A UTILIZAÇÃO DO SOFTWARE STELLARIUM PARA O ENSINO DE ASTRONOMIA. Mariel Andrade1, Janaina Silva2, Alberto Araújo3 Introdução Desde criança ouvimos falar sobre os fenômenos que permeiam o céu, entretanto nem sempre temos concepções corretas sobre as verdadeiras causas desses fenômenos. Nas ultimas décadas têm se realizado diversas pesquisas no campo das concepções alternativas de estudantes e professores sobre fenômenos relativos à Astronomia [1,2,3,4].Podemos elencar algumas dessas concepções alternativas como, por exemplo, as diferenças entre as estações do ano são atribuídas à distância entre a Terra e o Sol; as fases da Lua são interpretadas como sendo provocadas pela sombra da Terra; a existência de estrelas entre os planetas do Sistema Solar; a associação da presença da Lua exclusivamente ao céu noturno, sem notar o seu aparecimento durante certos dias em plena luz do Sol; confusão entre Astrologia e Astronomia; o entendimento de que o Sistema Solar termina em Plutão. Outras pesquisas apontam que até mesmo entre docentes verifica-se a persistência de concepções alternativas, semelhantes àquelas diagnosticadas em estudos realizados com estudantes [5,6]. Na literatura podemos encontrar também autores que apontaram erros conceituais nos livros didáticos adotados pelos professores, um fato interessante é que estes erros foram identificados como tendo relação com as concepções alternativas indicadas anteriormente [7]. Nesse sentido podemos perceber que o professor que atua nas séries do ensino fundamental que trabalha conceitos relativos a astronomia precisa ter uma boa formação para que esses profissionais identifiquem os eventuais erros e oriente os alunos a formarem as concepções aceitas pela comunidade científica. Nessa linha, vários autores têm estudado as estratégias de cursos de formação de professores em relação às concepções espontâneas com professores [8,9]. Na busca da melhoria dessas concepções, alguns trabalhos têm abordado recursos digitais para o ensino de astronomia [10,11]. Este trabalho pretende contribuir para formação dos professores na medida em que explicitamos as potencialidades educacionais de um software livre (Stellarium1) destinado a simulação dos movimentos dos corpos celestes. Esse programa pode ser adquirido de forma gratuita na internet, sendo possível, adicionar 1 1 Disponível em: http://www.stellarium.org/pt/ novos elementos e criar scripts para criação de animações personalizadas. Metodologia Por ser um software livre, o Stellarium pode ser facilmente adquirido sem custos pela internet. A sua Instalação é simples e não é necessário um computador com uma configuração avançada, sendo possível utilizálo na maioria dos computadores pessoais encontrado nos laboratórios de informática das escolas. Nesse trabalho investigamos alguns fenômenos astronômicos que podem ser simulados utilizando o Stellarium. Além de selecionar os fenômenos, fazemos um paralelo com as principais concepções alternativas relativas a esses fenômenos. Dessa forma, o Stellarium pode contribuir de forma significativa na melhoria das concepções dos estudantes. Resultados Os dias, as noites e as estações do ano O fenômeno mais simples de simular no Stellarium é a sucessão de dias e noites. Para esse fim, podemos utilizar o Stellarium para localizar o observador em qualquer local sobre a superfície da Terra, escolhendo a cidade ou entrando diretamente com as coordenadas geográficas. Uma concepção espontânea comum é afirmar que a Lua só é visível durante a noite, ou que nesse período o Sol se esconde por traz das montanhas ou algum outro obstáculo [12]. Essa afirmação demonstra desconhecimento sobre o movimento de rotação da Terra. Assim, utilizando o Stellarium de forma a simular a remoção da camada atmosférica, podemos mostrar aos alunos que a Lua poderia sim ser vista durante o dia,no entanto isso é impedido pelo espalhamento da luz do Sol na atmosfera. Também podemos simular o desaparecimento da superfície da Terra, demonstrando que durante a noite o Sol se encontra do lado oposto da superfície da Terra. É comum nos os livros didáticos afirmarem que o sol nasce no Leste e se põe no Oeste, isso gera a falsa idéia Programa de Pós-graduação em Ensino das Ciências, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, PE – [email protected] 2 Universidade Federal Rural de Pernambuco – UAG - PE – [email protected] 3 Programa de Pós-graduação em Ensino das Ciências, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, PE - [email protected] de que é sempre assim, com o Sol nascendo e se pondo exatamente nesses pontos [13]. Assim, configurando o Stellarium para exibir as marcações dos pontos