Superior Tribunal de Justiça SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA Nº 1.271 - SC (2010/0128315-6) RELATOR REQUERENTE REQUERIDO INTERES. : MINISTRO PRESIDENTE DO STJ : UNIÃO : DESEMBARGADORA FEDERAL RELATORA DO AGRAVO DE INSTRUMENTO NR 50037424720104040000 DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2A REGIÃO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DECISÃO A União e a Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel ingressam com o presente requerimento para suspender os "EFEITOS DO INDEFERIMENTO DA TUTELA RECURSAL proferida nos autos do Agravo de Instrumento de nº 5003742-47.2010.404.0000/SC, interposto em face da decisão exarada na Ação Civil Pública nº 5000930-57.2010.404.7202/SC" (fl. 1), do Juiz da 1ª Vara Federal de chapecó, Seção Judiciária de Santa Catarina, o qual concedeu liminar cuja parte dispositiva possui o seguinte teor: "Ante o exposto: a) defiro o pedido de liminar (art. 12 da Lei 7.347/85), para o efeito de IMPEDIR que o IBAMA expeça Licença de Operação até que sejam cumpridas e analisadas as medidas a seguir expostas, que deverão ser realizadas pela Foz do Chapecó Energia SA; b) determino que a Foz do Chapecó Energia SA, no prazo de 30 (trinta) dias, apresente ao IBAMA: b.1) proposta de mitigação dos impactos causados à ictiofauna do Rio Uruguai, considerando, para tanto, a viabilidade de construção de um canal lateral/migração/natural, que garanta o acesso dos peixes entre o reservatório e a jusante do rio, como mecanismo de transposição, sem prejuízo da manutenção do projeto da Estação de Piscicultura de São Carlos como medida compensatória dos danos causados à ictiofauna. Esses estudos complementares devem considerar, além da viabilidade concreta da implantação, a experiência de implantação do canal lateral na usina Itaipu Binacional, bem como a informação dos técnicos do MPF de que a construção do canal lateral de migração resultará, também, no aumento da vazão entre o Documento: 11462905 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJ: 27/08/2010 Página 1 de 13 Superior Tribunal de Justiça barramento e a casa de força, diminuindo os impactos causados à jusante; b.2) novos estudos para definição da vazão remanescente do trecho à jusante do Rio Uruguai até a casa de força, considerando não só a série histórica (1940 a 1994), como também múltiplos (demanda sanitária, ecológica, de abastecimento humano e industrial, dessedentação de animais, geração de energia elétrica, irrigação, navegação, lazer, dentre outros), sem prejuízo da exigência feita pelo IBAMA quanto ao plano de saneamento dos Municípios do entorno da usina; b.3) projeto considerando a retirada total (100%) da vegetação de grande e pequeno porte na área a ser alagada pelo reservatório, devendo constar, inclusive, o destino da vegetação retirada, conforme juízo técnico do IBAMA, bem como a reserva necessária à proteção da ictiofauna e piscicultura, conforme previsão contida no art. 3º da Lei 3.824/60; Saliento que a partir da presente decisão, e até que não seja proferida ordem judicial contrária, fica a Foz do Chapecó Energia SA impedida de iniciar o processo de enchimento do reservatório, mesmo que em caráter de simulação. c) apresentados os estudos complementares pelo órgão empreendedor, determino ao IBAMA, no prazo de 30 (trinta) dias, a análise dos projetos, nos termos da fundamentação exposta na presente decisão, procedendo à imediata juntada das correspondentes decisões aos autos; Para o caso de descumprimento da presente decisão, desde já fixo multa diária no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais)" (fls. 262-263). Preliminarmente, para efeito de demonstrar o interesse jurídico, esclarecem que se trata, in casu, "da implantação da Usina Hidrelétrica de Foz do Chapecó, empreendimento de geração de energia em construção no Sul do país e incluído no Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, do Governo Federal. Cumpre aclarar ainda que esse empreendimento terá potência nominal instalada de 855 MW, que corresponde a energia suficiente para o abastecimento de 25% do consumo do Estado de Santa Catarina, ou 18% do consumo do Rio Grande do Sul" (fl. 2). Ademais, "compete ao Poder Público a prestação de serviços direta ou indiretamente, nos termos do artigo 175 da Carta Magna, categoria a que pertence, inquestionavelmente, o fornecimento de energia elétrica à população, sendo certo