Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015 Ficção seriada e cultura participativa: as fanfictions da telenovela Império1 Wesley Pereira GRIJÓ2 Universidade Federal do Pampa, São Borja, RS Resumo Diante do contexto de inserção da mídia televisiva à cultura da convergência, a presente pesquisa aborda a ficção seriada a partir da produção de fanfictions no cenário brasileiro, tendo como objeto de empírico as narrativas derivadas da telenovela Império (Rede Globo, 2014). Os dados foram coletados em comunidade online de usuários brasileiros dedicada à produção, distribuição e consumo de fanfictions a partir da abordagem qualitativa, utilizando as pesquisas do tipo bibliográfica, documental e exploratória. Assim, a discussão é construída a partir da contribuições outras pesquisas sobre televisão, fanfictions, cultura participativa e convergência midiática. Palavras-chave: Telenovela; Fanfictions; Cultura participativa; Ficção seriada. Considerações Iniciais Na contemporaneidade, diversifica-se cada vez mais os modos de ver e consumir a ficção seriada televisiva: está presente em outras plataformas como o Youtube, sites, blogs e redes sociais online. Pessoas dedicam parte de seu tempo a produzir suas próprias versões das narrativas, tudo isso possibilita identificações, sobretudo àquelas concernentes ao consumo. Pensando sobre esse novo sujeito comunicativo, Jenkins (2008) afirma que ao invés de falar de produtores e consumidores midiáticos em papéis separados, agora podemos vê-los como participantes que interagem uns com os outros de acordo com novas regras. No atual cenário comunicativo, a importância da produção dos fãs3 apresenta-se tão importante para a indústria midiática que um importante blockbuster, 50 Tons de Cinza, é a versão cinematográfica do livro originado de uma fanfiction sobre Saga Crepúsculo. Em 2009, foi publicada a primeira parte da obra Master of Universe, uma produção realizada por uma fã a partir dos protagonistas dos livros da Saga Crepúsculo. Na narrativa, o tom romântico e fantástico da obra original foi trocado pelo viés do erotismo e do 1 Trabalho apresentado no GP Ficção Seriada do XV Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicação, evento componente do XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Doutor; professor na Universidade Federal do Pampa; membro do Observatório Ibero-americano da Ficção Televisiva (Obitel), email: [email protected] 3 Para designar o tipo de fã que além de consumir os produtos midiáticos também produz suas versões utilizaremos o termo prosumers, segundo a concepção de Alvin Toffler (1980). 1 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015 sadomasoquismo. A história ganhou destaque entre os fãs da história original, por sua abordagem de cunho erótico, uma vez que na obra de origem o assunto não foi abordado pelo posicionamento adotado pela autora. No Brasil, recentemente a Rede Globo, maior produtora de produtos televisivos nacionais, lançou um concurso4 destinado aos fãs da soap opera Malhação para a escolha de uma fanfiction para compor uma cena exclusiva da produção. Como resultado do concurso, a emissora criou um repositório5 com todas as ideias enviadas pelos telespectadores/internautas/usuários, configurando-se assim uma forma de diálogos com esses fãs e, por consequência, a inserção da produto da emissora de televisão neste cenário comunicativo. Esses exemplos servem para demonstrar a forma e poder do público na reconfiguração dos produtos midiáticos no cenário de grande presença das novas mídias no cotidiano. A introdução de novas tecnologias digitais junto à produção de meios tradicionais de comunicação promove uma multiplicidade de novas formas de produção, circulação e consumo das mídias. Tal conjuntura pode ser pensada a partir do contexto em que se desenvolve o processo da chamada “cultura da convergência” (JENKINS, 2008), que não se trata somente de transformações técnicas e tecnológicas, mas também de sociais e culturais. O cenário da convergência, conforme acena Jenkins (2008), não deve ser compreendido apenas