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O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA DA PARAÍBA: INSPIRAÇÕES TEÓRICAS,
APROPRIAÇÕES E USOS POR PROFESSORES DO ENSINO MÉDIO.
Fabio Gutemberg Ramos Bezerra de Sousa
Universidade Federal de Campina Grande
RESUMO
A presente comunicação é resultado das pesquisas realizadas no projeto “O Livro Didático de
História da Paraíba: Um Problema e seus Desafios” e tem dois objetivos centrais: 1) analisar os
livros e materiais didáticos de História da Paraíba publicados nas três últimas décadas (1970-2000);
e 2) compreender os usos e apropriações que deles fazem os professores de História das escolas
públicas e particulares do ensino médio de Campina Grande. As questões e aspectos centrais a
serem observadas em nossa análise são: a) a concepção de história e o referencial teóricometodológico que inspiram os livros e materiais didáticos, por um lado, e que orientam os
professores que os utilizam, por outro; b) as temáticas e recortes temporais mais comuns nos livros
didáticos e os mais trabalhados pelos professores em sala de aula; c) a aproximação e discussão dos
livros didáticos de História da Paraíba com os manuais de História do Brasil, chamando a atenção
para as lacunas e silêncios que apresentam em relação a esses e à produção acadêmica mais recente.
A análise dos usos e apropriações dos livros didáticos de História da Paraíba realizadas por
professores é feita tendo como referência os conceitos de apropriação e usos, respectivamente, de
Roger Chartier e Michel de Certeau; quanto às discussões sobre o ensino e o livro didático de
história, acompanhamos os debates e as preocupações dos especialistas que elaboraram os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e dos que participam do Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD). Os primeiros resultados que destacaríamos, são os seguintes: 1) em uma
primeira incursão sobre o universo teórico-metodológico de algumas obras de História da Paraíba,
observa-se que, direta ou indiretamente, as mesmas dialogam com duas vertentes historiográficas: a
tradição vinculada ao Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, também denominada de história
oficial, positivista ou tradicional, e o materialismo histórico, na sua vertente econômico e social; 2)
as temáticas mais recorrentes nestes manuais, apesar da inspiração nas duas diferentes tradições
teórico-metodológicas, seguem os marcos construídos pela história oficial na perspectiva do IHGP e
os professores de história das escolas públicas e particulares de Campina Grande, segundo
entrevistas realizadas com quinze deles, na sua maioria seguem essa perspectiva; 3) há uma grande
diferença, em termos de forma e estrutura, qualidade, entre os manuais de História da Paraíba e os
de História do Brasil, tendo esses últimos muito mais recursos, imagens e interação com os leitores.
Quanto a relação do livro didático de História da Paraíba com a produção acadêmica, pode-se
adiantar uma primeira constatação: mesmo havendo uma significativa produção de trabalhos de
pós-graduação explorando novos temas e novos objetos e utilizando novas abordagens, não se
observa a sua inclusão nos livros e materiais didáticos de História da Paraíba publicados nas últimas
décadas. Como exemplo, citaria o número significativo de pesquisas e trabalhos sobre mulher e
relações de gênero, que não aparece em nenhum dos livros e materiais didáticos publicados na
década de 1990 ou no início dos anos 2000.
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TRABALHO COMPLETO
Introdução
Nos últimos anos os professores do Departamento de História e Geografia da Universidade
Federal de Campina Grande vêm intensificando e ampliando suas reflexões sobre o ensino e o seu
significado na formação de alunos e alunas de graduação, futuros professores de história. Com a
criação do Curso Noturno, o Programa Estudante Convênio – Rede Pública (PEC-RP)1 e as
discussões do Projeto Pedagógico estas reflexões assumiram um papel central nas preocupações dos
professores; redefiniram a sua atuação na elaboração de projetos de pesquisa, dos planos de cursos,
nos métodos e recursos didáticos utilizados em sala de aula e estão, paulatinamente, modificando a
relação do curso com as escolas de ensino fundamental e médio e o programa de história no
vestibular da Universidade Federal de Campina Grande.2
O centro destas preocupações e mudanças de atitudes é o(a) aluno(a) e professor(a) que
formamos e que atua ou atuará nas escolas do ensino fundamental e médio e as possibilidades e
usos de linguagens, recursos, metodologias, materiais e livros didáticos no ensino de História.
As preocupações e justificativas para a elaboração de projetos e, neste caso, de um texto
que tem o livro didático de História da Paraíba como centro são várias: primeiro, os próprios
professores e professoras do ensino fundamental e médio constantemente indagam sobre a
inexistência ou o desconhecimento de materiais e livros didáticos acessíveis para o ensino da
História da Paraíba;3 segundo, parte dessa demanda está associada aos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), que em suas reflexões sobre o ensino de história nas séries iniciais, estimulam os
professores e educadores a começar suas atividades a partir de pesquisas e discussões sobre o
contexto mais imediato em que os alunos estão inseridos.4 Neste sentido a história local assume
outro papel na sua formação; terceiro, porque há cerca de dez anos leciono disciplinas de história
local, o que tem proporcionado, entre outras coisas, importantes experiências e discussões sobre a
produção de livros e materiais didáticos; e quarto, por conta das pesquisas e dos novos trabalhos de
dissertações e teses elaborados em cursos de pós-graduação que, apesar de tratarem de novos temas,
objetos e abordagens, até o presente momento não tiveram ressonância nos livros e materiais
didáticos de História da Paraíba publicados mais recentemente.5
Associada a estas questões é também fundamental a discussão e reflexão sobre
materiais e livros didáticos de história a partir de uma preocupação e atenção com a abordagem
1
Em 1998 o Departamento de História e Geografia criou o curso noturno que, juntamente com o Programa
Estudante Convênio – Rede Pública (PEC-RP), também criado em 1998, atende um significativo número de
professores do ensino fundamental da rede pública municipal de Campina Grande e cidades circunvizinhas.
