2009
Balanço preliminar das economias
da América Latina e do Caribe
Alicia Bárcena
Secretária-Executiva
Antonio Prado
Secretário-Executivo Adjunto
Osvaldo Kacef
Diretor da Divisão de Desenvolvimento Econômico
Susana Malchik
Oficial a cargo
Divisão de Documentos e Publicações
O Balanço preliminar das economias da América Latina e do Caribe é um documento anual da Divisão de Desenvolvimento
Econômico da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). A elaboração desta edição 2009 foi dirigida por
Osvaldo Kacef, Diretor da Divisão, e a coordenação geral esteve a cargo de Jürgen Weller.
Para a realização deste documento, a Divisão de Desenvolvimento Econômico contou com a colaboração da Divisão de
Estatística e Projeções Econômicas, das sedes sub-regionais da CEPAL no México e em Port of Spain e dos escritórios nacionais
da Comissão em Bogotá, Brasília, Buenos Aires, Montevidéu e Washington, D.C.
As análises regionais foram elaboradas pelos seguintes especialistas (por ordem de apresentação dos temas): Osvaldo
Kacef, que contou com o apoio de Rafael López Monti (introdução), Juan Pablo Jiménez (política fiscal), Rodrigo Cárcamo (política
cambial), Omar Bello (política monetária), Sandra Manuelito (atividade e investimento e preços internos), Jürgen Weller (emprego e
salários), Luis Felipe Jiménez e Sarah Mueller (setor externo). Na elaboração dos quadros inseridos participaram Claudio Aravena,
Andrea Podestá, Claudia Roethlisberger, assim como Ricardo Zapata, Sergio Saldaña, Myriam Urzúa e Asha Kambon.
As notas sobre os países baseiam-se nos relatórios realizados pelos seguintes especialistas: Dillon Alleyne (Guiana e
Jamaica), Omar Bello (Estado Plurinacional da Bolívia), Fernando Cantú (Equador), Rodrigo Cárcamo (República Bolivariana da
Venezuela), Stefan Edwards (Suriname), Álvaro Fuentes (Uruguai), Randolph Gilbert (Haiti), Michael Hendrickson (Bahamas e
Belize), Daniel Heymann e Adrián Ramos (Argentina), Luis Felipe Jiménez (Chile), Beverly Lugay (União Monetária do Caribe
Oriental), Roberto Machado (Trinidad e Tobago), Sandra Manuelito (Peru), Jorge Mattar e Indira Romero (México), Juan Carlos
Moreno (Panamá), Sarah Mueller (Paraguai), Carlos Mussi (Brasil), Ramón Padilla (Costa Rica e Nicarágua), Igor Paunovic (Cuba
e Honduras), Willard Phillips (Barbados), Juan Carlos Ramírez, Olga Lucía Acosta y María Alejandra Botiva (Colômbia), Juan
Carlos Rivas (Guatemala) e Francisco Villareal (El Salvador e República Dominicana). Claudia Roethlisberger coordenou as notas
dos países do Caribe; Claudio Aravena, Fernando Cantú e Sandra Manuelito realizaram as projeções econômicas e Alejandra
Acevedo, Vianka Aliaga, Leandro Cabello, Jazmín Chiu, Hans Fricke, Rafael López Monti e Karen Martínez colaboraram na
preparação da informação estatística e na apresentação gráfica.
3
ÍNDICE
Página
Resumo ..............................................................................................................................................
Capítulo I
Introdução ........................................................................................................................................
A. O contexto internacional....................................................................................................
B. Traços gerais da evolução recente das economias da América Latina e do Caribe...........
1. Os canais de transmissão da crise ...............................................................................
2. Os efeitos sociais da crise ...........................................................................................
C. A política macroeconômica ...............................................................................................
1. A política fiscal ...........................................................................................................
2. As políticas monetária e cambial ................................................................................
D. A recuperação das economias da América Latina e do Caribe no segundo
semestre de 2009 ...............................................................................................................
E. Perspectivas, riscos e desafios que a região enfrenta.........................................................
1. Evolução esperada das economias da América Latina e do Caribe em 2010 .............
2. Os riscos derivados do cenário externo.......................................................................
3. Os desafios além do curto prazo .................................................................................
5
7
9
14
15
20
23
23
25
28
32
32
35
37
Tabelas
Tabela I.1
Taxas de variação anual do crescimento mundial ................................................
13
América Latina e Caribe: taxa de crescimento, 2009 ...........................................
Índice dessazonalizado da produção industrial, por regiões.................................
Variação do volume do comércio (média do volume exportado e importado),
por regiões ............................................................................................................
Crescimento do PIB e dos componentes da demanda ..........................................
América Latina e Caribe: variação do PIB per capita, do saldo da conta
corrente e do resultado global...............................................................................
Variação das exportações de bens FOB, em valor e volume, 2009......................
América Latina e Caribe: variação interanual da chegada de turistas
internacionais, 2009..............................................................................................
América Latina e Caribe: variação interanual das receitas pelo conceito
de remessas de trabalhadores, séries dessazonalizadas ........................................
Brasil, Chile, Peru: evolução do crédito dos bancos privados..............................
América Latina (países selecionados): crédito do setor privado, 2008 ................
América Latina e Caribe: composição do total da oferta e da demanda...............
América Latina: salário nominal, inflação e salário real ......................................
7
10
Gráficos
Gráfico I.1
Gráfico I.2
Gráfico I.3
Gráfico I.4
Gráfico I.5
Gráfico I.6
Gráfico I.7
Gráfico I.8
Gráfico I.9
Gráfico I.10
Gráfico I.11
Gráfico I.12
11
11
14
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16
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19
20
22
4
Gráfico I.13
Gráfico I.14
Gráfico I.15
Gráfico I.16
Gráfico I.17
Gráfico I.18
Gráfico I.19
Gráfico I.20
Gráfico I.21
Gráfico I.22
Gráfico I.23
América Latina: receita total, despesa primária e resultado fiscal primário.........
América Latina (países selecionados): variação do gasto público, nove
meses de 2008-nove meses de 2009 .....................................................................
América Latina (países selecionados): crédito dos bancos públicos e
privados, variação de dezembro de 2008 a setembro de 2009..............................
América Latina (países selecionados): indicadores líderes ..................................
América Latina: evolução dos termos de troca.....................................................
Situação trabalhista dos latino-americanos nos Estados Unidos e Espanha.........
América Latina (países selecionados): taxas de desemprego mensal
dessazonalizado ....................................................................................................
Indicadores da bolsa de valores: Dow Jones e mercados emergentes ..................
América Latina e Caribe: taxa de crescimento, 2010 ...........................................
Taxas de juros interbancárias................................................................................
Crescimento do crédito bancário ao setor privado ...............................................
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37
Quadros
Quadro I.1
Quadro I.2
Quadro I.3
Medidas sociais na América Latina e no Caribe...................................................
Objetivos da política monetária na América Latina .............................................
Estimativa do PIB potencial .................................................................................
21
25
34
5
RESUMO
Após seis anos de crescimento estima-se para 2009 uma queda do PIB da América Latina e do Caribe de
1,8% e do PIB por habitante próxima a 2,9%. O impacto da crise internacional foi muito intenso no final
de 2008 e no início de 2009, e afetou todos os países da região. No segundo trimestre, iniciou-se uma
recuperação que se generalizou na segunda metade do ano.
A retração do crescimento influenciou negativamente a demanda por postos de trabalho e,
consequentemente, estima-se que a taxa de desemprego regional se incrementará na ordem de 8,3%,
juntamente com a deterioração da qualidade dos empregos gerados.
As repercussões nas economias da América Latina e do Caribe se manifestaram principalmente
através do setor real, atingindo negativamente os setores que haviam sido os principais motores do
crescimento regional. As exportações registraram uma forte queda, enquanto o menor nível de atividade
global e a diminuição do comércio tiveram impactos negativos sobre os preços dos produtos básicos e
sobre os termos de troca. Ao mesmo tempo, observou-se uma retração das remessas e uma diminuição da
atividade turística, principalmente no México, na América Central e no Caribe. Estima-se que o
investimento estrangeiro direto registrará uma queda de 37%.
Em alguns países observou-se também um impacto negativo sobre a atividade interna proveniente
da retração do crédito privado, que não pôde ser compensado pela maior atividade econômica dos bancos
do setor público.
Este acúmulo de fatores combinou-se com a deterioração das expectativas, o que impeliu a
diminuição do consumo privado e dos investimentos. Na verdade, o consumo público foi o único
componente da demanda que cresceu na primeira parte do ano, graças ao fato de que muitos países da
região implementaram políticas contracíclicas, que contribuíram para acelerar o processo de recuperação
no segundo semestre.
O incentivo fiscal foi um dos aspectos distintivos da evolução econômica de 2009. O saldo
primário passou de um nível positivo equivalente a 1,4% do PIB em 2008 a um déficit primário estimado
para o ano em 1% do PIB. As receitas públicas foram afetadas pela evolução do nível de atividade e dos
preços dos produtos básicos de exportação. Paralelamente, até o terceiro trimestre do ano, observou-se um
incremento significativo das despesas correntes e, em menor medida, das despesas de capital.
Os bancos centrais da região diminuíram as taxas de política monetária e adotaram medidas
orientadas a garantir a liquidez dos mercados financeiros. Em muitos casos, os bancos do setor público
formaram parte da estratégia anticíclica, para compensar o comportamento restritivo dos bancos privados.
Ao mesmo tempo, para defender a paridade cambial, e em consonância com o objetivo de sustentar os
níveis de liquidez, muitos bancos centrais investiram nos mercados de câmbio, o que em alguns casos
permitiu reconstituir as reservas internacionais.
Na segunda metade do ano, começaram a generalizar-se os sinais positivos nas economias da
região. A produção industrial e as exportações iniciaram sua recuperação, enquanto o aumento do nível de
atividade global e dos volumes de comércio internacional impulsionou a demanda de produtos básicos,
permitindo maiores preços e melhoras nos termos de troca.
6
O incentivo fiscal sobre a demanda interna, acompanhado pelos fatores assinalados anteriormente
e a gradativa normalização dos mercados financeiros, em muitos casos com o apoio dos bancos do setor
público, permitiu recuperar a atividade econômica e melhorar os indicadores do mercado de trabalho da
região. A estes elementos positivos se agregou o renovado acesso de alguns países ao crédito
internacional e a recuperação dos mercados bursáteis. Isto permitiu uma recomposição patrimonial do
setor privado e igualmente sustentan a normalização do crédito, o qual, juntamente com a melhora dos
indicadores do mercado de trabalho e a recuperação da confiança do setor privado, pode induzir um
aumento da demanda interna.
O crescimento projetado para 2010 é de 4,1% e espera-se que seja um pouco maior na América
do Sul do que no resto da região, dado o maior tamanho relativo dos mercados internos em alguns países
e a maior diversificação dos mercados de exportação, além da maior participação da China no comércio
de vários países. Entretanto, espera-se um crescimento mais lento em economias mais abertas e com uma
carteira de sócios comerciais menos diversificada e mais concentrada no comércio de manufaturas. Algo
similar pode-se dizer das economias do Caribe que, em alguns casos, atravessam uma complexa situação
financeira e cambial.