como um processo tecnológico que une múltiplas funções dentro dos mesmos aparelhos, pois também define transformações mercadológicas, culturais e sociais, e depende da participação dos consumidores. Assim, a lógica produtiva da produção televisiva na Internet, no caso em questão, aproxima-se do fenômeno da inteligência coletiva, segundo a visão de Lévy (2003), marcado nesse momento pela convergência tecnológica e de linguagens pelas redes online. Quando Miller (2009) anuncia a reconfiguração da televisão devido à presença da Internet, acena também para esse novo cenário em que receptores se colocam também enquanto produtores, residindo na efetiva formação de um novo tipo de audiência midiática. Um tipo de “receptor” que, além de receber, compreender e interpretar o fluxo televisivo, procura a oportunidade de participar e compartilhar conhecimentos em comunidades na 4 http://gshow.globo.com/especial-blog/fanfic/post/sua-ideia-pode-virar-uma-cena-exclusiva-de-malhacao- saiba-como.html. Acesso em 10/06/2015. 5 www.gshow.globo.com/especial-blog/fanfic/1.html. Acesso em 10/06/2015. 2 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015 Internet. Este novo sujeito, que nasceu na era virtual, não aceita uma recepção “passiva” e não entende o consumo midiático como uma atividade isolada. No país como o Brasil em que a televisão está bastante presente no cotidiano dos sujeitos e nas dinâmicas sociais, políticas e econômicas da sociedade nas últimas seis décadas (RIBEIRO, SACRAMENTO, ROXO, 2010) é necessário pautarmos nossos estudos para esse novo contexto de produção e consumo dos produtos televisivos. Ainda que de forma incipiente, já começam a surgir comunidades online de prosumers brasileiros que, a partir do conteúdo de telenovelas e seriados, criam suas próprias produções e interagem com outros sujeitos sobre a produção televisiva. Não mais apenas comentam o que foi exibido pela TV, mas constroem suas versões e somam à contribuição de outros prosumers, como é o caso da Nyah! Fanfiction6, uma comunidade virtual de fanfictions em que as pessoas produzem suas narrativas a partir de outras originárias de diversas mídias e compartilham esse conteúdo com outros usuários. Diante desse cenário de comunicação midiático-digital, a presente pesquisa ainda de caráter exploratório, tem como objetivo analisar a produção de fanfictions sobre telenovelas no contexto brasileiro. Neste primeiro momento, nossas observações e coleta de dados foram focadas na telenovela Império (Rede Globo, 2014), utilizando do abordagem qualitativa, através das pesquisas exploratória, bibliográfica e documental; e da técnica da observação sistemática (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011; GASKELL, 2010). A coleta de dados e a observação da comunidade online ocorreu após a exibição da telenovela pela Rede Globo, quando todas as fanfictions estavam finalizadas, limitando-se assim ao primeiro semestre de 2015. As fanfictions no cenário midiático-digital Segundo Sá (2002), as fanfictions são histórias de ficção escritas por fãs a partir de personagens já existentes, seja na literatura, no cinema ou na televisão. Em sua discussão no momento em que o fenômeno ainda não tinhas as proporções atuais, a pesquisadora se baseia nas observações de Johnson (2001) que identifica este novo gênero literário como um exemplo típico da cultura das interfaces, em que os usuários não estão mais preocupados, exclusivamente, em narrar novas histórias, mas também contá-las a partir de suas perspectivas. 6 https://fanfiction.com.br/ . Acesso em 18/05/2015. 