que as funções de fiscalização, incentivo e planejamento compete ao Estado, na condição de agente normativo e regulador da atividade econômica, consoante Documento: 11462905 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJ: 27/08/2010 Página 2 de 13 Superior Tribunal de Justiça asseverado pelo artigo 174 da Constituição" (fl. 2). Ressaltam, ainda sob este enfoque, que, "ao ser ofertado na licitação, o empreendimento, como é o caso do Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) de Foz do Chapecó, já está totalmente incorporado ao planejamento setorial energético, tornando-se uma peça indispensável para que os objetivos deste sejam atingidos" (fl. 5), e que, "de acordo com as informações prestadas da Secretaria de Energia Elétrica do MME, através de NOTA TÉCNICA/DMSE/SEE nº 34/2010 (doc. Anexo), a Foz do Chapecó Energia S.A. tem compromisso de inicial a operação comercial da primeira unidade geradora até 31/08/2010. Esse breve lapso temporal configura o periculum in mora a exigir a interposição da presente medida de urgência" (fl. 6). Sobre os fatos da causa, narram as requerentes que: "Cuida-se, o feito de origem, de ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e a empresa Foz do Chapecó Energia S.A., através da qual o requerente pleiteia seja deferida antecipação de tutela, com a cominação de multa diária por eventual descumprimento [...] [...] Assim, em síntese, o pleito do MPF versa sobre três aspectos principais, quais sejam: (i) Revisão da proposta de mitigação dos impactos sobre a ictiofauna (peixes), considerando a construção de um canal artificial lateral; (ii) Revisão da proposta de vazão remanescente para o trecho de vazão reduzida (trecho após o barramento), considerando questões ecológicas; (iii) Supressão de 100% da vegetação da área que será alagada pelo reservatório da usina hidrelétrica. O Juízo recorrido entendeu por bem deferir a medida liminar pleiteada pelo Ministério Público Federal [...] [...] Dessa decisão foram interpostos recursos de agravos de instrumento pela União (5003742-47.2010.404.0000/SC), pelo IBAMA (5004103-64.2010.404.0000/SC) e pelo empreendedor (5003695-73.2010.404.0000), não obtendo, contudo, a antecipação dos efeitos da tutela recursal requerida. A E. Relatora decidiu da mesma forma nos três agravos [...] [...] Diante dos graves efeitos que essa decisão causa ao interesse, a economia e a ordem pública, faz-se necessário o presente Documento: 11462905 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJ: 27/08/2010 Página 3 de 13 Superior Tribunal de Justiça pedido de suspensão [...]" (fls. 10-18). Quanto aos requisitos para o deferimento da suspensão, afirmam que "o Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) Foz do Chapecó é um dos mais importantes projetos de geração de energia em construção no Brasil, tanto que é uma das prioridades do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, do Governo Federal" (fl. 21). Com capacidade de abastecer 25% do consumo do Estado de Santa Catarina ou 18% do consumo do Rio Grande do Sul, sustentam, que parte da energia produzida "suprirá o crescimento da demanda do país. Outra parte será destinada à substituição da geração de termelétricas (gás e carvão) que geram um passivo ambiental maior e cujo custo é superior ao das hidrelétricas, inclusive onerando os cofres públicos pela necessidade de receberem subsídios com recurso da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) criada pela Lei 10.438/2003" (fl. 21). No tocante ao aspecto econômico, alegam: "Ressalte-se que esse empreendimento, ao longo de suas fases de implantação, trouxe desenvolvimento e qualidade de vida a toda a região, com a criação de mais de 6 mil empregos diretos e indiretos, sendo que atualmente a estimativa é de que o empreendimento emprega, diretamente, mais de 2.500 pessoas. A construção da Usina Hidrelétrica Foz do Chapecó envolveu a aquisição de aproximadamente 1.600 propriedades. A área total de terras que precisou ser desapropriada para fins de formação do reservatório artificial de água (lago) possui 3.923 hectares. No entanto, o total de áreas adquiridas ronda aproximadamente 17 mil hectares, haja visto todos os programas de remanejamento e compensação ambiental levados a efeito pelo empreendedor. Destaca-se também as cifras para a construção de um empreendimento desse porte, da ordem de mais de R$ 2 bilhões de reais. O prejuízo diário