cardeais, e, aumentando a velocidade do tempo, de forma que possamos ver os dias no decorrer do ano, fica fácil perceber quando o Sol nasce no ponto leste, quando nasce mais ao norte ou quando nasce mais ao sul, como ilustra a figura 1.C. Apresentando assim, de forma mais simples conceitos como solstícios, equinócios e estações do ano. Para nossa latitude (~8o Sul), essa visualização assume maior importância tendo em vista a pouca mudança na inclinação relativa do Sol durante o ano. Em sala de aula, essa simulação poderia ser usada como introdução ao tema das estações do ano, onde será discutido o porquê das estações do ano bem como o significado dos solstícios e dos equinócios. Uma das concepções alternativas sobre as estações mais bem documentada na literatura é a que afirma que o fenômeno das estações do ano decorre da aproximação e afastamento da Terra em relação ao Sol [14]. O Stellarium ainda permite visualizar o Sol e a Terra a partir de um observador localizado fora do Sistema Solar. Com isso podemos simular o movimento da Terra em torno do Sol e perceber que sua orbita é praticamente uma circunferência. [15]. As fases da lua O fato da Lua apresentar diferentes formatos com o passar dos dias, chama a atenção das pessoas desde a antiguidade. No entanto, diversos trabalhos têm demonstrado que apesar de enunciar o nome dado as diferentes fases, há pessoas que tem dificuldade de explicar o porquê dessa mudança de aparência, chegando a argumentar que existe uma lua para cada fase, ou seja, uma Lua Cheia, uma Lua Minguante e assim por diante. [16,17,18]. Utilizando o recurso de simulação dos dias e das noites do Stellarium, podemos acelerar o tempo e percorrer o intervalo de um mês em poucos segundos. Nesse intervalo de tempo iremos perceber as mudanças sofridas na aparência da Lua como ilustra a figura 4. Nessa simulação são percebidos os detalhes da mudança de aparência, levando o estudante a verificar que ela ocorre de forma gradual, o que no dia a dia raramente é observado. Os eclipses Os eclipses acontecem quando um astro deixa de ser visível devido à interposição de outro astro entre ele e o observador ou por deixar de ser iluminado ao adentrar no cone de sombra de outro astro. Aqui na Terra temos os eclipses solares e lunares. No eclipse solar é o Sol que é ocultado pela Lua, enquanto que no eclipse lunar a Lua entra no cone se sombra da Terra fazendo com que os raios solares não sejam refletidos pela sua superfície. Pesquisas têm demonstrado dificuldades na compreensão por parte dos estudantes do que é e da causa dos eclipses [19,20,21], segundo essas pesquisas há diversos nuances sobre o tema que são desconhecidos ou entendidos de forma errada como, por exemplo, a fase da Lua em que ocorre os eclipses, a sua periodicidade e as causas desse fenômeno. A ocorrência de eclipses em um mesmo local na Terra é bastante rara, mas utilizando o Stellarium podemos simular esses eventos e utilizá-los como motivação para um estudo dos eclipses. O Stellarium permite ainda simular a variação da luminosidade na atmosfera causada pelo eclipse do Sol. Também podemos demonstrar aos alunos que há fases da Lua específicas em que podem ocorrer os eclipses solares e lunares. Considerações finais Neste trabalho discutimos as potencialidades educacionais proporcionadas pelo software Stellarium. Apesar da importância que uma simulação assume devido a sua versatilidade com a possibilidade de controle de parâmetros como tempo, atmosfera, localização, etc., temos que registrar que é de vital importância que o professor complemente as atividades executadas nos simuladores com observações do céu. Além do aspecto emotivo da observação real, um aspecto que é salientado por Medeiros [22] é que a simulação é um modelo simplificado da realidade, sendo a realidade muito mais complexa, havendo assim um risco do uso da simulação não atingir os objetivos pedagógicos esperado pelo professor. Referências [1] NARDI, R.; CARVALHO, A. M. P. Um estudo sobre a evolução das noções de estudantes sobre espaço, forma e força gravitacional do planeta Terra. Investigações em ensino de ciências, v.1, nº2. Porto Alegre. UFRGS. 1996. [2,18] BARRABÍN, J. M. qué hay veranos e inviernos? Representaciones de estudiantes (12-18) y de futuros maestros sobre algunos aspectos del modelo Sol-Tierra. Enseñanza de las Ciencias, v.13, n.2, p.227-236, 1995. [3] CAMINO, N Ideas previas y cambio conceptual en Astronomía. Un estudio con maestros de primaria sobre el día y la noche, las estaciones y las fases de la luna. Enseñanza de las Ciencias, v.13, n.1, p.81-96, 1995. [4] VOSNIADOU, S., & SKOPELITI, I. (2005). 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