Por outra parte, resta ainda saber se as economias desenvolvidas poderão continuar sua dinâmica
à medida que se retirem os volumosos incentivos implementados nos Estados Unidos e Europa. Isto,
somado ao aumento do desemprego e ao ainda volátil mercado financeiro internacional, conduz a
questionamentos sobre a robustez da recuperação iniciada em 2009.
A saída da crise é mais rápida do que o esperado, em grande medida por blindagens que os países
da região construíram, graças a políticas macroeconômicas mais saudáveis. O renovado dinamismo de
alguns fatores que impulsionaram a demanda nos anos anteriores à crise, somado ao estímulo proveniente
das políticas públicas permite, num contexto de elevada capacidade ociosa, uma rápida recuperação.
Porém, como transformar esta recuperação num crescimento sustentado, que perdure além de 2010?
No curto prazo, frente à necessidade de combater a crise, os Estados da região responderam
segundo suas capacidades, evidenciando importantes diferenças. Contudo, o objetivo de retomar o
crescimento sustentado apresenta novos e mais complexos desafios. Portanto, a geração e a ampliação do
espaço de políticas, mediante o aumento dos recursos, a criação de instrumentos e o fortalecimento
institucional, em especial das instâncias de coordenação, são tarefas fundamentais para nossos países.
7
Capítulo I
INTRODUÇÃO
Após seis anos de crescimento econômico, estima-se que o PIB da América Latina e do Caribe
registrará uma queda de 1,8% em 2009, o que implica uma retração de cerca de 2,9% no PIB per capita.
O impacto da crise internacional foi sentido com muita intensidade no fim de 2008 e início de 2009, e
afetou de distintas maneiras a todos os países da Região. No segundo trimestre iniciou-se uma
recuperação que se generalizou no segundo semestre do ano. Ainda que a diminuição mais acentuada
do nível de atividade tenha sido registrada no México e em alguns países da América Central e do
Caribe, e que para a América do Sul estima-se, em geral, taxas de crescimento positivas, todos os
países registraram diferenças significativas entre as taxas de crescimento observadas entre 2004 e 2008,
e as correspondentes a 2009.
Gráfico I.1
AMÉRICA LATINA E CARIBE: TAXA DE CRESCIMENTO, 2009
(Em porcentagens)
Bolívia (Est. Plur. da)
3,5
República Dominicana
2,5
Panamá
2,5
Haiti
2,0
Uruguai
1,2
Cuba
1,0
Peru
0,8
Argentina
0,7
Brasil
0,3
América Central
0,3
Colômbia
0,3
América do Sul
0,1
Equador
-0,4
Guatemala
-1,0
Costa Rica
-1,2
Nicarágua
-1,5
Chile
-1,8
América Latina e Caribe
-1,8
Caribe
-2,1
Venezuela (Rep. Bol. da)
-2,3
El Salvador
-2,5
Honduras
-3,0
Paraguai
-3,5
-6,7
México
-7
-5
-3
-1
1
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base nas cifras oficiais.
3
8
Como era de se esperar, a desaceleração do crescimento econômico afetou negativamente a
demanda de emprego e estima-se que a taxa de desemprego regional atinja aproximadamente 8,3% e,
também, que haja uma deterioração na qualidade dos postos de trabalho gerados. Ao mesmo tempo,
registrou-se uma notável diminuição da taxa de inflação, que passou de 8,3% em 2008, a uma
percentagem estimada de 4,5% em 2009, em conseqüência da queda dos preços internacionais de alguns
produtos essenciais que fazem parte da “cesta básica” de consumo das famílias, da valorização da taxa de
câmbio e do impacto da diminuição do nível de atividade sobre a demanda.
A partir do segundo semestre de 2009, percebem-se sinais positivos que justificam uma mudança
paulatina nos diagnósticos econômicos e consolidam a hipótese de que o pior da crise já passou, mesmo
quando certo grau de volatilidade e nervosismo ainda persista nos mercados financeiros e a situação que a
economia mundial atravessa não esteja isenta de riscos1. Além do curto prazo surgem, no entanto, várias
questões acerca da possibilidade desta rápida recuperação se transformar em um processo de crescimento
sustentado, tanto a nível mundial quanto na América Latina e no Caribe.
A crise, devido à sua grande magnitude, afetou todas as regiões do mundo, e a América Latina e o
Caribe não foi uma exceção. Porém, é cada vez mais evidente que esta crise é distinta das outras sofridas
no passado. Não só porque nesta oportunidade o epicentro esteve nos países desenvolvidos, fator
determinante na evolução econômica recente, mas, sobretudo, pelo momento em que chegou à Região e
pelo modo como esta se viu afetada.
Em primeiro lugar, graças à combinação de um ambiente externo muito favorável e melhor
manejo da política macroeconômica, a Região conseguiu reduzir seu endividamento, renegociá-lo em
melhores condições e, ao mesmo tempo, aumentar suas reservas internacionais. Isto colocou as economias
latino-americanas em uma situação sem precedentes em matéria de liquidez e solvência, comparando-se
com as crises sofridas dos anos oitenta até os dias atuais, o que explica por que, diferente de outras vezes,
os sistemas financeiros dos países da Região não se deterioraram e nem se tenha produzido uma fuga das
moedas nacionais, fato que contribuiu para manter a calma nos mercados cambiais 2. Cabe observar que,
como analisado em detalhe no Estudo Econômico para a América Latina e o Caribe 2008-2009, alguns
países do Caribe apresentam elevados níveis de endividamento externo e uma situação relativamente mais
complexa em termos de regimes cambiais 3.
Diferentemente do que era habitual em cenários de crise, a ampliação do espaço macroeconômico
em muitos países da Região gerou uma importante capacidade de implementar políticas destinadas a
combater a crise. Cabe notar que, em geral, o espaço de políticas públicas é maior em alguns países da
América do Sul, como se verá mais adiante. Paralelamente, graças à melhora da posição financeira líquida
mencionada anteriormente, foi possível um restabelecimento rápido do acesso de muitos países aos
mercados financeiros internacionais, o que também aumentou a capacidade para levar a cabo políticas
públicas. Assim, mesmo que a deterioração registrada em variáveis reais tenha sido acentuada, a
recuperação parece bastante sólida.
1
2
3
Como exemplo, basta citar os acontecimentos nos mercados imobiliário e financeiro de Dubai (Emirados Árabes
Unidos), no final de 2009 e suas repercussões imediatas em outros mercados, devido aos temores causados pelos
elevados níveis de exposição de vários bancos europeus.
No último trimestre de 2008, houve um episódio de nervosismo nos mercados da Região que deu lugar a fortes
depreciações das moedas de vários países. Este episódio, no entanto, foi rapidamente neutralizado e não teve
maiores repercussões.
Vide quadro I.2 do Estudio económico de América Latina y el Caribe 2008-2009 (LC/G.2410-P), Santiago do
Chile, 2009.
9
Por outro lado, apesar da melhora observada em anos recentes, os níveis de pobreza da Região se
mantiveram elevados e o impacto nas variáveis que medem a situação social foi negativo, como era de se
esperar. Ainda assim, um conjunto de fatores permitiu que a deterioração registrada não tivesse a
magnitude inicialmente projetada. Com efeito, a retração do nível de atividade —a maioria dos países da
Região continuou crescendo, mesmo que a taxas muito inferiores— e seu impacto no mercado de trabalho
foi abaixo do esperado e, por isso, o incremento da taxa de desemprego não alcançou a dimensão que a
retração inicial dos níveis de atividade nos fez temer. Ao mesmo tempo, a evolução dos preços
internacionais dos produtos básicos e a valorização das moedas da Região permitiram reduzir
significativamente a taxa de inflação e limitar a erosão dos salários reais dos trabalhadores contrastando,
assim, ao menos parcialmente, a deterioração dos indicadores trabalhistas.
Cabe destacar que o aumento do gasto social nos últimos anos e o incremento, em número e
eficácia, dos programas nesse âmbito foram cruciais para conter os custos sociais da crise. Assimilando as
lições das crises anteriores, os países da Região têm tratado de manter, e inclusive ampliar, o alcance
destes programas, ainda que no contexto de uma redução paulatina do espaço fiscal.
No presente capítulo analisam-se os traços distintivos da atual conjuntura e se fazem reflexões
sobre os cenários que a Região enfrentará, tanto em 2010 como a longo prazo. Na seção B, analisa-se
brevemente o contexto internacional. Na seção C, revisam-se os principais traços da evolução econômica
recente e examinam-se, por um lado, as vias através das quais se manifestaram os efeitos da crise
econômica nas economias da Região e, por outro, seu impacto nos indicadores trabalhistas e sociais. A
seção D dedica-se à análise das políticas macroeconômicas implementadas a partir do agravamento da
crise até fins do ano passado, enquanto que na seção E apresenta-se a evidência disponível sobre os sinais
de recuperação das economias da Região, sobretudo a partir do segundo semestre de 2009. A última seção
trata das perspectivas no curto prazo, assim como dos riscos que enfrenta a incipiente recuperação
econômica e principais desafios da América Latina e do Caribe para o pós-crise. .
A. O CONTEXTO INTERNACIONAL
A economia mundial se recupera da crise mais profunda dos últimos 60 anos. A crise financeira
internacional, que teve seu epicentro nos Estados Unidos e nos países desenvolvidos, se expandiu
rapidamente ao resto das economias do mundo e suas conseqüências se fizeram sentir com rapidez no
setor real. Desde meados de 2008 até o primeiro trimestre de 2009, a atividade industrial retraiu 11,6%
em nível mundial e, mais intensamente, nos países desenvolvidos (16,4%); o volume do comércio
mundial, por sua vez, se reduziu aproximadamente 19%. Dado que a crise se fez sentir com força no
primeiro semestre de 2009, o produto mundial sofreria uma queda de 2,2% no ano.
Contudo, desde meados de 2008 começaram a surgir os primeiros sinais de uma recuperação do
nível de atividade e do comércio mundial. A rápida saída do ponto mais crítico da crise responde
fundamentalmente à coordenação dos principais bancos centrais do mundo com respeito à aplicação de
políticas monetárias expansivas, seguidas pelas demais autoridades monetárias dos países em
desenvolvimento, que injetaram uma grande liquidez nos mercados o que, juntamente com as políticas de
estímulo fiscal implementadas pelos governos, sustentam a incipiente recuperação. Por outro lado, o bom
desempenho relativo das economias asiáticas em desenvolvimento, em particular a da China, evitou uma
maior queda da demanda mundial. Neste contexto, dissiparam-se os temores iniciais de uma depressão
prolongada e começaram a aparecer, precocemente, no segundo trimestre de 2009, os primeiros sinais de
uma saída sincronizada da recessão.
10
A dinâmica do setor de manufaturas nas distintas regiões do mundo mostra uma recuperação
generalizada do crescimento da produção a partir de meados deste ano (vide o gráfico I.2). Cabe destacar,
em linha com o mencionado anteriormente, que no conjunto das economias asiáticas em desenvolvimento
a produção industrial não só se contraiu menos do que em outras regiões, como também foi a primeira a
recuperar seu dinamismo, no início de 2009.