3 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015 Nesse processo de integração das tecnologias midiáticas com a digital, graças ao desenvolvimento da Web 2.0 (O’REALLY, 2005), a interação do usuário com a informação é o grande diferencial desta nova geração, possibilitando aos sujeitos a produção e o compartilhamento de conteúdo, transformando-os no que Toffler (1980) chamou de prosumer, ou seja, o indivíduo que produz algo para consumo próprio. Alargando esse sentido inicial de prosumer, Santaella (2003) considera que o usuário assume o papel tanto de produtor da informação quanto de consumidor da mesma. No atual cenário, os sujeitos podem tornar-se produtores, criadores, compositores, montadores, apresentadores, difusores de seus próprios produtos, utilizando as “novas mídias” (MANOVICH, 2001) para a distribuição desses materiais7. Com isso, “uma sociedade de distribuição piramidal começou a sofrer a concorrência de uma sociedade reticular de integração em tempo real. Isso significa que estamos entrando numa terceira era midiática, a Cibercultura”. (SANTAELLA, 2003, p.82) Entre as materialidades potencializadas a partir da atuação dos prosumers na cultura da convergência estão as fanfictions. Assim, os sujeitos receptores de conteúdos produzidos pela indústria cultural - no caso deste estudo do conteúdo televisivo - têm a iniciativa de manifestar suas impressões sobre esses produtos, de recriá-los e disponibilizá-los em meio eletrônico para compartilhar em comunidades virtuais suas experiências de recepção, produção e fruição. Martin (2007) considera que poderíamos incluir as fanfictions como “metaficções”. Alguns pesquisadores já observam o fenômeno das fanfictions há alguns anos contribuindo para uma melhor compreensão da cultura participativa em relação aos produtos midiáticos. Dentre esses trabalhos destacamos, entre livros, artigos científicos, teses e dissertações: Vargas (2005), Martin (2007), Siqueira (2008), Sachs (2012), D´Oliveira e Romanelli (2013), Magnoni e Miranda (2013), Bezerra (2014) e Santiago (2014). No entanto, nenhum desses estudos foca na produção e consumo de fanfictions oriundas da ficção seriada televisiva brasileira, mas sim no processo de reescrita da versão original de produtos televisivos, principalmente, series norte-americanas. Na visão de Vargas (2005), as fanfictions são textos que fãs criam inspirados em um enredo original, aumentando ou modificando o roteiro das histórias, acrescentando novos 7 Nesta pesquisa consideramos "novas mídias", conforme a concepção de Lev Manovich (2001), ou seja, são textos distribuídos em computador, websites, livros eletrônicos, etc., representando a convergência de duas trajetórias históricas: a computacional e a das tecnologias midiáticas. 4 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015 personagens e alterando as relações entre os já existentes. Os escritores/fãs são chamados de ficwriters, ou fanfiqueiros. Para Vargas, “a produção da fanfiction começou justamente pela iniciativa de fãs que sentiam necessidade de estender o contato com o universo ficcional por eles apreciado para além do material disponível, como o capítulo semanal de um seriado televisivo”. (2005, p. 21) Conforme Santiago (2014), a fanfiction pode ser entendida como a realização de uma integração tecnológica das várias formas de produção e venda de um produto, que permite aos consumidores o uso de um grande número de recursos e tem como base o conceito de “cultura participativa”, segundo o qual a participação dos fãs numa nova plataforma de interação, permite trocas rápidas de conteúdo e o acréscimo de novas ideias ou de recursos narrativos. Magnoni e Miranda (2013) acenam ainda que, atualmente, o consumidor desafia e questiona concepções de propriedade intelectual e industrial, à medida que faz circular material midiático comercial em redes de compartilhamento, principalmente quando os bens culturais distribuídos são resultados da apropriação e da alteração do conteúdo midiático comercial, como ocorre regularmente no caso das fanfictions, dos fanfilms ou das fanzines. Em comunidades presenciais e também nas virtuais, os consumidores defendem seus desejos e pontos de vista acerca do conteúdo midiático. A própria mídia comercial transfere autoridade para o público e o convida a interferir em seu conteúdo com o uso de votações, enquetes, promoções facilitadas pelos novos recursos instantâneos e interativos permitidos pelos dispositivos digitais. Ao tratar da relação entre convergência dos meios de comunicação, cultura participativa e inteligência coletiva, Jenkins (2008) aponta que vivenciamos um processo de transformação cultural, à medida que os consumidores são incentivados a procurar novas informações e a fazer conexões em meio a conteúdos midiáticos dispersos. O público ganhou poder com as novas tecnologias presentes no espaço de intersecção entre os velhos e novos meios de comunicação, agora ele solicita e faz questão do seu papel de participante. Esse atual cenário televisivo em que prosumers recriam narrativas a partir das obras originais e disponibilizam em sites converge com a ideia difundida por Jenkins (2008) de cultura participativa. Na visão do pesquisador, permite ao usuário comum apropriar-se dos artefatos culturais do nosso tempo, a partir de seus próprios termos, provocando seleções, inflexões, justaposições e mensagens de recirculação. 5 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015 Assim, um novo público produtor/consumidor de conteúdo emerge, trazendo mudanças na forma como a mídia é feita e consumida. Pensando esse cenário, Shirky (2011) aponta que as novas tecnologias permitem aos seus usuários criarem de forma colaborativa entre seus pares. Nesse sentido, o acesso a ferramentas baratas e flexíveis remove a maioria das barreiras para tentar produzir coisas novas, pois já não precisa de supercomputadores para direcionar o excedente cognitivo. Além disso, as novas mídias possuem uma característica tripla, pois as pessoas gostam de consumir, produzir e compartilhar, e isso, segundo Shirky, era algo que as mídias tradicionais não possibilitavam e que veio a ser fortalecido agora, com o desenvolvimento tecnológico e que vem cada vez mais criando uma infraestrutura coletiva e recíproca. As fanfictions de Império A coleta de dados desta pesquisa foi realizada na comunidade Nyah! Fanfiction, que além do site8 que serve como repositório das histórias, também possui perfil no Twitter9, com mais de 30 mil seguidores; canal no Youtube10 e fanpage no Facebook11 com mais de 88 mil seguidores. Na comunidade online encontramos produções de fãs relacionadas aos mais variados produtos midiáticos, sendo que naquele ambiente elas são divididas nas seguintes categorias: Animes/Mangás, Bandas/Cantores, Cartoons, Filmes, Jogos, Livros, Nyah!12, Originais, Poesias, Quadrinhos, Seriados/Novelas/Doramas. Nosso interesse de observação é sobre as produções relacionadas a telenovelas, sendo, que no total, encontramos 26 histórias de fãs sobre telenovelas produzidas pela Rede Globo, como: Alma Gêmea, Alto Astral, Além do Horizonte, Amor à vida, Avenida Brasil, A vida da gente, Babilônia, Boogie Oogie, Cheias de Charme, Cordel Encantado, Em Família, Fina Estampa, Flor do Caribe, Geração Brasil, Guerra dos Sexos, I Love Paraisópolis, Império, Lado a Lado, Laços de Família, Malhação, Meu Pedacinho de Chão, O Cravo e a Rosa, Salve Jorge, Sangue Bom, Sete Vidas e Viver a Vida. Além das produções brasileiras da Rede Globo, cabe ressaltar que os fãs produzem narrativas sobre telenovelas oriundas de outros países e exibidas no Brasil por emissoras como SBT, Rede TV e Record, tais como: A feia mais bela, A Madrasta, A Usurpadora, 8 Não estão disponíveis dados sobre a quantidade de acesso ao site ou o número total de fanfictions postadas. https://twitter.com/nyah_brasil. 10 https://www.youtube.com/channel/UC_tv1RJpSx6-Uu4dfvQCFMg. 11 https://www.facebook.com/Nyah.Brasil?fref=ts. 12 Categoria baseada nos personagens do Nyah! Fanfiction, Misaki e Seiji. 9 6 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015 Betty, a feia, Carinha de Anjo, Carrossel, Coração Indomável, Cuidado com o Anjo, Maria do Bairro, O diário de Daniela, Por ela sou Eva, Rebelde, Rubi e Sortilégio. Todas essas produções de fãs apresentam um número variado de capítulos, desde aquelas com apenas um (one shot) até as com mais de cem, aproximando-se da lógica da serialização. Além disso, apesar de serem originadas de um produto audiovisual, no site, elas apresentam-se apenas na versão textual com imagens estáticas apenas com forma de apresentação da narrativa a partir dos protagonistas. Como forma de definir