pela paralisação no andamento dos trabalhos e atraso no cronograma de entrada em operação da usina, apenas para se ter uma idéia, é de centenas de milhares de reais, pois a obra envolve grande número de maquinários alugados e, como já colocado, milhares de empregados. O cronograma das obras e a entrada em operação do empreendimento são estipulados no Contrato de Concessão firmado entre a requerente e a União, por intermédio da ANEEL. O Segundo Termo Aditivo ao Contrato de Concessão nº 128/2001, ora juntado, demonstra o rígido cronograma a ser seguido, já que a energia é Documento: 11462905 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJ: 27/08/2010 Página 4 de 13 Superior Tribunal de Justiça necessária face ao aumento da demanda no país, fato público e notório que vem sendo noticiado cotidianamente em rede Nacional. [...] Portanto, para não incorrer nas penalidades previstas na Cláusula Décima do referido Contrato, a primeira unidade geradora deverá iniciar sua operação comercial até 31/08/10, para que isso ocorra, sem atrasos no cronograma estabelecido, vez que é preciso realizar previamente o enchimento do reservatório, é necessária a emissão da Licença de Operação pelo IBAMA" (fls. 21-24). Acrescentam, ainda, que "as obras desse empreendimento, tendo em vista o cronograma [...], se encontram em avançado estágio: o canteiro de obras para construção da casa de força e do vertedouro já foram executados, os túneis de adução (que levam a água até as turbinas) já foram concluídos e o rotor da turbina da Primeira Unidade Geradora já foi montado, faltando apenas a concessão da licença de operação para a Usina Hidrelétrica Foz do Chapecó passar a gerar energia" (fl. 24). Quanto à arrecadação de tributos, esclarecem: "Cumpre destacar também que essa obra tem trazido, desde sua implantação, milhões de reais em impostos e tributos aos municípios da região, especialmente aos municípios que foram o canteiro de obras (Águas de Chapecó – SC e Alpestre – RS), que vêm recebendo vultosas quantias a título de ISS, em valores que superarão 16 milhões de reais. Sendo previstos para a região, após a entrada em operação do empreendimento, um grande fomento na arrecadação tributária da região. Isso porque tal fato marca o início do pagamento de ICMS sobre a energia gerada, e o pagamento de compensação financeira aos 12 municípios da região, como compensação pela utilização de parte de seu território pelo empreendimento, conforme previsto nas Leis nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989; nº 8.001,de 13 de março de 1990; e nº 9.648, e 27 de maio de 1998. Para se ter uma idéia o pagamento da compensação financeira é equivalente a 6,75% do valor da energia produzida [...] [...] A estimativa é que sejam pagos mais de 16 milhões de reais por ano a título de compensação financeira. Sendo assim, cada dia de atraso na entrada em operação do empreendimento é um dia a menos de arrecadação de centenas de milhares de reais para a União, Estado e Municípios afetados" (fls. 24-25). Afirmam, por outro lado, que, "considerando que o licenciamento Documento: 11462905 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJ: 27/08/2010 Página 5 de 13 Superior Tribunal de Justiça ambiental é um procedimento administrativo cujos atos são vinculados e condicionados pelo anterior, a lesão à ordem administrativa in casu foi perpetrada no momento em que o órgão licenciador competente – no caso o IBAMA –, no exercício de suas funções inerentes às autoridades legalmente constituídas, se viu impedido de continuar conduzindo o procedimento administrativo de licenciamento" (fl. 26). Sem a licença de operação, continuam, "não é possível iniciar o enchimento do lago e, ato contínuo, iniciar a operação da Usina" (fl. 27). A respeito do meio ambiente, alegam que "para todos os estudos determinados na liminar já havia prévia decisão do órgão ambiental" (fl. 28), assim: "Para a atividade de supressão vegetal foram feitos estudos, notadamente de modelagem matemática, devidamente aprovados pelo órgão ambiental, que atestaram a quantidade de supressão necessária à manutenção da qualidade da água. Essa quantidade já foi suprimida pela requerente, conforme reconhecido pelo órgão ambiental nos autos de origem. Além disso, não se tem sequer notícia de que para a construção de qualquer usina hidrelétrica procedeu-se à supressão de 100% da vegetação existente no