Gráfico I.2
ÍNDICE DESSAZONALIZADO DA PRODUÇÃO INDUSTRIAL, POR REGIÕES a
(Em porcentagens)
2,5
1,5
0,5
-0,5
-1,5
-2,5
-3,5
2007
Países desenvolvidos
América Latina e Caribe
2008
Ásia em desenvolvimento
África e Oriente Médio
Set
Jul
Ago
Jun
Abr
Mai
Mar
Jan
Fev
Dez
Nov
Set
Out
Jul
Ago
Jun
Abr
Mai
Mar
Jan
Fev
Dez
Nov
Set
Out
Jul
Ago
Jun
Abr
Mai
Mar
Jan
Fev
-4,5
2009
Europa central e oriental
Fonte:
a
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), baseado em dados do Centraal Planbureau (CPB),
Netherlands Bureau for Economic Policy Analysis.
Variação média móvel trimestral comparada com a variação média móvel do trimestre anterior.
Por sua vez, o volume do comércio mundial voltou a crescer até o segundo semestre do ano (vide
gráfico I.3), em grande medida graças ao aporte dos países asiáticos em desenvolvimento; dado o grau de
abertura e a orientação de suas economias ao setor externo, grande parte destes países se viu muito
afetada pela queda do comércio situação que, como se analisará mais adiante, não repercutiu de maneira
significativa na evolução do nível de atividade, graças às políticas expansionistas aplicadas nestes países.
A partir da segunda metade de 2009, teve início a recuperação do crescimento das maiores
economias do mundo. Nos Estados Unidos, o PIB cresceu 2,8% no terceiro semestre do ano em
comparação com o trimestre anterior, em termos anuais e dessazonalizados, logo após quatro trimestres
consecutivos de queda, desde meados de 2008, com retrações de 5,4% e de 6,4% durante o último
trimestre de 2008 e o primeiro de 2009, respectivamente. No terceiro trimestre de 2009, todos os
componentes da demanda cresceram, sendo o incremento das exportações e importações um sinal da
recuperação do comércio mundial. Nesse período, o aumento da confiança e do gasto em bens duráveis
(como automóveis e eletrodomésticos) incrementou o consumo das famílias, um fator chave para a
economia dos Estados Unidos (vide gráfico I.4a).
11
Gráfico I.3
VARIAÇÃO DO VOLUME DO COMÉRCIO (MÉDIA DO VOLUME EXPORTADO
E IMPORTADO), POR REGIÕES a
(Em porcentagens)
4
2
0
-2
-4
-6
2007
2008
Países desenvolvidos
América Latina e o Caribe
Set
Jul
Ago
Jun
Abr
Mai
Mar
Jan
Fev
Dez
Nov
Set
Out
Jul
Ago
Jun
Abr
Mai
Mar
Jan
Fev
Dez
Nov
Set
Out
Jul
Ago
Jun
Abr
Mai
Mar
Jan
Fev
-8
2009
Ásia em desenvolvimento
África e Oriente Médio
Europa central e oriental
Fonte:
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), baseado em dados do Centraal Planbureau (CPB),
Netherlands Bureau for Economic Policy Analysis.
Variação média móvel trimestral comparada com a variação média móvel do trimestre anterior.
a
Gráfico I.4
CRESCIMENTO DO PIB E DOS COMPONENTES DA DEMANDA a
(Em porcentagens)
a) Estados Unidos
b) Área do euro (16 países)
20
5
1,5
3,3
-1,3
10
-0,7
-1,7
2,8
1,5
-2,7
0
-0,6
-5
-7,3
-0,7
-5,4
-10
-9,4
-6,4
-15
-20
-25
-30
-40
-35
Trim 1
Trim 2
Trim 3
2008
Consumo privado
Formação bruta de capital fixo
Importações de bens e serviços
Trim 4
Trim 1
Trim 2
Trim 3
2009
Consumo público
Exportações de bens e serviços
PIB
Trim 1
Trim 2
Trim 3
2008
Consumo privado
Formação bruta de capital fixo
Importações de bens e serviços
Trim 4
Trim 1
Trim 2
2009
Consumo público
Exportações de bens e serviços
PIB
Trim 3
12
Gráfico I.4 (conclusão)
c) Japão
30
10
4,0
4,8
2,7
-2,9
-6,5
-10
-11,5
-12,2
-30
-50
-70
Trim 1
Trim 2
Trim 3
2008
Consumo privado
Formação bruta de capital fixo
Importações de bens e serviços
Trim 4
Trim 1
Trim 2
Trim 3
2009
Consumo público
Exportações de bens e serviços
PIB
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base nas cifras oficiais.
a
Baseado em dados dessazonalizados. Variação anualizada com relação ao trimestre anterior.
Cabe assinalar que o consumo público foi o único componente da demanda que manteve o seu
crescimento em três dos quatro trimestres que durou a recessão nos Estados Unidos, o que reflete o esforço
fiscal para combater os efeitos da crise. Para o quarto trimestre projeta-se uma taxa de crescimento similar
à registrada no terceiro, sendo que o ano finalizaria com uma queda de 2,5%. A influência negativa da
redução dos estoques tende a reverter-se, e a expectativa é que a necessidade de recompô-los conduza ao
aumento da sua contribuição ao crescimento do PIB, projetando-se um incremento em torno de 2,0% do
Produto nos Estados Unidos em 2010. Contudo, o aumento do desemprego, que já se situa em dois dígitos
(10,2%), somado às dificuldades que ainda atravessam os mercados financeiros no contexto de um
volumoso endividamento, tanto por parte do setor privado como do setor público, constituem importantes
sinais de alerta em relação à evolução futura da economia estadunidense.
Nos 16 países da Zona Euro observa-se uma recuperação do crescimento a partir do terceiro
trimestre deste ano, depois de cinco trimestres de retração, nos quais o consumo público desempenhou um
papel contracíclico importante (vide gráfico I.4b). Após uma retração do Produto agregado de 4,1% em
2009, espera-se uma recuperação lenta e gradual, e um crescimento estimado inferior a 1% em 2010.
A economia do Japão saiu da recessão no segundo trimestre de 2009, depois de dois trimestres com
quedas anualizadas de mais de 10% (vide gráfico I.4c). Após uma significativa retração, a economia cresceu
no segundo trimestre de 2009, a uma taxa anual de 2,7% em relação ao trimestre anterior e afiançou-se no
terceiro trimestre (4,8%). A recuperação da economia japonesa obedeceria, em grande parte, ao alto impulso
das exportações e ao estímulo fiscal, somados ao aumento das transferências ao setor privado, que teve
efeitos positivos no consumo das famílias, embora com o custo de piorar a já débil situação fiscal. Mesmo
recuperando o crescimento a partir do segundo trimestre, a forte retração do começo de 2009 (12,2% anual
em comparação com o mesmo trimestre do ano anterior) daria como resultado uma queda do Produto, neste
ano, de 5,6%. A projeção para 2010 é de um crescimento de 1,7%.
13
Conforme assinalado anteriormente, os efeitos negativos da crise reverteram-se mais rapidamente
nas economias asiáticas em desenvolvimento, e alguns países inclusive, como China, Índia e Indonésia,
experimentaram somente uma desaceleração de seu crescimento, ou seja, não entraram em recessão. Em
grande medida, este melhor desempenho foi alcançado graças a importantes estímulos fiscais e
monetários.
A economia da China recuperou seu acentuado crescimento no segundo trimestre do ano,
estimulada pelas políticas expansivas, tanto do ponto de vista fiscal como monetário. O governo
aproveitou o enorme espaço fiscal - depois de anos registrando superávits nas contas públicas e de ser
credor do resto do mundo- para impulsionar um ambicioso programa público, que incluiu um aumento do
gasto em infra-estrutura, uma diminuição dos impostos e a implantação de um novo sistema de
previdência social. Além disso, diferentemente do observado em outros mercados financeiros, o crédito
registrou um destacado aumento, em particular o destinado a financiar os projetos de infra-estrutura.
Ambos os impulsos favoreceram o crescimento da demanda interna, assim como a recuperação das
importações, o que promoveu o comércio regional e mundial.
Tabela I.1
TAXAS DE VARIAÇÃO ANUAL DO CRESCIMENTO MUNDIAL
(Em porcentagens)
2009 a
2010 b
2003
2004
2005
2006
2007
2008
Mundo
2,7
4,1
3,5
3,9
3,8
1,7
-2,2
2,5
Países desenvolvidos
1,8
3,0
2,5
2,7
2,5
0,4
-3,6
1,4
Estados Unidos
2,5
3,6
3,1
2,7
2,1
0,4
-2,5
2,0
Zona do euro (16 países)
0,8
2,1
1,7
3,0
2,7
0,6
-4,0
0,7
Resto da Europa (11+3)
2,4
3,5
2,7
3,6
3,1
1,1
-4,1
0,7
Japão
1,4
2,7
1,9
2,0
2,3
-0,7
-5,9
1,1
Países em desenvolvimento
5,2
7,4
6,6
7,3
7,5
5,2
1,7
5,3
África
5,5
9,2
5,5
6,2
6,1
6,0
1,9
4,3
América Latina e o Caribe
2,2
6,1
5,0
5,8
5,8
4,1
-1,7
4,3
China
10,0
10,1
10,4
11,6
13,0
9,0
8,4
8,7
Índia
6,9
7,9
9,2
9,8
9,3
7,3
5,9
6,5
Países de recente industrialização -NICs
3,1
6,0
4,8
5,6
5,7
1,5
-2,4
3,6
Resto da Ásia
6,1
6,8
6,3
5,9
5,8
4,4
-0,1
3,8
Países em transição
7,5
8,0
6,7
8,3
8,7
5,7
-5,9
1,9
Países em desenvolvimento
(sem a China e a Índia)
3,9
6,6
5,4
5,9
5,8
3,9
-0,9
4,0
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em cifras oficiais.
a
Estimativa.
b
Projeção.
14
B. TRAÇOS GERAIS DA EVOLUÇÃO RECENTE DAS ECONOMIAS
DA AMÉRICA LATINA E DO CARIBE
Como se assinalou na introdução, para entender a razão pela qual o impacto da crise desta vez diferiu do
que habitualmente ocorria na América Latina e no Caribe, é importante levar em consideração o momento
que atravessava a Região quando sobreveio a crise. Em primeiro lugar, a crise econômica global marcou a
interrupção da fase mais longa e intensa de crescimento econômico regional em muito tempo. Para
encontrar um período em que o PIB por habitante tenha crescido de maneira sustentável acima de 3% ao
ano (como ocorreu entre 2004 e 2008), teríamos que reportar-nos a 40 anos atrás, quando a Região
cresceu durante sete anos consecutivos, a taxas comparáveis, desde fins dos anos sessenta até a primeira
crise dos preços do petróleo, no princípio da década de 1970.
Como se pode observar no gráfico I.5, o crescimento sustentado foi acompanhado por uma melhora
quantitativa e qualitativa das variáveis macroeconômicas fundamentais, o que converte esse período em uma
fase de expansão sem precedentes na história recente da Região. Por um lado, registrou-se um superávit da
conta corrente do Balanço de Pagamentos que responde, em grande medida, à recuperação dos termos de
intercâmbio (em particular na América do Sul) e ao crescimento das remessas dos trabalhadores emigrados
(no México e, sobretudo, na América Central). Também a evolução das contas públicas, durante a etapa de
expansão, caracterizou-se por um aumento do superávit primário e uma considerável diminuição do déficit
global (que inclusive transformou-se em superávit no período 2006-2007).