melhor nossas observações e discussão, limitamo-nos a coletar as fanfictions apenas sobre a telenovela Império (Rede Globo, 2014)13. Sob autoria de Aguinaldo Silva, um dos mais populares escritores de telenovela brasileira, a produção exibida originalmente às 21 horas, entre 21 de julho de 2014 e 13 de março de 2015, em 203 capítulos obteve grande repercussão nas redes sociais, devido aos seus personagens de grande apelo popular. A narrativa é centrada em José Alfredo de Medeiros (Chay Suede/Alexandre Nero), o Comendador, dono de uma rede de joalherias. O protagonista tem três filhos com a aristocrata falida Maria Marta Mendonça e Albuquerque (Adriana Birolli/Lilia Cabral): José Pedro (Caio Blat), Maria Clara (Andreia Horta) e João Lucas (Daniel Rocha). Na comunidade Nyah! Fanfiction, em relação à telenovela Império, nossa observação foi delimitada pelas histórias indicadas como concluídas pelos usuários14, totalizando 30 no total, independentemente do número de capítulos. Entretanto, verificamos que variam entre produções com um (one shot) a cem capítulos. Predominantemente, as shippagens15 dos casais José Alfredo/Maria Marta e João Lucas /Eduarda, Malfred e Lucadu, respectivamente, centralizam a maioria das histórias16: as produções para Lucadu totalizaram 16, enquanto para Malfred, 13. Em seus títulos (Quadro 1), praticamente todas as histórias trazem referências a temáticas relativas ao melodrama e ao amor romântico, sendo que a maioria é escrita por pessoas com codinomes femininos: Jullyane s2, Uma Escritora Anonima, Thais Costa, Marii-_sw9n-, Bia, Mary, Isabella Silva, Lay, nibe12, Isabella Silva, AnaClaudiia, duda, 13 http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/novelas/imperio/imperio-trama-principal.htm. Dentro da comunidade há um sistema de busca que permite ter acesso apenas as produções finalizadas pelas usuários. 15 Shippar é um termo originado do sufixo das palavras inglesas friendship e realtionship (amizade e relacionamento). Na prática, quando os fãs gostam tanto de um casal juntam partes dos nomes dos integrantes para criar um só. 16 A produção Em busca do Suco de Laranja faz referência à telenovela Império e a outras produções recentes da televisão. 14 7 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015 Deborahh17, Nina Humbelle, Escritora, Lay, Senhorita D, AEspalhafatosa18, Ysabey, Ysabey, srtaribeiro, alinnee, Thay, queenmarta; há dois autores com perfis masculinos, Lucas Souza, Sr Toscano; e dois cujos gêneros não são identificáveis: Believe8, WaalPomps. QUADRO 1: Fanfictions sobre a telenovela Império. Título Diferentes LucaDu - Amor ou Amizade Quem de nós dois- Malfred Em busca do Suco de Laranja A descoberta de um amor Power of Love LucaDu Recomeço 4lucadu Se Conhecendo Sempre te amei Uma Vida Ao Seu Lado Um Amor Que Sempre Existiu Para sempre seu Eterno Amor! Ainda irá me amar? Odeio te amar Deslizes Amando um amigo Ele morreu MALFRED - Slipping Through My Fingers MALFRED - Our Last Summer 1 encontro –continuação 1 encontro Surprise, Malfred! Relatos do Comendador Por ele tudo mudou Recomeçar Porto Seguro Malfred Protagonistas Eduarda, João Lucas Eduarda, João Lucas José Medeiros, Maria Marta * Eduarda, João Lucas José Medeiros, Maria Marta João Lucas, Eduarda João Lucas, Eduarda João Lucas, Eduarda João Lucas, Eduarda João Lucas, Eduarda José Alfredo, Maria Marta João Lucas, Eduarda Maria Marta, José Alfredo João Lucas, Eduarda Maria Marta, José Alfredo Maria Marta, José Alfredo Maria Marta, José Alfredo João Lucas, Eduarda Maria Marta, José Alfredo Maria Marta, José Alfredo Capítulos 5 100 1 1 91 19 1 1 1 90 16 1 1 1 1 1 2 23 1 1 Comentários 31 273 0 0 573 122 4 4 2 1 485 115 5 7 2 1 7 15 116 4 7 Maria Marta, José Alfredo João Lucas, Eduarda João Lucas, Eduarda Maria Marta, José Alfredo Maria Marta, Íris, José Alfredo João Lucas, Eduarda João Lucas, Eduarda João Lucas, Eduarda Maria Marta, José Alfredo 1 1 1 1 1 7 1 1 2 2 1 1 1 1 0 2 5 7 Fonte: Nyah Fanfiction. Conforme podemos verificar no Quadro 1, a shippagem Lucadu é aquela com mais produções de fãs na comunidade, totalizando 16 produções; todas se apresentam como uma narrativa sobre o casal coadjuvante da telenovela, ressaltando algum aspecto presente na narrativa originária, como a rebeldia; a amizade do casal antes do romance; as dificuldades 17 18 Escreve mais de uma fanfiction. Escreve mais de uma fanfiction. 