2
Sobre o Programa de História do Vestibular Comprov/UFCG/2006, ver incorporação da discussão sobre
eixos temáticos e o debate realizado com professores das escolas públicas e particulares de Campina Grande e
Região no I Seminário de Apoio ao Ensino de História, ocorrido na UFCG no período de 22 a 24/08/2005.
3
Essa carência foi motivo de comentário em um dos primeiros manuais com objetivos didáticos de história da
Paraíba, ver Prefácio de FREIRE, Carmen Coelho de M. História da Paraíba (Para uso didático). 2a edição.
João Pessoa: A União Cia Editora, 1978:07 e foi destacada, também, pela maioria dos quinze professores da
rede pública e particular de ensino entrevistados, em 2005, pelos participantes do projeto “O Livro Didático
de História da Paraíba: um problema e seus desafios”.
4
Além desses dois fatores, não se pode desprezar o papel desempenhado por estímulos que, em certo sentido,
têm um caráter tradicional, como as constantes e comuns efemérides, que têm um grande espaço nas escolas
de ensino fundamental em todo o Brasil.
5
A maioria dos trabalhos a que tive acesso nos últimos anos é resultado de pesquisas realizadas em
programas de pós-graduação em história da UFPE, UNICAMP, USP, UFPB e UFCG. As dissertações e teses
a que me refiro, na sua maioria, ainda não foram publicadas, dentre elas destacaria as seguintes: ARANHA,
Gervácio B, 2001; SOUSA, Fabio Gutemberg R. B. de, 2001; SOUZA, Antonio Clarindo B. de, 2002;
BARRETO, Maria Cristina Rocha, 1996; CAVALCANTI, Silêde L. O., 2000; LIMA, Luciano M. de., 2001;
ROCHA, Solange Pereira da, 2001; SILVA, Alômia Abrantes da., 2000.
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teórico-metodológica e a concepção de história que inspira o seu autor ou autora. Ou seja, é
importante que a utilização dos livros e materiais didáticos em sala de aula, entre outras coisas, seja
acompanhada de uma reflexão sobre o lugar a partir do qual fala o autor (CERTEAU, 1982). Isto,
ao nosso ver, daria um novo e diferente significado ao ensino de História de uma forma geral e ao
uso de materiais didáticos por parte de professores do ensino fundamental e médio, em particular.
Na discussão sobre o ensino, o livro didático aparece enquanto um problema que tem
merecido a atenção de professores e educadores pelo Brasil afora. Foi em torno do livro didático de
História da Paraíba, do papel e significado que tem para professores do ensino fundamental e médio
e da problematização a que vem sendo submetido que foram feitas as reflexões a seguir.
Neste sentido, algumas indagações merecem uma reflexão: por que os poucos livros
didáticos de História da Paraíba editados são de difícil acesso aos professores do ensino
fundamental e médio? Por que não há uma divulgação maior deste material entre professores e
alunos? Estas indagações assumem uma dimensão ainda mais importante quando se sabe que alguns
destes livros e materiais didáticos foram publicados por órgãos e instituições públicas, como a
Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Paraíba, a editora do jornal oficial A União, a editora
da Universidade Estadual da Paraíba e, por fim, pela editora da Universidade Federal da Paraíba, o
que significa dizer que deveriam, no mínimo, estar à disposição de professores e alunos da rede
pública estadual de ensino.6
Outra questão que chama a atenção é por que os livros e materiais didáticos de História da
Paraíba, publicados recentemente, não incorporam os novos temas, objetos e abordagens tão
difundidos na academia e já presentes em algumas coleções e manuais didáticos de História do
Brasil?7 Este é outro aspecto curioso, pois na sua maioria, os livros didáticos de História da Paraíba
publicados nos últimos anos têm como autores professores das universidades federais e da
universidade estadual da Paraíba, onde exatamente as pesquisas e discussões sobre esses temas são
mais freqüentes, seja através de projetos de pesquisas coletivos ou de dissertações e teses
elaboradas em programas de pós-graduação.8
Em relação a esta última questão, pode-se adiantar uma primeira constatação: mesmo
havendo uma significativa produção de trabalhos de pós-graduação explorando novos temas e
novos objetos e utilizando novas abordagens, não se observa a sua inclusão nos livros e materiais
didáticos de História da Paraíba publicados na última década. Como exemplo, citaria o número
6
Algumas dessas indagações devem, no entanto, ser relativizadas, tendo em vista que, no Brasil, é mais
comum o que é publicado pela iniciativa privada circular e ser divulgado e não o que é publicado às expensas
do poder público, mesmo que grande parte da produção editorial de livros didáticos seja vendida ao governo
federal.
7
No projeto “O livro didático de história: problemas e desafios”, a análise de alguns livros didáticos de
história do Brasil e geral, publicados recentemente, mostra que em grande parte os autores e as editoras estão
sintonizados com o que é produzido na academia brasileira, muito embora isto nem sempre signifique uma
apropriação e diálogo sério com a produção acadêmica. Sobre esta questão, ver MUNAKATA, Kazumi.
“História que os livros didáticos contam, depois que acabou a ditadura no Brasil” In FREITAS, Marcos Cezar
de (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. 2a ed. São Paulo: Contexto, 1998:271-296 e “Indagações
sobre a história ensinada” In GUAZZELLI, César Augusto B. et. Alli. Questões de teoria e metodologia da
história. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2000:303-316.