Gráfico I.5
AMÉRICA LATINA E CARIBE: VARIAÇÃO DO PIB PER CAPITA, DO SALDO DA
CONTA CORRENTE E DO RESULTADO GLOBAL
(Em porcentagens do PIB)
5
3
1
-1
-3
-5
Variação do PIB per capita
Saldo da conta corrente
Resultado global
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em cifras oficiais.
2008
2006
2004
2002
2000
1998
1996
1994
1992
1990
1988
1986
1984
1982
1980
1978
1976
1974
1972
1970
1968
1966
1964
1962
1960
1958
1956
1954
1952
1950
-7
15
Por sua vez, o excedente da conta corrente, num contexto de abundante liquidez internacional,
permitiu aos países reduzirem seu endividamento externo e renegociar condições mais vantajosas, ao
mesmo tempo que acumulavam ativos de reserva4. Paralelamente, a maior folga fiscal possibilitou uma
significativa redução da dívida pública.
Ainda quando a crise tenha significado uma forte restrição do espaço macroeconômico, já que a
Região voltou a ser deficitária em suas contas externas e nas públicas, a situação favorável observada em
termos de acervo financeiro (mais ativos e menos e melhores passivos) contribui para entender por que,
em 2009, não se registraram situações de tensão nos sistemas financeiros, nem corridas contra as moedas
nacionais, e por que os países não tiveram dificuldades em arcar com seus vencimentos externos. Tudo
isso contribui para entender por que, nesta oportunidade, com algumas exceções às quais se fará
referência mais adiante, os impactos mais fortes não vieram do canal financeiro, mas sim, como veremos
a seguir, da atividade real.
1. Os canais de transmissão da crise
Como já se ressaltou, as repercussões da crise nas economias da América Latina e do Caribe se
manifestaram através do setor real e afetaram negativamente a evolução dos que haviam sido, no período
recente, os principais motores do crescimento regional.
Desde a segunda metade de 2008, as exportações registraram uma forte queda, tanto em volume
como em valor. Apesar da detenção da queda no segundo semestre, estima-se que o volume das
exportações da América Latina diminuirá um pouco mais de 9% em 2009. Como se previa, a maior
retração se registrará nas exportações mexicanas, que retrocederão aproximadamente 14% em termos
reais, estimando-se uma redução de cerca de 5% nos volumes exportados pelos países da América
Central, e de cerca de 6% pelos da América do Sul.
Gráfico I.6
VARIAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES DE BENS FOB, EM VALOR E VOLUME, 2009
(Em porcentagens)
-22,0
-14,3
México
-21,8
-21,7
-4,9
-34,4
-20,0
Volume
-15,0
América Central
-6,6
-23,4
-25,0
Países petroleiros
-4,6
-25,5
-30,0
Países mineiros
-6,4
-8,6
-35,0
MERCOSUL
-7,1
América do Sul
-9,6
-10,0
-5,0
América Latina
0,0
Valor
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base nas cifras oficiais.
4
Tal como mencionado anteriormente, a situação em algumas economias do Caribe é distinta.
16
Também o menor nível de atividade global e a diminuição dos fluxos de comércio tiveram um
impacto negativo nos preços dos produtos básicos, o que repercutiu negativamente nos termos de
intercâmbio regionais. Após o forte impulso de alta registrado no primeiro semestre de 2008, os efeitos da
crise nos mercados internacionais de bens fizeram-se sentir com bastante dureza, sobretudo a partir da
quebra de Lehman Brothers, no mês de setembro. Mesmo que no início de 2009 a queda dos preços
internacionais dos produtos básicos foi em parte detida e, depois, houve uma ligeira reversão, os níveis
médios do ano são bastante inferiores aos de 2008, o que implica uma deterioração estimada de 6,1% das
relações de troca da Região. Isto afeta principalmente a América do Sul e, em particular, os produtores de
petróleo, hidrocarbonetos, metais e, em menor medida, os países especializados na produção de
alimentos. Entretanto, para a América Central, que importa este tipo de bens, espera-se uma melhora que
compense apenas parcialmente a deterioração dos anos anteriores.
Como se pode observar no gráfico I.7, o turismo, atividade que tem uma participação muito
significativa no Caribe e na América Central, sofreu uma forte retração no primeiro semestre do ano, que
foi particularmente notória no México no segundo trimestre, devido à gripe pelo vírus AH1N1. Estima-se
que a atividade turística em todo o ano possa retrair entre 5% e 10%, mesmo quando os últimos dados
disponíveis mostrem uma incipiente melhora.
Gráfico I.7
AMÉRICA LATINA E CARIBE: VARIAÇÃO INTERANUAL DA CHEGADA DE
TURISTAS INTERNACIONAIS, 2009
(Em porcentagens)
20
10
0
-10
-20
-30
-40
Janeiro
Fevereiro
Março
Abril
Maio
Junho
Julho
Agosto
2009
América Central
Fonte:
América do Sul
Caribe
México
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em dados da Organização Mundial do
Turismo (OMT).
17
Ao mesmo tempo, considerando-se que a maioria dos latino-americanos que emigra dirige-se aos
Estados Unidos e à Espanha, dois dos países mais afetados pela crise, não surpreende que as remessas
tenham registrado uma acentuada queda. Mesmo que os dados disponíveis até o terceiro trimestre
mostrem evidências de que esta deterioração poderia estar diminuindo, observam-se reduções anuais
próximas a 10% em alguns países da América Central, como El Salvador e Guatemala, e inclusive
superiores na Colômbia, Equador, Jamaica e no México. Nos casos da Nicarágua e da República
Dominicana, estima-se que haveria menores quedas.
Gráfico I.8
AMÉRICA LATINA E CARIBE: VARIAÇÃO INTERANUAL DAS RECEITAS PELO CONCEITO DE
REMESSAS DE TRABALHADORES, SÉRIES DESSAZONALIZADAS a
(Em porcentagens)
-12,6
Equador
-8,3
-6,2
Nicarágua
10,6
-14,8
México
Colômbia
-3,5
-17,9
8,5
-13,2
Jamaica
3,8
-3,7
República Dominicana
2,2
-8,8
El Salvador
2,5
-7,9
Guatemala
4,6
-20
-15
-10
-5
2007-2008
0
5
10
15
2008-2009
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), sobre a base de cifras oficiais.
a
Projeção para 2009.
Por outro lado, estima-se que o investimento estrangeiro direto apresentará uma diminuição de
aproximadamente 37%, que é disparada a maior redução nos últimos 30 anos, pelo menos. Cabe destacar
que entre 1999 e 2003 registrou-se uma diminuição dos fluxos de IED de aproximadamente 47%, nesse
caso a queda centrou-se somente em dois países (Argentina e Brasil). Na atual crise a retração foi
generalizada em toda a região. Contudo, a diminuição dos fluxos dirigidos ao Brasil representa uma
proporção significativa do declínio total.
18
Se bem tenhamos afirmado que os impactos da crise internacional se sentiram, de modo geral,
sobretudo através do canal real, em alguns casos se observaram impactos nos sistemas financeiros que
podem ter tido uma repercussão negativa significativa na evolução do nível de atividade. Neste sentido,
destaca-se que embora na região tenham predominado as turbulências de tipo comercial sobre as
reversões de fluxos de capital, houve três importantes exceções a esta regra: Brasil, Chile e Peru. Os
sistemas financeiros destes três países apresentavam nos finais de 2008 os maiores graus de exposição
externa em comparação com o resto da região5.
Como se vê no gráfico I.9, esta situação se manifestou nos sistemas financeiros de estes países
através de uma importante contração do crédito dos bancos privados em termos reais. Como se verá mais
adiante, os bancos públicos adotaram um papel ativo em muitos países como parte da estratégia
anticíclica implementada, se bem que, à exceção do Brasil, onde a participação da banca pública no total
do crédito é significativa, no resto da região a capacidade de compensar a contração do crédito dos bancos
privados foi bastante menor.
Gráfico I.9
BRASIL, CHILE, PERU: EVOLUÇÃO DO CRÉDITO DOS BANCOS PRIVADOS
(Índice primeiro trimestre 2008=100)
100
100
2008
Brasil (eixo esquerdo)
Setembro
104
Agosto
102
Julho
108
Junho
104
Maio
112
Abril
106
Março
116
Fevereiro
108
Janeiro
120
Dezembro
110
Novembro
124
Outubro
112
Setembro
128
Agosto
114
Julho
132
Junho
116
Maio
136
Abril
118
2009
Chile (eixo esquerdo)
Peru (eixo direito)
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), sobre a base de cifras oficiais.
5
Vide Estudo Econômico da América Latina e do Caribe 2008-2009, op. cit, onde o quadro I.1 apresenta uma
análise das conseqüências das turbulências que a Região sofreu a partir do agravamento da crise, no final de 2008.
Por outro lado, o gráfico I.4 dessa publicação mostra a posição externa líquida do sistema financeiro dos países da
América Latina, assim como alguns agregados correspondentes aos países desenvolvidos e às economias
emergentes. Estes dados se baseiam em informação do Banco de Compensações Internacionais - BIS.
19
Este fator tem, no nosso critério, um papel fundamental na explicação da debilidade relativa
mostrada pela economia chilena entre o final de 2008 e o terceiro trimestre de 2009, a pesar dos sólidos
fundamentos macroeconômicos que a caracterizam e da intervenção ativa do Estado através de políticas
contracíclicas, que se comenta mais adiante. A evidência que se mostra no gráfico I.10 com relação à
importância do crédito ao setor privado em proporção do PIB, é bastante eloqüente no que se refere ao
maior efeito sobre o nível de atividade que pode ter tido a contração observada no crédito da banca privada
na economia chilena, em comparação com o ocorrido nas economias brasileira e peruana e, em geral no
resto da Região.
Gráfico I.10
AMÉRICA LATINA (PAÍSES SELECIONADOS): CRÉDITO DO SETOR PRIVADO, 2008
(Em porcentagens do PIB)
73,1
Chile
37,5
Brasil
34,6
Costa Rica
26,5
Colômbia
Uruguai
22,1
Peru
22,1
Paraguai
20,4
México
17,3
Argentina
13,4
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em cifras oficiais.
Principalmente a fins de 2008 e começo de 2009, observou-se uma deterioração generalizada das
expectativas dos consumidores e dos empresários, que se refletiu na diminuição tanto do consumo
privado como dos investimentos. Como mostra o gráfico I.11, somente o consumo público registrou
variações positivas no primeiro semestre do ano, graças a que muitos dos países da Região contaram,
nesta oportunidade, com alguma capacidade de implementar políticas contra-cíclicas que compensaram
parcialmente a evolução negativa dos componentes restantes da demanda interna, e contribuíram para
acelerar o processo de recuperação no segundo semestre, como se analisará mais adiante6.
6
Já que não se dispõe de dados desagregados sobre o investimento, não se pode distinguir entre o investimento
público que, como é indicado mais adiante, se incrementou ao longo do ano, e o privado, que se contraiu de
modo significativo e que por ter um peso muito maior, oculta o efeito compensador do primeiro.