reservatório! Trata-se, portanto, de uma determinação absolutamente desnecessária para a manutenção da qualidade da água, conforme já declarou o órgão ambiental. Aliás, não apenas é desnecessária como lesiva ao meio ambiente, na medida em que deixa de haver vegetação inundada para a proteção da ictiofauna e torna-se necessário abrir acessos em áreas de preservação permanente. Por fim, cuida-se de decisão inexequível, dada a existência de áreas íngremes, de difícil acesso, que colocam em risco à vida do trabalhador, e impedem o desmatamento. Quanto à construção de um canal artificial lateral para os peixes, também há estudos comprovando a sua inaplicabilidade para o caso concreto, bem como apontando medidas mitigadoras e compensatórias mais adequadas. Dentre esses estudos e medidas podem ser citadas a implantação da Estação de Piscicultura, a implantação do Sistema de Transposição Misto de Captura e Transporte, o Convênio para doação de alevinos e o Programa de Monitoramento de Ictiofauna. Destaque-se que a implantação das medidas acima descritas foi aprovada pelo IBAMA, após realizar a análise dos estudos técnicos apresentados. Cuida-se, portanto, de decisão liminar que determina o atraso de um empreendimento de relevante interesse público para que se faça um estudo que na verdade já foi feito, e para que se analise a hipótese de construção de um canal artificial já declarado como ineficiente pelo IBAMA. Por fim, a vazão mínima está determinada há vários anos pelo órgão ambiental, e diz respeito apenas aos períodos críticos, de seca extrema. O IBAMA já atestou que essa vazão não causa impacto Documento: 11462905 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJ: 27/08/2010 Página 6 de 13 Superior Tribunal de Justiça ambiental não mitigável, de sorte que não são necessários novos estudos sobre esse assunto. O que há, simplesmente, é uma discordância do MPF, o que não é suficiente para elidir a presunção de legalidade, veracidade e legitimidade do ato da administração, e bem assim a discricionariedade administrativa do IBAMA" (fls. 28-29). Igualmente ressaltam as requerentes que "o órgão técnico do Ministério das Minas e Energia assevera [...] que caso a usina em questão não entre em operação comercial na data prevista, a providência inafastável para suprir o fornecimento de energia elétrica necessária para o país será o acionamento de usinas termelétricas, cujo custo, em caso de despacho obedecendo à ordem de mérito, equivaleria a grandeza de mais de R$ 455,6 milhões, dados confirmados também pelas notas dos órgãos técnicos da ANEEL" (fl. 36). Como consequência, a atividade das referidas "centrais termelétricas implica [...] em uma emissão adicional de gás carbônico na atmosférica estimada em 3,9 milhões de toneladas ao ano" (fl. 36). Passo a decidir. No caso em exame, tem-se um embate travado entre a União e a Aneel de um mesmo lado, que afirmam estarem presentes todos os requisitos técnicos necessários ao prosseguimento da implantação da UHE Foz do Chapecó, havendo fiscalização e acompanhamento suficientes para o empreendimento, e o Ministério Público Federal, acompanhado pela liminar de primeiro grau, que defende a necessidade de mais estudos ambientais. Discussão semelhante já foi enfrentada pela Corte Especial no julgamento do AgRg na SS n. 1.863/PR, da minha relatoria, publicado em 12.3.2009, que desproveu o recurso mediante a seguinte fundamentação: "O agravo regimental do Ministério Público Federal, por sua vez, deve ser improvido. A inicial da União esclarece, à fl. 16, que se está 'tratando aqui da Usina Hidrelétrica de Mauá - UHE Mauá, localizada no rio Tibagi, Município de Telêmaco Borba, no Estado do Paraná, empreendimento estratégico em função de sua capacidade para produzir 361 MW de potência instalada e garantia física de 197,7 (mínima energia que a usina garante dispor no mercado), incluída no Plano Decenal de Expansão de Energia - PDE, do Ministério de Minas e Energia (2006-2015), que prevê para o referido decênio um aumento de 4,8% do mercado de energia elétrica, passando de 406 bilhões de Documento: 11462905 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJ: 27/08/2010 Página 7 de 13 Superior Tribunal de Justiça kWh para 648 bilhões de kWh'. Mais adiante, diz que, 'inserida também no Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, o aproveitamento hidráulico para exploração da UHE de Mauá foi concedido em 28/06/2007, por