8
Aqui é importante abrir um parêntese. Naturalmente que uma leitura mais cuidadosa dos manuais e livros
didáticos de História do Brasil, por exemplo, quase sempre tem levado a conclusão de que estar em sintonia
com o que é produzido na academia nem sempre significa incorporar seriamente aspectos das descobertas
mais recentes. Muitas vezes o que se observa é incorporação canhestra e com mero objetivo mercadológico de
temas e objetos da produção acadêmica, ver FAVESANI, Fábio. “Ler e escrever: livros didáticos” In Hélade,
Número Especial, 2001:16 e PNLD – 2005. Os trabalhos sobre livro didático que tenho orientado na
graduação apontam quase todos nesta direção, ver PEREIRA, Cid Douglas Sousa. As representações da
Proclamação da República nos livros didáticos de História do Brasil. Graduação em História, Campina
Grande, UFCG, 2005.
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significativo de pesquisas e trabalhos sobre mulher e relações de gênero,9 que não aparece em
nenhum dos livros e materiais didáticos publicados na década de 1990 ou no início dos anos 2000.10
Partindo do pressuposto de que é importante a identificação do lugar a partir do qual fala o
autor, deixamos claro para o leitor que nossas preocupações com a discussão do livro didático
partem da aproximação e diálogo com dois dos principais campos que têm marcado a historiografia
brasileira e mundial nas últimas décadas: a história social e cultural.11
Estes campos, mesmo não tendo surgido ou não estando comprometidos diretamente com
preocupações com o ensino e a educação, têm sido fundamentais na proposição de novos temas,
objetos e abordagens na história, o que tem inspirado educadores e historiadores os mais diversos,
marcando significativamente os profissionais que têm se voltado, nas suas práticas, para a questão
do ensino.
É à luz do que autores como E. P. Thompson, Natalie Zemon Davis, Robert Darnton,
Georges Duby, Jacques Le Goff, Carlo Ginzburg e outros deixaram em suas obras, do que elas
inspiram historiadores e da bibliografia que discute o ensino e o livro didático em história, que
dialogamos e problematizamos as principais obras de história da Paraíba elaboradas nas últimas
décadas para atender ao público do ensino fundamental e médio, tais como: História da Paraíba, de
José Octávio, Paraíba, conquista, patrimônio e povo, organizado por José Octávio e Gonzaga
Rodrigues; História da Paraíba em verso, de Luiz Nunes; História da Paraíba em quadrinhos, de
Deodato Borges e Deodato Filho; História da Paraíba em quadrinhos, de Emilson Ponce de Leon
Ribeiro e Emir Lima Ribeiro; Estudando a história da Paraíba: uma coletânea de textos didáticos,
de vários autores; a coleção denominada História Temática da Paraíba, organizada por professores
do Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional (NDHIR) da Universidade Federal
da Paraíba; História da Paraíba (para uso didático), de Carmen Coelho de Miranda Freire; e
Pequena História da Paraíba, de Vilma dos Santos C. Monteiro.
No que diz respeito às discussões sobre o ensino de história, em particular, acompanhamos
os debates e as preocupações dos especialistas que elaboraram os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) e participam do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) que, além de
defenderem a melhoria na qualidade do livro didático e o conceberem como um dos recursos e não
9
As autoras das dissertações de mestrado sobre gênero e história da mulher são as seguintes: Alômia
Abrantes da Silva, Silêde Leila Cavalcanti de Oliveira, Keila Queiroz da Silva e Solange Pereira da Rocha.
Ver referências dessas dissertações na nota número 4. Em relação ao lugar da mulher nos livros didáticos de
História da Paraíba publicados nos anos 1990, é importante chamar a atenção para um aspecto curioso. Em
1983, a cineasta Tizuka Yamazaki dirigiu o filme Paraíba, mulher macho, que é em certo sentido uma leitura
sobre o movimento ou Revolução de 1930. No entanto, a autora, diferentemente dos livros didáticos e das
versões dominantes sobre a história da Paraíba, ao invés de transformar o filme numa apologia a João Pessoa
e a Revolução, coloca como protagonista da trama uma mulher, a professora Anayde Beiriz, o que é uma
subversão em relação a tudo que havia sido escrito até então. Pois bem, mesmo após essa releitura heterodoxa
de um dos episódios mais decantados pela historiografia paraibana, nada mudou nas versões sobre o episódio
nos diversos livros didáticos publicados na década seguinte; neles a única referência a Anayde é que era a
noiva de João Dantas.
10
Os livros e materiais publicados na década de 1990 a que estou me referindo são os seguintes: História da
Paraíba, de José Octávio; Estudando a história da Paraíba: uma coletânea de textos didáticos, de vários
autores; e a coleção denominada História Temática da Paraíba, organizada por professores do Núcleo de
Documentação e História Regional (NDHIR) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
11
Para uma interessante síntese sobre a história cultural (que é também sobre a história social), ver
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & história cultural. 2a ed. Belo Horizonte, Autêntica, 2005. Além do
diálogo com estes dois campos, é fundamental esclarecer ao leitor que não perdemos de vista os problemas e
questões postos por historiadores e educadores pós-modernos, que de perspectivas bem diferentes das postas
pelos historiadores sociais e culturais, nos levam a refletir sobre aspectos centrais da produção do
conhecimento e das suas diferentes e complexas formas de apropriação e uso na sociedade contemporânea.