20
Gráfico I.11
AMÉRICA LATINA E CARIBE: COMPOSIÇÃO DO TOTAL DA
OFERTA E DA DEMANDA
(Em porcentagens)
20
20
15
15
10
10
5
5
0
0
-5
-5
-10
-10
-15
-15
-20
-20
-25
-25
Trim 1
Trim 2
Trim 3
Trim 4
2008
Consumo privado
Fomação bruta de capital fixo
Importações de bens e serviços
Sem I
Sem II
2009
Consumo público
Exportações de bens e serviços
PIB
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em cifras oficiais.
2. Os efeitos sociais da crise
A interrupção do processo de crescimento repercutiu negativamente no mercado de trabalho que mostrou,
pela primeira vez em seis anos, uma diminuição da taxa de emprego, como se assinala no capítulo III.C.
Isto deu lugar a um aumento da taxa de desocupação estimado em cerca de um ponto percentual (de 7,4%
a 8,3%). O escasso dinamismo da oferta de trabalho, que se infere do comportamento da taxa de
participação, evitou um incremento maior do desemprego7. Ao mesmo tempo, os países da Região
puseram em prática uma série de medidas (vide quadro I.1) cujo impacto é impossível de avaliar com a
informação disponível, embora seja provável que tenham contribuído para moderar o incremento da taxa
de desemprego.
Mesmo assim, houve uma redução no processo de melhora da qualidade do emprego observado
nos últimos anos, em virtude da diminuição na criação de postos de trabalho assalariados no setor
privado, e da perda de dinamismo na geração de emprego formal.
7
Cabe notar que o aumento projetado da taxa de desemprego é inferior ao que se previa em meados do ano. Por
exemplo, no Boletim CEPAL/OIT “Crise e mercado laboral”, Boletin Conjuntura Laboral en América Latina y
el Caribe N.1, Junho de 2009, se estimava que a taxa de desemprego do ano pudesse aproximar-se a 9%.
21
Quadro I.1
MEDIDAS SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA E NO CARIBE
Os países da América Latina e do Caribe anunciaram medidas na área social que podem classificar-se em subsídios
ao consumo, por um lado, e apoio às famílias pobres, por outro. Os subsídios ao consumo consistem em subsídios ao
combustível, aos alimentos e outros artigos, ao transporte e à eletricidade. O apoio às famílias pobres inclui,
principalmente, ajuda destinada à moradia, à saúde e à educação de grupos vulneráveis. Dos 33 países e 2 territórios
dependentes da região 27 dispõem de informação relacionada a estas medidas (9 dos 11 da América do Sul e
México, 8 dos 9 da América Central, e 10 dos 15 do Caribe).
Em nível regional, no total se registraram 45 medidas. Dos 33 países e 2 territórios, 24 anunciaram medidas
para apoiar famílias pobres, e 18 para outorgar subsídios ao consumo. Esta distribuição se traduz na composição de
uma carteira enfocada em medidas de apoio às famílias pobres (57%).
Contudo, ao desagregar as medidas por sub-regiões observa-se uma importante diferença de enfoque na
composição delas. Na América do Sul e no México, três quartos das medidas anunciadas correspondem à área de
apoio a famílias pobres enquanto, na América Central e nos países do Caribe, a distribuição é equilibrada, já que
metade das medidas anunciadas é para subsídios ao consumo. A outra metade dirige-se a apoio às famílias.
Cabe destacar que, além das diferentes formas que a crise pode ter afetado distintas sub-regiões, estas podem
ocultar uma divergência em relação à capacidade institucional para implementar as políticas sociais. Em geral, as
políticas focalizadas costumam ser mais efetivas no contexto de uma crise, já que chegam diretamente àqueles que as
necessitam. Porém, requerem mais em termos institucionais. Os subsídios ao consumo, entretanto, são relativamente
mais simples de implementar, mas menos eficazes, já que alcançam a população em geral e inclusive podem introduzir
um fator regressivo na medida em que podem beneficiar mais a quem consome mais.
COMPOSIÇÃO DA CARTEIRA DE PROGRAMAS SOCIAIS NA AMÉRICA DO SUL
E MÉXICO, AMÉRICA CENTRAL E NO CARIBE
(Em porcentagens)
100
90
80
50
50
50
50
América Central
Caribe
70
60
75
50
40
30
20
25
10
0
América do Sul e México
Apoio às famílias pobres
Fonte:
Subsídios ao consumo
Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL), A reação dos governos das Américas frente à crise
internacional: uma apresentação sintética das medidas de política anunciadas até o dia 30 de setembro de 2009
(LC/L.3025/Rev.5), Santiago do Chile, outubro de 2009.
22
Entretanto, a crise contribuiu a reduzir a taxa de inflação regional de forma notória, de 8,3% em
2008 a 4,5% em 2009. A desaceleração inflacionária obedeceu ao duplo efeito do impacto da recessão
global e da queda do comércio nos preços dos alimentos e da energia por um lado, e da ampliação da
brecha entre o PIB observado e o potencial por outro, o que provocou a queda da demanda na totalidade
dos países da Região (vide quadro I.3).
De modo que a menor inflação impediu a queda do salário real, o que contribui para explicar por
que o impacto sobre os níveis de pobreza, ainda que negativo, foi mais moderado do que o esperado
inicialmente8.
Gráfico I.12
AMÉRICA LATINA: SALÁRIO NOMINAL, INFLAÇÃO E SALÁRIO REAL a
(Em porcentagens)
12
10
Crescimento do
salário real: 4,5
8
13,2
13,0
6
10,4
4
5,8
2
0
2008
Variação do salário nominal
2009
Inflação
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base nas cifras oficiais.
a
Dez países, média simples.
A política de gasto social mantida pela maioria dos países da Região, sobretudo pelos de maior
tamanho relativo, contribuiu no mesmo sentido. Estes últimos são os que contam com uma estrutura
institucional mais densa, que permite a implementação de estratégias que, por serem mais focalizadas,
costumam ser mais efetivas em momentos de crise do que os subsídios generalizados sobre o consumo de
determinados bens e serviços. Como assinala o quadro I.1, estes subsídios habitualmente são a opção
mais escolhida por alguns países da América Central e do Caribe que apresentam maior debilidade
institucional.
8
Tal como assinalado no Panorama Social de América Latina 2009, publicado pela CEPAL em novembro de 2009.
23
C. A POLÍTICA MACROECONÔMICA
Muitos dos países da Região puderam implementar políticas contracíclicas, que não somente permitiram
compensar, pelo menos parcialmente, a evolução negativa da maior parte dos componentes da demanda
interna, como também contribuíram para acelerar o processo de recuperação, em alguns casos no segundo
trimestre do ano, e de maneira geral, a partir do terceiro, tal como será analisado mais abaixo.
Um traço característico desta crise foi a capacidade de alguns países, mais que outros, de
impulsionarem medidas de política macroeconômica e setorial dirigidas a amortecer os efeitos negativos
da crise na atividade e no emprego. Efetivamente, os governos da Região, de maneira muito variada e
segundo o tipo de problema que cada país enfrentou e, sobretudo, dependendo da capacidade, não
somente financeira, mas também institucional, de colocar em prática políticas públicas, aplicaram um
amplo conjunto de iniciativas que, a grandes traços, podem agrupar-se em medidas fiscais, monetárias,
financeiras e cambiais, sociais e trabalhistas.
1. A política fiscal
O impulso fiscal positivo foi um dos destaques da evolução econômica de 2009. O resultado primário
passou de um superávit equivalente a 1,4% do PIB em 2008, a um déficit primário estimado em 1% do
PIB em 2009. Este incremento médio de mais de dois pontos percentuais do PIB, que constitui uma
medida do impulso fiscal, deve-se tanto à queda das receitas públicas como ao aumento dos gastos
públicos, e destes, tanto ao incremento do gasto corrente como ao aumento do gasto de capital (vide
gráfico I.13).
Gráfico I.13
AMÉRICA LATINA: RECEITA TOTAL, DESPESA PRIMÁRIA
E RESULTADO FISCAL PRIMÁRIO
(Médias simples, em porcentagens do PIB)
10
22
8
20
6
18
4
2,5
16
1,6
1,6
1,5
1,0
14
0,8
0,9
0,4
0,7
0,7
2,5
2
1,4
0,7
-0,1
0
-0,1
-0,5
-0,4
-0,1
-1,0
12
-2
-4
10
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Resultado primario (eixo direito)
Receita total (eixo esquerdo)
Despesa primária (eixo esquerdo)
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base nas de cifras oficiais.
24
A evolução da receita tem estado condicionada pela evolução do nível de atividade, que repercute
na percepção de tributos, e pela diminuição dos preços dos produtos básicos que a Região exporta e que,
em alguns países, constituem uma fonte muito significativa de receitas públicas.
A esses elementos de caráter exógeno cabe somar, em muitos casos, decisões políticas associadas
a estratégias anticrise, que se refletem nos estímulos da demanda interna, e que implicaram uma perda na
coleta impositiva. Dada sua aplicação em 12 dos 19 países da América Latina, se destacam as deduções e
outros tipos de benefícios relacionados ao imposto de renda de pessoas e empresas.
As medidas anunciadas pelos países têm sido bastante ambiciosas no que se refere às despesas.
Quanto à sua implementação, na maior parte dos países para os quais se dispõem de dados sobre a
execução da despesa até o terceiro trimestre do ano, é possível observar que, no primeiro semestre do ano,
houve um aumento significativo da despesa corrente (geralmente mais ágil) e, em escala menor, na
despesa de capital, cuja execução é habitualmente mais lenta. Em alguns países altamente especializados
em produtos básicos a redução do espaço fiscal resultante da marcante diminuição dos preços destes bens
impediu a implementação de medidas contracíclicas9. Este foi o caso da República Bolivariana da
Venezuela, onde a queda da receita fiscal obrigou a tomar medidas para conter o gasto público,
incorporando um fator pró-cíclico à política fiscal.
Gráfico I.14
AMÉRICA LATINA (PAÍSES SELECIONADOS): VARIAÇÃO DO GASTO PÚBLICO,
NOVE MESES DE 2008-NOVE MESES DE 2009
(Em porcentagens do PIB)
0,4
1,8
Uruguai
1,1
0,6
Peru
México
0,6
Equador
0,9
Colômbia a
1,0
0,6
1,4
Chile
0,8
2,4
0,6
0,6
Brasil
Argentina
0,8
1,9
0,0
0,5
1,0
1,5
Despesa corrente
2,0
2,5
3,0
Despesa de capital
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base nas cifras oficiais.
a
Corresponde à variação da despesa total.
9
Vide capítulo II.A.
3,5
25
2. As políticas monetária e cambial
Desde o início da crise, os bancos centrais da Região promoveram, em primeiro lugar, uma série de
medidas, de caráter diverso, orientadas a garantir a recuperação, a permanência da liquidez dos mercados
financeiros locais, ou ambos. A diminuição generalizada da taxa de inflação facilitou a flexibilização da
política monetária, tanto nos países nos quais essa se ajusta em função de metas explícitas de inflação,
como nos que seguem a evolução de algum agregado monetário ou algum outro critério operacional.
