – vindos de outros estabelecimentos Atividades extra-curriculares Ata dos exames de 2a. época Ata dos exames especiais Livro de notas Livro de notas Inventário de material Exames orais Registro de títulos e portarias – administrativo Exames orais Ocorrência dos alunos Inventário Exames orais Exames de 2a. época Inventário do material do colégio Controle de certificados – ginásio Controle de certificados científico Controle de certificados – exame de admissão Provas orais Termo de compromisso de funcionários e professores Exames de 2a. época Exames orais Exames de adaptação Termos de visitas – autoridades estaduais Exames de 2a. época Matriculas 2as séries Matriculas 3as. Séries – manhã Atas dos resultados finais (por classe) Inicio Final 1951 1952 1953 1953 1953 1953 1953 1953 1954 1956 1955 1954 1954 1954 1955 1955 1955 1955 1956 1956 1956 1957 1957 1957 1957 1958 1958 1958 1959 1959 1959 1960 1961 1961 1962 1963 1963 1963 1956 1975 1976 1973 1959 1963 1966 1957 1975 1956 1963 1957 1958 1958 1958 1959 1964 1961 1961 1961 1960 1968 1962 1961 1961 1967 1963 1966 1964 211 Curso primário anexo – matriculas Exames de admissão Matriculas 2as séries Matriculas 1a. série Solenidades – visitantes exposições Matriculas – manhã Matriculas – 2as. Séries manhã Curso primário anexo – matriculas Autorização para lecionar no curso Normal Controle de entrega de notas e faltas bimestrais pelo prof Curso primário anexo – matrículas Curso primário – anexo Conselhos de classe Conselhos de classe – noturno Matriculas do Normal Curso primário anexo 0- atas da caixa escolar Notas finais do curso normal Órgão de Cooperação escolar – entrega de material para os alunos Conselhos de classe – manhã Conselhos de classe Notas finais do curso normal Candidatos à transferências para o estabelecimento Conselho de classe Curso primário anexo – Atas da APM Chamada dos alunos do curso primário Curo primário anexo Matriculas secundário Matriculas científico Solenidades do colégio Curso prima’rio anexo – matriculas Matriculas normal Inscrições – exames de admissão Atas de reuniões de pais e profs e estatuto do Banco Escolar Notas finais do curso normal Curso Primário anexo – notas matrícula Matriculas ginásio Curso primário anexo – matriculas Protocolo 1963 1964 1964 1964 1964 1965 1965 1965 1965 1965 1965 1965 1965 1965 1965 1965 1966 1966 1966 1966 1966 1966 1967 1967 1967 1968 1968 1968 1968 1968 1968 1968 1968 1969 1969 1969 1969 1969 1969 1968 1965 1964 1980 1969 1967 1966 1965 1967 1969 1969 1966 1966 1968 1967 1969 1967 1966 1966 1967 1969 1968 1971 1969 1971 1969 1968 1971 1971 1969 1971 1968 1970 1975 1971 1969 1971 1977 212 Livros Grátis ( http://www.livrosgratis.com.br ) Milhares de Livros para Download: Baixar livros de Administração Baixar livros de Agronomia Baixar livros de Arquitetura Baixar livros de Artes Baixar livros de Astronomia Baixar livros de Biologia Geral Baixar livros de Ciência da Computação Baixar livros de Ciência da Informação Baixar livros de Ciência Política Baixar livros de Ciências da Saúde Baixar livros de Comunicação Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE Baixar livros de Defesa civil Baixar livros de Direito Baixar livros de Direitos humanos Baixar livros de Economia Baixar livros de Economia Doméstica Baixar livros de Educação Baixar livros de Educação - Trânsito Baixar livros de Educação Física Baixar livros de Engenharia Aeroespacial Baixar livros de Farmácia Baixar livros de Filosofia Baixar livros de Física Baixar livros de Geociências Baixar livros de Geografia Baixar livros de História Baixar livros de Línguas Baixar livros de Literatura Baixar livros de Literatura de Cordel Baixar livros de Literatura Infantil Baixar livros de Matemática Baixar livros de Medicina Baixar livros de Medicina Veterinária Baixar livros de Meio Ambiente Baixar livros de Meteorologia Baixar Monografias e TCC Baixar livros Multidisciplinar Baixar livros de Música Baixar livros de Psicologia Baixar livros de Química Baixar livros de Saúde Coletiva Baixar livros de Serviço Social Baixar livros de Sociologia Baixar livros de Teologia Baixar livros de Trabalho Baixar livros de Turismo