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como o único, estimulam o uso de diferentes linguagens e metodologias em sala de aula, o que
termina por redefinir o papel do manual ou livro didático no ensino.12
Com este texto e as reflexões que nele fazemos sobre os livros e materiais didáticos
utilizados no ensino de história da Paraíba, pensamos também discutir as diferentes perspectivas e
possibilidades que o professor e a professora de história têm em seu trabalho na sala de aula, que
além de proporcionar informações fundamentais aos alunos para o conhecimento da História da
Paraíba, deve fazê-lo de forma criativa e prazerosa.
O Livro Didático de História da Paraíba: Autores e Lugares
Nas páginas seguintes vamos nos ater a uma análise preliminar, a partir de diferentes
aspectos, dos lugares de que falam alguns autores dos livros didáticos de história da Paraíba
anteriormente referidos.
Em uma primeira incursão sobre o universo teórico-metodológico das obras de História da
Paraíba em circulação, observa-se que, direta ou indiretamente, as mesmas dialogam com duas
vertentes historiográficas: a tradição vinculada ao Instituto Histórico e Geográfico Paraibano,
também denominada de história oficial, positivista ou tradicional,13 e o materialismo histórico, na
sua vertente econômico e social.
Vejamos uma análise preliminar de alguns desses materiais com o intuito de identificar o
lugar teórico a partir do qual falam.
Paraíba: conquista, patrimônio e povo
Paraíba: conquista, patrimônio e povo, organizado por José Octávio e Gonzaga Rodrigues,
foi publicado originalmente no ano da comemoração do 4o Centenário da Paraíba, 1985. É uma obra
composta por textos e artigos de diversos autores escritos em diferentes épocas. Nela há textos e
documentos dos séculos XVII, XVIII, XIX e XX, o que é importante para professores e alunos
interessados em pesquisas sobre a construção da história do atual estado da Paraíba, mas também é
algo que contribui para o estudante do ensino médio se iniciar na pesquisa com documentos de
época, atividade que em muito poderá lhe ajudar quando estiver na universidade.
Os organizadores desta coletânea fizeram escolhas de textos, documentos e autores que em
muito se aproximam de uma concepção tradicional ou oficial da história da Paraíba, sendo
sintomática a publicação da sua primeira edição, financiada pelo governo do Estado, no ano da
comemoração do quarto centenário da conquista da Paraíba. Um exemplo desta assertiva pode ser
observado na seleção de textos e autores sobre a Paraíba colonial. Vemos nos períodos referentes
aos séculos XVII e XVIII desfilar documentos e textos que compõem uma história heróica ou de
instituições que estiveram na base da formação do que uma certa historiografia denomina de
“história da Paraíba” ou da formação de uma identidade paraibana ou nacional.14
12
Ver SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais: História e
Geografia. Brasília: MEC/SEF, 1997 e PNLD 2004 – Guia de Livros Didáticos para a Primeira Fase do
Ensino Fundamental, documento que define as bases para a avaliação dos livros didáticos de história para o
ensino fundamental. Ver também versão preliminar dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio, 2005.
13
Para uma discussão sobre o contexto em que surge e as principais preocupações do IHGP em seus
primeiros momentos, ver DIAS, Margarida dos Santos. Intrepida ab origine: O Instituto Histórico e
Geográfico Paraibano e a produção da história local (1905-1930). João Pessoa: Almeida Gráfica e Editora
Ltda., 1996.
14
Sobre a concepção de história e os marcos históricos que definiriam a paraibanidade, ver DIAS, Margarida
dos Santos, op. cit., 1996.
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Ao mesmo tempo, há textos assinados por professores e historiadores que se inspiram na
chamada história crítica, mais precisamente em uma leitura marxista, comum na academia no início
dos anos 1980. Aqui destacaria especialmente os textos de autoria de Inês Caminha Lopes
Rodrigues, “República Velha e oligarquias na Paraíba” e “Evolução e problemas sociais na cidade
de João Pessoa”, de Janete Lins Rodrigues.
Um outro aspecto a destacar nesta obra é a forma como sua cronologia foi organizada. Ao
invés de seguir a tradicional cronologia para a história brasileira, Brasil colônia, império e
república, foi organizada por séculos, o que não deixa de ser algo inusitado e que, em certo sentido
(muito embora dificilmente tenha sido essa a intenção dos seus organizadores), quebra ou coloca
em cheque a cronologia consagrada e reforçada pelos livros didáticos de história do Brasil.
História da Paraíba, lutas e resistências15
História da Paraíba, lutas e resistências, de José Octávio, é a obra mais completa com o
objetivo didático publicada até o presente sobre a história da Paraíba. Trabalha todo o período da
história da Paraíba: das lutas da conquista (1574) até a década de 1990, além disso, traz ao final de
cada capítulo, uma bibliografia básica comentada e uma bibliografia complementar que podem
ajudar os interessados em aprofundar os seus estudos sobre diferentes períodos da história da
Paraíba.
O autor em sua versão da história da Paraíba é informado tanto por uma concepção
tradicional ou oficial da história, influenciada pela sua formação inicial, como pelo materialismo
histórico, o que a deixa com alguns traços ambíguos, já que se volta para conceitos e temas
marxistas (trabalho, economia, resistência, lutas e movimentos sociais), mas se apropria destes de
uma perspectiva próxima a dos historiadores do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, dando
destaque a personagens da elite proprietária e intelectual e para fatos e marcos históricos em que
estas elites aparecem como protagonistas.
Vamos exemplificar tal assertiva com a reprodução e comentário de algumas passagens do
capítulo 1, intitulado “Nas origens da Paraíba”. No parágrafo de abertura do capítulo, encontra-se a
seguinte leitura: “A Paraíba nasceu sob o signo de luta que se transformou em resistência e vida.