8 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015 enfrentadas por um jovem casal; e um final alternativo para aquele exibido na televisão. São elas: Diferentes, LucaDu - Amor ou Amizade, A descoberta de um amor, LucaDu, Recomeço, 4lucadu, Se Conhecendo, Sempre te amei (Imagem 1), Um Amor Que Sempre Existiu, Eterno Amor!, Amando um amigo, 1 encontro -continuação, 1 encontro, Por ele tudo mudou, Recomeçar, Porto Seguro. Apesar de todas essas fanfictions terem como centro as narrativas para o casal Eduarda e João Lucas, cabe destacar algumas especificidades entre elas. Dentre essas narrativas, algumas são construídas a partir do ponto de vista da personagem Eduarda, como é o caso de: 1 encontro e Por ele tudo mudou; a personagem Eduarda é centro da produção Se Conhecendo, que expande a narrativa de Eduarda, apresentando ainda outros personagens, como seus irmão Wanderson e Bianca; outras narrativas utilizam apenas o casal de personagens criados por Aguinaldo Silva e acrescentam outras histórias diferenciando-se da versão original, neste caso, temos como exemplo: Diferentes e Um Amor Que Sempre Existiu; assim como na história original que destacou a rebeldia do casal de jovens nos primeiros capítulos, o mesmo comportamento serve de argumento para a fanfictions LucaDu - Amor ou Amizade; por fim, há aquelas histórias que são produzidas como final alternativo em relação aquele exibido na televisão: Eterno Amor!, Recomeçar. IMAGEM 1: Capa da fanfiction Sempre te amei. 9 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015 Fonte: Nyah Fanfiction. Em relação ao casal de protagonistas na narrativa exibida na televisão, José Alfredo e Maria Marta, apesar não se aquele priorizado na história conduzida por Aguinaldo Silva, uma vez que o romance de maior destaque era com a personagem Maria Ísis (Marina Ruy Barbosa), nas fanfictions, a shippagem Malfred ganhou maior repercussão, totalizando 13 produções. Assim, como acontece com a shippagem Lucadu, os fãs em demonstração de afeto pelo casal popularizaram Manfred, que por sinal, aparece em grande parte dos títulos das produções de fãs criadas para este casal: Quem de nós dois- Malfred, Power of Love, Uma Vida Ao Seu Lado, Para sempre seu, Ainda irá me amar?, Odeio te amar, Deslizes, Ele morreu, MALFRED - Slipping Through My Fingers, MALFRED - Our Last Summer, Surprise, Malfred!, Relatos do Comendador, Malfred. Dentre essas fanfictions, a maioria tem como abordagem uma história alternativa para a shippagem Malfred, através das quais os fãs contam suas versões a partir dos personagens criados por Aguinaldo Silva (Quem de nós dois- Malfred, Uma Vida Ao Seu Lado, Ainda irá me amar?, Odeio te amar, Deslizes, MALFRED - Slipping Through My Fingers, MALFRED - Our Last Summer, Surprise, Malfred!, Malfred); em oposição ao final exibido na televisão, em que o personagem José Alfredo é assassinado pelo filho, foi criada a produção Para sempre seu em que ocorre o happy end entre o casal; em Power of Love é contada toda a trajetória da família Medeiros a partir da união e José Alfredo e Maria Marta; em Ele morreu, a história de cunho trágico conta como o casal protagonista reage após a morte de um dos filhos; por fim, Relatos do Comendador é construída a partir do ponto de vista do personagem José Alfredo. Serialização e fanfictions Para discutir a serialização das fanfictions da telenovela Império, dialogamos a partir da lógica de serialização da telenovela brasileira, visto que tais narrativas produzidas pelos fãs são originadas dessa obra televisual. No caso do roteiro da telenovela, para cumprir o compromisso de exibir uma história por cerca de 180 capítulos praticamente seguidos, os autores recorrem a uma espécie de “espraiamento dramatúrgico”: de forma mais rasa e superficial pode