Decreto Presidencial, ao Consórcio Energético Cruzeiro do Sul, integrado pelas empresas COPEL (51%) e ELETROSUL (49%)' (fl. 16) e que a licença de instalação já foi emitida. A obra em debate, executada dentro de um projeto maior, envolvendo a construção de outras usinas hidrelétricas, revela-se de extrema importância para a população brasileira, que vem crescendo a cada dia. Na seqüência do crescimento populacional, a todo momento pessoas são inseridas na sociedade, ingressam nas faculdades e no mercado de trabalho, constituem famílias e, como conseqüência desse ciclo de vida, surge a necessidade de edificar hospitais, escolas e residências, de implantar infra-estrutura, de melhorar o sistema de transporte, de gerar empregos, etc. Tudo isso depende, sem dúvida alguma, da geração de energia em montante capaz de atender às demandas da população, sobretudo a elétrica. Sob esse enfoque, é evidente que as decisões a respeito de como aumentar a geração de energia devem ser tomadas e executadas com celeridade. No caso presente, a ação civil pública foi proposta em 1999, e o Ministério Público Federal, ora agravante, esclarece que as discussões sobre a Bacia Hidrográfica do Tibagi já têm mais de uma década (cf. fl. 144), o que não se mostra razoável, mormente quando se considera o aumento populacional nesse mesmo período. Por outro lado, igualmente não se pode aguardar um futuro colapso no sistema elétrico brasileiro para, somente a partir daí, tomar providências urgentes, com custos mais elevados em relação a um processo normal e sem o cuidado necessário para que os empreendimentos hidrelétricos afetem pouco o meio ambiente e as comunidades ribeirinhas. O nível de produção de energia elétrica, assim, deve andar à frente da sociedade, para que, na medida do possível, ninguém fique excluído e nenhuma atividade econômica seja prejudicada radicalmente. A paralisação do projeto hidrelétrico em debate, vinculado ao PAC, diante dos muitos anos que já se passaram, de fato encerra grave risco à ordem e à economia pública. Passando a examinar a questão pertinente aos alegados danos ambientais, observo, em primeiro lugar, que a Licença Prévia (fls. 86-88), com validade até 7.12.2006, foi expedida pelo Instituto Ambiental do Paraná, vinculado à Secretaria do Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, mediante o detalhamento de nada menos que 70 (setenta) requisitos de licenciamento a serem cumpridos para a construção da usina hidrelétrica, abrangendo, de um modo geral, exigências vinculadas a profundas avaliações técnicas a respeito: (a) impacto no meio ambiente sob inúmeros enfoques Documento: 11462905 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJ: 27/08/2010 Página 8 de 13 Superior Tribunal de Justiça científicos; (b) efeitos socioeconômicos sobre as famílias e comunidades ribeirinhas e possíveis indenizações; (c) impacto em atividades econômicas locais, transporte e serviços públicos. Apresenta, ainda, como requisito, a remoção, para locais apropriados, de alguns tipos de plantas, insetos e animais com autorização do IBAMA. Na fase seguinte, o Instituto Ambiental do Paraná emitiu a Licença de Instalação (fls. 89-90), com validade até 18.3.2011, na qual foram detalhados outros tantos requisitos de licenciamento, podendo-se explicitar, por serem relevantes, a obrigatoriedade de realização de parcerias com a FUNAI, Prefeituras e Secretarias de Estado quando necessária; o resgate e manejo da fauna nativa e flora; a implementação de programas de assistência às comunidades indígenas e 'estudos relativos à Avaliação Ambiental Integrada - AAI da Bacia do Rio Tibagi, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética - EPE, quando da solicitação para Licença Ambiental de Operação' (fl. 90). Como se pode verificar, esforços estão sendo feitos, com intervenção do órgão público ambiental competente, para que seja alcançado um desenvolvimento sustentado, com a máxima proteção do meio ambiente, tudo dentro de um quadro de políticas públicas, de responsabilidade e competência do Poder Executivo. Nesse sentido, é oportuno anotar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 19.12.2008, passou por discussão semelhante, envolvendo a proteção do meio ambiente, ao julgar o Agravo Regimental na Medida Cautelar na Ação Cível Originária n. 976-0/BA, acórdão publicado em 1º.8.2008, da relatoria do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, sobre o Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional. Desse precedente, tenho como bastante emblemática, para o caso presente, a seguinte conclusão: 'O meio ambiente não é incompatível com projetos de desenvolvimento econômico e social que cuidem de preservá-lo como patrimônio da humanidade. Com isso, pode-se afirmar que o meio ambiente pode ser palco para a promoção do homem todo e de todos os homens.' Enfim, a alegação de risco ao meio ambiente, deduzida no regimental, não fragiliza, diante dos elementos contidos nos autos, a ideia de que a paralisação do projeto de construção de usinas hidrelétricas, neste momento, poderá causar grave risco de prejuízos à ordem e à economia pública." Sem dúvida, o caso presente deve seguir o mesmo destino do precedente acima, viabilizando o prosseguimento da UHE Foz do Chapecó, sobretudo pelo fato de o órgão ambiental competente defender, mediante argumentos técnicos fortes, a continuidade do empreendimento. A propósito, a Documento: 11462905 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJ: 27/08/2010 Página 9 de 13 Superior Tribunal de Justiça respeito da liminar deferida em primeiro grau, foi exarado o Parecer n. 65/2010 – COHID/CGNE/DILIC/IBAMA (fls. 157-164), no qual, em relação aos principais temas, foram apresentadas as seguintes conclusões: "Por fim, acerca do tema, entende-se que o cenário 1 de supressão total da vegetação, caracteriza-se por uma medida de difícil execução, pois há que considerar as dificuldades em efetuar o desmatamento em áreas muito íngremes e além disso os estudos recomendam a manutenção de alguma vegetação com fins de refúgio para a ictiofauna. Dessa forma, conclui-se que a remoção total da vegetação é uma medida extrema que deve ser adotada em situações que os estudos de qualidade da água apontem como uma ação necessária e ainda assim, deverá ser subtraído o montante de vegetação necessário para a proteção da ictiofauna. Com relação à vistoria efetuada pela Polícia Militar Ambiental, citada na ACP, tem-se a informar que de fato ainda há vegetação na bacia de acumulação e que o montante da vegetação a ser suprimido foi de 40% da vegetação de grande porte e 60% da vegetação de pequeno porte, ou seja, o restante ainda permanece na área a ser inundada. Portanto, o relato da Polícia Ambiental não aponta, a princípio, irregularidades do processo de licenciamento. Destaca-se que a equipe técnica do Ibama responsável pelo processo de licenciamento efetuou vistoria aérea na região, com vistas a verificar o cumprimento, por parte do empreendedor, das ações de desmatamento, conforme se pode verificar no respectivo relatório de vistoria. [...] A vazão mínima no trecho de vazão reduzida vem sendo tratada desde a época do licenciamento prévio, sendo que consta no Contrato de Concessão da ANEEL a recomendação para a adoção dessa vazão – 80% da vazão mínima média mensal (72m³/s). Após a conclusão da análise do pedido de licença de operação para o referido empreendimento, esta equipe entende que a redução da vazão acarretará alterações sobre (i) a qualidade da água; (ii) a navegação; (iii) a atividade pesqueira; (iv) a rota migratória da ictiofauna para o rio Chapecó; (v) demais usos da água, tais como lazer, notadamente no Balneário do Pratas [...] [...] É importante esclarecer que a barragem da UHE Foz do Chapecó é dotada de vertedouros de comporta e, portanto, tem durante a operação da usina o controle sobre a vazão afluente ao trecho de vazão reduzida, podendo aumentá-la ou reduzi-la, de acordo com a sua necessidade. Neste sentido, esta equipe recomenda a inserção das seguintes condições para o empreendimento a constarem em eventual licença de operação: • a vazão remanescente no TVR deverá garantir as Documento: 11462905 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJ: 27/08/2010 Página 1 0 de 13 Superior Tribunal de Justiça seguintes condições: . a manutenção do acesso embarcado da comunidade pesqueira aos pontos de pesca; . a manutenção da qualidade da água no TVR a níveis similares ao diagnosticado antes do empreendimento; . a manutenção da atividade pesqueira no trecho de vazão reduzida; . condições hidráulicas para ocorrência da migração da ictiofauna em direção ao rio Chapeçó; e . as atividades de lazer, tais como pesca esportiva e recreação de contrato primário • aumentar a vazão afluente ao TVR caso alguma das condições não sejam atendidas; • efetuar