Resistência – esse o lema que perdurou ao longo de sua história.” (OCTÁVIO, 2002:25)
Não há como não ler tal parágrafo inaugural, que também é parte do título da obra, como
mantendo uma certa linha de continuidade com a construção de uma idéia de paraibanidade,
preocupação marcante e objetivo precípuo do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, nos seus
primeiros momentos (DIAS, 1996:45-62). Ao ler tal trecho, o leitor do ensino médio ou superior
dificilmente deixará de pensar na sua história, ou na história local, como algo épico e heróico, o que
será reforçado pela obra nos sete capítulos que a compõem. Nestes, mesmo encontrando termos
caros ao pensamento marxista e partes de capítulos em que se dá destaque a resistência e luta de
índios, populares e escravos, encontra-se especialmente uma narrativa linear, eivada de nomes de
personagens masculinas, que figuram nos anais de uma história... oficial.
Mas também encontramos personagens outros, que não pertencente a elite branca,
proprietária e colonizadora. Vez por outra aparece o nome de um chefe indígena (Piragibe é alçado
à condição de herói pela paz acordada com João Tavares, que teve como resultado principal a
vitória do branco colonizador e a fundação da cidade de N. S. das Neves, bases para o início da
colonização da Paraíba e prenúncio da derrota dos Potiguara), no entanto, a impressão que fica é
que desempenha um papel funcional para a dominação portuguesa e para reforçar a tese da
conquista e história heróica e civilizadora (DIAS, 1996:50-53).
15
Ver também o texto produzido no âmbito do Projeto “O Livro Didático de História da Paraíba: um
problema e seus desafios” com análises sobre a obra de José Octávio: SAMPAIO, Paula Faustino. História da
Paraíba, uma obra em questão. Campina Grande, UFCG, 2005 (mimeo).
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Neste sentido, colocamos em dúvida a leitura introdutória à nona edição, feita por Carlos
Guilherme Mota, que em duas passagens institui um único lugar para a obra, o da história crítica:
“É um livro que está do lado da resistência cultural destas populações excluídas pelo modelo
gestado ao longo dos séculos e que agora parece ter sua hora da verdade ou quando menos, do
desnudamento”, e mais adiante, “Mas o grande personagem desta dessa história é o povo, ou
melhor, as classes populares, em sua difícil estratégia de sobrevivência e resistência.” (OCTÁVIO,
2002:08)
Caso tivesse atentado melhor para a narrativa, para os personagens centrais e para a lógica
da trama de cada capítulo da História da Paraíba, Mota teria observado como junto com a
apropriação de alguns termos, conceitos e um certo cacoete da história crítica ou marxista, José
Octávio o faz de uma perspectiva em muito caudatária da história heróica e épica elaborada pelo
IHGP desde a sua fundação, ou mesmo dos seus antecessores, como Maximiniano Lopes Machado
e Irineu Joffily.
Mas a escrita da história da Paraíba com fins de didáticos ou voltada para um público mais
amplo não começa com as duas obras comentadas anteriormente. Quando da publicação de História
da Paraíba na década de 1990 e Paraíba: conquista, patrimônio e povo, em meados dos anos 1980,
já tínhamos algumas iniciativas nesta direção. É o que podemos observar com História da Paraíba
(para uso didático), de Carmen Coelho de Miranda Freire.
História da Paraíba (Para uso didático)
A obra de Carmen Freire, História da Paraíba (para uso didático), teve a sua primeira
edição publicada por volta de 1974 e a segunda em 1978; nela percebe-se um claro compromisso
com a história tradicional ou monumental. Entre outros aspectos, isto pode ser observado no
Prefácio, assinado por José Leal, e na Apresentação elaborada pela autora, intitulada “Duas
palavras”; tal assertiva também pode ser observada nas imagens que aparecem no texto e nos
lugares que a elas são atribuídos.
Podemos iniciar comentando o Prefácio de José Leal. Nele observamos a reprodução
abundante de termos que em muito o aproximam da história positivista ou oficial. Vejamos, como
exemplo, o parágrafo de abertura do texto.
O estudo da história pátria, sobretudo no caso particular desta unidade da Federação Brasileira,
ressente-se da falta de compêndios especializados e organizados sob critérios de pureza de
linguagem e exata interpretação dos fatos ocorridos no decurso dos séculos que medeiam entre a
colonização da então capitania Real da Paraíba e os dias correntes (FREIRE, 1978:07; grifos meus).
Neste trecho e em diversos outros que compõem o Prefácio, percebem-se traços de uma
história oficial, como a construção da história pátria e a idéia de verdade em história, a partir da
preocupação com a “exata interpretação dos fatos” e com a “clareza verídica dos textos”, aspectos
que estão no centro da chamada história positivista (FREIRE, 1978:08).
Podemos mudar o foco dos comentários e analisar outro aspecto do texto que reforça a
leitura anterior, o lugar e o papel que nele tem as fotografias.
As imagens que aparecem no texto, num total de oito, apenas servem de ilustração, não
sendo o objetivo de quem as reproduziu a realização de exercícios ou discussão com o leitor, o que
as distanciam da sua recente utilização nos livros didáticos de história do Brasil e Geral, que em sua
grande maioria estimulam os estudantes a refletir sobre os seus significados e à realização de
exercícios e atividades a partir das imagens, inclusive a realização de pesquisas.