contemplar temas, tramas, núcleos de personagens muito numerosos e variados. (MACHADO, 2001). Nas narrativas criadas pelos fãs esse mesmo espraiamento é 10 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015 realizado para aquelas produções com um número elevado de capítulos, numa imitação à lógica produtiva da narrativa televisiva. A estrutura da história de uma telenovela como as produzidas da Rede Globo é esboçada num arco que cobre entre 120 e 200 capítulos diários (à exceção dos domingos) em média. Nesse sentido, percebemos a mesma preocupação de periodização dos fãs/autores das fanfictions com mais de 50 capítulos (LucaDu - Amor ou Amizade, A descoberta de um amor, Sempre te amei, por exemplo). Nas telenovelas, vários pontos de clímax de diversas hierarquias e proporções costumam ser planejados: além de seu arco maior, a história deve prever arcos menores que prendam o interesse do telespectador em curtos e médios intervalos de tempo (MACHADO, 2001); nas fanfictions, essa construção é feita a cada capítulo escrito e postado como forma de prender e ganhar a atenção de outros fãs, abordando ângulos da história não trabalhados na televisão, como é o caso de Império. Além disso, identificamos na estrutura das fanfictions influências do folhetim. Assim como se fazia no jornais do século XIX, nas radionovelas e nas telenovelas, nas produções dos fãs verificamos que as histórias são publicadas em formas de capítulos periódicos. Dessa forma, assim como os folhetins faziam no passado, tais narrativas contemporâneas exercem uma função de atrair o público, criar o hábito da leitura e incentivar o consumo diário. (SILVA, 2009) Contudo, diferentemente dos grandes meios comerciais, as produções dos fãs não têm qualquer ligação com empresas patrocinadoras, ou seja, não há qualquer capitalização sob a produção dessas narrativas, apenas o necessidade de compartilhar interesses em comum com outras pessoas conectadas em rede, seguindo a lógica da cultura participativa. As histórias, além dos protagonistas – Lucadu ou Malfred –, apresentam poucos personagens, com tempo e espaço bem definidos. Essa lógica das fanfictions converge com a noção de série se refere exclusivamente à estrutura narrativa, onde há uma situação fixa e um determinado número de personagens fixos, em torno dos quais há mudança de personagens secundários. (ECO, 1989) Assim, como a narrativa seriada da televisão, nas fanfictions o enredo é geralmente estruturado sob a forma de capítulos ou episódios, cada um deles postado diariamente na comunidade pelo autor/fã. Conforme consta no trecho abaixo, diferente das narrativas audiovisuais ou dos romances tradicionais, tais histórias são contadas geralmente sem grandes descrições, mas fixadas no ponto de vista de uma das personagens ou nos diálogos entre os protagonistas. 11 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015 Notas do capítulo Gente to começando essa história, pois muitos estão querendo... Então vamos lá comentem e acompanhe espero que gostem! Por Du Eu realmente não acredito no que vi, ta pra muitos pode ter sido apenas um abraço mais poxa depois de tudo ver o Lucas abraçando a Ísis daquele jeito como se fosse apaixonado por ela ainda se é que ele deixou de ama lá em algum momento né.. Não pensei em nada só queria sair dali, Lucas ao perceber que eu tinha visto toda aquela ceninha largou Ísis e veio atrás de min, sair disparada nem se quer olhei pra trás enquanto ele chamava meu nome, segui em direção a garagem e peguei o carro dele já estava com a chave em mãos apenas liguei o carro e sai dali sim eu estava indo para longe do Lucas e da paixão platônica dele. Mais e meus filhos? Pensei enquanto dirigia não sei pra onde, sim eu iria voltar mais agora não meus bebês estão ótimos. Lágrimas descia pelo meu rosto e embaçava a minha visão, via toda hora o Lucas e a Ísis abraçados na sala de casa e foi nesses pensamentos que vi um carro invadir a minha pista e não enxerguei mais nada. (Trecho de cabeçalho da fanfiction A descoberta de um amor19) JL: Du, Du espera não foi nada disso Du,Du