o monitoramento do atendimento a essas condições, intensificando esse monitoramento durante o primeiro ano do empreendimento; • comunicar imediatamente ao Ibama caso ocorra o descumprimento de qualquer uma das condições e informar qual ação que foi efetuada para retornar ao atendimento; • apresentar relatórios trimestrais do monitoramento efetuado. Abordar de forma conclusiva o atendimento às conclusões impostas e propor, quando necessário, ações para adequar o empreendimento às condições aqui elencadas, inclusive eventual modificação nas vazões mínimas; • com base no monitoramento efetuado e com vistas a minimizar os impactos negativos do empreendimento, propor no prazo de 01 (um) ano, um hidrograma ecológico, a ser elaborado por especialistas em hidrologia e migração de ictiofauna; e • implantar o sistema de alerta no trecho de vazão reduzida para os vertimentos do barramento; Dessa forma, esta equipe entende que é de responsabilidade do empreendedor garantir as condições supracitadas e para tanto, se necessário for, a vazão remanescente ao TVR deverá ser alterada durante a operação da usina. [...] Em relação ao mecanismo de transposição de ictiofauna, por fim, entende-se que a proposição de mecanismos de transposição principalmente unidirecionais, tais como escadas, elevadores e canais, em empreendimentos hidrelétricos dotados de grandes reservatórios é recomendável somente quando existem trechos a montante que apresentem habitats de desova e de desenvolvimento inicial de ovo e larvas, condição não verificada no futuro reservatório da UHE Foz do Chapecó. Por fim, ainda em relação à ictiofauna, esse Instituto considera importante a não supressão total da vegetação, principalmente na confluência dos principais tributários, pois espera-se que tal vegetação, mesmo que submersa, sirva como refúgio para o Documento: 11462905 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJ: 27/08/2010 Página 1 1 de 13 Superior Tribunal de Justiça desenvolvimento de juvenis das espécies sedentárias e das espécies migradoras, esses últimos, frutos do peixamento" (fls. 159-164). A preservação do meio ambiente, assim, diante dos trechos acima, foi levada em consideração e posta como objetivo pelo Ibama. A Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, por sua vez, dentro de sua competência, ofereceu parecer do qual é importante extrair as seguintes conclusões a respeito da paralisação do empreendimento: "13. Em face ao exposto, conclui-se que qualquer alteração do cronograma de implantação dessa usina implicaria em impactos elevados, sob as eferas econômica e ambiental, ao setor elétrico nacional. Conforme disposto na Tabela 1, o custo incorrido com a contratação de disponibilidade de fontes térmicas a partir de Leilões A-3, em substituição à totalidade da energia provida por Foz do Chapecó, seria estimado em R$ 547 milhões/ano. Em termos da operação do SIN, o atraso de 2 anos na entrada em operação dessa usina implicaria em acionamento de térmicas complementares, cujos custos de operação são mais elevados, até o final do ano de 2020, ou seja, seria percebido ao longo de 4 anos na operação do sistema. 14. Em relação à questão ambiental, a emissão de CO2 a partir de usinas térmicas movidas a gás natural, para o cenário mais pessimista em relação à construção do empreendimento, resultaria em uma emissão total de 76,1 Mt desse poluente à atmosfera, se considerado todo o período de concessão" (fls. 215-216). Enfim, sob os enfoques econômicos e ambientais, a liminar ora impugnada poderá causar grave lesão aos bens juridicamente tutelados pela lei de regência, cabendo o acolhimento da pretensão deduzida pelo Ibama. Ante o exposto, defiro o pedido para suspender a liminar concedida, em 9.7.2010, nos autos da Ação Civil Pública n. 5000930-57.2010.404.7202/SC, da 1ª Vara Federal de Chapecó, Seção Judiciária de Santa Catarina, juntada às fls. 240-263 do presente feito. Comunique-se ao Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e ao Juiz de primeiro grau. Documento: 11462905 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJ: 27/08/2010 Página 1 2 de 13 Superior Tribunal de Justiça Publique-se. Apensem-se os presentes autos à SLS n. 1.270/SC. Brasília, 19 de agosto de 2010. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA Presidente Documento: 11462905 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJ: 27/08/2010 Página 1 3 de 13