No entanto, afirmar que uma imagem aparece em um texto didático como ilustração, não
significa dizer que ela não tem uma função ou um sentido. Aqui podemos lançar mão de uma
passagem de Elias Tomé Saliba, na qual afirma que “a imagem não ilustra e nem reproduz a
realidade, ela a constrói a partir de uma linguagem própria que é produzida num dado contexto
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histórico”.16 Com certeza, tanto o olhar de quem escolhe as imagens como o lugar em que aparecem
na obra tem significados, produzem sentidos, o que significa dizer que elas contribuem para a
construção, elaboração de uma certa noção de história e, mais especificamente, de história da
Paraíba. Mas dizer isto não significa dizer tudo, pois os sentidos ou lugares atribuídos às imagens na
obra são apropriados e consumidos de diferentes e complexas maneiras pelos seus leitores; ou seja,
nem de longe pode-se pensar que as possibilidades de leitura e apropriação pelo leitor da obra e das
suas imagens se resumem às intenções e objetivos de quem a escreveu ou a editou.17
É importante também observar que o uso ilustrativo das imagens na obra comentada está
em grande parte associado ao período em que foi elaborada, às condições materiais de sua edição, a
editora que a publicou e as preocupações comuns à época quando do uso de tal material, não
devendo por isto ser motivo de grandes questionamentos por parte do analista, já que tal
procedimento era comum em manuais didáticos de história em geral.18
Passemos a ler as imagens que aparecem na obra. Na sua primeira e última capa sobressaise a idéia de história monumental, ou seu corolário, a idéia de patrimônio histórico associado aos
rastros e monumentos deixados pelas elites administradoras ou em sua homenagem.
A imagem da capa é emblemática nesse sentido: é a reprodução do monumento em
homenagem a João Pessoa na praça homônima na capital do estado. Nesta imagem vê-se o
presidente paraibano assassinado em 1930 numa postura firme e austera de administrador que
zelava pelo público, imagem imortalizada pelos livros didáticos de História da Paraíba e por uma
certa história e memória dominantes.
Naturalmente que estando em lugar tão estratégico esta imagem transmite, ou melhor,
sugere ao leitor uma certa noção de história, noção que coloca os grandes homens e vultos como
protagonistas, centro, lugar central, capa, que é a porta de entrada para o leitor, especialmente para
jovens e adolescentes e, porque não dizer, para professores do ensino fundamental e médio que, em
grande medida, transformam a história local em história de efemérides. Mais ainda quando sabemos
que João Pessoa foi alçado a um lugar de destaque no panteão da história do Brasil pelo papel que
teria desempenhado a sua morte no episódio que a ela se seguiu.19
Aqui vamos abrir um parêntese para realizar um exercício que encerra problemas, mas que
tem um sentido meramente conjectural. Em texto publicado cerca de vinte e cinco anos depois de
História da Paraíba (Para uso didático), Paulo Bernardo F. Vaz et alii reconstituem o que seriam
as atitudes de estudantes no século XXI ao se depararem com o livro didático de história em sala de
aula.
Livro de História na mão. Mais um ano letivo pela frente e muito conhecimento a ser discutido na
aula. O estudante abre o livro e passa a folheá-lo, atendo-se apenas às imagens. Vê uma aqui, outra
ali. Ri de um chapéu de um senhor de engenho, dos costumes dos personagens retratados. Espantase com as cidades antigas e as embarcações monumentais. Observa as pessoas, notando os papéis
16
Ver SALIBA, Elias Tomé. “Experiência e representações sociais: reflexão sobre o uso e o consumo das
imagens” In BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula, p. 119.
17
Para uma discussão sobre os conceitos de práticas de leitura, apropriação e consumo sob diferentes
perspectivas teórico-metodológicas, ver CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e
representações. Lisboa: Difel, 1990 e CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Artes de fazer. Vol.
1. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. Sobre a relação escrita e leitura e leitura e recepção, ver PESAVENTO, op.
cit., 2005:60-62 e 69-72.
18
Para uma rápida discussão sobre o uso das imagens nos livros didáticos hoje, ver texto de minha autoria
“As iconografias nos livros didáticos”, elaborado para o I Seminário de Apoio ao Ensino de História, ocorrido
na UFCG no período de 22 a 24/08/2005.
19
Sobre o lugar de João Pessoa na História do Brasil, ver OCTÁVIO, José, op. cit., 2002:143-193.
2491
2492
destinados a cada uma. E assim acaba por se distrair, mergulhando no universo imagético do livro
didático.20
Tal trecho, por mais que esteja sendo inserido nesta discussão enquanto um problema,
especialmente por ter sido produzido em um período e contexto bem diferentes do que o foi o de
Carmen Freire (período em que a imagem tinha outros sentidos e significados para jovens e
adolescentes no Brasil), sugere algo verossímel, algo possível de ocorrer em qualquer sala de aula
nos dias de hoje. No entanto, o leitor cético poderia indagar: seria esta a atitude do jovem estudante
da segunda metade dos anos 1970, diante do livro didático de História da Paraíba? Mais
especificamente, de História da Paraíba (Para uso didático)? A resposta a tais indagações não é
simples, mas diria que é possível sim, que alguns jovens, ao folhearem História da Paraíba de
Carmen Freire acabassem “por se distrair, mergulhando no universo imagético do livro didático”,
mesmo que essa atitude não significasse a mesma coisa que pode significar no início do século
XXI.
Hoje a imagem tem outro papel e lugar na sociedade, a educação escolar passou por
mudanças e os jovens e adolescentes já não são mais os mesmos, sendo importante destacar o
mosaico de instituições que participa ou interfere na formação e educação das gerações recentes,
especialmente os meios de comunicação de massa como a televisão e a internet.