Como é indicado no capitulo II, a destacada diminuição das taxas da política monetária, definida
por grande parte das autoridades monetárias regionais, ocorreu mais rapidamente no primeiro grupo de
países. Em muitos casos, no entanto, cabe destacar que mesmo que as taxas de juros tenham diminuído
drasticamente, a taxa de inflação desacelerou com maior rapidez, dando lugar a acréscimos das taxas de
juros em termos reais que neutralizam o objetivo desejado.
Quadro I.2
OBJETIVOS DA POLÍTICA MONETÁRIA NA AMÉRICA LATINA
O principal mandato dos bancos centrais dos países que têm regimes baseados em objetivos de inflação é manter o
aumento dos preços sob controle. Neste sistema, a credibilidade da autoridade monetária é chave, já que se espera
que sua reação contribua para o cumprimento da meta inflacionária. No entanto, os preços dos bens não são a única
variável macroeconômica que flutua numa economia. Mudam também outras, como as taxas de câmbio real e o PIB
que, em determinado momento, poderiam preocupar os institutos emissores. Por exemplo, nos relatórios de política
monetária e de inflação dos bancos centrais desses países, ressalta-se que a redução das taxas de referência da
política monetária (TRPM) desde o primeiro semestre de 2009 também está orientada a contribuir para a reativação
da demanda interna, num contexto em que a atividade econômica se debilitou. Igualmente, as variações
pronunciadas da taxa de câmbio nominal, que também se transferem à taxa de câmbio real, têm gerado intervenções
no mercado cambial por parte dos bancos centraisa. Nesse sentido, o Banco Central do Chile, frente à valorização
nominal do peso em 2009, anunciou e realizou um conjunto de intervenções que, de acordo ao declarado, buscavam
fortalecer a posição de suas reservas internacionais.
Isso demonstra que as autoridades monetárias, dadas as circunstâncias, poderiam reagir frente a outras
variáveis que não sejam os movimentos de preços. Para fazer uma avaliação empírica dessas observações, deve-se
apreciar uma regra modificada de Taylor, usando vetores auto-regressivos, onde foi incluído o componente cíclico
do PIB e da taxa de câmbio real, para o Brasil, Chile, Colômbia, México e o Perub. Lembre-se que a variável
dependente dessa regra é a taxa de referência da política monetária. Em outras palavras, tenta-se estimar a reação de
um banco central frente a desvios dessas variáveis em relação à sua tendência.
Especificamente, a estimativa usou a seguinte equação:
TRPMt= β0 + β1∗ιΕ + β2∗( π t -π t )+ β3∗( PIBt -PIBt
0bj
(1)
onde i é a taxa de juros de equilíbrio, π t -π
E
Ten
0bj
t
Ten
)+ β4∗( TCR t -TCR t
)+ετ
é o desvio da inflação efetiva em relação ao objetivo de inflação,
é o desvio do PIB efetivo referente à sua tendência, estimada por meio do uso do filtro de Hodrick e
PIBt -PIBTen
t
Prescott; quanto a TCR t -TCR Ten
é o desvio da taxa de câmbio real, cuja tendência foi estimada usando a metodologia
t
mencionada anteriormente, para dados trimestrais, desde que esses países tenham um regime de inflação objetivo.
26
Quadro I.2 (conclusão)
Os resultados preliminares apóiam a tese de que os bancos centrais reagem, não somente frente a mudanças
no desvio do crescimento dos preços referentes a seu objetivo. No seguinte gráfico mostram-se as funções impulsoresposta do Chile e da Colômbia. A variável de resposta é a taxa de referência da política monetária; quanto aos
impulsos, são dados por um desvio padrão das irregularidades da inflação, do PIB e da taxa de câmbio real. A
extensão da resposta graficada é de 10 períodos. No caso do Chile, essa taxa reage fundamentalmente a mudanças
do desvio da inflação e do produto e, em menor escala, a variações da taxa de câmbio real. Ao contrário, no caso da
Colômbia, a taxa reage às três variáveis em questão. Essa evidência é consistente com a encontrada em outras
regiões, como Ásia, em países com um regime baseado em objetivos de inflação.
FUNÇÕES DE IMPULSO-RESPOSTA
(Resposta a um desvio padrão de Cholesky)
a) Chile
b) Colômbia
0,4
0,3
0,3
0,2
0,2
0,1
0,1
0,0
0,0
-0,1
-0,1
-0,2
-0,2
-0,3
-0,3
-0,4
1
2
3
4
5
6
7
8
Componente cíclico ou desvio da inflação
Componente cíclico ou desvio do PIB
Componente cíclico ou desvio da taxa de câmbio real
9
10
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Componente cíclico ou desvio da inflação
Componente cíclico ou desvio do PIB
Componente cíclico ou desvio da taxa de câmbio real
Fonte:
a
b
Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em J.B. Taylor, “Discretion versus policy
rules in practice”, Carnegie – Rochester Conference Series on Public Policy, N˚ 39, 1993; e F. Neumann e S. Yi Kim
S., “What do they target? A profile of Asian central banks”, Macro Asian Economics, HSBC Global Research, 2009.
Vide seção sobre política cambial nessa publicação.
Dado que o estudo se encontra em sua etapa preliminar, só se apresentam os resultados do Chile e da Colômbia.
Dessa forma, o esforço dos bancos centrais em aumentar a liquidez do sistema financeiro não se
traduz em um incremento de crédito por parte dos bancos privados (vide gráfico I.15). Como assinalado
anteriormente, frente a essa situação, em muitos casos a atividade dos bancos públicos formou parte da
estratégia anticíclica dos governos da Região, aumentando a concessão de crédito de forma significativa a
fim de compensar, em alguns casos em parte e em outros por completo, o comportamento mais restritivo
dos bancos privados. Cabe destacar, neste sentido, que o impacto deste instrumento depende da magnitude
da participação do banco público no sistema financeiro, o que enfatiza a importância da estratégia do Brasil,
onde o crédito concedido pelos bancos quase representa aproximadamente do crédito total.
27
Gráfico I.15
AMÉRICA LATINA (PAÍSES SELECIONADOS): CRÉDITO DOS BANCOS PÚBLICOS E PRIVADOS,
VARIAÇÃO DE DEZEMBRO DE 2008 A SETEMBRO DE 2009
(Em porcentagens)
2,2
Uruguai
-7,6
7,4
Peru
-2,3
0,7
México
-3,8
7,7
Costa Rica
-4,1
18,6
Colômbia
-3,3
Chile
-6,3
20,0
17,1
Brasil
-1,8
1,5
Argentina
-0,2
-10
-5
Crédito bancos privados
0
5
10
15
20
Crédito bancos públicos
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base nas cifras oficiais.
Em relação à taxa de câmbio, depois das depreciações registradas no fim de 2008, que em alguns
casos alcançaram o começo de 2009 verificou-se, em geral, a continuação da tendência de valorização
característica do período anterior à crise. A busca de maiores rentabilidades num contexto de uma
liquidez internacional mais abundante, somada a um bom desempenho relativo de muitas das economias
da Região, teve como conseqüência uma considerável entrada de capitais, o que explica a pressão para a
diminuição da maioria das taxas de câmbio. O México foi a exceção mais notável, já que a taxa de
câmbio permanece a níveis reais 22% mais elevados que os anteriores a setembro de 2008, quando a crise
internacional se agravou.
Com a intenção de defender, de alguma forma, o nível real da paridade cambial, e em
consonância com o objetivo de sustentar os níveis de liquidez internos, muito bancos centrais intervieram
no mercado de câmbio, medida que, em alguns casos, permitiu recompor as reservas internacionais
prévias às do último trimestre de 2008.10 Nesse sentido, destaca-se o ocorrido no Brasil, em que o
aumento nas reservas internacionais (19%) chegou a mais de 37.000 milhões de dólares, embora não
tenha impedido uma queda da taxa de câmbio real, de 26% entre dezembro de 2008 e outubro de 2009.
10
Depois da quebra da Lehman Brothers, a Região viveu breves episódios de stress nos mercados financeiros
e cambiais que, entre outras medidas, levou os bancos centrais a intervirem no mercado, na tentativa de
evitar uma depreciação da moeda ainda maior que a registrada no último trimestre de 2008. Essa estratégia
resultou numa queda nas reservas internacionais da Região de cerca de 50.000 milhões de dólares, ou seja,
cerca de 10% do total.
28
A evolução das reservas internacionais ao longo de 2009 apresenta algumas características
interessantes que devem ser ressaltadas. Em primeiro lugar, o aumento registrado no Brasil é superior ao
total, que oculta um panorama variado em que convivem, como apontado no parágrafo anterior, os
aumentos de alguns países que puderam reverter a queda a fins de 2008, e os comportamentos muito
menos dinâmicos de alguns, dentre os quais se devem destacar a Argentina e o México, pelo impacto no
total regional. Por outro lado, é preciso considerar que, em alguns países o aumento responde, em grande
medida, à recente concessão de direitos especiais de saque do Fundo Monetário Internacional, fator
particularmente relevante, sobretudo nas economias de menor tamanho relativo, como as do Caribe.
D. A RECUPERAÇÃO DAS ECONOMIAS DA AMÉRICA LATINA
E DO CARIBE NO SEGUNDO SEMESTRE DE 2009
De acordo com os indicadores antecipados do ciclo que elabora a Comissão Econômica para a América
Latina e Caribe (CEPAL), a partir da metodologia apresentada no Estudo Econômico da América Latina e
do Caribe, 2008-2009, seis das maiores economias da Região (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia,
México e Peru), que em conjunto representam cerca de 90% do PIB regional, se encontravam, no terceiro
trimestre de 2009, num processo de recuperação do nível de atividade11 (vide gráfico I.16)
Gráfico I.16
AMÉRICA LATINA (PAÍSES SELECIONADOS): INDICADORES LÍDERES
(Probabilidade de reversão)
1,0
0,9
0,8
Probabilidade de recuperação
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0,0
Argentina
Brasil
Dezembro de 2008
Chile
Colômbia
Março de 2009
México
Peru
Setembro de 2009
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em de cifras oficiais.
11
Vide F. Cantú, A. Acevedo e O. Bello, “Indicadores adelantados para América Latina”, Santiago do Chile,
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), 2009, inédito.
29
A expectativa de reversão da fase descendente da evolução do nível de atividade regional é
observada entre o quarto trimestre de 2008 e o segundo de 2009, o que é consistente com as melhoras que
surgem da análise da informação mais recente sobre a evolução da maior parte das variáveis reais a que se
faz referência na seção C.
O volume de exportações começou a recuperar-se a partir do terceiro trimestre de 2009 (vide
gráfico I.3). O aumento do nível de atividade global e do volume do comércio internacional, por sua vez,
repercutem positivamente na demanda de produtos básicos, permitindo a recuperação dos seus preços a
partir do segundo trimestre de 2009, como se assinala no capitulo IV.A. Isto incide, por sua vez, na
reversão da deterioração dos termos de troca do comércio regional, para os quais se projeta um
incremento de 3,8% em 2010 na Região em seu conjunto e, principalmente, nas economias da América do
Sul especializadas na produção de hidrocarbonetos e metais, assim como no México. Entretanto, projetase uma deterioração dos termos de troca da América Central.