espera. Gritei mais foi em vão ela apenas entrou no meu carro e saiu Ísis: Lucas o que foi? A Du ela ... JL: Sim a Du entendeu tudo errado Ísis, disse passando a mão na cabeça desesperado MI: Lucas desculpa eu não queria, que dizer a minha intenção jamais foi... JL: Tudo bem,eu vou pegar o carro da minha mãe e ir atrás dela tá? A gente se fala depois, disse subindo correndo para pedir a chaves para Silviano que assim que soube o motivo me entregou, pedi para as babás ficarem de olho nos lekinhos e partir atrás de Eduarda no caminho meu celular toca atendo rapidamente ao perceber que era ela JL: Oi Du, Du pelo o amor de Deus não foi nada do que você pensou eu... **: Alô? Você é o que da dona do celular? JL: Alô? Eu sou marido dela quem é você? Cadê minha mulher? **: A sua mulher capotou o carro e não paresse esta bem JL: Onde que foi? Passa o endereço estou indo pra ai, disse lágrimas descia no meu rosto o homem de imediato me passou o endereço mandei a levarem para a clinica e pisei no acelerador naquele momento nada mais me importava só queria chegar rapidamente perto de Du. (Trecho de diálogo da fanfiction A descoberta de um amor20) Frequentemente, esses capítulos incluem, no início, uma pequena contextualização sob o ponto de vista de algum personagem a partir de uma situação cotidiana do casal para depois ser continuada por diálogo entre as personagens. Esse tipo de serialização construído a partir a obra televisual segue a lógica já descrita por Machado (2001), ou seja, uma a única narrativa que se sucede mais ou menos linearmente ao longo de todos os capítulos. Contudo há os casos das fanfictions com apenas um capitulo (one shot), em que uma história bem específica dos personagens favoritos do fã é abordada; cada emissão é uma história completa e autônoma, com começo, meio e fim. 19 20 https://fanfiction.com.br/historia/590732/A_descoberta_de_um_amor/capitulo/1/ https://fanfiction.com.br/historia/590732/A_descoberta_de_um_amor/capitulo/1/ 12 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015 Considerações finais Ao observamos as produções dos fãs sobre a telenovela Império, percebemos como o atual cenário da cultura participativa e da web 2.0 permite que os usuários possam também participar na produção de conteúdo, se apropriando daqueles já existentes por parte dos grandes produtores, como é o caso da televisão. Apesar de vivermos um cenário de narrativas transmidiáticas (JENKINS, 2008), a oferta transmidiática das emissoras de televisão ainda não favorece plenamente a interatividade das audiências; estas têm por meio de suas apropriações tecnológicas modificado a maneira de se vincular a suas telenovelas e séries favoritas através dos remix e dos memes. (LOPES; OROZCO GÓMEZ, 2014) A partir da observação da comunidade online, onde além de postarem as fanfictions, podemos ter acesso aos comentários dos leitores dessas narrativas, averiguamos que esses conteúdos são não apenas compartilhados, mas também discutidos, contestados, elogiados e reelaborados em forma de outros conteúdos, outras narrativas. A partir da experiência da produção de histórias por fãs de telenovela brasileira, estabelece-se, portanto, uma nova forma de ver e consumir a ficção seriada, que se estende para muito além do veículo original, neste caso, em relação ao produto audiovisual de maior difusão no cotidiano dos brasileiros: a telenovela Nesse cenário de convergência entre a comunicação midiática e a digital, materializado na relação entre a ficção seriada televisiva e a atuação dos prosumers, respectivamente, as “audiências criativas” (CASTELLS, 2009) contribuem para a extensão da narrativa para outras mídias, envolvendo também a participação na produção de conteúdo, o que potencializa práticas de cultura participativa e criativa. REFERÊNCIAS BEZERRA, Beatriz Braga. Fanfiction: Possibilidade Criativa nos Ambientes Digitais. Revista Temática. Ano X, n. 03 – Março/2014. CASTELLS, Manuel. Communication power. New York: Oxford University Press, 2009. D’OLIVEIRA, Beatriz; ROMANELLI, Marina. 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