No entanto, algo mais precisa ser dito: o mergulho no universo imagético do livro didático
hoje como ontem não significa exatamente a mesma coisa para diferentes estudantes e nem as
estratégias utilizadas por autores e editores com a reprodução de imagens nos livros didáticos
produzem o efeito que desejam no leitor, o que nos leva a pensar o processo de recepção como algo
mais complexo do que normalmente se deseja ou imagina.
Retornemos às imagens da obra de Carmen Freire. Na última capa aparecem dois outros
monumentos, que vêm reforçar a concepção de história que norteia a obra: a primeira é a imponente
porta de entrada do Forte de Santa Catarina, em Cabedelo; a segunda, o Palácio da Redenção, na
praça dos Três Poderes, em João Pessoa. As três imagens reproduzidas em lugares estratégicos da
obra, sua capa e contracapa (que é o que se vê em primeiro lugar em um livro), reforçam para o
leitor uma concepção de história em que os seus símbolos estão associados a grandes personagens e
instituições ou monumentos que são emblemas da colonização branca e portuguesa nos trópicos.
Ainda encontramos imagens nas páginas 26, prospecto da cidade de Parahyba, que não está
datada, mas é provavelmente do período colonial; fotos do Convento São Francisco na página 37;
do convento dos Carmelitas na página 41; da capela do Engenho Santo André, página 55; o
engenho da Graça, outrora pertencente a uma tradicional família paraibana, Albuquerque Maranhão,
p. 68; Igreja Matriz e igreja N. S. das Mercês e Igreja da Conceição, páginas 71 e 73 e 75; diversas
fotografias de professoras entre as páginas 185 e 193; e nas páginas 202-203 e 210, fotografias de
personagens da política e administração paraibana e da igreja católica.
Essas imagens, todas em preto e branco, apenas reforçam uma certa leitura e percepção da
história, mais uma vez associando-a a instituições, personagens e monumentos que ilustram a saga e
as obras de uma elite letrada e proprietária.
Como um contraponto às leituras mais comprometidas com um discurso ou uma versão
oficial da história da Paraíba,21 surgem diferentes obras didáticas na segunda metade da década de
1990, comentaremos uma dessas obras e/ou coleção.
O trabalho na Paraíba: das origens à transição para o trabalho livre
20
VAZ, Paulo B. F. et. Alii. “Quem é quem nessa história? Iconografia do livro didático” In GUIMARÃES,
César G. et alii. Imagens do Brasil. Modos de ver, modos de conviver. Belo Horizonte: Autêntica, 2002:47.
21
Sobre este aspecto, ver DIAS, Margarida dos S. op. cit., 1996 e a “Apresentação” de Estudando a história
da Paraíba: uma coletânea de textos didáticos, p. 03.
2492
2493
Com uma perspectiva diversa e também com um grau maior de sofisticação e refino, o que
a coloca entre as publicações também voltadas para o ensino universitário, temos as obras da
coleção História Temática Paraibana.22 É uma interessante coleção de História da Paraíba, que tem
uma especificidade em relação a outros livros e materiais didáticos: é composta por obras temáticas,
ou seja, as autoras e autores discutem a história da Paraíba desde o início da colonização, mas o
fazem a partir de temas, como o trabalho, as atividades produtivas e econômicas, a questão urbana e
a estrutura de poder.
A coleção está comprometida com uma concepção materialista da história, que dá um
destaque especial ao papel da economia e da luta de classes na sua construção. Nessas obras, os
movimentos ou resistências protagonizados por grupos marginalizados ou subalternos assumem um
papel central, mesmo que esses grupos sociais e/ou étnicos apareçam quase sempre enquanto
categorias gerais e abstratas e no mais das vezes como vítimas das tramas e urdiduras das elites e
classes dominantes.
Podemos tomar o primeiro volume da coleção para análise e discussão no presente texto.
Intitula-se O trabalho na Paraíba: das origens à transição para o trabalho livre, e é assinado por
Maria do Céu Medeiros e Ariane Norma Menezes de Sá. Logo na Introdução do primeiro artigo
que compõe a obra, “O trabalho na Paraíba escravista (1585-1850)”, Maria do Céu Medeiros
explicita, em duas passagens, o lugar teórico a partir do qual fala.
Buscamos o arcabouço teórico em autores já conhecidos pela solidez de suas construções teóricas
sempre calcado em sólido embasamento empírico. É o caso de Jacob Gorender, Caio Prado Júnior,
Clovis Moura, Décio Freitas, para nomear os mais citados. (p. 23)
Em seguida, reforça sua filiação teórica, ao afirmar que
Os conceitos por nós utilizados, fomos buscá-los no materialismo histórico – conforme evidencia a
escolha de alguns autores acima citados – por achar que ele responde melhor às nossas intenções de
colocar o estudo sobre o trabalho na Paraíba escravista no contexto de uma totalidade mais ampla
que é o escravismo no Brasil. (p. 23-24)
Em todo o restante do capítulo vimos a construção de um texto e de uma história marcada
por episódios e afirmações que instituem um lugar especial para os aspectos econômicos e sociais.
Nos três itens em que divide o capítulo, dedicados ao trabalho indígena, ao trabalho e escravo e ao
trabalho do homem livre, o leitor vê a construção de uma história de exploração, escravidão e
derrotas desses trabalhadores, o que é contraposto à sanha e aos interesses econômicos dos
colonizadores, que são movidos pelo desejo de acumular riquezas e aparecem como eternos
vitoriosos, vencedores. As lutas e resistência dos dominados resultam quase sempre em perdas e as
condições de vida e de trabalho de índios e homens livres pobres são constantemente aproximadas à
condição de escravo, chegando em algumas passagens a serem vistas como piores do que a
condição de escravo (MEDEIROS, 1999:45).