Com relação às remessas (outro dos motores do crescimento no período 2003-2008), e
considerando que as melhoras são ainda incipientes, o início da recuperação das economias da Espanha e
dos Estados Unidos, os principais destinos dos latino-americanos e caribenhos emigrados, permite prever
uma tendência à normalização dos fluxos de divisas por este conceito. Neste sentido, a evolução dos
indicadores do trabalho dos latino-americanos nos mercados de trabalho assinalados mostra que a
deterioração da ocupação e o aumento do desemprego se detiveram a partir do terceiro trimestre do ano12.
Gráfico I.17
AMÉRICA LATINA: EVOLUÇÃO DOS TERMOS DE TROCA
(Índice 2000=100)
140
130
120
110
100
90
80
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
América Latina
América Central
América do Sul
México
2009
2010
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base nas cifras oficiais.
12
Vide Dilip Ratha, Sanket Mohapatra e Ani Silwal (2009), “Migration and Development Brief”, Washington D.C.,
Banco Mundial, Novembro de 2009.
30
Gráfico I.18
SITUAÇÃO TRABALHISTA DOS LATINO-AMERICANOS NOS ESTADOS UNIDOS E ESPANHA
(Em milhares de pessoas)
2008
Set
Desempregados
Out
Ago
Jul
Jun
Abr
Mai
Mar
Jan
Fev
Dez
Mai
Nov
1 000
Set
19 000
Out
1 500
Jul
19 500
Ago
2 000
Jun
20 000
Abr
2 500
Fev
20 500
Mar
3 000
Jan
Empregados
a) Estados Unidos
21 000
2009
Empregados
Desempregados
b) Espanha
1 500
1 450
Número de empregados
1 400
1 350
1 300
1 250
1 200
1 150
2007
2008
2009
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base nas cifras oficiais.
Trim 3
Trim 2
Trim 1
Trim 4
Trim 3
Trim 2
Trim 1
Trim 4
Trim 3
Trim 2
Trim 1
1 100
31
Como mencionado na seção anterior, na segunda parte de 2009 continua, em alguns países, o
impulso fiscal à demanda interna que, juntamente aos fatores assinalados anteriormente e à gradual
normalização dos mercados financeiros, em muitos casos com o apoio adicional dos bancos públicos,
permite uma recuperação, em alguns casos com taxas relativamente altas, que se manifesta, por sua vez,
na gradual melhora dos indicadores do mercado de trabalho da Região (vide gráfico I.6).
Ao mesmo tempo, o maior apetite pelo risco em um contexto de elevada liquidez dos mercados
financeiros internacionais, somado a uma percepção favorável da evolução futura de várias das economias
da Região se traduz, como assinalado na seção anterior, no renovado acesso de alguns países ao crédito
internacional e repercute favoravelmente nas bolsas de valores, que vão se recuperando os níveis prévios
à crise. Isto permitirá uma recomposição patrimonial do setor privado e contribuirá para a normalização
da atividade creditícia, que, juntamente com a melhora gradual dos indicadores do mercado de trabalho, e
a recuperação da confiança nesse setor, tal como surge das pesquisas de expectativas de empresários e
consumidores permite esperar um aumento da demanda interna, tanto de bens de consumo como de
capital.
Gráfico I.19
AMÉRICA LATINA (PAÍSES SELECIONADOS): TAXAS DE DESEMPREGO
MENSAL DESSAZONALIZADO
(Em percentagens)
11
10
9
8
7
6
2009
Brasil
Chile
México
Peru
Uruguai
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em cifras oficiais.
Out
Set
Ago
Jul
Jun
Mai
Abr
Mar
Fev
Jan
5
32
Gráfico I.20
INDICADORES DA BOLSA DE VALORES: DOW JONES E MERCADOS EMERGENTES
(Índice 2000=100)
2007
2008
Nov
Set
Out
Jul
Ago
Jun
Abr
Mai
Mar
Jan
Fev
Dez
Nov
Set
50
Out
50
Jul
60
Ago
100
Jun
70
Abr
150
Mai
80
Mar
200
Jan
Fev
90
Dez
250
Nov
100
Set
300
Out
110
Jul
350
Ago
120
Jun
400
Abr
130
Mai
450
Mar
140
Jan
Fev
500
2009
América Latina (eixo direito)
Europa em desenvolvimento (eixo esquerdo)
Ásia em desenvolvimento (eixo esquerdo)
Dow Jones industrial (eixo direito)
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em dados de Bloomberg.
E. PERSPECTIVAS, RISCOS E DESAFIOS QUE A REGIÃO ENFRENTA
1. Evolução esperada das economias da América Latina e do Caribe em 2010
A rapidez da recuperação que começou a observar-se no segundo semestre de 2009 permite prever que a
Região volte a crescer em 2010 a taxas, em muitos casos, similares às do período anterior à crise. Mesmo
que este cenário seja o mais provável, deve-se considerar que não está isento de riscos, e que ainda
existem mais dúvidas do que certezas quanto à possibilidade de que esta recuperação seja o prólogo da
retomada de um crescimento sustentável.
A taxa de crescimento projetada para 2010 é de 4,1%, e espera-se que seja mais alta na América do
Sul do que nas outras sub-regiões, dado o maior tamanho relativo dos mercados internos de alguns países,
sobretudo no Brasil e em menor escala, na Argentina e na Colômbia, a considerável diversificação dos
mercados de exportação e, em especial, a maior participação da Ásia em geral, e da China em particular,
como destino das vendas externas de vários países (Argentina, Brasil, Chile e Peru). Por outro lado, se
espera um crescimento mais lento em economias mais abertas e com uma carteira de sócios menos
diversificada e mais concentrada no comércio de manufaturas, como é o caso do México e das economias
centro-americanas. Pode-se dizer algo similar sobre as economias do Caribe onde, em muitos casos, se
acrescentam a estas dificuldades outras, derivadas de uma situação financeira e cambial complexa.
33
Gráfico I.21
AMÉRICA LATINA E CARIBE: TAXA DE CRESCIMENTO, 2010
(Em porcentagens)
5,5
Brasil
5,0
Uruguai
5,0
Peru
Panamá
4,5
Chile
4,5
4,5
Bolívia (Est. Plur. da)
4,5
América do Sul
4,1
América Latina e Caribe
Argentina
4,0
República Dominicana
3,5
México
3,5
3,5
Costa Rica
Paraguai
3,0
Equador
3,0
Cuba
3,0
América Central
3,0
2,5
Colômbia
Venezuela (Rep. Bol. da)
2,0
Nicarágua
2,0
Haiti
2,0
Guatemala
2,0
El Salvador
2,0
Caribe
1,8
Honduras
1,5
0
1
2
3
4
5
6
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em cifras oficiais.
Neste contexto de maior crescimento e melhores preços de alguns produtos básicos, em cuja
produção a Região é especializada, cabe esperar um aumento das receitas públicas públicos e, na medida em
que o incremento da demanda do setor privado o permita, uma gradual diminuição do consumo público ao
longo do ano13. No entanto, nos países mais especializados em bens elaborados com uso intensivo de
recursos naturais, o aumento da receita fiscal incrementará a capacidade dos governos de impulsionar
medidas de estímulo da atividade interna. Os gastos de capital são de ajuste mais lento e seguirão
incrementando-se, em conseqüência de alguns projetos iniciados em 2009, mas, isto não impedirá a melhora
do saldo fiscal.
À medida que o crescimento se consolide e se acerque do crescimento potencial, poderia registrarse uma aceleração inflacionária moderada que daria lugar, talvez até o fim do ano, a certo grau de rigidez
da política monetária. Isto, contudo, colocará os bancos centrais, uma vez mais, frente à disjuntiva de
priorizar a estabilidade do nível de preços ou limitar a valorização das moedas, num contexto em que é
altamente provável que continuem as pressões à apreciação das moedas nacionais, derivadas do excesso de
oferta de divisas, como conseqüência da abundante liquidez dos mercados internacionais.
Neste sentido, ainda que se deva esperar que o saldo da conta-corrente da balança de pagamentos
se deteriore em relação ao de 2009, sobretudo pela recuperação das importações, é altamente provável
que a disponibilidade de financiamento externo, juntamente com o aumento dos recursos por investimento
13
Alguns países já começaram a diminuir o gasto corrente em 2009 e outros, como o México, anunciaram
programas de reforma na área fiscal, que vão gerar um importante aumento da arrecadação tributária.
34
estrangeiro direto, permita não só cobrir este déficit maior, mas também continuar recompondo os níveis
de reservas internacionais.
O crescimento da economia permitirá aumentar a taxa de ocupação e, provavelmente, melhorará a
qualidade do emprego, e é possível que isto seja acompanhado por um incremento da taxa de participação
que compense, de forma parcial, o impacto na taxa de desemprego. Contudo, estima-se que esta poderia
sofrer uma retração para cerca de 8%, e situar-se num ponto intermediário entre os níveis prévios e
posteriores à crise. Isto, por sua vez, teria um efeito positivo nos indicadores de pobreza.
Quadro I.3
ESTIMATIVA DO PIB POTENCIAL
O crescimento potencial de uma economia, entendido como aquele em que se materializa o pleno emprego dos recursos
produtivos, é um dos conceitos mais relevantes para a análise econômica, em particular para a tomada de decisões de
política econômica. Contudo, o produto potencial da economia não é observável sendo, portanto, necessário estimá-lo.
Este quadro apresenta uma explicação sintética da estimativa do crescimento potencial da América Latina
para o período 1980-2020, mediante a aplicação da metodologia da função da produção, cuja principal vantagem é a
de estar fundamentada num modelo teórico sólido, do qual carecem outras metodologias puramente estatísticasa.
Para aplicar esta metodologia, é necessário estimar a produtividade total dos fatores, e avaliar os produtivos
(emprego e capital) em seu nível potencial.
A produtividade total dos fatores é obtida da diferença entre as taxas de variação do Produto Interno Bruto
e das de emprego e acervo de capital, esta última ajustada por um índice de utilização da capacidade instalada.
O acervo de capital dos diferentes tipos de ativos produtivos disponíveis na economia é estimado, desde
1950, a partir da seguinte fórmula:
Tj
K
p
t, j
onde
= ∑I j ,t −τ R j ,τ E j ,τ
τ =0
I j ,t −τ é o investimento de idade τ expresso a preços constantes, R j ,τ é a função de retirada que determina a
proporção do investimento realizado há τ que existe atualmente, e
E j ,τ representa o perfil da relação entre a idade e a
eficiência, que caracteriza a perda de eficiência produtiva dos ativos à medida que envelhecem.
A fim de realizar a análise com maior cobertura geográfica e temporal, só foram considerados dois tipos de
ativos produtivos: maquinarias e equipamentos, e construçãob, que se supõe terem vidas médias de 20 e 50 anos,
respectivamentec.
Para obter o fluxo de serviços de capital, se coleta o efeito das variações na utilização da capacidade
instalada ao longo do ciclo de negócios. Dado que esta variável é particularmente difícil de medir, as variações na
utilização da capacidade instalada são aproximadas, utilizando-se séries de consumo de energia.
O emprego a nível potencial é medido descontando a população economicamente ativa, publicada pela
Organização Internacional do Trabalho (OIT), a taxa tendencial de desemprego. Esta última se estima aplicando o
filtro de Hodrick-Prescott.