Nestes estudos, o caráter heróico e civilizatório da conquista e colonização portuguesas, tão
decantados pela historiografia oficial, passa a receber epítetos como “injustos”, “exploração”,
“dominação”, etc., aparecendo como o causador de uma situação que traz a fome, a miséria e a
exploração para escravos negros, índios e homens livres. A força que move toda a sociedade e os
22
MEDEIROS, Maria do Céu e MENEZES SÁ, Ariane N. O trabalho na Paraíba: das origens à transição
para o trabalho livre. João Pessoa: Ed. Universitária/UFPb, 1999. FERNANDES, Irene R. e AMORIM,
Laura Helena B. Atividades produtivas na Paraíba. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 1999.
GONÇALVES, Regina Célia et alii. Questão urbana na Paraíba. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB,
1999. SILVEIRA, Rosa Maria Godoy et alii. Estrutura de poder na Paraíba. João Pessoa: Ed.
Universitária/UFPb, 1999.
2493
2494
aspectos mais corriqueiros da vida dos trabalhadores é o Modo de Produção, demiurgo que a tudo
se impõe com uma "lógica inexorável", que parece estar acima dos homens e de suas vontades,
estranho poder a que E.P. Thompson não se furtou a ironizar n'A miséria da teoria (THOMPSON,
1981:184-185).
Este modelo de análise, já bastante problematizado, contribuiu para a constituição de uma
historiografia crítica e mais atenta às ambigüidades da colonização. Mesmo que de uma forma
preconceituosa e utilizando conceitos e categorias abstratas, descarnados, esta historiografia
incorporou às suas análises os problemas vivenciados
pelos
grupos marginalizados,
especialmente pelos escravos e índios (embora estes apareçam, na maioria das vezes, como
sujeitos coletivos abstratos ou como submissos e derrotados - GURJÃO, 1994:195 e 198 e
MEDEIROS e MENEZES SÁ, 1999); ela também denunciou o ufanismo e a visão épica da
conquista comum entre os historiadores do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), ao
criticar a marginalização de parcelas significativas da população que a colonização e o seu
corolário, a civilização, produzia, o que significa que são interlocutores com os quais se deve
manter constante diálogo.
Ao mesmo tempo, não se pode deixar de problematizar tais leituras, especialmente por se
recusarem a dialogar com os trabalhos mais recentes que trazem para a cena histórica novos e
diferentes problemas, objetos e abordagens. Dois aspectos podem ser destacados nesse sentido.
Primeiro a percepção que deixam ao leitor dos trabalhadores de diferentes épocas como
vítimas das ações dos grupos dominantes; ou seja, índios, negros e homens livres pobres (ou
trabalhadores e operários nos tempos mais recentes) não são sujeitos de sua própria história, mas
são movidos unicamente pela lógica do Modo de Produção, ou apenas reagem às investidas dos
brancos gananciosos e exploradores, estes sim, aparecem como sujeitos concretos e com nome, da
história.
Segundo temos a construção de uma história masculina, da qual as mulheres estão
ausentes. Ou seja, temos uma história da dominação branca e masculina que não faz qualquer
referência às mulheres e o papel por elas desempenhados em diferentes momentos da história da
Paraíba.
Um contraponto a tais leituras em que os explorados aparecem enquanto conceitos abstratos
e como vítimas e em que as mulheres estão ausentes, encontramos no texto de Luciano Mendonça
de Lima, “Uma porta estreita para a liberdade: as ações cíveis e alguns aspectos do cotidiano
escravo na Campina Grande do século XX” (VÁRIOS AUTORES, 2005:47-78). Lançando mão de
ações cíveis e processos crimes, o autor recupera fragmentos das trajetórias da escrava Maria e do
escravo Bernardo. A construção ou recuperação dessas trajetórias tem as noções thompsianas de
sujeito e agente histórico como mediadoras para a compreensão da saga cotidiana de dois escravos
em sua difícil luta pela liberdade.
Aqui os explorados têm nome, dominam em parte os códigos do mundo em que vivem,
lançam mão de diferentes estratégias, sejam individuais ou coletivas, e se movimentam em busca da
liberdade, acompanhando as possibilidades e limites oferecidos por aquele mundo que lhes é em
grande parte adverso.
A comparação que acabamos de fazer encerra alguns problemas, o principal, diz respeito ao
público para o qual tais obras são direcionadas. No caso da coleção de História Temática da
Paraíba, vê-se claramente que é obra com fins didáticos, muito embora seja também direcionada ao
público acadêmico; por outro lado, o texto de Luciano Mendonça de Lima e a obra em que está
inserido, têm o público em geral e o acadêmico como potenciais leitores. No entanto, feita tal
observação, diríamos que o lugar teórico a partir do qual cada autor fala é o que faz a grande
diferença entre os textos.
Epílogo
2494
2495
Naturalmente que os comentários anteriormente feitos não dizem tudo sobre as obras
analisadas, tendo ficado de fora aspectos que merecem uma reflexão mais cuidadosa como, por
exemplo, as temáticas e recortes temporais mais comuns nos livros didáticos analisados, os aspectos
mais trabalhados pelos professores em sala de aula, a aproximação e discussão com os livros
didáticos de História do Brasil e as lacunas e silêncios que apresentam em relação a esses e à
produção acadêmica mais recente. No entanto, deixaremos tais reflexões para produções
posteriores. No presente texto queríamos apenas deixar claro algumas linhas e traços gerais sobre a
perspectiva teórico-metodológica de quatro obras de História da Paraíba publicadas nas três últimas
décadas.
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