Nos resultados apresentados no gráfico deste quadro observa-se que o crescimento potencial da América
Latina aumentou em forma sustentada nas duas últimas décadas - de taxas ligeiramente superiores a 2% observadas
no início dos anos noventa a taxas superiores a 4% nos últimos anos. Este aumento sustentado no tempo é resultado
principalmente dos incrementos na produtividade e no capital. Neste sentido, cabe destacar que o aumento das taxas
de investimento explica a alta da taxa de crescimento potencial de 2004 a 2008, e permitiu um crescimento efetivo
acima do seu potencial, tendência quebrada em 2009, quando o crescimento efetivo do PIB foi muito inferior ao seu
potencial. Contudo, a expectativa é que em 2010 a taxa de crescimento do PIB volte a situar-se acima do potencial.
35
Quadro I.3 (conclusão)
AMÉRICA LATINA: CRESCIMENTO DO PIB POTENCIAL
(Em porcentagens)
7
6
5
4
3
2
1
0
-1
PIB potencial
2020
2018
2016
2014
2012
2010
2008
2006
2004
2002
2000
1998
1996
1994
1992
1990
-2
PIB real
Fonte:
a
b
c
Aravena, “Estimativa do Crescimento Potencial da América Latina”, Santiago do Chile, Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe (CEPAL), 2009, inédito.
O crescimento potencial da América Latina foi calculado baseando-se no crescimento da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia,
Equador, Estado Plurinacional da Bolívia, México, Paraguai, Peru, República Bolivariana da Venezuela e do Uruguai.
Com base nas cifras oficiais da formação bruta de capital fixa de cada país.
Se realiza uma análise de sensibilidade para diferentes vidas médias e velocidades de perda de eficiência e, em seus casos
extremos, a taxa de variação de capital registra alteração menor que 10%.
2. Os riscos derivados do cenário externo
Além dos problemas que persistem em algumas economias da Europa Oriental, resta saber se as
economias desenvolvidas poderão crescer com sua própria dinâmica à medida que sejam retirados os
numerosos estímulos derivados das políticas contracíclicas implementadas nos Estados Unidos e na
Europa. Isto, somado ao aumento do desemprego e à persistente volatilidade do mercado financeiro
internacional, põe em dúvida a solidez da recuperação iniciada em 2009.
Como mencionado, a política monetária expansionista, liderada pelos principais bancos centrais
do mundo e seguida pelas economias emergentes, permitiu reduzir as taxas de juros interbancários a
níveis historicamente baixos (vide gráfico I.22). Contudo, esta maior liquidez não se traduziu num
aumento do crédito ao setor privado, que se desacelera em grande parte do mundo e, inclusive, começou a
cair em termos interanuais, nos Estados Unidos e na zona do euro14.
14
A América Latina e o Caribe não tem sido exceção dessas tendências, como indicado na seção D.2.
36
Gráfico I.22
TAXAS DE JUROS INTERBANCÁRIAS a
(Em porcentagens)
6
10
5
8
4
6
3
4
2
2
2007
2008
Estados Unidos (eixo esquerdo)
Japão (eixo esquerdo)
Área do euro (eixo esquerdo)
Países em desenvolvimento (eixo direito)
Set
Jun
Mar
Set
Dez
Jun
Mar
Set
Dez
Jun
Mar
Set
2006
Dez
Jun
Mar
Set
2005
Dez
Jun
Mar
Set
2004
Dez
Jun
Mar
Set
2003
Dez
Jun
0
Mar
1
0
2009
Fonte:
a
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base nas cifras oficiais, e Fundo Monetário
Internacional (FMI).
Média móvel de três meses.
A restrição creditícia se refere a uma combinação de fatores que limitam tanto a oferta como a
demanda, em consonância com a queda do nível de atividade e as perdas de riqueza enfrentadas pelos
agentes econômicos, sobretudo até fins de 2008. Desde então, as entidades bancárias estão dedicadas a
reconstruir seus deteriorados balanços e reduzir sua exposição, pelo que mantêm maior liquidez com o
fim de enfrentar potenciais dificuldades. A esta atitude mais conservadora dos bancos se soma a
deterioração da solvência de muitas empresas que viram seus balanços afetados pela crise, restringindo a
possibilidade de cumprir com os requisitos para a obtenção de créditos.
A economia mundial enfrenta o desafio de incrementar o crédito, a fim de acelerar a recuperação,
em especial o que se refere ao financiamento do consumo e às pequenas e médias empresas. Isto ocorre
num momento em que se espera um forte aumento da demanda de financiamento por parte dos setores
públicos de muitos países desenvolvidos, os quais necessitarão financiar volumosos déficits originados
das políticas de estímulo fiscal.
37
Gráfico I.23
CRESCIMENTO DO CRÉDITO BANCÁRIO AO SETOR PRIVADO a
(Em porcentagens)
45
35
25
15
5
2004
2006
2007
2008
África e Oriente Médio
Ásia em desenvolvimento (sem a China)
Europa em desenvolvimento
China
Estados Unidos
Área do euro
Set
Jun
Mar
Set
Dez
Jun
Mar
Set
Dez
Jun
Mar
Set
Dez
Jun
Mar
Set
2005
Dez
Jun
Mar
Set
Dez
Jun
Mar
Set
2003
Dez
Jun
Mar
-5
2009
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base nas cifras oficiais.
a
Média móvel de três meses do crescimento interanual.
Apresenta-se, então, uma tensão entre a necessidade de manter os estímulos derivados das
políticas públicas, na medida em que a demanda do setor privado demora a se recuperar, e a crescente
dificuldade que isso implica para o acesso ao crédito de empresas e consumidores e a necessidade de
financiar os enormes déficits acumulados em alguns países. Tudo isto ocorre num contexto em que a
oferta permanece restringida por causa das incertezas e da preferência de liquidez que ainda caracteriza os
mercados financeiros.
Outro risco importante é que a preocupação por fechar os déficits fiscais prevaleça sobre outros
objetivos da política e que isto conduza a uma retirada prematura dos estímulos fiscais e monetários que,
até o momento, têm sido a principal sustentação da demanda e o impulso fundamental, e em alguns casos
o único, da recuperação da economia mundial.
3. Os desafios além do curto prazo
Existe grande probabilidade de que a crise dê lugar a profundas mudanças no cenário internacional e que
estas gerem um ambiente menos favorável ao crescimento do que aquele que a Região enfrentou entre
2003 e 2008. Em primeiro lugar, é factível que após a crise o mundo se caracterize por um menor
crescimento global a partir de uma queda do dinamismo da demanda agregada dos países desenvolvidos,
compensada parcialmente pelo aumento da demanda agregada dos países em desenvolvimento.
38
Como conseqüência, cabe esperar que as economias emergentes assumam um papel
protagonista no crescimento mundial, porém numa conjuntura de desaceleração de fluxos comerciais. A
queda da demanda de importações por parte das economias desenvolvidas estreitará o espaço para que
as economias emergentes possam colocar seus produtos nestes mercados, exacerbando a competição e
incentivando, ao mesmo tempo, a adoção de estratégias de crescimento mais orientadas aos mercados
internos, pelo menos nas economias de maior tamanho relativo. Ao mesmo tempo, isto põe em relevo a
necessidade de redefinir padrões de especialização produtiva e comercial, incentivando, por um lado a
inovação, a incorporação de conhecimento e a diversificação dos produtos e, por outro, a procura de
uma estrutura de mercados de destino altamente diversificada e com elevada participação dos mercados
asiáticos.
Por outro lado, a crise financeira global propiciou a manifestação da necessidade de se reformar a
arquitetura financeira internacional. Mesmo que o impulso reformador se debilite à medida que a
recuperação da economia global se consolide, caberia esperar a formação de um novo modelo de
funcionamento do sistema bancário, mais transparente, com menores incentivos para a tomada de riscos e
níveis de alavancagem mais baixos. Isto poderia significar uma redução dos fluxos financeiros
internacionais e, em conseqüência, uma reversão parcial do processo de integração financeira registrado
até a crise.
Ainda que os efeitos nas taxas de juros internacionais deste conjunto de fatores não sejam claros,
existe o risco de estas aumentarem, em virtude das previsões de um aumento sustentado da dívida pública
de alguns países desenvolvidos. Ao mesmo tempo, não se prevêem reformas tributárias ou fiscais que
permitam divisar uma redução da demanda de recursos por parte do setor público desses países. Não
obstante, esta situação pode mudar à medida que se conscientizem dos riscos que significam para o
crescimento e se introduzam essas reformas, e que haja mudanças nas taxas de poupança.
Contudo, é altamente provável que se reduzam relativamente os fluxos de recursos desde os
segmentos mais exigentes do mercado de capitais internacional dirigidos aos países com maior risco
relativo, produto de uma atitude mais cautelosa após a crise financeira, assim como por possíveis
mudanças da regulamentação que limitem a tomada de riscos. Poderiam assim, acentuarem-se as
diferenças entre os países em desenvolvimento quanto ao acesso aos recursos do mercado internacional de
capitais, devendo os menos favorecidos, ou em situações macroeconômicas vulneráveis, apoiar-se mais
no financiamento proveniente dos organismos multilaterais, ou recorrer aos segmentos de financiamento
mais caros e desvantajosos do mercado.
Cabe perguntar, então, como vamos inserir a Região num mundo caracterizado, por um lado, por
um menor crescimento dos países desenvolvidos e maior participação daqueles em desenvolvimento, no
crescimento global e, por outro, por sistemas financeiros sujeitos a regulamentações e supervisões mais
estritas, com menor dinamismo dos mercados de crédito e maiores taxas de juros. Além disso, é
necessário analisar como efetuar essa inserção, para poder crescer de maneira sustentável, a uma taxa que
permita satisfazer adequadamente as necessidades sociais e, ao mesmo tempo, distribuir, de modo mais
equitativo, os frutos desse crescimento.
A saída da crise parece ser bastante mais rápida do que se esperava, em grande medida pela
solidez interna que os países da Região construíram graças à adoção de políticas macroeconômicas mais
saudáveis. A recuperação de vários dos fatores que motivaram a demanda em anos prévios à crise,
somada, em muitos casos, a um forte impulso proveniente das políticas públicas, permite, num contexto
elevado de capacidade ociosa, uma rápida recuperação em 2010. Mas como transformar esta recuperação
num processo de crescimento mais duradouro?
39
Responder esta pergunta de modo taxativo supera o objetivo e as possibilidades desta publicação e,
por isso, nos limitamos a analisar brevemente o papel que cabe, neste sentido, às políticas públicas. À parte
das diferenças entre os países, certas características comuns das economias da América Latina e do Caribe
destacam a importância da presença do Estado. No curto prazo, frente à necessidade de compensar os efeitos
da crise, os Estados da Região responderam na medida das suas capacidades o que, ao mesmo tempo, pôs
em evidência as importantes diferenças existentes neste âmbito entre os países. No entanto, o objetivo de
retomar uma rota de crescimento sustentado apresenta desafios novos e mais complexos. Por este motivo, a
criação e a ampliação do espaço de política, através do imprescindível aumento – salvo poucas exceções –
dos recursos disponíveis para o financiamento dessas políticas, a criação de instrumentos e o fortalecimento
institucional, sobretudo no que diz respeito às instâncias de coordenação, é uma tarefa fundamental que os
países da Região têm pela frente.
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